13. Alguém que estenda a mão

🦋 CALLIE

Foi uma noite muito longa pra mim. Rafe não falou muita coisa quando voltamos pra casa, apenas comeu metade de uma pizza e se deitou na cama com os olhos marejados. Parecia ferido, emocionalmente falando. Seu sono foi agitado e como ele se recusou a me soltar, foi difícil descansar. Ainda tinha a maldita tempestade que mais parecia um furacão prestes a levar minha casa embora. Rafe soltou palavras desconexas enquanto dormia, muitas tinham a ver com as irmãs ou com o pai, demonstrando certa preocupação, a palavra desculpa também se fez muito presente.

Tudo que fiz foi acariciar seu cabelo numa tentativa de acalmar seus pensamentos mas não adiantou. Rafe se mexeu o tempo todo e suou frio na maior parte da noite, mesmo assim não o soltei, queria que ele se sentisse acolhido pelo menos nesse momento. Pelo menos até que tenhamos decidido o que fazer.

Quando me levanto, um pouco cedo demais pro meu gosto, estou convicta de que o certo a se fazer é convencer o Rafe a se entregar. Seria uma conversa difícil e com certeza o que viria a seguir seria ainda pior mas era necessário. Admitir nossas falhas nos tornava humanos e pagar por nossos pecados redimia nossa alma, e era isso que eu queria pra ele. Um recomeço. E eu faria o que fosse preciso para ajuda-lo nisso.

Desço as escadas até o andar debaixo, invadindo a cozinha a procura de algo pro café da manhã. Não ligo a televisão, não querendo ver as noticias ruins após a tempestade de ontem, não precisava de mais tragédias em minha vida. Preparo sanduíches e um pouco de café bem forte, acho que ajudaria Rafe com a abstinência e com certeza me ajudaria a ficar acordada depois da péssima noite de sono. Também pego um pacote de biscoitos e um pouco de cereal, não sabia quanta fome ele sentiria quando acordasse.

Quando boto tudo na bandeja meu pai entra pela porta, enrolado em um roupão e com o rosto amassado de sono. Seus olhos descem de meu rosto até a bandeja a minha frente.

— Ele está aqui? — pergunta, se aproximando.

Confirmo com a cabeça.

— Ele tem passado por alguns problemas...

— E resolveu se esconder no quarto da minha única filha?

Reviro os olhos.

— Estou um pouco velha pra ciúmes — provoco, com um sorriso.

Papai não sorri.

— Você ainda é uma criança pra mim.

— Pai — resmungo, cruzando os braços.

Meu pai pigarreia e se aproxima com a ajuda de sua bengala. Seus olhos claros pareciam um tanto desconfiados.

— Se ele vai ficar sempre aqui em casa é melhor que eu o conheça — prossegue, se sentando na cadeira da mesa. — Estão namorando?

— Eu acho que sim — respondo.

Minha resposta não o agrada.

— Acha?

— Nós estamos pai mas... Sério que quer conhece-lo?

— É claro.

Faço careta.

— Você nunca gosta de ninguém que eu gosto.

— Eu gosto do JJ — responde prontamente.

— Eu não transo com o JJ.

— Callie... — ele me censura.

— Desculpa — respondo de imediato, desviando os olhos.

Encaro a bandeja de comida a minha frente pensando em como fazer da reunião entre meu pai e Rafe um ambiente agradável. Papai adorava pressionar as pessoas até que sucumbam e o Rafe... Bem... Ele não sabia lidar com a pressão. Eu temia algum incidente que resultasse em ódio profundo de ambos os lados.

— Eu só quero saber com quem minha filha está andando.

— Você já sabe com quem — resmungo, cruzando os braços. — Se for pra dar outro xilique que nem fez com o John B eu não vou traze-lo. Fique avisado.

Para minha surpresa meu pai não ri, mesmo adorando falar sobre aquele dia.

— Ah! O John B...

Seus olhos sérios me deixam um pouco curiosa.

— O que?

Ele tira o celular do bolso, mexe nele por alguns segundos e o arrasta pela mesa em minha direção. Estava aberto em um site e nele havia o rosto de John B e de Sarah, irmã do Rafe.

— Está em todos os jornais — murmura, com a voz sombria. — Parece que eles estavam em uma lancha na tempestade de ontem... Não os encontraram.

Afasto o celular rapidamente, não querendo mais ver  aquilo enquanto processo o que meu pai havia acabado de dizer. Era difícil de acreditar.

— Isso não é verdade — digo, com a voz trêmula. Eu conseguia sentir meu coração ameaçando sair pela boca.

— Olha Callie, eu não inventaria isso...

— Não — o interrompo. — Não é verdade que isso aconteceu.

— Callie...

— Eu tenho que subir — respondo, pegando a bandeja em minhas mãos.

A aperto mais do que o necessário com medo de que ela escape.

— Ainda não acabamos...

Dou de ombros, indo até a porta da sala.

— O Rafe está como fome pai... Mais tarde a gente conversa.

Subo as escadas em trotes, sem me importar em derramar um pouco de café na bandeja. Coloco tudo na mesa de meu quarto e respiro profundamente tentando acalmar meu coração. Quando me viro, praticamente dou um salto, vendo que Rafe já estava acordado e sentado na cama.

Ele sorri pra mim com o canto da boca, parecendo ter se divertido com meu susto. Apesar do sorriso sua expressão parecia péssima e algo me dizia que iria piorar.

— Bom dia, está se sentindo melhor? — pergunto, já temendo sua reação.

Ele percebe meu tom de voz hesitante e consigo ver isso pela maneira que mexe as sobrancelhas.

— Não muito.

Assinto e me sento na cama, bem de frente pra ele. Rafe se aproxima de mim, juntando nossos narizes. Ele fecha os olhos, respirando profundamente.

— Tenho uma coisa pra te contar, preciso que busque ficar calmo ok? — peço, ainda com o nariz contra o seu.

Rafe se afasta imediatamente, com os olhos alarmados.

— Ok.

Como eu iria falar isso pra ele? Como contar que sua irmã estava desaparecida no mar?

— É sobre a Sarah — começo, fazendo uma pausa mas ele não demonstra reação. — Ela e o John B estavam numa lancha e então houve a tempestade e... O barco sumiu.

— Ela...?

— Eles ainda não foram encontrados.

Um barulho esquisito sai de sua garganta enquanto ele abaixa a cabeça. Seus ombros caem, como se um peso houvesse se instalado em cima dele. Meus olhos ficam marejados enquanto penso no pior mas afasto meus pensamentos e lágrimas, querendo servir como apoio no momento e não ser alguém que precisa de ajuda.

Rafe ergue seus olhos até os meus, exibindo lágrimas que escorriam por seu rosto. Percebo suas mãos trêmulas enquanto ele as ergue e passa no cabelo, seu movimento bruto aparentava raiva.

— Eu não sei mais quanta merda eu sou capaz de aguentar — murmura, com a voz falha.

Coloco minha mão em seu ombro.

— Isso não quer dizer que morreram, Rafe, pode só ter sido...

— Eu não sei se vou aguentar — me interrompe, se pondo de pé.

— Você vai ficar bem — insisto, enquanto o via andar de um lado pro outro.

— E se eu não ficar? E se eu não estiver bem? Eu tenho todos esses pensamentos e eu não sei se consigo controlar eles... Eu estou com medo — admite e isso parte meu coração. — Eu preciso de ajuda, ok?

Merda e eu sabia quem podia ajuda-lo.

— Vamos resolver isso. Eu... Eu sei quem pode ajudar — digo, um pouco hesitante. — Mas pra isso precisa prometer que vai ser completamente sincero.

Me ponho de pé, parando bem na sua frente. Rafe nega com a cabeça várias e várias vezes.

— Eu não quero falar sobre a xerife Pet...

— Não precisa falar sobre ela — interrompo. — Só precisa dizer como realmente se sente. Acha que consegue fazer isso?

Ele assente.

— Eu consigo.

Me aproximo dele, o envolvendo em um abraço. Seu tronco nu tinha cheiro de suor e lágrimas e apesar de estar trêmulo Rafe não demora muito pra se acalmar sob meu toque. Eu gostava da sensação de acalma-lo.

— Vamos comer agora e depois tomar um banho mas preciso que me prometa: nada de pó e maconha, entendeu?

— Entendi — responde de prontidão.

— Você vai ficar bem — murmuro contra seu pescoço, mais pra mim do que pra ele.

Sinto sua mão acariciando meu cabelo.

— Eu não mereço você.

Me afasto imediatamente.

— Não diga essas coisas — o censuro.

Rafe usa seus dedos pra colocar meu cabelo atrás da orelha.

— É a verdade.

— Não é pra mim — garanto.

Rafe e eu comemos em silêncio. Eu não queria tocar no assunto da xerife nesse momento tão delicado e com John B desaparecido no mar parecia quase irrelevante pensar nisso. Algo em meu coração se recusava a acreditar que eles estivessem mortos e me pergunto qual a influência de Rafe nisso... Eu apenas não acreditava ou estava me recusando a acreditar por ele? Deixo esses pensamentos flutuando em meu cérebro conforme o observava.

A expressão em seu rosto era indecifrável.

Levo as coisas pra cozinha no momento em que meu pai sai de casa, me dando tempo pra chorar em paz enquanto lavava as louças. Haviam tantos sentimentos mal digeridos em mim, tanta tristeza e tanta angústia... Eu não conseguia parar de me sentir mal a todo segundo.

Quando volto pro andar de cima consigo ouvir o barulho do chuveiro, indicando que Rafe estava lá. Aproveito para desbloquear meu celular e enviar uma mensagem pra JJ mas ele não recebe. Isso me deixa pensativa sobre o que ele estaria fazendo e meus dedos coçam pra tentar contato com Pope e Kiara. Ocupo minha cabeça marcando uma consulta para Rafe, que graças a uma chantagem emocional é marcada pro horário do almoço.

Só percebo que o banho de Rafe havia acabado quando ele sai do banheiro enrolado numa toalha. Seu tronco ainda estava úmido e percebo que seu cabelo havia... Sumido.

Eu havia assistido The Walking Dead e quando o cara raspou a cabeça não significou algo bom. 

— Nossa você... — procuro palavras que agora pareciam escassas. — Você raspou a cabeça?

Rafe passa a mão por seu cabelo agora tão curto que não mudava perante seu toque. Logo entendo sua mania com os cabelos, como se ele fosse capaz de arranca-los na mão em alguns momentos.

— Estava me irritando — responde, simplesmente.

Isso me faz sorrir.

— Ai você simplesmente tira tudo fora?

— Não gostou?

Fala sério, não havia como não gostar. Eu passei muito tempo da minha vida com o JJ zoando o cabelo lambido dele e agora... Parecia perfeito. Realçava seu rosto tão bonito e o deixava... Incrivelmente sexy.

— Eu gostei mas...

— Então o resto não importa — me interrompe, se aproximando de mim.

A primeira coisa que faço é passar a mão por sua cabeça, sentindo a textura boa de seus fios curtos. Rafe fecha os olhos perante meu carinho.

— Ficou gostoso assim — admito.

Ele sorri com o canto da boca.

— Entendi, tem queda por carecas.

Nego com a cabeça.

— Eu tenho uma queda por você.

Rafe me espera enquanto tomo meu banho e nos trocamos em silêncio antes de sairmos de casa. Ele insiste que está bem pra dirigir mas eu recuso, chamando um táxi. Não queria ele dirigindo uma moto pra cima e pra baixo quando obviamente não estava em condições de fazer isso. Era perigoso. Tanto pra ele quanto pra mim.

O táxi chega depois de alguns minutos e Rafe passa todo o caminho com suas duas mãos em cima da minha, elas estavam geladas e suavam frio. Seus olhos fechados, sua expressão e os movimentos que sua boca fazia me deixavam curiosa sobre o que se passava em sua mente. Poucos minutos se passam até que estacionamos em frente ao hospital da ilha. O único.

— Espera, me trouxe pro hospital? — pergunta Rafe, franzindo as sobrancelhas.

— Pra onde mais achou que iria?

— Eu não estou doente!

Agora ele estava se comportando como criança.

— Você tem um problema Rafe, você me disse isso e eu conheço alguém que pode te ajudar — explico, tentando colocar a ideia em sua cabeça. — Você confia em mim?

Rafe demora alguns segundos pra responder.

— Eu confio.

Eu pago o motorista e descemos do táxi, seguindo em direção a entrada do hospital. Nós andávamos com as mãos entrelaçadas e o contato me permitia absorver um pouco do nervosismo de Rafe. Era engraçado, como uma criança que vai no dentista pela primeira vez. Os corredores estavam meio vazios, pelo menos na área dos consultórios.

Nos sentamos nos bancos vazios da ala psiquiátrica e Rafe é rápido em perceber o grande nome na placa bem a sua frente. Doutora Cornelia Miles. Ele me encara imediatamente.

— Espera, é a sua mãe?

— Ela é psiquiatra — respondo. — Vai conseguir te ajudar. Você vai lá e eu te espero aqui, certo?

Seus olhos pareciam curiosos e repletos de questionamentos mas ele não deixa nada disso explícito, apenas assente em minha direção. Observo enquanto ele abre a porta e entra dentro do consultório, me gerando uma ansiedade descomunal.

Uma eternidade parece ter se passado até Rafe sair de lá de dentro. Milhares de cenários terríveis passaram por minha cabeça durante esses longos minutos o que acabou me gerando certa ansiedade. Eu odiava esse sentimento novo que eu havia adquirido... Nunca me considerei ansiosa mas agora parecia impossível não ser.

Rafe sorri sem mostrar os dentes mas percebo que não fecha a porta atrás de si. Isso me deixa nervosa.

— Ela quer falar com você — diz, com as sobrancelhas franzidas. Parecia preocupado.

Isso me surpreende já que desde que a exclui completamente da minha vida ela tem devolvido na mesma moeda e ignorado o fato de que um dia pariu uma criança.

— Sério?

Rafe assente, segurando a porta.

— É. Eu espero você aqui.

Reflito por alguns segundos e me levanto mesmo sem saber se essa era uma boa ideia. Tanto faz, afinal, o que de pior ela poderia fazer pra mim? Sua secretária abre a porta de sua sala e percebo o quão gelado era lá dentro, tudo pelo maldito ar-condicionado. Forço minhas pernas a se mexerem.

— O que foi? — pergunto, cruzando meus braços.

Consigo ouvir a secretária fechando a porta atrás de mim.

Minha mãe parecia comigo. Os cabelos eram um pouco mais escuros, os olhos eram castanhos e seu rosto agora era tomado por rugas mas ainda parecida comigo. Fazia meses que eu não a via, anos desde que fui morar com meu pai mas o sentimento de olha-la nos olhos ainda era o mesmo. Decepcionante.

— Está tão bonita — ela diz, ajeitando o óculos em seu rosto.

Isso não me amolece.

— Obrigada.

— Estou feliz por ter vindo.

— Eu precisava da sua ajuda — explico, soando rude. — Rafe precisava.

Sua expressão se torna preocupada, como a maior das atrizes de Hollywood.

— Não está com ele, está?

— Não é da sua conta — respondo de prontidão.

Minha mãe sorri, mesmo não demonstrando bom humor.

— Bom, na verdade acabou de se tornar da minha conta. Rafe claramente tem Borderline e no caso dele parece estar bem fora de controle.

— O que é isso?

— Resumidamente ele tem certa instabilidade em seu humor e comportamentos. Pode ter sensação de inutilidade, insegurança, impulsividade... Tudo isso obviamente prejudica suas relações sociais além de seu desenvolvimento como pessoa. Ele me falou sobre os pensamentos... Violentos. Sobre a raiva.

Automaticamente coloco minhas mãos atrás das costas, temendo que ela visse o meu pulso.

— Ele não vai me machucar.

— Mas sou sua mãe então tenho que te dizer... Tome cuidado. E garanta que ele tome os remédios e venha aqui nos dias marcados.

— Quanto isso vai ficar?

— Não vou cobrar de você.

Dou de ombros.

— Bom, é mesmo o que eu esperava.

— Callie... — ela murmura, fazendo com que eu hesite antes de abrir a porta. — Eu sinto saudades.

Isso não me amolece nem um pouco.

— Acontece.


Oi oi! Obrigada pelos votos e comentários, tô muitooooo feliz! Em agradecimento, toma mais um capítulo de surpresa rsrs
A quem interessar: assim que finalizar essa história vou estar postando outra com o Rafe, a sinopse já está disponível, só entrar no perfil. O nome é BREAKING FREE.
Vai ser uma história mais feliz eu prometo :)
Abraços!

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