10. Como eu pude?

🦋 CALLIE

Repasso todos os pontos que meu pedido de desculpas deve ter umas mil vezes antes de descer da bicicleta e assim que me aproximo da casa dos Glistens vejo uma menina parada em frente a porta. Sua fisionomia era parecida com a garota do solstício, me indicando que provavelmente essa era a irmã mais nova de Rafe.

Me aproximo em passos hesitantes.

— Hm, oi — a garota diz, enfiando a mão dentro de um vaso na varanda.

— Oi.

Ela dá meia volta e usa uma chave pra destrancar a porta. Seus óculos grandes combinavam com seu rosto redondo e exibiam certa familiaridade com os traços de Rafe.

— É uma das garotas do Rafe? — ela pergunta, passando pela porta.

Isso me deixa um tanto confusa.

— Uma das... Garotas?

Um sorriso divertido surge em seus lábios enquanto seus olhos ganham um tom de humor. Ela me chama com a mão.

— Vem.

Ela não me espera e sai andando pela casa enquanto eu fechava a porta, sem nenhuma cerimônia. Me apresso para acompanhar seus passos e ver para onde estava indo. Ela passa por uma porta de vidro e eu a acompanho, indo direto pra uma varanda.

— Rafe... — ela chama.

Meus olhos e os dele se cruzam e seu primeiro instinto é virar a capa de sua revista com mulheres nuas pra baixo. Fecho a minha cara, já odiando a ideia de ter vindo aqui.

— O que está fazendo aqui? — ele pergunta, ignorando completamente a presença da irmã.

— Topper me contou que estava aqui... — respondo, cruzando os braços. Não me animou nem um pouco ter que pedir ajuda a Topper mas ele até que foi simpático pelo menos. — Encontrei sua irmã.

Rafe olha pra garota, que sorri sem nenhum humor. Acho que ela havia percebido que ele não deu muita atenção a sua presença mas isso não pareceu afeta-la de nenhuma maneira.

— Querem um pouco? — pergunta, apontando pro bong na mesa a sua frente.

Faço careta.

— Está mesmo me oferecendo drogas? Eu tenho 13 anos!

Respiro profundamente me recusando a encarar o rosto de Rafe e chocada demais por ter presenciado essa cena. Não acredito que ele ofereceu drogas pra irmã... Ela é praticamente uma criança.

— Que lugar maneiro... — a irmã diz, depois de alguns longos segundos. — Como convenceu os Glistens a deixar você ficar aqui?

— Não contei pra eles, eles estão fora no verão então fica de bico fechado — diz e se vira pra mim. — As duas.

— Não acha que isso pode trazer problemas? — pergunto, mas acho que ele sabia muito bem que sim.

— Não se não descobrirem.

Ele era tão irresponsável, tão... Inconsequente! Minha vontade é gritar com ele, tentar tirar essas ideias horríveis da sua cabeça e convence-lo a voltar pra casa comigo.

— Pra mim tanto faz — sua irmã diz, se sentando no banco. — Contanto que me deixe ficar aqui quando eu quiser.

— Fechado — ele concorda. — O papai tá querendo te expulsar também?

— Pior. Sou oficialmente a filha menos querida. A Sarah e papai vão pra Bahamas e nem me chamaram.

A expressão de Rafe fica esquisita.

— No verão?

— É. A Rose disse que vão a negócios.

— Eu conheço os negócios um milhão de vezes mais que ela então por que disso?

— Vai se acostumando — ela resmunga, ficando de pé. — Somos as ovelhas negras da familia.

Observo enquanto ela se aproxima de sua mochila e faz barulhos certeiros imitando uma ovelha enquanto implicava com seu irmão.

— Cala a boca! — Rafe pede, ficando sem paciência.

Me diverte ver sua interação com sua irmã mas ela não para, o que resulta nele agarrando o braço dela com mais força do que eu esperava. Meu bom humor some imediatamente.

— Para, porra! — grita.

— Ei Rafe, já chega — eu peço me aproximando.

Sua irmã o empurra e o afasta com facilidade, não parecendo nem um pouco assustada. Para ela parecia como qualquer outro dia.

— Por que ainda está aqui? — Rafe pergunta, resolvendo descontar sua raiva em mim.

Antes que eu responda, sua irmã joga um amontoado de dinheiro em seu peito.

— Ta ai a minha poupança — a garota resmunga, ajeitando os óculos.

Isso me deixa incrédula.

— Foi pedir dinheiro a sua irmã? — indago, me virando pra ele.

— É o que ele sempre faz — é ela quem responde.

— Eu vou te pagar tá legal? — Rafe diz, olhando pra irmã.

— Esquece — murmura, dando de ombros.

Rafe senta no banco com as notas em mãos e começa a organiza-las.

— Preciso falar com você — digo.

Ele me olha com sua mandíbula cerrada, usando aqueles olhos tão bonitos como uma armadura que praticamente gritava que eu deveria ir embora.

— Eu... Vou lá pra dentro.

Continuamos nos olhando enquanto sua irmã se afasta. Eu queria sustentar seu olhar para que ele soubesse que eu não desistiria tão fácil assim.

— Olha eu sei que as coisas parecem ruins agora mas... — murmura, desviando o olhar. — Eu vou dar um jeito. Vai ficar melhor, eu prometo. Vou dar um jeito na minha vida.

— Me desculpa — digo, finalmente, as palavras que estavam na ponta da minha língua desde que cheguei aqui.

Rafe levanta seus olhos até mim.

— O quê?

— Eu não devia desconfiar tanto de você. Você nunca me deu motivos pra isso mas eu preferi ouvir as outras pessoas do que você e eu me odeio por isso. Me odeio porque... — pigarreio, tentando tomar coragem. — Eu gosto de você e não queria admitir isso, tá legal?

Ele fica de pé e o sorriso em seus lábios aumenta a cada segundo.

— Espera ai, você gosta de mim?

— Fala sério... — praguejo, passando a mão no rosto como se ele estivesse sujo. Não acredito que Rafe ia fazer piada comigo nesse momento.

— Então a Pogue gosta do Kook — provoca, fazendo com que eu cruze os braços.

— Olha se for pra ficar fazendo chacota eu...

Seus lábios se pressionam contra os meus antes que eu pudesse terminar, fazendo com que eu esqueça todas as palavras que antes rondavam minha cabeça. Rafe tinha gosto de cerveja e maconha, uma combinação que era comum no seu dia a dia. Ele aperta minha cintura, me impedindo de ir embora, e me beija por tempo o suficiente para que eu fique tonta.

— Você fica sexy declarando seu amor por mim... — murmura, seus lábios roçando em meu ouvido.

— Cala a boca — murmuro mas não o afasto.

Rafe beija meu pescoço com delicadeza, roçando seu nariz conforme se mexia. É como se ateassem fogo no meu corpo e minha vontade passa a ser exclusivamente ele.

— É sério — continua, afastando um pouco o rosto para me olhar nos olhos. — Porque não vamos lá pra cima?

Conseguia sentir cada um de seus dedos contra minha cintura e o volume em seu quadril contra o meu.

— Sua irmã está na casa — o lembro.

Ele dá um sorriso, como se eu fosse uma idiota por achar que essa era uma desculpa válida.

— A Wheezie não se importa com isso.

Fecho a cara, lembrando exatamente do que havia acontecido há alguns minutos atrás. Dou um passo pra trás.

— Deve ter algo a ver com ela achar que sou uma das suas garotas — digo, cruzando os braços.

Ele franze as sobrancelhas.

— Ela falou isso?

— É.

— Aquela pirralha — pragueja, passando a mão pelos cabelos.

— Posso pelo menos saber em que lugar eu estou?

Rafe ergue a mão até meu rosto, acariciando minha bochecha e colocando meu cabelo atrás da orelha.

— Não existem outras garotas Callie... Não mais. Não desde a festa que você por acaso não foi.

Controlo o sorriso que luta pra aparecer em meus lábios.

— E a revista pornô é...?

Rafe literalmente gargalha, me puxando pra si pelo quadril.

— Está com ciúmes? — pergunta, roçando seu nariz no meu.

— Não.

— Está sim — ele continua, semicerrando os olhos.

— Não — insisto, ficando irritada. — Só não entendi porque faz isso se tem namorada.

— Eu tenho?

Tento me afastar mas suas mãos firmes em meu quadril me impedem.

— Você quem disse Rafe, ontem mesmo.

— Estou só brincando com você — diz, com um sorriso.

Seus olhos brilham ao olhar pra mim trazendo várias nuances ao seu tom de azul. Rafe me beija novamente, lentamente, quase como uma tortura.

— Não quer mesmo subir? — murmura com seus lábios roçando nos meus.

Por favor. Eu iria a qualquer lugar com ele.

— De jeito nenhum — a parte racional do meu cérebro diz.

Ele joga a cabeça pra trás, dando uma gargalhada que me faz sorrir. Seus dedos quentes pegam a minha mão e ele me puxa, em direção a parte de dentro da casa.

— Vem. Vamos ver a Wheezie, preciso perguntar umas coisas pra ela.

Wheezie estava na sala de televisão assistindo algum reality show que pelo linguajar imagino não ser para sua idade.

— Já acabaram a DR? — pergunta, sem tirar os olhos da tela.

— É. Essa é a Callie por sinal e você vai ver ela bastante a partir de agora.

Wheezie olha pra mim de cima a baixo e abre um sorriso. Aceno pra ela.

— É um prazer Callie.

— Da pra tirar o pé do sofá? — Rafe resmunga, empurrando a perna da irmã.

— Foi mal.

Ele se senta ao seu lado, puxando minha mão para que eu me sente também.

— Quando eles vão? Pra Bahamas? — Rafe pergunta, usando minha mão como bolinha anti stress.

Wheezie desliga a televisão.

— Logo, eu acho... Estavam correndo como malucos e o papai estava gritando como sempre. Ele anda bem irritado desde a pescaria.

— Pescaria?

— É. Ele e o John B foram pescar e parece que de desentenderam.

Rafe aperta minha mão com mais força.

— Eu sabia que aquele maldito ia...

— Isso não faz sentido — murmuro, pra mim mesma.

Se desentenderam sobre o quê? Sobre o dia que fizemos sexo escondidos em seu barco ou sobre o salário atrasado por duas semanas? Ward não aparentava ser o tipo de cara que se importa com isso.

— É tudo o que eu sei.

Rafe olha pra mim e solta minha mão, ficando de pé.

— Wheezie, consegue voltar pra casa sozinha?

A garota revira os olhos.

— Se eu consigo pedir um táxi? É claro. Mas me prometeu que eu poderia ficar quando quisesse.

— Certo mas não quebre nada e me avise quando chegar em casa.

— Combinado.

Rafe some pela porta da sala por alguns segundos antes de voltar com uma mochila nas costas e dois capacetes em mãos.

— Vamos — ele diz, me entregando o capacete.

Ele não espera uma resposta, apenas passa pela porta em sentido a saída. Wheezie sorri pra mim e volta a ligar a televisão. Me apresso para alcança-lo, me sentindo confusa sobre o que deveria fazer.

— Espera, vamos pra onde? — pergunto, enquanto ele sobe na moto.

— Pra pista de decolagem.

— Pra quê vai lá?

— Eu preciso descobrir o que está acontecendo tá legal? — diz, botando o capacete.

Meu lábio inferior treme de frustração.

— Rafe, deixa isso pra lá.

— Você não me diz o que devo fazer! — grita, agitando os braços. — Ou vem comigo ou não vem. Já decidiu?

Coloco o capacete.

— Tá, eu vou com você.

Subo em sua garupa e o seguro enquanto ele arranca. Vários pensamentos passam por minha cabeça sobre quais eram as intenções de Rafe mas nenhum parecia fazer minimamente algum sentido. Talvez ele só quisesse confrontar seu pai e não sei se isso me confortava, eu não sabia do que Ward Cameron era capaz.

Rafe estaciona na lateral da pista e há alguns metros é possível ver um pequeno avião. Colocamos nossos capacetes no assento da moto e avançamos em direção a ele. Eu me sentia desconfortável por atravessar todo esse mato de short.

— Espera aí! — digo, parando ao ver o carro de polícia. — O que está acontecendo?

Rafe não se detém e continua atravessando o matagal sem hesitar.

— É a polícia — ele diz o óbvio.

Percebo que ele se afasta demais então tomo coragem para avançar atrás dele. O carro estava com a porta aberta e tudo que eu conseguia ver eram alguns pés, talvez quatro pessoas ou mais. Reconheço a bota surrada de John B e me lembro das informações que Wheezie havia dado.

— Vão prender o John B? — pergunto, parando novamente.

— É claro que vão.

— Devíamos voltar...

— Não — diz, se agachando.

Me apresso pra chegar ao seu lado e o observo enquanto ele revira a mochila. Eu queria ir embora, não queria ficar aqui com a polícia, armas e seja lá o que o John B tenha aprontado eu não queria estar aqui pra ver. Isso me magoava.

Rafe tira uma pistola de dentro da mochila e automaticamente eu recuo.

— Porra, de onde tirou essa merda? — indago, minha voz tremendo.

Ele me ignora e destrava a arma, colocando sua mochila de volta nas costas. Não há nem ao menos um segundo de reflexão por sua parte antes que ele volte a avançar.

— Rafe, isso é perigoso, não é brinquedo — digo, começando a ficar com a voz embargada.

— Dá pra calar a porra da boca Callie?

— Por favor — insisto, sentindo minhas pernas travarem no lugar.

Rafe me olha e eu me assusto com o que vejo. Seus olhos quase pareciam o de outra pessoa, completamente tomados por algo que eu não conseguia entender. Ele ergue sua mão livre pra mim.

— Fica ai.

Ele avança e tento forçar minhas pernas a se mexerem, me recusando a ficar apenas parada sem fazer nada. É quando ouço o barulho do tiro e isso me dá a motivação que eu precisava pra correr até lá.

— Rafe! — eu grito, me aproximando.

Há algumas cenas em minha vida que eu gostaria de poder esquecer. Como o meu pai indo de ambulância pro hospital, o JJ de onze anos com um braço fraturado depois de brigar com seu pai ou a tristeza no olhar de minha mãe quando a exclui completamente da minha vida. Mas essa... Essa entrava pro começo da lista. Rafe havia atirado na xerife que agora sangrava no chão.

— O que você fez? — Ward questiona, parecendo chocado.

— Rafe, não... — John B murmura, abraçando a Sarah.

Eu conseguia ouvir o choro mas não sabia de qual de nós ele vinha.

— Você atirou nela? — pergunto, a incredulidade estampada em meu tom de voz.

Meu estômago se revira e minha vista fica turva, fazendo com que eu me apoie na lateral do avião.

— Eu salvei você. Salvei você pai.

— Rafe...

Vomito em meus pés e tento me manter de pé enquanto minha vista escurece. Ele havia matado ela? Rafe havia feito isso? Como ele pôde? Como... Eu pude? Não consigo sentir as coisas direito. Eu ouvia palavras soltas, gritos e um choro. Talvez o choro fosse meu. Meus olhos não viam nada completamente ofuscados por minhas lágrimas. Eu sentia dor física. Como ele havia feito isso? Por que?

— Callie... — eu ouço ele falar.

Sinto seus dedos em meu ombro.

— Não encosta em mim — murmuro, me afastando dele em um tropeço.

Isso não o impede de pegar o meu braço e me puxar junto de si. Tento entender o que estava acontecendo mas eu não via o John B ou a Sarah... Tento lutar contra ele, fugir de seu aperto ou criar forças pra correr.

— Vem comigo agora — insiste, ainda sem me soltar.

— Não! — grito. — Eu não quero.

— Entra no carro Callie! Agora — grita de volta, bem na minha frente.

Consigo ver seu rosto e seus olhos... Não eram seus olhos. Eram sombrios, tomados por raiva e ódio e... Tanta mágoa. Rafe também percebe minha expressão pois no momento em que nossos olhos se cruzam ele solta meu pulso e me permite ver um lapso do que ele deveria ser em seu olhar.

— Preciso ver o John B... — dou de ombros.

— Se você for não precisa mais voltar.

E era tudo que eu queria. Nunca mais voltar pra cá, pra esse dia ou pra companhia dele. Tudo que eu mais queria era não querer voltar pra ele de novo.



A casa caiu por aqui... votos e comentários me deixam feliz :)

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