42. Do i look like him?
⋆౨ৎ˚ ⟡˖
O relógio marcava quatro da manhã, mas eu já estava no dojô fazia tempo. O silêncio da madrugada era cortado apenas pelo som dos meus golpes, chutes secos contra o saco de pancadas, socos rápidos que deixavam minhas juntas ardendo. O suor escorria pelo meu rosto, pingando no tatame, enquanto minha respiração ofegante enchia o espaço vazio.
Eu não podia parar. Não queria. Cada golpe era uma tentativa desesperada de sufocar a raiva e, acima de tudo, a dor que me consumia por dentro. Essa dor não era física, não era algo que pudesse ser tratado com remédios ou um curativo. Era algo que crescia no peito, se espalhava como veneno, queimando cada parte de mim.
Aquela maldita cena...
Meus olhos se fecharam por um segundo, e lá estava ela, clara como se estivesse acontecendo de novo, Kwon bêbado, cambaleando no bar, com aquele sorriso malicioso. E depois, Maria. Aquela garota oportunista que achou que poderia apenas invadir o que era meu. E ele... Ele deixou. Ele não a afastou. Ele permitiu que ela o beijasse, enquanto eu...
Eu desferi um soco tão forte no saco de pancadas que ele balançou violentamente, quase saindo do gancho.
Como ele pôde?
Eu me vi mordendo o lábio inferior, tentando conter as lágrimas que ameaçavam cair. Não queria chorar. Já tinha chorado demais. Já tinha sentido mais do que devia por alguém que claramente não entendia o quanto eu estava lutando para protegê-lo. Para nos proteger.
Meu pé girou no chão, e um chute lateral atingiu o saco com força. A dor no peito era tão intensa que parecia que eu ia desmoronar ali mesmo. Eu estava tentando salvar Kwon de tudo aquilo, das consequências de estar tão envolvido com pessoas perigosas, da raiva que ele sempre deixava guiar suas decisões. Mas, no final, ele simplesmente não confiou em mim.
A lembrança do impacto na minha cabeça quando bati na mesa voltou, e minha respiração ficou mais pesada. Eu ainda sentia a pontada. Não era só dor física, era humilhação. A ideia de que ele acreditou, mesmo por um segundo, que eu poderia trocá-lo...
Outro soco. Mais forte desta vez.
Ele não tinha motivo algum para ficar com ciúmes. Nada do que aconteceu justificava aquilo. Ele me viu com Yuri, sim, mas foi apenas uma conversa. Eu estava tentando sorrir e manter a compostura enquanto meu mundo estava desmoronando. E o que ele fez?
Meu punho acertou o saco de novo, e o impacto fez minha mão arder. Eu ignorei.
Ele se afundou na bebida, perdeu o controle e, como se isso não fosse o suficiente, jogou tudo pelos ares com um único beijo. Um beijo que não significava nada, mas que foi capaz de me destruir.
Eu dei um passo para trás, limpando o suor do rosto com as costas da mão. Meu corpo doía, cada músculo estava tensionado, mas minha mente ainda gritava. A ideia de que ele estava com Maria, mesmo que por um momento, era insuportável.
Parte de mim queria fazer o mesmo. Queria dar o troco, queria causar nele a mesma sensação de vazio que ele tinha causado em mim. Mas eu sabia que não jogava sujo assim. Eu nunca faria isso.
Outro chute, desta vez com mais técnica. Meus movimentos eram precisos, mas cheios de raiva.
Eu não era como ele. Não era como Maria. Eu sabia que podia escolher ser melhor, mesmo que doesse, mesmo que tudo dentro de mim quisesse gritar e quebrar o mundo ao meu redor.
A respiração pesada ecoava no espaço vazio.
— Ele não merece isso... — Murmurei para mim mesma, mas minha voz soou mais como uma dúvida do que uma afirmação.
Porque, mesmo depois de tudo, mesmo depois de toda essa raiva e dor, eu ainda o amava. Kwon ainda era o centro de tudo para mim, e isso só tornava tudo ainda mais difícil.
O grito escapou da minha garganta com uma intensidade que eu não sabia que tinha.
— SEU IDIOTA! — A palavra saiu como uma rajada, carregada de toda a raiva e frustração que eu sentia.
O chute que seguiu foi tão forte que o saco de pancadas voou do gancho, caindo com um estrondo no chão do dojô. O impacto ecoou pelas paredes, mas o som foi rapidamente substituído por outro, palmas lentas, deliberadas.
Eu franzi o cenho, meu olhar se estreitando enquanto me virava para encarar a porta. Lá estava ele, encostado no batente como se fosse dono do mundo. Terry Silver.
Revirei os olhos com força, cruzando os braços.
— O que você quer agora? — Minha voz saiu cortante, carregada de exaustão. — Mais ameaças veladas ou vai me dar um convite formal para o meu próprio funeral?
Ele riu, aquele som arrogante que fazia meu estômago revirar.
— Não precisei fazer nada, Calista. — Ele enfiou as mãos nos bolsos, os ombros relaxados como se estivesse se divertindo com a minha dor. — Parece que o Kwon já fez isso por conta própria, não é?
A menção ao nome dele foi como uma faísca numa bomba de gasolina. O sangue ferveu nas minhas veias, e antes que pudesse pensar, meus pés já me levavam na direção de Terry. Meu dedo apontado parou a poucos centímetros do rosto dele.
— Cala. A. Maldita. Boca. — As palavras saíram como um rugido baixo, minha voz vibrando com a raiva.
Terry apenas deu de ombros, mantendo aquele sorriso presunçoso no rosto.
— Um passarinho me contou sobre o que aconteceu no bar. — Ele inclinou a cabeça de lado, como se estivesse me avaliando. — Eu bem que avisei, não avisei?
Cerrei os punhos, minhas unhas quase perfurando a palma das mãos.
— Ele estava bêbado! — Retruquei, a voz tremendo.
— Ah, sim, bêbado... — Terry ergueu uma sobrancelha, uma expressão quase teatral de curiosidade. — Engraçado como as pessoas costumam fazer ou dizer, quando bêbadas, exatamente o que já estavam pensando enquanto sóbrias. Diz muito sobre quem elas realmente são, não acha?
As palavras dele foram como facas, afiadas e certeiras. Eu senti o impacto delas no peito, me fazendo vacilar. Por um breve momento, eu me perguntei... Será que ele estava certo? Será que Kwon realmente pensava aquilo? Será que, no fundo, ele realmente...
Não. Eu sacudi a cabeça, tentando afastar o pensamento antes que ele criasse raízes.
— Olha, eu sei que sou a última pessoa de quem você quer ouvir qualquer coisa agora. — A voz de Terry ficou quase casual, mas ainda carregava aquele tom venenoso. — Mas vou te dar um conselho. Mostre para eles que você não está aqui para brincadeiras. Prove para Kwon e para aquela garota que você é a melhor. Que nada disso te abalou. Mesmo que por dentro você esteja... Despedaçada.
Cruzei os braços, minha expressão fechada.
— E como exatamente você espera que eu faça isso, hein? Jogando sujo como você?
Terry deu de ombros novamente, como se minha provocação não o afetasse nem um pouco. Ele deu um passo à frente, sua voz abaixando de tom, como se estivesse compartilhando um segredo.
— Não precisa jogar sujo. — Ele sorriu. — Mas qualquer golpe que você desferir amanhã será permitido.
Eu franzi o cenho, confusa.
— O que você quer dizer com isso?
— Quero dizer que, por uma única rodada, eu cuidei para que o árbitro permita... Certas liberdades. — Ele deu um meio sorriso. — Não para você ganhar. Apenas para você machucar.
A proposta me deixou desconfortável, uma mistura de adrenalina e repulsa percorrendo meu corpo.
— Eu não quero vencer um jogo comprado. — Minha voz saiu firme, mas havia uma sombra de dúvida nela.
Terry riu novamente, como se já soubesse qual seria minha resposta.
— Isso não é sobre ganhar, Calista. É sobre mostrar força. Sobre lembrar a eles quem você é.
Ele colocou a mão no meu ombro, e eu estremeci com o toque. Ele sabia como manipular, como plantar sementes no lugar certo.
— Você está com raiva da Maria, não está? — A voz dele ficou mais baixa, quase gentil.
Assenti, quase sem perceber.
— E do Kwon? Ele traiu você na primeira oportunidade. Não quer mostrar que você não é fraca?
Engoli em seco, sentindo o sangue ferver novamente. Meu coração batia rápido, e meu corpo parecia dividido entre repulsa e... Determinação.
— Prove isso no tatame, amanhã. — Ele deu um passo para trás, colocando o saco de pancadas de volta no lugar. — Vamos treinar.
Minha mente ainda gritava que aquilo estava errado, mas o fogo que queimava dentro de mim parecia maior. Respirei fundo, sentindo a raiva invadir cada célula do meu corpo.
— Sim, sensei. — As palavras saíram firmes, quase automáticas.
Terry sorriu satisfeito, enquanto eu me posicionava novamente, socando o saco de pancadas com toda a força. Cada golpe era acompanhado pela imagem do rosto de Maria. Amanhã, ela pagaria.
⋆౨ৎ˚ ⟡˖
A atmosfera no All Valley era elétrica, carregada de tensão e expectativa. Cada passo que dava no tatame parecia pesar uma tonelada, mas eu mantinha a postura firme, o olhar fixo, como se nada pudesse me abalar. Por dentro, porém, meu sangue era um vulcão prestes a entrar em erupção.
O lugar estava lotado, cheio de gritos e aplausos das torcidas. As luzes fortes iluminavam os rostos concentrados dos competidores. Quando passamos pela equipe do Miyagi-Do, senti os olhos de Robby cravados em mim. Ele não disse nada, mas o olhar era suficiente para trazer à tona tudo o que ele tinha plantado na minha cabeça dias atrás. "Enquanto você achou que ele estava esperando por você, ele estava com a minha namorada!" A frase reverberava, misturada à lembrança de Kwon e Maria no bar.
Meu peito se apertou, um nó se formando na garganta, mas não dei o gosto de demonstrar nada. Lancei um olhar gelado para Robby, e ele apenas franziu o cenho, como se quisesse dizer algo. Não dei chance. A raiva crescia dentro de mim como um animal faminto, e eu precisava focar na luta para não deixar que ela me consumisse.
Mas aí veio Kwon.
Quando passamos pela equipe do Cobra Kai, senti o toque familiar em meu braço, que desceu até minha mão. Meu corpo reagiu automaticamente, endurecendo, e eu virei o rosto para encará-lo. Lá estava ele, com aquele olhar que me deixava sem chão, mesmo quando eu queria odiá-lo com todas as forças.
— Calista, a gente precisa conversar. — A voz dele era baixa, quase um sussurro, mas carregava um peso que só me deixou ainda mais furiosa.
Eu ri. Não uma risada de humor, mas uma amarga, cheia de ironia e desprezo.
— Vai se ferrar, seu idiota.
Me soltei bruscamente do toque dele, como se o simples contato queimasse minha pele, e me afastei, voltando para minha equipe. Ele me chamou de novo, a voz agora um pouco mais desesperada, mas eu só levantei o dedo do meio, sem sequer olhar para trás.
Senti meus músculos ficarem mais tensos, os dentes cerrados de raiva. Quando meus olhos cruzaram com Kreese, ele parecia... Satisfeito. Um sorriso pequeno, quase imperceptível, mas cheio de significado. Ele sabia. Ele sempre sabia.
Me aproximei dele e de Terry, que também estava próximo, minha voz baixa, mas carregada de veneno.
— Parabéns, vocês dois, seus velhos geriátricos. Conseguiram exatamente o que queriam. — Meu tom era frio, mas cada palavra estava impregnada de frustração. — Mas agora, Kreese, se prepare para ver sua equipe afundar, porque nós vamos destruí-los.
Kreese riu, aquele som curto e sarcástico.
— Só vai tornar tudo mais interessante, Calista.
Revirei os olhos, deixando que um suspiro escapasse enquanto me afastava, agora ao lado de Zara. Mesmo ali, sentia meu corpo pulsar de raiva. Se Axel tentasse chegar perto de mim naquele momento, eu não hesitaria em quebrar o braço dele. Ou pior.
Quando nos posicionamos ao lado da equipe espanhola, meu foco estava total na luta que viria. Maria. Ela seria minha oponente. Só de pensar no nome dela, meu sangue borbulhava. Não porque ela era uma grande lutadora, mas porque ela personificava tudo o que eu mais desprezava naquele momento.
Maria, claro, não perdeu a oportunidade de provocar. Ela se inclinou levemente na minha direção, a voz baixa, mas o tom cheio de escárnio.
— O gosto do beijo dele é ótimo. — Ela fez uma pausa, como se saboreasse o veneno que despejava. — Uma pena que você não possa mais provar, não é, querida?
Eu ri. Uma risada seca, dura, que fez ela estreitar os olhos, talvez confusa pela minha reação. Não respondi. Nem uma palavra. Apenas fechei a expressão, meu rosto se tornando uma máscara inabalável.
Mas por dentro? Ela já estava morta, definitivamente. Porque hoje, no tatame, eu faria questão de que ela pagasse por cada palavra, cada sorriso malicioso.
A tensão no ar parecia aumentar com cada luta. As arquibancadas estavam lotadas, e os gritos e aplausos ecoavam pelo ginásio enquanto nomes eram anunciados e lutadores entravam no tatame. Eu estava de pé ao lado da equipe, observando, mas minha mente estava em outro lugar. A raiva fervia em meu peito, misturada com uma dor que não dava trégua, como se eu carregasse um peso que não podia simplesmente largar.
Então o nome dele foi anunciado.
— Yuri contra Kwon!
Uma risada amarga escapou dos meus lábios antes que eu pudesse me controlar. Que irônico, não? Yuri, que tinha se aproximado de mim como um amigo — talvez mais que isso —, agora enfrentaria Kwon, a pessoa que eu queria odiar, mas não conseguia esquecer. Eu me adiantei, posicionando-me para ter uma visão clara da luta, mesmo que cada fibra do meu ser gritasse para eu não assistir.
Quando nossos olhos se cruzaram, senti um nó se formar no estômago. Kwon me olhava, mas eu não podia sustentar aquele olhar. Virei o rosto rapidamente, como se aquilo pudesse apagar a intensidade do momento. Era doloroso demais. Raiva e mágoa lutavam pelo controle dentro de mim, e a visão dele só fazia tudo piorar.
Então Yuri olhou para mim, com aquele sorriso pequeno e confiante que ele sempre dava. Não era reconfortante, parecia algo entre provocação e encorajamento. Eu franzi o cenho, confusa, mas levantei os polegares, como se dissesse "boa sorte". Ele ia precisar. Não porque Kwon fosse invencível, mas porque eu sabia que, com a raiva que ele carregava, ele seria implacável.
O árbitro apitou, e a luta começou.
Kwon partiu para cima de Yuri como uma tempestade, seus movimentos rápidos e agressivos. A sequência de golpes era como um vendaval, mas Yuri surpreendentemente desviava com habilidade, como se estivesse dançando em volta do oponente. Por um momento, pensei que talvez ele pudesse até se igualar a Kwon... Até que Kwon conseguiu acertar um chute direto no estômago dele. O impacto foi tão forte que Yuri caiu, marcando o primeiro ponto para Kwon.
— Vamos começar a brincadeira. — A voz de Yuri ecoou pelo tatame enquanto ele se levantava, um sorriso desafiador nos lábios.
Algo no tom dele me fez dar um passo à frente, instintivamente, mas me contive. Cruzei os braços, respirando fundo, tentando afastar o desconforto que crescia dentro de mim.
E então tudo começou a dar errado.
Yuri mudou completamente sua abordagem, avançando com golpes precisos e agressivos. Ele acertou um chute na cara de Kwon, e o sangue começou a escorrer. Apertei os punhos, cerrando os dentes, enquanto meu peito parecia apertar ainda mais. Eu estava com raiva de Kwon, queria que ele sentisse algo do que eu sentia... Mas vê-lo machucado não trazia nenhuma satisfação.
Yuri continuava. Ele puxou Kwon pelo cabelo, fazendo a cabeça dele se inclinar para trás.
— Idiota... — Murmurei entre dentes, mas nem sabia para quem aquilo era direcionado.
Kwon tentou reagir, derrubando Yuri com um golpe, mas ele se levantou com facilidade, sem sequer colocar as mãos no chão. Era como se estivesse se divertindo, e isso me irritava profundamente. Yuri colocou a mão no peito de Kwon e o jogou no chão com força. Kwon bateu os punhos contra o tatame, frustrado, e usou a oportunidade para tentar um chute no ar.
Os dois saltaram ao mesmo tempo, mas Yuri foi mais rápido. O golpe dele foi preciso, acertando Kwon bem no meio do rosto.
O som do impacto ecoou no ginásio, seguido pelo corpo de Kwon caindo ao chão. Ele estava claramente abalado, com dificuldade de se levantar, talvez à beira de desmaiar. Meu coração apertou como se uma mão invisível o estivesse espremendo. A vontade de correr até ele era quase irresistível, mas então senti uma mão no meu ombro.
Terry.
Ele balançou a cabeça negativamente, como se dissesse que eu deveria ficar onde estava. Respirei fundo, cerrando os punhos enquanto via Yoon e Han arrastarem Kwon para fora do tatame.
O árbitro decretou empate. A luta terminaria na próxima rodada, mas isso não importava. O que importava era a visão de Kwon, nocauteado e ferido, sendo levado embora.
Eu me forcei a olhar para frente, e lá estava Yuri, vindo em minha direção. Ele parecia... Arrependido? Difícil dizer. Quando ele chegou perto o suficiente, sua voz era baixa, quase um sussurro.
— Me desculpa. Nosso sensei disse que tínhamos que... Nocautear. Eu não queria...
— Não queria mesmo? — Minha voz saiu mais irritada do que eu pretendia.
Ele franziu o cenho, claramente ofendido.
— Ele te machucou de várias formas, Calista. E você ainda tem pena dele? Eu só me vinguei por você.
Aquelas palavras eram como um tapa na cara. Eu o encarei, tentando processar o que ele dizia.
— Eu não pedi por isso, Yuri. Não pedi para você fazer merda nenhuma.
Ele bufou, irritado, balançando a cabeça como se eu fosse uma ingrata.
— Você é muito complicada.
Sem dizer mais nada, ele se virou e saiu.
Eu fiquei ali, imóvel, observando-o ir embora. O aperto no meu peito parecia maior do que nunca. Minha raiva de Yuri, de Kwon, de tudo... Só me fazia perceber o quanto eu estava perdida naquele mar de emoções confusas.
O anúncio da luta soou alto pelo ginásio, e o meu nome veio acompanhado do de Maria. Respirei fundo, sentindo a tensão no ar. Meus dedos estalaram quase sozinhos, seguidos por um movimento para aliviar a tensão no pescoço. Meu semblante estava fechado, impenetrável. Não havia espaço para hesitações agora.
Minha mente estava à deriva, mas os pensamentos me puxavam para direções indesejadas. Kwon, nocauteado, a imagem dele sendo arrastado ainda fresca na minha mente. Yuri, aquele novato que achava que eu precisava de um "vingador", como se ele fosse algo mais do que um problema a mais na minha vida. Terry, com sua constante manipulação, bloqueando minhas ações como se eu fosse uma peça no jogo dele. Kreese, com aquele olhar ameaçador, me lembrando que qualquer deslize seria cobrado. E, claro, Maria.
Maria estava ali, a poucos metros, com aquele sorriso confiante que fazia minha pele ferver. Seus olhos me encaravam com a certeza de que sairia vitoriosa. Ela nem fazia ideia.
Entrei no tatame, ouvindo os murmúrios da plateia. Tudo ao meu redor parecia distante, abafado. Meu foco estava nela, e apenas nela. O árbitro deu o sinal, e a luta começou.
Maria avançou com uma série de golpes rápidos e precisos, que me forçaram a recuar. Ela lançou uma provocação, algo sobre eu estar distraída, mas deixei passar. Não valia a pena responder. Meu corpo estava ali, mas minha mente estava fragmentada, lutando contra pensamentos que não me deixavam em paz.
Foi aí que aconteceu.
Um golpe certeiro dela, direto, marcando o primeiro ponto.
Fiquei paralisada por um instante. Não por dor física, mas pelo choque. Não era só o golpe dela que eu sentia, era como se o universo inteiro tivesse decidido rir de mim. Ouvi sua risada, sua voz zombando de mim, mas não consegui processar as palavras.
Terry pediu um tempo ao árbitro e veio até mim, sua expressão sombria como sempre.
— O que você está fazendo? — Ele perguntou, a voz baixa, mas carregada de autoridade. — Vai mesmo se deixar abalar porque alguém que te machucou só teve o que merecia?
Não respondi, apenas mantive o olhar fixo no chão.
— Ela causou isso. — Ele continuou, gesticulando na direção de Maria. — Então, destrua-a. Acabe com isso logo. Sem compaixão.
Eu assenti, firme. Não havia mais espaço para hesitação.
Voltei ao tatame, respirando fundo, deixando minha mente limpar, focar. Tudo parecia desacelerar por um momento. O árbitro deu o sinal, e a luta recomeçou.
Foi então que o vi.
Kwon estava de pé, do outro lado do tatame. Acordado agora. Olhando diretamente para mim. Meu coração deu um salto, uma mistura estranha de alívio e confusão. Ele estava ali. Talvez para me ver lutar, ou talvez por algum motivo que eu não podia entender. Mas, naquele momento, a raiva que borbulhava dentro de mim cresceu ainda mais.
Avancei para cima de Maria como uma tempestade. Golpes rápidos, fortes, precisos. Ela tentou reagir, mas era lenta demais. Peguei seu cabelo com força, puxando sua cabeça para trás enquanto um sorriso malicioso surgia nos meus lábios.
— Eu vou te matar, sua piranha. — As palavras saíram antes que eu pudesse pensar.
Maria me olhou com os olhos arregalados, mas não teve tempo de reagir. Um movimento rápido, e eu a derrubei no chão. Meu punho encontrou seu abdômen com força, arrancando um grito de dor dela.
Ponto para mim.
Olhei para Terry, que me deu um sinal positivo. Como se dissesse que eu tinha permissão para acabar com isso.
Maria voltou para a luta, tentando desferir golpes contra mim, mas sua precisão estava comprometida. Ela estava cansada, machucada, e eu estava cheia de raiva. Um golpe direto na garganta dela a deixou sem ar, e antes que ela pudesse se recompor, meu pé acertou seu rosto com a mesma força que eu tinha usado no saco de pancadas.
O impacto foi devastador.
Sangue escorreu imediatamente do nariz dela, enquanto ela cambaleava, chocada e assustada, até cair no chão, chorando.
— Você quebrou meu nariz, sua vadia! — Maria gritou, a voz abafada pela dor.
Me abaixei levemente, ficando perto dela. Minha expressão era fria, mas minhas palavras carregavam todo o peso da minha raiva.
— Bem-vinda à Califórnia, seu lixo.
O árbitro veio logo em seguida, erguendo minha mão para marcar a vitória. A plateia aplaudia, mas o som parecia distante. Por um momento, olhei por cima do ombro, vendo o sangue escorrendo do rosto de Maria, manchando o tatame.
Uma pontada de arrependimento passou por mim, rápida como uma faísca. Não por Maria, mas por mim mesma. Por ter perdido o controle, por ter me deixado levar por uma raiva que parecia me consumir inteira.
Mas então a plateia rugiu, e Terry sorriu.
E eu ignorei.
Desci do palco com passos pesados, os aplausos ao meu redor ecoando como algo distante, irrelevante. Cada batida dos meus pés no chão parecia me puxar mais para baixo, para um lugar escuro dentro de mim que eu temia encarar. Meu coração batia rápido, mas não por adrenalina ou satisfação pela vitória, era algo diferente. Algo ruim.
Passei por corredores menos movimentados, mergulhando na penumbra e no silêncio abafado que eles ofereciam. Meus dedos alcançaram os cabelos presos, soltando-os com um movimento rápido enquanto eu me encostava em um canto, deslizando até o chão. Minha respiração começou a pesar, a apertar. O nó na garganta, que eu havia ignorado durante a luta, finalmente cedeu, e lágrimas quentes começaram a escorrer pelo meu rosto.
"Eu me pareço com ele?"
A dúvida se arrastava pela minha mente como uma serpente venenosa. Eu deixei Terry entrar na minha cabeça, deixar suas palavras me guiar, como se ele tivesse algum direito sobre minhas ações, sobre quem eu sou. E agora, eu tinha sido exatamente quem ele queria que eu fosse, impiedosa, destrutiva.
Lembrei-me dos olhares assustados. Zara, tentando esconder o choque, mas falhando miseravelmente. Kenny, apertando os lábios, desviando o olhar como se não pudesse suportar o que via. Até Kwon. Ele me olhou como se eu fosse outra pessoa, alguém que ele mal reconhecia. Isso doeu. Tudo doeu.
— Ei, está tudo bem?
A voz veio de repente, quebrando o silêncio do corredor. Levantei o olhar, com os olhos ainda marejados, e o vi. Jhonny Lawrence.
Claro que eu o conhecia. Ele era um dos senseis do Miyagi-Do e alvo frequente das provocações de Terry. Eu também o conhecia por ser pai de Robby, um jantar no Olive Garden veio à minha mente, uma lembrança que parecia de outra vida. Ele era mais do que eu esperava encontrar ali, e, ainda assim, ele estava ali.
— O que houve? — Ele perguntou, a voz carregada de um tom sincero que me desarmou.
E eu desabei.
As palavras saíram de mim como uma enchente, atropelando qualquer filtro ou controle que eu ainda tivesse.
— Eu machuquei alguém. — Minha voz estava trêmula. — Eu... Eu não quero ser como ele. Não quero ser como o Terry.
Jhonny se ajoelhou ao meu lado, colocando a mão levemente no meu braço.
— Ei, ei, eu sei que o Silver fez isso com você. Mas você não é como ele, Calista. Não pense isso, nem por um segundo. — A firmeza na voz dele me fez olhar para ele. — Só não deixe que ele te use de novo. Isso só vai te destruir mais. Mas você é forte, eu sei que pode aguentar isso.
Enxuguei as lágrimas, ainda sentindo a dor no peito, mas suas palavras pareciam um bálsamo, um alívio momentâneo.
— Sabe... — Murmurei, olhando para o chão. — Eu queria ter tido você como sensei. Talvez eu tivesse me livrado de todo esse fardo, de Kreese... E do Terry.
Ele sorriu, um sorriso pequeno, mas genuíno.
— Quando o campeonato acabar, se ainda quiser umas aulas de karatê, posso te mostrar uns golpes maneiros. O que acha?
Ri de leve, balançando a cabeça em um sim tímido.
— Obrigada, Jhonny.
Ele deu um tapinha no meu ombro e se levantou.
— Vai ficar tudo bem.
Assenti, tentando acreditar nisso, mesmo que só um pouco. Ele deu alguns passos, mas parou, olhando para mim de lado.
— Tem alguém querendo ver você.
Franzi o cenho, confusa, mas então ele saiu da frente, e lá estava ele. Kwon.
Meu coração deu um salto doloroso ao vê-lo. O olho dele estava vermelho pelo golpe que levou, e seu semblante carregava uma mistura de dor e algo mais... Arrependimento, talvez? Ele parecia atordoado, mas ainda assim, veio até mim.
Jhonny nos deixou a sós, e me levantei rapidamente, erguendo a mão para ele em um gesto de silêncio.
— Não. — Disse firme. — Não quero ouvir nada de você. Não agora.
Kwon parou, mas não recuou. Me aproximei, colocando as mãos no rosto dele, observando o ferimento com cuidado. Suspirei, minha voz saindo baixa, quase um sussurro.
— Isso está feio. Dói muito, não é?
Ele franziu o cenho e segurou minhas mãos, começando a falar.
— Calista...
Me afastei rapidamente, respirando fundo para me controlar.
— Não, Kwon. Eu não quero ouvir suas desculpas, ou seus sermões. Eu não quero ouvir nada de você. Só... Vá embora. E vê se cuida desse olho.
Ele deu um passo na minha direção, sua expressão mudando para algo mais irritado.
— Não dá pra continuar assim. A gente precisa resolver isso.
Coloquei a mão no peito dele, aproximando-me o suficiente para que só ele ouvisse minha resposta.
— Devia ter pensado nisso antes de sair por aí fazendo o que te dava na cabeça.
Sem dar tempo para ele responder, esbarrei no ombro dele e saí, sentindo as lágrimas ameaçando cair novamente. Meu peito apertava, e, por mais que eu quisesse ajudar Kwon, por mais que eu quisesse que tudo fosse diferente, eu ainda não conseguia perdoá-lo. Não agora. Talvez não tão cedo, mesmo que esse fosse o maior desejo latente em meu peito.
Caminhei para fora do ginásio, os passos ecoando nos corredores vazios como marteladas em minha mente. A pergunta continuava se repetindo, uma tortura incessante que apertava meu peito, eu me pareço com ele? Cada vez que essa dúvida surgia, parecia mais difícil escapar dela. Era como uma sombra que me seguia, uma parte de mim que eu temia ser real.
Minha respiração estava pesada, e eu sentia meu coração batendo descompassado. Eu queria perdoar Kwon, sabia que deveria, sabia que havia prometido isso a mim mesma. Mas agora parecia impossível. A lembrança dele, de nós dois juntos na praia, invadiu minha mente.
Lembrei-me das palavras que saíram do fundo do meu coração naquela noite, quando disse.
— Eu te amo.
E ele respondeu com tanta certeza:
— Eu sempre vou voltar pra você. De joelhos, se for preciso.
— E eu vou sempre perdoar você.
Mas agora, tudo isso parecia tão distante, quase irreal. Eu sentia como se estivesse segurando areia fina, que escapava por entre meus dedos, por mais que eu tentasse segurar. Em vez de amor e perdão, só restava o vazio. Só restava o eco da dor e o peso de tudo que eu estava machucando, a mim mesma, a ele... Até mesmo Maria.
Fechei os olhos por um momento, tentando respirar fundo, mas o nó na garganta só apertava mais. Peguei o celular e, sem pensar muito, abri a conversa com minha mãe. Era algo que eu fazia às vezes, mandava mensagens como se ela ainda estivesse aqui, como se de alguma forma ela pudesse ouvir minhas palavras.
Comecei a digitar, os dedos tremendo levemente enquanto as palavras saíam.
"Mãe, tô perseguindo um fantasma. Eu não sei onde ele está... Eu me pareço com ele? Estou me tornando igual ao Silver?"
Parecia tão absurdo escrever isso, mas ao mesmo tempo, eu precisava tirar isso do meu peito.
"Eu decidi colocar esse amor dentro de mim e enterrá-lo, mãe. Você sabe... Eu nunca mentiria pra você. Eu acho que agora sou tudo aquilo que desejei ser... Ou tudo o que eu não queria ser. Me desculpa. Me desculpa por tudo. Eu não me tornei forte, me tornei uma covarde."
As lágrimas começaram a cair, quentes e pesadas, molhando a tela do celular enquanto eu terminava.
"Mãe, eu me pareço com ele?"
Deixei o telefone cair no meu colo, passando as mãos pelos cabelos e contendo um grito. Tudo dentro de mim parecia à beira de explodir, mas eu sabia que, se deixasse isso sair, seria demais. Eu perderia o controle de vez.
Com os olhos ainda marejados, finalmente empurrei a porta de saída do ginásio. O ar fresco da noite me envolveu, mas não trouxe o alívio que eu esperava. E foi então que o vi.
Terry Silver.
Ele estava ali, parado com sua postura impecável, mãos nos bolsos do casaco, olhando para mim com aquele semblante frio e calculista que me fazia estremecer. Ele não precisou dizer nada. Apenas o fato de ele estar ali era o suficiente para me fazer sentir como se estivesse encarando um espelho distorcido.
Minha respiração vacilou. As palavras escaparam da minha boca quase sem eu perceber.
— Eu me pareço com você?
Terry inclinou levemente a cabeça, um sorriso fraco, mais um vestígio de arrogância do que qualquer outra coisa, surgindo em seus lábios.
— Isso é algo que você deveria responder, Calista.
Minha visão começou a embaçar, mas não pelas lágrimas dessa vez. Era raiva. Dor. Uma mistura tão intensa que meu corpo inteiro parecia tremer.
— Eu... Não quero ser você. — Minha voz saiu baixa, mas cheia de emoção.
Eu me pareço com ele?
Ele deu um passo na minha direção, com aquele andar lento e confiante, como se o mundo inteiro fosse apenas um jogo que ele sempre vencia.
— Não seja. — Ele parou a poucos metros de mim. — Mas lembre-se de uma coisa, Calista, você não pode fugir de quem você realmente é.
Suas palavras me atingiram como um golpe, mas me recusei a recuar. Apertei os punhos, o nó no meu estômago se transformando em algo mais: uma faísca de resistência.
— Eu não sou você.
Eu me pareço com ele? Não.
Ele riu, um som baixo e cruel, antes de dar meia-volta e desaparecer na noite, deixando-me ali, sozinha, encarando o vazio.
Mas naquele momento, eu soube de uma coisa, ele não estava completamente certo. Eu podia escolher quem eu queria ser. E mesmo que isso significasse começar do zero, eu estava disposta a tentar. Eu não me pareço com ele.
Obra autoral ©
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top