40. All because i liked a boy
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❝ All because i liked a boy - Sabrina Carpenter ❞
Um dia atrás
Naquela manhã, tudo parecia normal, ou pelo menos tão normal quanto poderia ser na minha vida ultimamente. Coloquei meus tênis, peguei minha mochila e estava prestes a sair para o treino quando Terry apareceu na minha frente, bloqueando a porta. Seu sorriso frio me gelou até os ossos, mesmo que eu já estivesse acostumada com o peso daquela presença ameaçadora.
— Tem um minutinho? — Perguntou ele, com aquele tom de voz que sempre fazia parecer que eu não tinha outra opção.
Engoli em seco, sentindo um nó se formar na minha garganta. Eu não sabia o que ele queria, mas minha intuição gritava que não seria nada bom. Na verdade, nunca era algo bom quando se vinha dele.
— Claro — Respondi, tentando manter a voz firme.
Ele se virou e começou a andar na direção do escritório dele. Meu coração já batia mais rápido. Eu sabia que o melhor era seguir sem hesitar, mas minha mente corria. Será que alguém fez alguma coisa? Será que ele sabia?
Quando entrei na sala, a tensão parecia tangível, como se o ar estivesse pesado demais para respirar. O escritório dele era impecavelmente organizado, como sempre. As paredes estavam decoradas com katanas reluzentes, suas lâminas refletindo a luz de uma forma quase ameaçadora. Cada detalhe daquela sala gritava poder e controle, tudo que Terry Silver gostava de exalar.
Ele sentou-se na poltrona de couro atrás da enorme mesa de madeira, cruzando os dedos com calma teatral.
— Então, tem algo que você gostaria de me contar? — Perguntou ele, o tom casual demais para ser sincero.
Minha respiração ficou curta, e o mundo pareceu ficar mais lento. Meu coração batia tão alto que eu mal conseguia ouvir meus pensamentos. Ele sabia. Claro que sabia.
— Não... Não sei do que você está falando — Respondi, tentando parecer desinteressada, mas minha voz saiu vacilante.
Ele riu. Uma risada baixa, cheia de desdém, como se já tivesse esperado que eu mentisse.
— Você me enganou bem, Calista. Você e o garoto. — Ele inclinou-se para frente, os olhos frios e calculistas me perfurando. — Mas não bem o suficiente. Axel me contou o que você anda me escondendo, ou melhor, anda escondendo de todos.
A última frase foi como um tapa. Era isso. Axel. Axel tinha contado.
Cerrei os punhos ao lado do corpo, sentindo a raiva borbulhar dentro de mim. Axel era meu amigo, ou eu achava que era. Como ele pôde fazer isso? Como ele pôde simplesmente trair minha confiança assim? Isso ainda era ciúmes de Kwon? Porque, sinceramente, mesmo sob essas circunstâncias, ainda era um golpe muito, muito baixo.
Terry não se incomodou com a minha expressão de indignação. Com uma calma assustadora, abriu a gaveta da mesa e puxou um revólver, colocando-o sobre a mesa com um movimento deliberado. Meu estômago afundou, e minhas pernas ameaçaram ceder.
— Sabe, você está começando a atrapalhar meus planos. E eu não gosto disso. — Disse ele, como se estivesse falando sobre o tempo. — Talvez seja hora de me livrar de certas distrações.
O significado das palavras dele caiu como uma tonelada de tijolos.
— Você não... — Comecei a dizer, mas minha voz falhou.
Ele me interrompeu com um sorriso cruel.
— Não se preocupe, vou fazer de um jeito que ninguém perceba. O garoto é insignificante. Ninguém vai sentir falta dele.
— NÃO! — Gritei, a raiva e o desespero explodindo dentro de mim. — Você não vai encostar um dedo no Kwon!
Levantei a voz, mas isso foi um erro. Terry levantou-se de repente, pegando o revólver com uma das mãos e me agarrando pelo pulso com a outra. Sua força era avassaladora, os dedos dele cravando na minha pele. As unhas afundando em meu pulso, tanto que pude sentir o sangue escorrer levemente. Senti lágrimas ardendo nos olhos, mas me recusei a deixá-las cair.
— Eu me importo com você, Calista — Disse ele, a voz quase suave, mas com um veneno subjacente. — Prometi à sua mãe que cuidaria de você. Mas cuidar significa tomar decisões difíceis.
Ele me puxou para mais perto, o rosto tão perto do meu que eu podia sentir sua respiração. Suas palavras sobre proteção soavam como uma piada. Esse era o cuidado que ele estava me dando? Parece cômico, para não dizer trágico.
— Se você não terminar com essa palhaçada agora, eu vou tomar medidas drásticas. Entendeu?
— Vai se ferrar, seu velho idiota. — Murmurei entre dentes, minha voz carregada de ódio.
O sorriso dele desapareceu. Em um movimento rápido, ele me empurrou com tanta força que tropecei e bati a cabeça na quina da mesa. Uma dor aguda explodiu no meu crânio, e senti algo quente escorrendo pela lateral do meu rosto. Sangue.
Olhei para ele horrorizada, a visão embaçada pelas lágrimas que eu estava segurando. Ele ficou parado, o revólver ainda na mão, observando-me com uma calma perturbadora.
— Esse é o último aviso, Calista — Disse ele, baixo, mas com uma firmeza que gelava a alma. — Não quero machucar você. E não quero machucar o garoto. Mas, se isso continuar, nenhum de vocês sairá impune.
Eu me arrastei para trás, tentando criar distância, mas ele deu um passo na minha direção.
— Ah, e se você pensar em contar a alguém o que aconteceu aqui... Bem, acho que posso arranjar um lugar para você em um bom reformatório.
Ele se inclinou ligeiramente, o rosto próximo ao meu.
— Cuidado, Calista. Muito cuidado.
E então ele saiu, deixando-me no chão, com a cabeça latejando e o peito tão apertado que parecia que eu não conseguia respirar.
Só então as lágrimas vieram, quentes e incontroláveis. Eu me encolhi ali mesmo, sentindo como se o chão tivesse sido arrancado debaixo de mim.
Naquele momento, tudo pareceu desmoronar. Não havia saída. Não havia esperança. Ele tinha destruído tudo.
Encostei na parede do escritório, ainda trêmula, e passei as mãos pelos cabelos, puxando-os para trás com força, como se isso fosse aliviar a tempestade dentro de mim. Não era só o sangue escorrendo da lateral da minha cabeça que me fazia sentir dor. Não, isso era nada comparado ao que estava rasgando meu peito. A raiva, o medo, o desespero... Parecia que todas as emoções possíveis estavam me atingindo de uma vez.
Os soluços vieram, fortes e incontroláveis. Eu não conseguia mais segurar. Minha visão ficou turva, e os sons dos meus próprios gemidos abafados eram um lembrete de como eu estava quebrada naquele momento. Tudo o que eu queria era que as coisas fossem mais simples. Não era pedir muito, era? Apenas paz. Apenas a chance de ser feliz com Kwon. Mas parecia que o universo sempre conspirava contra nós, jogando uma pedra no nosso caminho a cada passo que dávamos juntos.
A dor da traição era o que mais me corroía. Peguei meu celular do bolso com as mãos tremendo e fui direto para os contatos. O nome de Axel piscou na tela, e só de ver aquilo, senti meu estômago revirar de raiva. Apertei o botão para ligar.
Uma vez. Caixa postal.
Duas vezes. Caixa postal.
Três vezes. Ainda nada.
A frustração ferveu dentro de mim, misturada com a raiva que eu já mal conseguia conter. Respirei fundo, mas em vez de acalmar, o ar só parecia incendiar meu peito. Apertei o botão para gravar uma mensagem de voz, e as palavras saíram sem filtro, carregadas com todo o amargor que eu sentia.
— Axel, é bom você não cruzar o meu caminho nos próximos dias. Porque, se o fizer... — Minha voz quebrou, mas eu continuei, mais baixa, quase sussurrando. — Eu juro que te mato com minhas próprias mãos.
Respirei fundo, tentando controlar o tom, mas a emoção era evidente.
— Como você pôde? — Minha voz saiu trêmula, com um tom mais choroso agora. — Como você pôde fazer isso comigo? Eu pensei que éramos amigos, Axel. Eu confiei em você, idiota!
A gravação terminou, e eu apertei o botão para enviar antes que pudesse me arrepender. O celular caiu das minhas mãos, batendo no chão com um som abafado.
Encostei as costas na parede e deslizei até me sentar no chão, abraçando os joelhos. O choro veio de novo, mais forte desta vez, e eu não tentei segurar. Cada lágrima parecia carregar um pedaço do peso que eu sentia, mas ao mesmo tempo, não parecia suficiente para aliviar a pressão no meu peito.
Eu precisava pensar. Precisava agir. Hoje eu definitivamente não iria para o treino, meu corpo e minha mente não tinham condições. Mas sabia que, mais tarde, de alguma forma, eu precisaria contar tudo para Kwon. Ele precisava saber, mesmo que eu não pudesse ficar com ele agora. Não enquanto Terry estava pronto para destruir qualquer chance que tivéssemos.
Pensei na possibilidade de nos afastarmos temporariamente, e só o pensamento me rasgava por dentro. Mas talvez fosse a única forma de mantê-lo seguro enquanto eu decidia o que fazer. Não podia permitir que Kwon pagasse pelas minhas escolhas ou pela obsessão controladora de Terry.
Meus olhos se fixaram no chão do escritório, mas minha mente já estava longe. Terry não podia vencer. Axel não podia continuar a me trair desse jeito. Eu precisava aprender a lutar de verdade. Não só com os punhos ou com técnicas de defesa, mas com qualquer coisa que fosse necessária.
Preciso aprender a atirar.
O pensamento veio como um trovão, e, pela primeira vez em horas, algo dentro de mim ficou claro. Se Terry podia usar armas para ameaçar, então eu também podia usá-las para proteger. Não gostava da ideia, mas sabia que era necessária. Se chegasse ao ponto em que fosse eu ou ele, eu precisaria estar pronta.
Passei as mãos pelos cabelos novamente, tentando controlar os soluços. Respirei fundo, mas o ar ainda parecia pesado. Eu não tinha escolha. Precisava ser mais forte. Por mim. Por Kwon. Por nós dois.
E, acima de tudo, precisava encontrar uma maneira de acabar com Terry Silver.
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Assim que Kwon saiu pelo beco, simplesmente pedindo para que eu não o seguisse, senti meu corpo desabar. As lágrimas vieram instantaneamente, queimando meu rosto enquanto o som de sua voz irritada ainda ecoava nos meus ouvidos. Minha garganta estava apertada, e eu mal conseguia respirar. Eu sabia que ele estava magoado, mas, droga, por que ele não podia tentar entender o meu lado? Não era como se eu quisesse estar nessa situação. Não era como se eu quisesse afastá-lo.
Eu me sentei no chão, o peso do momento caindo sobre mim como uma tonelada de concreto. Meus dedos apertaram os cabelos com força enquanto soltei um grito rouco, carregado de frustração e desespero. Era como se tudo estivesse saindo do controle, como se todas as peças que eu tentava manter juntas desmoronassem, uma por uma.
A imagem do rosto de Kwon, seus olhos cheios de raiva e dor, ficava se repetindo na minha mente. O jeito como ele gritou, como ele me mandou não segui-lo... Aquilo me rasgava por dentro. Eu sabia que ele estava no direito de se sentir assim, mas não era justo. Ele não sabia. Não sabia o que eu estava enfrentando, o peso que eu carregava nas costas. Terry. Axel. Tudo isso estava me sufocando, e eu tinha que lidar com isso sozinha.
Passei as mãos pelo rosto, tentando enxugar as lágrimas, mas parecia que elas não paravam. Meu coração doía, e a sensação de impotência era insuportável. Eu odiava Terry por me colocar nessa posição. Eu odiava Axel por me trair. E, naquele momento, eu até me odiava um pouco por não conseguir ser mais forte.
Depois de um tempo, consegui me levantar, mesmo que minhas pernas estivessem trêmulas. Precisava sair dali, precisava de um pouco de ar. Peguei minha bolsa e caminhei em direção ao hotel, cada passo pesado, como se estivesse carregando um mundo inteiro nas costas.
Enquanto andava, meu celular vibrou no bolso. Suspirei, pegando-o com mãos ainda trêmulas. Era uma mensagem de Zara.
"Ei, tô começando a me arrumar para o bar. Vai também, né? Todo mundo vai estar lá!"
Li a mensagem várias vezes, tentando decidir o que fazer. Parte de mim queria apenas se enfiar debaixo das cobertas e desaparecer. Mas a outra parte sabia que, se eu não fosse, só estaria adiando os problemas. Talvez, lá no bar, eu tivesse a chance de encontrar Kwon de novo. Talvez, com o clima mais calmo, eu pudesse explicar.
Respirei fundo, respondendo a mensagem.
"Vou sim. Preciso de uns minutos, mas nos encontramos lá."
Guardei o celular e continuei caminhando. Meu rosto ainda estava molhado pelas lágrimas, e meu coração ainda parecia pesado. A ideia de encarar Kwon de novo me deixava ansiosa, mas eu sabia que precisava fazer isso. Não suportaria que ficássemos brigados, não com tudo o que já estava acontecendo.
Ao chegar no hotel, fui direto para o banheiro. O reflexo no espelho quase me fez chorar novamente, olhos inchados, rosto avermelhado, cabelos bagunçados. Passei água fria no rosto, tentando me recompor. A água gelada era um choque necessário, ajudando a aliviar um pouco a dor que parecia queimar dentro de mim.
— Você consegue... É só explicar tudo. — Sussurrei para mim mesma, encarando meu reflexo. Mas a verdade é que eu não sabia se conseguia.
Escolhi uma roupa simples, algo que não chamasse muita atenção, e prendi os cabelos de forma rápida. Não estava com ânimo para me arrumar, mas também não queria parecer completamente destruída, por mais que eu soubesse que isso era inevitável. O objetivo era enfrentar Kwon e, quem sabe, consertar ao menos uma pequena parte do caos que nossa relação havia se tornado.
Enquanto caminhava em direção ao local do encontro, senti um nó se formar no estômago. Cada passo parecia mais difícil que o anterior, mas eu continuei. Porque, por mais que doesse, eu sabia que precisava lutar por ele. Mesmo que significasse enfrentar toda a dor que isso trazia.
Assim que entrei no bar, o som alto das conversas e da música me atingiu como uma onda. O lugar estava cheio, as equipes espalhadas em grupos, conversando e rindo. Eu queria sumir dali, mas sabia que precisava enfrentar isso, precisava encontrar um jeito de falar com Kwon. Antes que eu pudesse dar mais um passo, ouvi Zara gritar.
— Cali, você veio!
A animação na voz dela me fez forçar um sorriso. A última coisa que eu queria era que ela percebesse como eu realmente estava me sentindo. Caminhei na direção dela, tentando parecer mais confiante do que realmente estava.
— Claro que vim — Murmurei, a voz saindo mais baixa do que pretendia.
Antes que pudéssemos dizer qualquer coisa, senti um movimento no canto da visão. Quando olhei, vi Kwon vindo do balcão. Meu coração apertou no mesmo instante. Ele andava de forma desajeitada, claramente embriagado, o rosto levemente corado e os cabelos bagunçados, como se tivesse passado as mãos neles várias vezes.
Ele parou na minha frente, a voz arrastada, olhando para mim com olhos que pareciam misturar mágoa e raiva.
— Cali, podemos conversar?
Meu peito apertou ainda mais. Só de vê-lo naquele estado, meu instinto já gritava que não seria uma boa ideia. Eu soltei uma risada curta, carregada de indignação e tristeza. Não era possível que ele achasse que conversar agora resolveria alguma coisa.
— Você está bêbado, Kwon? — Perguntei, sem conseguir esconder o tom de frustração.
Antes que ele tivesse chance de responder, continuei, minha voz saindo mais firme do que eu esperava.
— Melhor conversarmos em outro momento. Amanhã cedo. Você sabe que as coisas nunca dão certo quando você bebe.
Ele franziu os lábios, claramente irritado, e antes que eu pudesse reagir, gritou.
— Mas eu quero agora!
Aquele tom de voz fez meu coração se partir um pouco mais. Ele parecia tão perdido, tão magoado, mas eu sabia que tentar resolver isso agora só pioraria tudo. Zara, percebendo a tensão, segurou meu braço e deu um passo à frente, posicionando-se como uma espécie de barreira entre nós dois.
— Deixa ela em paz por hoje, Kwon. Amanhã vocês conversam.
Eu senti a mão dela apertar meu braço levemente, como se quisesse me confortar. Ela começou a me guiar para longe, mas eu ainda podia ouvir a voz de Kwon gritando algo atrás de nós. Não consegui entender as palavras, mas a dor em sua voz era inconfundível.
Cada passo que eu dava me parecia um peso. Meu peito estava apertado, a garganta seca, e minha mente girava. Eu sabia que adiar a conversa só prolongaria essa situação, mas não havia outra escolha. Ele estava embriagado, e tentar explicar qualquer coisa naquele estado era inútil.
Quando nos sentamos em uma mesa de canto, Zara me olhou com preocupação.
— Você tá bem?
Forcei um sorriso, tentando parecer tranquila, mas minha voz me traiu quando a respondi.
— Vai ficar... Tudo bem.
Ela levantou a mão, chamando a atenção de um garçom, e eu me recostei na cadeira, tentando respirar fundo. Meu olhar, involuntariamente, foi até o balcão onde Kwon estava. Ele ainda parecia tão irritado, tão perdido. Eu queria ir até ele, abraçá-lo, pedir desculpas, contar tudo. Mas não podia. Não ainda.
A dor de vê-lo assim, sabendo que eu era parte do motivo, me corroía por dentro. Mas, ao mesmo tempo, eu precisava ser forte. Precisava proteger ele, mesmo que isso significasse fazer exatamente o que eu mais temia: afastá-lo.
Enquanto Zara fazia o pedido, eu apertei as mãos no colo, tentando conter as lágrimas que ameaçavam voltar. Talvez amanhã fosse diferente. Talvez amanhã eu conseguisse explicar tudo. Mas, por ora, tudo o que eu podia fazer era esperar e torcer para que ele entendesse.
Eu mal tinha conseguido respirar fundo quando um garoto apareceu ao lado da mesa, carregando aquele tipo de energia que parecia contagiar todo mundo. Ele tinha um sorriso fácil no rosto e um ar descontraído, o que contrastava com o ambiente tenso que eu estava carregando dentro de mim. Zara, sempre a mais extrovertida, abriu um sorrisão ao vê-lo se aproximar.
— Ah, Yuri! — Exclamou ela, animada, e então começou a rir, olhando para mim de lado antes de completar. — Meu Deus, ele é muito parecido com...
— O Kwon. — Eu murmurei, antes que ela terminasse.
Minhas palavras saíram mais rápidas do que eu esperava, e não consegui evitar franzir o cenho enquanto o observava com mais atenção. Eles realmente eram parecidos. O tipo de semelhança que me deixava desconfortável. Não era só o cabelo preto e o tom de pele semelhante, mas até o formato do rosto lembrava um pouco Kwon. Só que, diferente dele, Yuri carregava uma expressão leve, quase despreocupada. Ele parecia o oposto do turbilhão de intensidade que Kwon era.
Mesmo assim, aquela semelhança só me fazia lembrar ainda mais o quanto eu queria estar ao lado de Kwon, tentando resolver o que quer que estivesse acontecendo entre nós. Não importava o quanto Yuri pudesse parecer com ele, não era ele. Não era meu Kwon.
Antes que eu pudesse processar mais, Yuri puxou uma cadeira e se sentou conosco, como se já fosse parte da conversa. Ele começou a falar sobre a competição, sua voz animada e cheia de entusiasmo.
— Vocês viram o cara de moicano equipe americana? Ele acertou o alvo a trinta metros de distância ontem. Impressionante, né? — Disse ele, os olhos brilhando.
Zara gargalhou, claramente entretida, enquanto eu apenas oferecia um sorriso pequeno, o tipo que se força quando você não quer parecer rude.
— Impressionante mesmo — Respondi baixo, mais para manter a conversa do que por real interesse.
Enquanto ele falava, meu olhar insistia em se voltar para o balcão. Lá estava Kwon, ainda apoiado contra a madeira, os ombros tensos e a expressão de raiva evidente mesmo de longe. Ele parecia estar tentando focar em alguma coisa, ou em alguém, mas eu não conseguia entender o que era. Toda vez que olhava para ele, meu coração parecia se apertar mais.
Yuri continuava a falar, sua voz cheia de entusiasmo ao contar sobre as experiências nos treinos e as histórias engraçadas de sua equipe. Zara estava completamente envolvida, rindo alto a cada piada ou comentário que ele fazia. Por outro lado, eu apenas assentia de vez em quando, soltando pequenos risos para não parecer completamente alheia.
— ... E aí, o treinador ficou tão irritado que jogou o cronômetro no chão! — Yuri disse, imitando o gesto exagerado. Zara caiu na gargalhada, e eu consegui soltar um pequeno riso, mesmo que minha mente estivesse longe.
De vez em quando, eu tentava prestar mais atenção, até porque Yuri realmente parecia um cara gentil. Havia algo nele que transmitia leveza, e, apesar de ele ser da mesma equipe daquela garota insuportável, Maria, ele não parecia ter a mesma energia desagradável que ela.
Mesmo assim, a maior parte da minha concentração estava em Kwon. Eu podia sentir a tensão em cada músculo do meu corpo enquanto tentava decifrar o que ele estava pensando, o que ele faria em seguida. Era quase como se cada ação minha fosse um reflexo da preocupação de como ele iria reagir.
Houve momentos em que Yuri cruzava o olhar comigo, e eu sentia uma pontada de desconforto. Não era como se ele estivesse sendo invasivo, mas algo na forma como ele olhava, quase como se quisesse me entender, me deixava nervosa. Mesmo assim, eu sorria de leve, querendo manter as coisas cordiais. Ele não merecia ser tratado mal só porque eu estava presa em um emaranhado de sentimentos complicados.
Zara parecia genuinamente divertida, e isso aliviava um pouco o peso no meu peito. Talvez fosse bom que pelo menos ela estivesse se divertindo. Eu, por outro lado, estava apenas tentando manter a compostura, fingindo que tudo estava bem enquanto a tempestade dentro de mim parecia se intensificar.
Eu me levantei da mesa, sentindo o peso das últimas horas esmagar meu peito. Cada passo em direção ao balcão parecia arrastado, como se minhas pernas estivessem carregando o peso de uma âncora. Meu estômago queimava de uma forma que eu conhecia bem, minha velha companheira, a gastrite nervosa, dando sinais de vida novamente. Não era surpresa, considerando o estado emocional que eu estava. Tudo parecia em frangalhos, e, sinceramente, eu não sabia como manter qualquer coisa de pé.
Quando cheguei ao balcão, a visão de Kwon a poucos metros de distância me fez hesitar. Ele estava lá, mas não sozinho. Maria, claro, sempre em algum lugar onde não era chamada. Franzi o cenho, sentindo uma irritação fervilhar dentro de mim. Eu não sabia se estava com raiva dela por sempre aparecer nos piores momentos ou com raiva de Kwon por sequer dar atenção a ela. Mas nada me preparou para o que aconteceu em seguida.
Ele passou o braço ao redor dos ombros dela, um gesto que parecia proposital, direto, e, pior, feito para mim. Seu sorriso malicioso era como uma facada no meu coração. Ele sabia que eu estava ali. Sabia que eu estava olhando. Era isso que ele queria? Me ferir de propósito?
Minha garganta apertou, mas eu tentei engolir a dor. Olhei para o bartender e pedi uma água com gás. Minha voz saiu baixa, quase rouca, mas consegui me fazer entender. Enquanto esperava, olhei para Kwon de relance, tentando entender o que se passava na cabeça dele. Mas quando ele olhou na minha direção, eu desisti. Não havia compaixão no olhar dele, só uma espécie de desafio misturado com raiva.
Peguei minha bebida e virei para voltar para a mesa. Foi então que a cena quebrou qualquer força que eu ainda tinha dentro de mim.
Maria, com aquele ar de superioridade insuportável, simplesmente agarrou Kwon e chocou os lábios nos dele. E ele... Ele não a afastou. Não imediatamente. Meu mundo parou por um instante, como se alguém tivesse arrancado o chão sob meus pés.
Uma risada nervosa escapou de mim, curta e amarga. Não era porque era engraçado, era porque eu estava a um fio de colapsar, e meu corpo parecia reagir de maneira descontrolada. Minhas mãos tremiam, e o aperto no peito se transformou em uma dor quase física. As lágrimas ameaçaram cair, mas eu me recusei a deixá-las vir ali, na frente de todo mundo. Não. Não naquele momento.
Antes que qualquer um pudesse perceber, me virei e saí do bar. Cada passo que eu dava parecia mais rápido que o anterior, como se eu estivesse fugindo de algo. E, de certa forma, estava. Do olhar de Kwon, da possibilidade de cruzar com Maria, da humilhação e do aperto insuportável no meu peito.
Quando finalmente cheguei à calçada, o choro irrompeu, e as lágrimas desceram pelo meu rosto sem controle. Meu corpo tremia, e minha respiração vinha em soluços curtos e dolorosos.
Como ele pôde fazer isso? A pergunta ecoava na minha mente, repetidamente, como um martelo batendo sem parar. Eu sabia que ele estava magoado, sabia que tudo estava uma bagunça, mas isso? Ele sequer quis me ouvir, sequer deu espaço para uma tentativa de explicação. E agora ele... Ele faz isso?
As ruas estavam escuras e desertas, mas eu mal notava. Continuei andando, tentando me afastar do bar, tentando escapar daquela imagem que parecia gravada nos meus olhos. Meu peito estava tão apertado que era difícil respirar, e cada passo parecia mais pesado que o anterior.
Quando finalmente cheguei a uma parte mais iluminada, puxei o celular para chamar um táxi, mas meu dedo hesitou. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, ouvi uma voz familiar gritando meu nome.
— CALISTA!
Meu coração disparou, mas não de esperança. Era de puro desespero. Eu não queria vê-lo, não depois daquilo. Não queria ouvir uma explicação, uma desculpa, ou qualquer outra coisa.
Vi uma parede próxima e corri para trás dela, me escondendo na sombra. Ele não podia me encontrar. Não agora. Não depois de ter me destruído daquela forma.
Encostei as costas contra a parede, tentando controlar minha respiração, abafando os soluços com as mãos. Ouvi passos pesados na calçada, e meu coração parecia um tambor no peito.
— CALISTA! — Ele gritou de novo, a voz mais rouca, mais desesperada, mas eu não cedi.
As lágrimas continuavam caindo, quentes e incessantes. Eu me sentia um caco de vidro quebrado, espalhado em mil pedaços pelo chão, sem qualquer chance de ser consertado. Ele passou correndo pela rua, sem me ver, e eu apenas fechei os olhos, tentando conter a dor que parecia devorar cada parte de mim.
Eu estava encostada na parede, tentando controlar meu choro e abafar os soluços que insistiam em escapar. Meu corpo estava em alerta, mas minha mente parecia anestesiada, mergulhada na dor e na confusão. Foi então que percebi dois homens se aproximando. Eles estavam na ruela, olhando diretamente para mim, e não demorou para que começassem a dizer coisas que eu preferia não ter ouvido.
— Ei, mocinha, tá perdida? — Um deles disse, com um tom que imediatamente fez minha pele arrepiar de nervoso.
Ignorei, tentando me mover para longe, mas a aproximação deles ficou mais agressiva.
— Não precisa fugir, a gente só quer conversar, não é, cara? — O outro riu, e o som fez meu estômago revirar.
Foi quando percebi que não tinha escolha. Saí correndo, o coração disparado e as pernas mal se movendo rápido o suficiente. Ouvi os passos deles atrás de mim, o som das risadas e os gritos para eu parar.
Não tem como essa noite ficar pior, pensei, desesperada, enquanto tentava chegar a um lugar mais movimentado. Meu peito estava apertado, como se cada respiração custasse uma eternidade, e minhas mãos tremiam com o medo que se misturava à raiva.
Então, ouvi.
— CALISTA!
A voz de Kwon ecoou pela rua outra vez, mas agora, ainda mais desesperada, cheia de pânico. Eu olhei para trás, meus olhos arregalados, e vi quando ele apareceu. Mesmo cambaleando, claramente ainda afetado pelo álcool, ele correu na direção dos dois homens. Houve um impacto seco, o som do punho dele contra o rosto de um deles.
Mas ele não estava em sua melhor forma, e isso ficou claro quando um dos homens o segurou pelas costas enquanto o outro começou a desferir golpes contra ele. Meu coração parecia querer sair do peito, e meu corpo congelou por um instante, incapaz de processar a cena.
Mas então algo dentro de mim despertou.
Apesar de tudo, da dor, da raiva, pelo que ele havia feito, Kwon ainda era a coisa mais importante para mim. Ainda era ele. E eu não ia ficar parada assistindo enquanto ele se machucava.
Respirei fundo, cerrando os punhos ao lado do corpo, e corri na direção deles. Sem pensar, sem hesitar. Quando cheguei perto, ataquei o homem que segurava Kwon, um soco direto no queixo que o fez cambalear.
— Solta ele! — Gritei, minha voz cheia de uma fúria que eu nem sabia que tinha.
A luta foi rápida, mas intensa. Cada golpe que eu desferia parecia carregar toda a dor e a raiva acumuladas naquela noite. E Kwon, mesmo zonzo, ainda conseguiu reagir, lutando ao meu lado como costumávamos fazer enquanto eu estive no Cobra Kai. Era como se, por um instante, toda a confusão entre nós desaparecesse, e só existisse a necessidade de proteger um ao outro.
Quando finalmente os dois homens estavam no chão, nocauteados e imóveis, meu corpo tremia de exaustão. Minha respiração estava acelerada, e meus punhos doíam de tanto impacto. Foi então que ouvi Kwon.
— Calista! — Ele chamou, a voz ainda rouca e desesperada.
Virei para ele, e a expressão no rosto dele era um misto de culpa e dor. Ele deu um passo na minha direção, mas eu recuei, levantando uma mão, pedindo que parasse.
— Eu posso explicar... — Ele começou, mas eu não deixei que terminasse.
— Explicar o quê, Kwon? Que você viu algo que não entendeu e foi direto beijar outra garota? — Minha voz estava alta, quase um grito, carregada de emoção.
Ele passou a mão pelos cabelos, claramente irritado, mas também cheio de arrependimento.
— Eu vi você com aquele cara, o asiático! — Ele exclamou. — Você estava sorrindo para ele, e eu... Eu achei que você... Que você tinha me trocado.
Soltei uma risada nervosa, cheia de incredulidade.
— Trocado você? — Perguntei, quase sem acreditar. — Eu não fiquei com garoto nenhum, Kwon! Nós só estávamos conversando. Eu nunca faria isso.
Ele tentou se aproximar mais uma vez, mas eu continuei recuando.
— Calista, não era minha intenção... — Ele começou, mas eu o interrompi de novo.
— Você não quis me ouvir! — Gritei. — Eu só queria um tempo, Kwon, para pensar, para proteger você, para proteger a gente! E você foi rápido demais em simplesmente estragar tudo antes disso!
— Você devia ter explicado melhor antes! — Ele retrucou, a voz subindo de tom, os olhos dele brilhando com a mesma frustração que eu sentia.
Eu ri de novo, mas dessa vez não havia humor nenhum.
— Foi você quem não quis dar ouvidos, Kwon. — Respondi, minha voz baixa, mas carregada de mágoa.
Olhei para a rua e vi um táxi se aproximando. Sem pensar duas vezes, acenei para ele, meu corpo tremendo de exaustão emocional e física. Quando o carro parou, entrei rapidamente, fechando a porta com força antes que Kwon pudesse se aproximar.
Ele gritou meu nome, correndo atrás do táxi enquanto ele começava a se mover. Eu me virei para a janela, apoiando a cabeça contra o vidro, e as lágrimas finalmente começaram a cair, como nas outras milhares de vezes no mesmo dia. Elas queimavam minhas bochechas, como se todo o peso da noite estivesse escorrendo junto com elas.
Enquanto o carro se afastava, eu o ouvi parar de gritar, de correr. Ele ficou parado na calçada, observando enquanto eu desaparecia. E eu, no fundo, sentia como se algo dentro de mim estivesse sendo arrancado. Meu peito parecia afundar em dor, um vazio enorme tomando conta de mim.
Eu fechei os olhos, permitindo que as lágrimas continuassem caindo, e desejei, com toda a força que ainda me restava, que eu pudesse simplesmente desaparecer.
Obra autoral ©
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