35. Some memories and a fight
Eu estava segurando meu novo coelho de pelúcia contra o peito, sentindo uma espécie de conforto nostálgico na suavidade dele, quando vi um grupo se aproximando. Um grupo que eu reconhecia. Meus olhos se fixaram imediatamente em Robby Keene, e senti uma onda de confusão misturada com desconforto.
Eu conhecia Robby. Nós treinamos juntos por um tempo, quando eu estive no Cobra Kai. Foi uma fase complicada, cortesia de Terry Silver, e foi lá que eu conheci Kenny. Esses pedaços do passado surgiam na minha mente como flashes, momentos isolados que ainda precisavam se conectar completamente.
Ao lado de mim, Kwon parecia uma panela de pressão prestes a explodir. Eu observei sua mandíbula travada, o punho cerrado e os ombros tensos. Não precisava lembrar de todos os detalhes para entender o que estava acontecendo, algo tinha acontecido entre ele e Robby durante a competição. Algo grande o suficiente para deixá-lo com essa expressão de puro rancor.
Eu não queria problemas. Não hoje.
Sem pensar muito, alcancei o antebraço dele, apertando-o firmemente para chamar sua atenção.
— Vamos embora. — Sussurrei, minha voz baixa e firme, tentando acalmá-lo.
Ele me olhou por cima do ombro, e por um breve momento, pensei que ele ia concordar. Seus olhos encontraram os meus, e pude ver a hesitação ali. Mas antes que pudesse responder, a voz de Robby ecoou pelo corredor, alta e carregada de provocação.
— Vai fugir de novo, Kwon?
Eu senti Kwon se retesar ao meu lado, como se aquelas palavras tivessem acionado algum botão dentro dele. Ele se virou lentamente, encarando Robby com uma intensidade que quase dava para tocar.
— Não, Kwon. — Sussurrei novamente, desta vez mais firme, apertando o braço dele com mais força.
Mas ele não parecia ouvir. Robby estava parado mais à frente, com aquele ar confiante que sempre me incomodou, como se soubesse exatamente como pressionar os botões das pessoas.
O resto do grupo do Miyagi-Do também estava lá, mas tudo ao redor parecia desaparecer. Era como se o mundo tivesse se reduzido a esses dois, Kwon e Robby, prontos para um confronto que provavelmente vinha sendo adiado há muito tempo.
Eu não sabia exatamente o que fazer. Lutar não parecia a solução, mas também não tinha certeza de que poderia conter Kwon. Ele parecia uma força da natureza agora, prestes a explodir, e não havia muito que eu pudesse fazer para deter isso.
— Kwon, me escuta. — Tentei novamente, mas minha voz soou frágil até para mim mesma.
Se ele me ouviu, não demonstrou. As coisas estavam prestes a desandar, e eu sabia que, de alguma forma, precisava intervir antes que fosse tarde demais.
Robby se aproximou, o olhar confiante dele fixo em nós. Kwon imediatamente ficou em alerta, seus ombros enrijecendo, como se estivesse pronto para uma luta. Mas, para minha surpresa, Robby ignorou Kwon completamente e olhou diretamente para mim.
— Sério, Calista? — Ele perguntou, o tom de desdém quase palpável. — Você realmente está com esse cara?
Minhas mãos apertaram o coelho de pelúcia contra o peito com tanta força que senti os dedos começarem a doer. Minha raiva começou a subir, mas antes que pudesse dizer algo, Kwon explodiu.
— Cala essa boca, Keene! — A voz dele saiu como um rugido baixo, cheio de ameaça.
Eu ergui uma mão, tentando conter Kwon, mas ele parecia prestes a avançar. Suspirei fundo, fechando os olhos por um momento para reunir forças, e olhei para Robby.
— Há quanto tempo, Robby. — Minha voz saiu firme, mas havia um peso nas palavras.
Kwon, ainda em posição defensiva, virou-se para mim com uma expressão de pura indignação.
— Espera aí... Você conhece ele? — Ele perguntou, incrédulo, o tom carregado de ciúme e irritação.
Eu abri a boca para responder, mas Robby foi mais rápido. Ele cruzou os braços, o sorriso provocativo crescendo em seus lábios.
— Ah, nós nos conhecemos bem. — Ele disse, com um tom que era mais farpa do que lembrança. — Treinamos juntos no Cobra Kai. Fazíamos muitas coisas juntos, aliás.
O veneno em suas palavras era impossível de ignorar. Eu soltei um longo suspiro, sentindo meus punhos se fecharem involuntariamente. Disso, infelizmente, eu me lembrava muito bem.
O tempo que passei no Cobra Kai, sob a manipulação de Terry Silver e o maluco do Kreese, ainda que breve, foi um dos períodos mais complicados da minha vida. E foi lá que conheci Robby. No começo, éramos apenas parceiros de treino, mas com o tempo, algo estranho começou a acontecer. Houve uma conexão. Não era amor, mas algo mais... Impulsivo.
Eu me lembrei de um momento em particular, estávamos no dojô, depois de uma longa sessão de treino. Robby estava encostado no espelho, ofegante, e me olhou de um jeito que me fez sentir algo inesperado. O beijo aconteceu rápido, um momento breve que eu me afastei quase imediatamente. Não éramos um casal, nunca fomos. E antes que algo mais pudesse acontecer, eu fui embora, deixando o karatê por um bom tempo, antes de voltar agora como sua oponente no tatame.
Olhei para Kwon, que agora me encarava como se tentasse decifrar cada pedaço da minha alma. Ele parecia ferido, mas ainda mais irritado.
— Então, é isso? — Ele murmurou, olhando de mim para Robby. — Você e ele?
— Não foi nada, Kwon. — Respondi rapidamente, tentando abafar a tempestade antes que ela se formasse.
Robby deu uma risada curta, obviamente aproveitando o desconforto de Kwon.
— Não foi o que pareceu na época. — Ele disse, jogando mais lenha na fogueira.
Senti minha paciência chegar ao limite. Dei um passo à frente, encarando Robby com firmeza.
— Chega, Robby. — Minha voz saiu baixa, mas carregada de determinação. — Isso foi no passado. E você sabe que não significou nada.
Os olhos dele perderam um pouco do brilho provocativo, mas ele deu de ombros, claramente querendo prolongar a discussão.
— Só achei que ele deveria saber. — Disse, antes de recuar um passo.
Eu me virei para Kwon, tentando capturar sua atenção novamente.
— Kwon, olha para mim. — Pedi, minha voz mais suave agora. Ele relutantemente desviou o olhar de Robby para me encarar. — Isso foi antes do Sekai Taikai e... Antes de qualquer coisa. Não tem nada entre mim e ele.
Eu sentia que ele deveria saber, afinal, eu enfim estava dando abertura para entender e ouvir o que ele tinha a dizer sobre nós e o que vivemos nessas semanas. Kwon respirou fundo, claramente lutando contra o impulso de explodir. Finalmente, ele soltou o ar, passando a mão pelo cabelo e murmurando algo inaudível.
— Tudo bem. — Disse finalmente, mas havia uma tensão em sua voz que deixava claro que ele ainda não estava satisfeito.
Eu sabia que isso não terminaria ali, mas pelo menos, por enquanto, havia evitado uma briga física. Ou, pelo menos, era o que eu esperava.
No entanto, por um momento, achei que Kwon havia se acalmado. Ele respirava fundo, os punhos cerrados, mas parecia estar segurando a raiva. Senti um alívio breve, quase tolo, pensando que talvez tudo terminasse ali. Mas não.
Kwon explodiu.
Antes que eu pudesse sequer dizer algo, ele girou o corpo e acertou um soco direto no rosto de Robby. O impacto foi alto, o som seco ecoando no fliperama. Robby caiu no chão com força, uma mão no rosto, enquanto esbravejava, irritado.
— Você tá maluco?! — Robby gritou, tentando se levantar, mas Kwon já estava em cima dele, pronto para continuar.
Eu murmurei um irritado "droga", levando a mão à testa. Claro que ele não iria deixar barato.
A luta começou ali mesmo, Kwon e Robby trocando socos com uma intensidade que atraiu olhares de curiosidade e choque ao redor. A raiva nos olhos de Kwon era quase assustadora, e Robby, apesar da provocação inicial, claramente não estava disposto a levar aquilo numa boa.
Enquanto tentava pensar em como separar os dois sem acabar no meio da confusão, percebi movimento ao meu lado.
Um dos garotos do Miyagi-Do, não consegui ver exatamente quem, e muito menos reconhecer, mas tinha um moicano, e ele começou a vir na minha direção, com os punhos erguidos. Ele parecia hesitante, como se não quisesse realmente lutar, mas sabia que estava prestes a ser arrastado para a briga.
Suspirei fundo, colocando o coelho branco cuidadosamente em cima da máquina ao meu lado.
— Certo, então é assim? — Perguntei, mais para mim mesma do que para ele.
Respirei fundo, sentindo a familiar tensão nos músculos. Fazia tempo que eu não precisava lutar, mas pelo jeito, isso estava prestes a mudar. Não era a situação ideal, claro. Eu não queria estar no meio de uma briga em um fliperama. Mas, ao mesmo tempo, senti uma onda de adrenalina que me fez relaxar um pouco. Talvez eu realmente precisasse de um aquecimento.
Ele avançou, desferindo um soco direto, mas eu já estava preparada. Desviei com facilidade, segurando seu braço e o girando para longe de mim.
— Você não quer fazer isso. — Disse, com um sorriso quase provocativo.
Ele se virou, visivelmente irritado, e tentou novamente. Desta vez, um chute que eu bloqueei com o antebraço antes de desferir um contra-ataque, um soco rápido em seu estômago, que o fez cambalear para trás.
— Eu avisei. — Murmurei, cruzando os braços brevemente antes de voltar à postura de combate.
— Garotinha irritante... — Eu ouvi ele murmurar, antes de se recompor.
A adrenalina começou a correr pelas minhas veias, e por mais que a situação fosse absurda, eu me senti viva. Infelizmente, isso só reforçava o caos que parecia seguir Kwon onde quer que ele fosse.
Enquanto o garoto voltava para mais uma tentativa, dei uma olhada para Kwon e Robby, que ainda estavam no chão trocando golpes intensos.
— Kwon! — Gritei, desviando de outro ataque e acertando um chute giratório no meu oponente. — Resolve isso logo, antes que as coisas fiquem ainda piores.
Mas, pelos poucos dias que passei com ele até então, eu já sabia, isso estava longe de terminar. E eu... Bem, eu teria que cuidar da minha própria batalha por enquanto.
O garoto do moicano avançou com mais força, seu punho indo direto para meu rosto. Desviei para o lado, bloqueando com o antebraço e, em seguida, desferi um chute frontal que o empurrou alguns passos para trás. Ele se recuperou rápido, vindo novamente com um soco lateral. Dessa vez, abaixei o corpo, girando para acertar um chute baixo na lateral de sua perna, mas ele pulou para trás, desviando no último segundo.
Eu sorri de canto. Ele era rápido.
Ele veio com um golpe combinado, um soco no alto e um chute baixo. Consegui bloquear o primeiro e desviar do segundo, mas ele usou a brecha para me empurrar com o ombro. Fui para trás, mas mantive o equilíbrio, preparando-me para contra-atacar.
— Você é melhor do que eu esperava. — Murmurei, erguendo os punhos.
— Isso é um elogio? — Ele respondeu, sorrindo de canto.
Antes que pudesse responder, ele avançou novamente, rápido demais. Dessa vez, ele acertou. Com um movimento calculado, ele desferiu um chute em meu abdômen, me desequilibrando, e antes que eu pudesse reagir, ele aproveitou a oportunidade para me agarrar e me derrubar no chão.
Minha cabeça bateu no chão com força.
O impacto fez o mundo ao meu redor tremer. Uma dor aguda irradiou pela parte de trás do meu crânio, como se um sino tivesse sido tocado dentro da minha cabeça. Por um momento, fiquei imóvel, paralisada, como se o ar tivesse sido arrancado dos meus pulmões.
Mas não foi apenas a dor que me atingiu.
Foi algo mais profundo.
Imagens começaram a surgir em minha mente, como flashes de uma tempestade elétrica. Um turbilhão de lembranças explodiu, uma após a outra, rápidas e intensas, como um canhão disparando contra mim.
Eu me vi no tatame do Sekai Taikai, nervosa, determinada. Me vi lutando, caindo, me levantando. Me vi sorrindo, chorando. Me vi ao lado de Kwon, discutindo, rindo, confiando nele de um jeito que nunca confiei em ninguém. Me vi olhando para ele enquanto as luzes do tatame me cegavam, e depois... O momento em que tudo escureceu.
A lembrança da dor, da queda. A sensação de vazio, de perda.
Tudo estava de volta.
Cada momento, cada sentimento.
Quando abri os olhos, vi Kwon vindo em minha direção, com o rosto marcado por preocupação e raiva. Ele estava longe, mas estava vindo. Meu coração deu um salto ao vê-lo.
Mas Robby não deixou. Ele o puxou antes que pudesse chegar até mim, e os dois começaram a lutar novamente.
Eu respirei fundo, sentindo uma estranha calma me envolver. Lentamente, me levantei, o corpo ainda dolorido do impacto, mas uma nova energia me preenchia.
Olhei para Kwon de relance, visto que ainda estava preso na briga com Robby.
E pela primeira vez, desde que acordei no hospital, senti algo que antes parecia distante.
Amor.
Eu me lembrei. De tudo.
E eu me lembrei do quanto ele era importante para mim.
Sem dizer uma palavra, apenas o observei por um momento, um sorriso leve e verdadeiro surgindo em meus lábios. Ele ainda não sabia, mas o peso em meu coração havia desaparecido.
Eu estava de volta. E, por ele, estava pronta para o que viesse.
O garoto avançou mais uma vez, mas dessa vez eu não hesitei. Ele não teve nem tempo de calcular o golpe antes que meu punho se projetasse direto contra o seu abdômen, atingindo-o com força. Senti o impacto reverberar em meu braço, e ele tropeçou para trás, engasgando com o ar que claramente perdeu. Uma pequena mancha de sangue surgiu no canto de sua boca, que ele limpou com o dorso da mão enquanto me olhava com incredulidade.
— Chega disso. — Vociferei, a irritação evidente em minha voz, enquanto soltava um suspiro pesado. — Isso aqui não é um dojô, e eu não estou com paciência para lidar com vocês.
Parei um instante, encarando o garoto que agora hesitava em se aproximar novamente.
Mas não tive tempo de relaxar.
A voz de Robby ecoou pelo fliperama. Quando me virei, o vi avançar contra Kwon com uma intensidade renovada. Antes que eu pudesse intervir, ele acertou Kwon com um golpe certeiro, derrubando-o no chão. Meu coração deu um salto, e instintivamente dei um passo à frente, mas Robby já se virava em minha direção.
Ele apontou na direção de Kwon, sua expressão tomada por raiva.
— Você realmente acha que ele é diferente? — Ele vociferou, sua voz carregada de um rancor que parecia ter sido acumulado por muito tempo. — Enquanto você estava aí, provavelmente sofrendo nas mãos de Silver para se afastar dele, achando que ele estava esperando por você... — Ele riu, mas não havia humor em sua voz. — Ele estava dormindo com a Tory. Minha namorada.
Senti como se o chão tivesse sumido debaixo dos meus pés. As palavras dele entraram como facas, cortando mais fundo do que qualquer golpe que já recebi.
— Um idiota nunca muda, Calista. — Ele continuou, sua voz pingando veneno. — Então, toma cuidado.
Antes que eu pudesse reagir, ele se afastou, caminhando com passos firmes e desaparecendo pelo corredor.
Kwon já estava de pé, seus olhos estreitados em pura fúria enquanto limpava o canto da boca, que estava manchado de sangue. Ele avançou na direção de Robby, claramente decidido a continuar a briga.
— Kwon, não. — Eu interceptei, colocando minha mão firme contra o peito dele. Ele olhou para mim, seus olhos fervendo de raiva, mas hesitou por um momento.
— Ele não vai sair falando esse tipo de merda! — Ele exclamou, tentando avançar novamente, mas eu empurrei mais forte, o impedindo. — Ele não sabe o que está falando...
— Deixa pra lá. — Minha voz saiu mais baixa do que eu esperava, quase um sussurro, mas carregada de firmeza. — Vamos embora.
Ele me encarou, confuso e frustrado, claramente relutante em desistir da briga.
— Você está bem? — Ele perguntou, a raiva dando lugar a uma preocupação genuína.
Eu queria gritar que não estava, que aquelas palavras tinham me atingido como um golpe invisível. Mas não podia. Não agora.
— Eu só preciso ir embora. — Respondi, o tom curto e direto.
Peguei a pelúcia que estava ao lado da máquina, meus dedos se fechando ao redor dela com tanta força que senti o tecido fino se amassar. Um misto de raiva e dor me preenchia, e mesmo sem olhar para Kwon, sabia que ele estava confuso, talvez até preocupado.
— Calista, você não...
— Vamos logo, Kwon. — Interrompi, minha voz mais fria do que pretendia.
Passei por ele, indo na frente, sem me importar se ele estava me acompanhando ou não. Minhas pernas caminhavam rápidas, quase como se tentassem fugir de algo.
O sorriso caloroso que eu havia sentido ao recuperar minhas memórias agora parecia uma lembrança distante. As palavras de Robby ecoavam em minha cabeça, repetidas vezes, como uma trilha quebrada que não parava de tocar.
"Enquanto você estava aí, provavelmente sofrendo nas mãos de Silver para se afastar dele..."
Tory.
Aquela noite no bar... Ou talvez depois.
Os pensamentos me atingiam como ondas, cada vez mais fortes, e eu não sabia o que era pior, a possibilidade de Robby estar mentindo ou a chance de ele estar dizendo a verdade.
Apertei mais forte a pelúcia em minhas mãos, tentando conter a mistura de emoções que ameaçava transbordar. Não era o momento de lidar com isso. Não ali, não agora.
Eu precisava sair dali. E precisava entender o que estava acontecendo antes de permitir que Kwon soubesse que eu me lembrava de tudo.
⋆౨ৎ˚ ⟡˖
O trajeto de táxi até o aeroporto foi um silêncio carregado, quase sufocante. Eu me afundei no assento, encarando a janela enquanto as luzes da cidade passavam como borrões. O mundo lá fora parecia tão distante quanto os pensamentos que eu tentava ordenar.
Kwon estava ao meu lado, inquieto. Eu não precisava olhar para saber, o jeito como ele cruzava e descruzava os braços, como batia os dedos no joelho em um ritmo irregular, era suficiente para perceber sua frustração. Ele sempre foi direto, sempre quis resolver as coisas na hora, mas eu... Eu só precisava de tempo para pensar.
Minha mente insistia em voltar àquela noite no bar. Eu me lembrava bem do jeito que o braço dele estava em torno de Tory, do riso despreocupado de ambos. Lembro dela ter interrompido, afastando-o com raiva, mas não tinha pensado muito mais nisso na época. Agora, porém, com as palavras de Robby martelando na minha cabeça, era impossível não questionar.
"Enquanto achava que ele estava esperando por você."
O que isso significava? Quando foi que eu "achei" isso? Eu sequer estava com Kwon naquela época. Nós mal nos suportávamos, e eu ainda estava cheia de ódio por ele.
Mas, de alguma forma, o que Robby disse me atingiu como se fosse verdade, como se houvesse algo para eu perder. Esse pensamento me irritava mais do que qualquer outra coisa.
Suspirei, os dedos apertando a pelúcia do coelho contra meu colo. "Gênio." A lembrança do apelido trouxe uma pontada estranha no peito. Antes, aquilo havia me aquecido, um reflexo da conexão que nós dois tínhamos. Agora, parecia um lembrete doloroso de que, talvez, eu não conhecesse Kwon tão bem quanto achava.
— Você vai me dizer o que está acontecendo ou vai continuar me ignorando? — A voz dele quebrou o silêncio, baixa, mas firme.
Demorei alguns segundos para responder, os olhos ainda fixos na paisagem do lado de fora.
— Não é nada. — Murmurei, tentando soar indiferente.
— Isso é mentira. — Ele retrucou rapidamente, e eu finalmente o encarei. Seus olhos estavam estreitos, as sobrancelhas franzidas em irritação. — Você está assim desde que saímos do fliperama. O que foi que ele disse que te deixou tão incomodada? Não vai me dizer que acredita...
— Já falei que não é nada, Kwon. — Rebati, o interrompendo, minha voz saindo mais dura do que pretendia.
Ele bufou, inclinando-se no assento e cruzando os braços.
— Certo. — Ele disse com sarcasmo evidente. — Então é só coincidência você ficar em silêncio o caminho inteiro e agir como se quisesse me matar com um olhar.
Não respondi. Não sabia como. Ele estava certo, eu não conseguia esconder a irritação, mas também não conseguia processar tudo rápido o suficiente para colocar em palavras.
A única coisa que consegui fazer foi voltar a olhar pela janela, tentando ignorar o olhar insistente dele.
Quando finalmente chegamos ao aeroporto, o táxi parou em frente ao terminal. Kwon desceu primeiro, pegando minha mala do porta-malas enquanto eu ainda segurava o coelho e respirava fundo, tentando acalmar a onda de frustração que crescia dentro de mim.
Ele insistiu em me acompanhar até ali, mesmo quando eu tentei recusar. No fundo, eu estava cansada demais para discutir. Mas agora, enquanto ele me entregava a mala e me olhava de lado, claramente esperando que eu dissesse algo, o peso do silêncio entre nós era quase insuportável.
— Você está bem? — Ele perguntou, sua voz mais baixa, quase cautelosa agora.
Eu queria gritar. Queria perguntar se ele estava com Tory depois daquela noite, se ele tinha me traído mesmo antes de termos algo concreto. Queria entender o que Robby quis dizer com aquelas palavras. Mas a verdade é que eu não sabia por onde começar, e, mais do que isso, tinha medo da resposta.
— Eu só preciso ir. — Foi tudo o que consegui dizer, pegando a mala e indo em direção à entrada. — Te vejo na Califórnia.
— Assim que eu chegar, vou procurar por você.
Foi tudo o que ele me disse antes de eu simplesmente o deixar para trás. Senti os olhos de Kwon em mim enquanto eu caminhava, mas não olhei para trás. Não podia. Não agora.
Caminhei com passos firmes até o local de embarque, tentando deixar a tensão com Kwon para trás. O som abafado das malas rolando e o murmúrio de vozes ao redor se misturavam, mas tudo parecia distante. Quando avistei Zara e Axel, foi como encontrar um porto seguro em meio à confusão.
Zara abriu os braços ao me ver, e eu fui direto para um abraço apertado. Sua energia tranquila sempre tinha o poder de me trazer um pouco de calma. Axel, com aquele sorriso de canto que parecia permanente, estendeu a mão, e eu bati nela antes de fecharmos o toque que só nós dois conhecíamos.
— Você tá bem? — Zara perguntou, os olhos fixos nos meus como se quisesse examinar cada pensamento que eu escondia.
— Mais ou menos. — Murmurei, ajustando a alça da mochila no ombro. — Preciso te contar algo, mas dentro do avião.
Zara franziu a testa, mas assentiu, sem insistir. Ela sempre soube respeitar meu tempo.
Depois de passarmos pela segurança e encontrarmos nossos assentos, me ajeitei ao lado dela, sentindo o peso do que precisava dizer. Axel estava algumas fileiras atrás, entretido com os fones de ouvido e um jogo no celular.
— Então... — Zara começou, virando-se para mim enquanto o avião ainda estava taxiando. — O que aconteceu?
Suspirei, apertando o coelho de pelúcia contra o colo como se ele pudesse me ajudar a organizar os pensamentos.
— Eu me lembrei de tudo. — Soltei, direto, sem rodeios. Seus olhos se arregalaram, mas ela ficou em silêncio, deixando-me continuar. — Tudo voltou quando eu bati a cabeça no fliperama. Lembrei do Sekai Taikai, do hospital... De tudo com o Kwon.
Zara passou uma mão pelos cabelos, claramente absorvendo a informação.
— E você contou pra ele?
— Não. — Respondi, balançando a cabeça. — Não contei. Não depois do que Robby disse.
Contei o que aconteceu no fliperama, a luta, as palavras de Robby, o jeito como ele insinuou que Kwon esteve com Tory. Cada detalhe parecia pesar mais enquanto eu falava, e, ao final, eu já não sabia se estava mais irritada com Kwon ou comigo mesma por estar tão afetada por isso.
Zara soltou um longo suspiro, apoiando o cotovelo no braço da poltrona e descansando o queixo na mão.
— Olha, vou ser honesta. — Ela começou, com aquele tom sério que raramente usava. — Eu nunca confiei muito no Kwon no início. Depois de tudo que aconteceu, principalmente você indo parar no hospital, era difícil confiar em qualquer um do Cobra Kai.
Engoli em seco, mas ela continuou.
— Mas... Quando você estava mal, eu vi como ele ficou. — Ela colocou a mão no meu ombro. — Ele parecia quebrado de verdade. Não era atuação, não parecia algo superficial. Ele realmente se importa com você. Não acho que ele tenha ficado com a Tory nem nada do tipo. Isso parece mais uma mentira do Robby pra tentar deixar o Kwon sozinho.
— Não acho que o Robby mentiria sobre isso. — Respondi, apertando o coelho com mais força. — Ele terminou com a Tory. Eu sabia disso. E ele guarda rancor pelo Kwon. Isso tem que significar alguma coisa.
Zara ficou em silêncio por um momento, como se ponderasse o que dizer.
— Talvez, mas não é como se o Robby fosse o certo nessa história. — Ela finalmente disse, sua voz mais suave, apesar de haver uma pontada de irritação ao citar o nome de Robby. Havia um estranho triângulo amoroso entre ela, Robby e Tory, mas o idiota a dispensou, aparentemente só ficou com ela porque estava bêbado e confuso. — Mas você acha que vale a pena gastar tanta energia com isso agora? Quero dizer, as semifinais estão chegando, e você tá a um passo de ser reconhecida como uma das melhores.
Ela sorriu de lado, claramente tentando aliviar o peso da conversa.
— Talvez seja uma boa ideia dar um tempo dos dramas adolescentes por um tempo. Respirar, focar em você, na sua vitória.
As palavras dela ficaram ecoando na minha mente mesmo depois que ela se recostou na poltrona, fechando os olhos para descansar. Ela tinha razão, de certa forma. Eu precisava de clareza, e toda essa confusão com Kwon só parecia me deixar mais perdida.
Talvez fosse melhor me afastar um pouco. Colocar minha cabeça no lugar, focar no que realmente importava no momento: a minha vitória. Ainda assim, um aperto no peito me dizia que essa distância não seria tão fácil quanto parecia.
Recostei-me na poltrona, tentando encontrar uma posição confortável enquanto meu coração pesava com a confusão. Peguei o celular para colocar uma música nos fones, algo que pudesse acalmar a tempestade na minha mente. Quando desbloqueei a tela, no entanto, vi as notificações de mensagens recentes.
O nome do contato me fez sorrir, mesmo que por um instante: "Leite Azedo". Era um apelido único que eu havia decidido que seria definitivo. Foi no momento em que nossos olhos se cruzaram no tatame, ele me avaliava com uma expressão azeda, e foi de onde surgiu o nome. É quase nostálgico, se agora não parecesse tão trágico.
Abri a conversa, e as palavras dele me atingiram de um jeito que eu não esperava.
Leite Azedo: Ei, onde fica a sua casa mesmo? Quero encontrar uma hospedagem perto.
Leite Azedo: Nunca fui pra Califórnia. É bom levar protetor solar?
Suspirei, sentindo um nó na garganta enquanto lia. As mensagens eram simples, até bobas, mas havia algo nelas que me desarmava. Ele parecia tão... Ele. Tão genuíno. Nada nas palavras transmitia qualquer intenção ruim ou alguma culpa escondida.
Virei o rosto para a janela, observando as luzes da pista do aeroporto lá fora. O celular pesava na minha mão enquanto eu tentava decidir o que fazer. Meus olhos começaram a arder, e eu pisquei rápido, lutando contra as lágrimas que ameaçavam cair.
Tudo era tão confuso. Parte de mim queria ignorar completamente o que Robby disse, confrontar Kwon, olhar nos olhos dele e exigir uma resposta. Outra parte, no entanto, temia o que eu poderia ouvir. E então havia aquela terceira parte, a que queria simplesmente evitar tudo isso. Talvez manter distância fosse o melhor. Pelo menos até o campeonato acabar.
Se eu conseguisse ignorá-lo por um tempo, talvez isso me ajudasse a colocar a cabeça no lugar. Ou talvez complicasse ainda mais as coisas.
Olhei novamente para as mensagens, o polegar pairando sobre a tela. A ideia de responder me dava um frio na barriga. Apaguei a tela e coloquei o celular de lado, como se isso fosse suficiente para afastar o turbilhão.
Fechei os olhos, mas a imagem de Kwon não saía da minha mente. Aquele sorriso convencido, a intensidade no olhar, até as provocações irritantes. O pior de tudo era que, mesmo com toda a raiva e confusão, havia algo que eu não conseguia ignorar, ele ainda era muito importante pra mim.
Eu só não sabia o que fazer com isso.
As horas no avião passaram mais rápido do que eu imaginava. Zara, com sua energia inabalável, puxava assunto sobre tudo e nada, preenchendo o tempo com planos para compras e idas a sorveterias. Axel, depois de trocar de assento com uma senhora para ficar ao nosso lado, com sua postura mais tranquila, complementava a conversa com comentários pontuais, mas sempre certeiros. Era bom estar com eles, sentir que fazia parte de algo, que tinha um lugar, outra vez.
Enquanto Zara falava sobre o calor que nos esperava na Califórnia, um sentimento de nostalgia tomou conta de mim. Sentia falta disso, de pertencer, de saber quem eu era, por que eu me importava com certas coisas. Mas, ao mesmo tempo, a ideia de me afastar de Kwon martelava na minha cabeça como uma melodia repetitiva que eu não conseguia ignorar. Eu tentava me convencer de que isso era o certo, mas ainda não sabia se teria coragem.
Quando o avião pousou e desembarcamos em Marietta, o ar abafado da Califórnia me envolveu, mas a leveza que senti durante o voo desapareceu no momento em que o vi, Terry Silver.
Ele estava lá, esperando por mim, com uma expressão quase alegre. Não era aquele sorriso manipulador que tantas vezes me fez duvidar dele, parecia... Genuíno. Talvez fosse isso que mais me incomodava.
Zara e Axel se despediram rapidamente, dizendo que pegariam um táxi até o hotel. Eu os abracei, especialmente Zara, que parecia mais empolgada do que nunca com as próximas etapas do campeonato. Quando eles se afastaram, me vi sozinha diante de Terry.
Caminhei até ele, sentindo um peso familiar no peito. Terry sempre teve uma aura imponente, uma presença que parecia maior do que o próprio espaço que ocupava.
— Ainda não se lembrou de nada desde então? — Ele perguntou, com aquele tom que flutuava entre preocupação e cálculo.
Balancei a cabeça negativamente, escolhendo não corrigir sua percepção. Não agora. Não ainda. Eu precisava ver até onde ele iria, precisava saber se podia confiar nele novamente.
Ele pareceu aliviado por um momento, mas então completou, quase casualmente.
— Isso é bom. Principalmente sobre o garoto. Vai ser melhor assim.
Meu coração parou por um segundo. Não precisei perguntar quem era o "garoto". Minha mente foi imediatamente para Kwon. Eu sabia o quanto Terry e Kreese odiavam nossa aproximação.
Ele gesticulou em direção ao carro, indicando para eu segui-lo. Meus pés se moveram quase automaticamente, mas minha mente estava a mil.
As lembranças voltaram como um jato. Eu sabia por que havia tentado ir embora antes, porque Kreese ameaçou Kwon. Ele sempre soube como usar as pessoas contra mim, e meu maior medo era que Kwon acabasse machucado por causa de algo que eu fazia.
Terry se sentou no banco do motorista e, enquanto eu me acomodava no banco do passageiro, senti como se estivesse sendo puxada de volta para algo que não queria enfrentar.
O carro começou a se mover, e eu encarei a paisagem da cidade, tentando organizar meus pensamentos. Se eu ficasse perto de Kwon, poderia colocá-lo em perigo novamente. Mas, se me afastasse, seria capaz de focar no campeonato? Ou estaria me deixando levar por um medo que talvez nem fosse mais real?
Silver olhou-me com o canto do olhar, antes de me lançar uma pergunta.
— Preparada para o treino hoje?
Eu apenas assenti, tentando ignorar o turbilhão dentro de mim. Mais uma vez, o dilema sobre Kwon voltou com força. Não era só sobre o campeonato, nem sobre os dramas de Terry ou Kreese. Era sobre eu conseguir finalmente fazer algo certo, por mim e por ele. E, naquele momento, ainda não sabia o que isso significava.
Chegar à mansão de Terry Silver foi como entrar em um túnel do tempo sombrio. O lugar parecia maior e mais vazio do que eu me lembrava, mas o peso que carregava continuava o mesmo. Cada detalhe, desde o mármore frio até as paredes impecáveis, parecia contar a história de um homem cruel, calculista, que sempre encontrava uma forma de manipular tudo ao seu redor.
Um arrepio percorreu minha espinha enquanto eu cruzava a porta principal, como se o ar ali fosse mais pesado. Talvez fosse porque aquele lugar não guardava apenas os fantasmas de Silver, mas também o da minha mãe. Jovem, ambiciosa e imprudente, ela havia se casado com ele, achando que estava fazendo o melhor por mim. Como poderia saber que estava entrando em um acordo com o próprio mal em pessoa?
Ele nunca seria um pai para mim. Nem naquela época, nem agora.
Terry me seguiu até o hall, carregando algumas de minhas coisas. Ele parou ao meu lado e, com um tom que soava quase gentil demais para ser verdadeiro, disse.
— Sinto muito que ainda não consiga se lembrar de tudo. Mas, de certa forma, talvez isso seja melhor. Sem distrações. Assim, você pode focar inteiramente no objetivo final, a vitória no Sekai Taikai.
Sua voz soava convincente, mas havia uma frieza ali que eu não conseguia ignorar. Tudo para ele girava em torno de controle, de alcançar o resultado perfeito, e agora eu fazia parte do plano.
— Tome um banho e pegue suas coisas. Vamos ao dojô em vinte minutos. — Ele deu um leve aceno com a cabeça, como se aquilo fosse uma ordem e não um convite.
Assenti, sem responder, e subi as escadas com passos pesados. O incômodo no meu peito crescia a cada degrau. Eu sabia que Kreese também fazia parte disso. Ele sempre esteve à sombra de Silver, pronto para colocar suas táticas implacáveis em prática. Eles eram dois lados da mesma moeda, ainda que estejam de lados opostos, o propósito cruel é sempre o mesmo, e ambos fariam qualquer coisa para alcançar seus objetivos, mesmo que significasse machucar pessoas inocentes.
Kwon.
O pensamento dele atravessou minha mente como um raio. Eu sabia que eles não parariam enquanto não o afastassem de mim. Não era paranoia, eu já havia visto do que ambos eram capazes.
No quarto, coloquei minha mochila no chão e encarei o reflexo no espelho por um momento. Minhas mãos estavam cerradas ao lado do corpo, e a raiva misturada à frustração fazia meu coração bater rápido demais. Eu precisava acabar com isso antes que alguém se machucasse. Antes que tudo saísse ainda mais do controle.
Peguei o celular com dedos trêmulos e abri o chat com Kwon. O nome salvo como "Leite Azedo" me arrancou um sorriso breve e amargo. Ele provavelmente ainda estava me esperando responder suas mensagens anteriores, mas não era hora para conversas leves.
Digitei rapidamente.
"Encontre-me na lanchonete perto da praça às 20h. Depois do treino. Precisamos conversar."
Hesitei por um momento antes de apertar "enviar". Não sabia exatamente o que iria dizer, nem como. Mas sabia que era necessário. Eu precisava encontrar uma forma de encerrar aquilo antes que mais pessoas se ferissem.
Deixei o celular sobre a cama, peguei minhas coisas e fui para o banheiro. A água quente ajudou a aliviar a tensão nos músculos, mas a batalha na minha cabeça continuava. Eu não sabia se tinha forças para enfrentar Terry, Kreese e tudo o que eles representavam, mas sabia de uma coisa, precisava tentar. Não por eles. Não por mim. Mas por Kwon.
Obra autoral ©
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