33. Shadow of you
No momento em que a porta se fechou atrás de Kwon, senti como se uma tonelada de peso tivesse sido colocada sobre os meus ombros. Era exaustivo. Tudo isso. A maneira como ele olhava para mim, como se eu fosse a resposta para algo que nem ele parecia entender. Como se estivesse desesperado para que eu fosse alguém que, no momento, eu simplesmente não conseguia ser.
Passei a mão pelo rosto, puxando o lençol até a altura dos olhos. Queria gritar, e foi exatamente o que fiz, abafando o som contra o tecido. Não era alto o suficiente para incomodar ninguém lá fora, mas para mim, era o bastante. Só queria tirar essa sensação de dentro do meu peito. Essa frustração, essa raiva, esse vazio...
Aquela sensação de ter a mente em branco era insuportável. Parecia que alguém havia pegado pedaços de mim e os jogado fora, substituindo tudo por um vazio sufocante. Minhas memórias não faziam sentido. Eram como um quebra-cabeça incompleto, e as peças que faltavam eram as mais importantes. Eu não me lembrava dele. De nada do que ele disse. E, no fundo, parte de mim queria acreditar. Talvez porque fosse mais fácil do que lidar com esse vazio absoluto.
Mas acreditar no quê? Que eu tinha me apaixonado por alguém tão explosivo quanto ele? Que, de alguma forma, minha mente achou que seria uma boa ideia me envolver com alguém cheio de problemas, assim como eu? Não fazia sentido. Eu mal conseguia controlar minha própria raiva, e agora ele aparecia dizendo que havia algo entre nós. Algo que, na minha cabeça, soava como um alarme constante, uma bomba prestes a explodir.
Suspirei fundo e tentei me acalmar. Afundei mais no travesseiro, sentindo o tecido áspero contra a minha pele. Fechei os olhos por um momento, tentando organizar meus pensamentos, mas eles estavam por toda parte. Nada fazia sentido, e tudo o que eu queria era que isso acabasse.
Foi quando ouvi passos do lado de fora. Alguém estava se aproximando. A maçaneta da porta girou, e meus olhos se voltaram para ela automaticamente.
A porta se abriu devagar, e meu coração deu um pequeno salto no peito. Por um segundo, pensei que fosse Kwon voltando, talvez decidido a dizer algo mais. Mas não era ele.
Era Axel.
Nossos olhos se encontraram, e por algum motivo, senti meu corpo relaxar. Axel... Aquele era um rosto familiar. Não precisei forçar minha mente ou tentar conectar fios soltos. Eu sabia quem ele era, e isso me deu uma sensação de alívio imediato.
Ele estava ali, parado na entrada do quarto, com um sorriso pequeno, mas genuíno. Ele parecia hesitante, como se não soubesse se deveria entrar ou não. Como se estivesse esperando por um sinal meu.
— Ei... — Ele disse, sua voz baixa e suave, quase como se tivesse medo de quebrar algo frágil.
— Axel... — Foi tudo o que consegui murmurar, mas mesmo com tão poucas palavras, senti um calor familiar no peito.
Ele finalmente entrou, fechando a porta atrás de si. Axel parecia diferente de Kwon. Ele não carregava aquela energia tensa e pesada. Não estava tentando forçar nada. Ele só estava ali, sendo ele mesmo.
— Como você tá? — Ele perguntou, colocando as mãos nos bolsos e se aproximando da cama.
Eu ri sem humor, balançando a cabeça.
— Como você acha?
Ele sorriu de leve, mas não disse nada. Puxou uma cadeira e se sentou ao meu lado, com um movimento tão tranquilo que quase me fez esquecer de onde eu estava.
— Eu não vou ficar perguntando sobre o que você lembra ou não, tá? — Ele disse, seus olhos fixos nos meus. — Não vou te pressionar.
— Obrigada. — A palavra saiu antes que eu pudesse pensar, mas eu realmente quis dizer.
Axel era assim. Ele sempre sabia como lidar comigo, mesmo quando eu não sabia lidar comigo mesma. Isso era algo que nunca mudou, pelo menos não na memória que eu tinha dele.
— Ouvi dizer que o Kwon veio aqui. — Ele arqueou as sobrancelhas, inclinando a cabeça para o lado.
Revirei os olhos e soltei um suspiro.
— Veio, sim.
Axel riu baixo, e pela primeira vez em horas, não me senti tão sufocada.
— Ele sempre faz uma entrada triunfal, né?
— Você não faz ideia.
De fato, Kwon parecia ter a exata habilidade de me desestabilizar em momentos em que eu já estava suficientemente fragilizada. As poucas aparições dele foram o suficiente para mexer e remexer em algo dentro de mim, que ainda estou descobrindo se é bom ou ruim, mas que até então, só é um grande motivo de irritação.
Axel continuou falando, me distraindo com histórias que pareciam tão comuns, tão normais, que quase me fizeram esquecer do hospital, do vazio na minha mente, de tudo. Ele sabia exatamente o que dizer e, mais importante, sabia o que não dizer. E naquele breve momento, com Axel ali, senti que talvez as coisas não fossem tão impossíveis assim.
Axel passou a mão pela nuca, desviando o olhar por um momento, como se estivesse procurando as palavras certas. Quando finalmente voltou a me encarar, seus olhos tinham um peso que antes não estava ali.
— Calista... eu... — Ele começou, sua voz vacilando levemente. — Eu preciso pedir desculpas.
Levantei uma sobrancelha, surpresa com o tom sério dele. Axel raramente se desculpava, não porque era arrogante, mas porque sempre fazia questão de evitar erros que exigissem isso.
— Pelo quê? — Perguntei, cruzando os braços, tentando não parecer tão curiosa quanto realmente estava. Não era o primeiro pedido de desculpas que eu ouvia desde que vim parar aqui. E estava começando a ficar surpresa com a repetição.
Ele respirou fundo antes de continuar.
— Por tudo isso. — Ele gesticulou para o quarto, para a cama de hospital onde eu estava deitada. — Por você estar aqui.
Minha testa franziu.
— Como assim?
— Eu... Eu fui uma das pessoas que provocaram toda essa bagunça. — Sua voz saiu cheia de culpa, e ele passou a mão pelo rosto, como se quisesse esconder o próprio arrependimento. — Eu não sabia o que estava fazendo, Calista. Eu estava fora de mim.
Fiquei em silêncio, esperando ele explicar. Meu coração estava acelerado, mas não de forma alarmante. Eu confiava em Axel, então precisava ouvir o que ele tinha a dizer antes de tirar conclusões.
— Foi por causa de... Ciúmes — Ele admitiu finalmente, baixando a voz, quase como se não quisesse que a palavra fosse ouvida.
Aquela palavra me fez congelar. Algo dentro de mim se remexeu, como se estivesse tentando se conectar a uma memória distante. Eu me lembrei de Zara zombando de Axel, dizendo que ele parecia mais um guarda-costas particular do que um amigo. Ela dizia, rindo, que os sentimentos dele estavam tão óbvios que era quase cômico. Eu sempre ignorei isso, preferindo não pensar muito no assunto.
Mas agora, ouvindo ele dizer isso com tanta clareza, o silêncio que preencheu o quarto se tornou quase ensurdecedor.
— Ciúmes? — Perguntei, minha voz saindo mais baixa do que eu esperava.
Axel assentiu, envergonhado, seus olhos evitando os meus.
— Sim. Foi idiota, eu sei. E... Isso tudo só piorou as coisas. Eu estava tão... Sei lá... Cego, tão confuso, que não pensei nas consequências.
Eu ainda estava digerindo a palavra. Ciúmes. Axel? De mim? Era estranho pensar nisso, mas também não era tão absurdo assim. Afinal, Zara não estava errada. Axel sempre esteve ao meu lado, e isso nunca passou despercebido. Mas eu escolhi ignorar. Porque a ideia de ele sentir algo por mim além de amizade era desconfortável. Complicada.
E agora, com tudo isso acontecendo, eu não sabia o que fazer com essa informação.
Hesitei, mas a curiosidade venceu.
— Axel... A gente chegou a... — Parei por um momento, sentindo meu rosto esquentar. — A gente chegou a ficar?
Axel me encarou, seus olhos arregalados por um instante antes de ele soltar uma risada baixa. Não parecia uma risada de diversão, mas algo para aliviar o constrangimento que pairava entre nós.
— Não. — Ele balançou a cabeça, ainda rindo. — Você foi bem insistente com a tal da zona da amizade.
Minhas sobrancelhas se ergueram, e ele continuou, agora com um sorriso pequeno, mas genuíno.
— Você sempre dizia que não queria estragar o que a gente tinha. Que preferia manter as coisas como eram.
Eu senti meu coração apertar, mas não soube dizer por quê. Talvez fosse a ideia de que eu havia tomado uma decisão tão importante, mas agora não conseguia lembrar de nada disso.
— E eu respeitei isso — Ele acrescentou, encolhendo os ombros. — Por mais difícil que fosse às vezes.
Axel parecia constrangido, mas não envergonhado. Havia algo honesto na maneira como ele falava.
— Especialmente depois... — Ele hesitou por um momento, desviando o olhar. — Especialmente depois que eu finalmente... Confessei.
Senti meu corpo se retrair um pouco. Ele realmente confessou? Isso explicava tanta coisa, mas, ao mesmo tempo, era desconfortável.
— Eu não lembro disso... — Murmurei, mais para mim do que para ele.
— Eu sei. — Sua voz era suave, sem qualquer tom de cobrança. — E eu não espero que você lembre agora.
Olhei para ele, e por um momento, não soube o que dizer. Meus pensamentos estavam em caos, e tudo parecia um grande buraco negro. Axel percebeu meu desconforto, e seu sorriso diminuiu, mas ele não insistiu no assunto.
— Desculpa — Ele disse de novo, seus olhos sinceros. — Eu não queria deixar isso mais difícil do que já está.
Balancei a cabeça, tentando demonstrar que estava tudo bem, mesmo que não estivesse.
— É muita coisa para processar, Axel. Eu... Preciso de tempo.
Ele assentiu, ficando em silêncio por um momento antes de se levantar.
— Vou deixar você descansar.
Enquanto ele se dirigia à porta, me peguei pensando na confissão dele. Nas palavras que ele disse e no peso que elas carregavam. Não era algo que eu podia simplesmente ignorar, mesmo que quisesse.
Quando Axel se levantou, o quarto ficou em silêncio novamente. Mas, dessa vez, minha mente estava longe de estar vazia. E assim que a porta se fechou atrás dele, a calmaria se instalou de novo no quarto, mas era tudo menos confortável. Meus pensamentos estavam a mil, cada um puxando para uma direção diferente, enquanto eu tentava, inutilmente, encontrar um fio solto que pudesse dar sentido a tudo o que tinha ouvido.
A sensação no meu peito era como um peso, uma pressão incômoda que eu não conseguia afastar. Era uma mistura de angústia e frustração. Uma parte de mim queria gritar, jogar o travesseiro contra a parede, talvez até chorar, mas nem isso parecia o suficiente para aliviar o que eu estava sentindo.
Por que logo essas memórias? Essa pergunta não saía da minha cabeça. Por que esquecer só essas semanas? As semanas que, segundo todos eles, foram as mais importantes da minha vida até agora?
Passei as mãos pelo rosto, apertando os olhos com força, como se isso pudesse ajudar a organizar os pensamentos ou, quem sabe, trazer de volta alguma imagem perdida. Mas era tudo em vão. Tudo continuava em branco.
Era como se minha mente tivesse decidido que essas memórias não eram seguras para mim. Como se fossem tão intensas que minha cabeça, em algum momento, escolheu simplesmente apagá-las. E, ainda assim, isso não fazia sentido.
Eu sabia quem eu era. Sabia o quanto lutei para chegar onde estou. Eu me conhecia. E sabia que nunca, nunca mesmo, teria permitido que algo tão importante fosse apagado assim, sem lutar para manter.
Eram semanas preciosas. A semana do Sekai Taikai. O momento pelo qual eu havia treinado minha vida inteira. A chance de finalmente provar a mim mesma e ao mundo que eu era capaz, que eu podia ser a melhor. Isso estava gravado em mim tão profundamente quanto o meu próprio nome.
Mas agora... Agora era como se tudo aquilo tivesse desaparecido no ar. Como se fosse apenas uma história que alguém tinha inventado para me contar.
E, além disso, havia outra coisa que não parava de martelar na minha cabeça, eu, abrindo espaço para um relacionamento? Eu, Calista, a garota que sempre disse que só pensaria nisso depois de vencer? Que estava tão focada no meu objetivo que, durante anos, me recusei a deixar qualquer outra coisa entrar no meu caminho?
— Não faz sentido... — Murmurei para mim mesma, meus dedos apertando o lençol com força.
Por que agora? Por que naquele momento, justamente quando estava tão perto do meu sonho, eu decidiria me abrir para isso? Por que, de repente, quebrar minha própria regra?
A angústia no meu peito crescia a cada segundo, e o desconforto se transformava em uma espécie de raiva silenciosa. Não de Axel, nem de Kwon, nem mesmo da situação. Mas de mim mesma.
Por que diabos minha mente me traiu assim? Por que apagou justamente o que parecia ser mais importante?
— Que droga! — Sussurrei, com os dentes cerrados, minha voz abafada pelo travesseiro enquanto eu enterrava o rosto nele.
Eu queria respostas. Precisava de respostas. E cada segundo em branco só tornava isso mais sufocante.
Por mais que eu tentasse, não havia nada. Nenhum fio. Nenhuma ponta solta para puxar. Era como tentar lembrar um sonho que você esqueceu no momento em que acordou. Quanto mais você se esforça, mais distante ele parece.
A única coisa que eu tinha agora eram as palavras de Kwon, de Axel, de Zara. Palavras que pareciam carregar um peso enorme, mas que, para mim, ainda soavam como uma história de outra pessoa.
Apertando os olhos, tentei me agarrar a qualquer coisa. Uma sensação, uma imagem, um som... Mas tudo o que vinha era um vazio assustador. E esse vazio estava me matando por dentro.
⋆౨ৎ˚ ⟡˖
A escuridão parecia se estender para sempre, uma vastidão silenciosa e opressiva que pressionava contra mim. Mas no meio desse vazio, algo começou a se formar. Primeiro, eram apenas murmúrios, distantes e abafados, como se viessem de um lugar muito longe. Depois, os murmúrios cresceram, transformando-se em gritos, palavras soltas que ecoavam na minha mente, carregadas de emoção.
"Você beijou o Axel? Ele é seu novo namoradinho agora?"
A voz era firme, cheia de sarcasmo e até mesmo uma ponta de embriaguez, mas eu não conseguia identificar de onde vinha.
"Se você aceitar, nós podemos incendiar o mundo juntos."
Essas palavras soaram mais próximas, quase como se fossem ditas ao meu ouvido. Um calor estranho acompanhava a frase, uma sensação de segurança que não fazia sentido naquele lugar escuro e vazio.
"Você é muito mais do que pensa, Calista. Se eu consigo ver isso, você também consegue."
Essa última frase reverberou tão alto que parecia explodir em mim, mas também trouxe consigo uma pontada de dor, como se estivesse arrancando algo de dentro de mim.
Eu não sabia de quem eram essas palavras, mas a familiaridade delas era quase esmagadora. Elas pertenciam a alguém importante. Alguém que eu deveria lembrar, mas não conseguia. Isso me irritava, como se estivesse sendo cruelmente punida por algo que nem sabia ter feito.
No meio da confusão, um único som emergiu com clareza, meu nome, ou algo perto disso. Não era exatamente Calista, mas parecia ser para mim.
"Dinamite."
O som explodiu como um trovão na minha mente, e antes que eu pudesse entender, fui engolida completamente pela escuridão.
Meus olhos se abriram de repente, e minha respiração estava ofegante, como se eu tivesse acabado de correr quilômetros. Meu coração batia tão forte no peito que quase podia ouvi-lo. A palavra ainda ecoava na minha cabeça,
Dinamite.
Me sentei com dificuldade, tentando entender o que tinha acabado de acontecer. Olhei ao redor, meus olhos se ajustando à luz fraca do quarto do hospital. A realidade me atingiu como um soco no estômago, ainda estava ali, presa naquela cama, naquele maldito estado de vazio.
Soltei um suspiro frustrado, levando as mãos ao rosto. Eu queria chorar, gritar, fazer qualquer coisa para aliviar a pressão no meu peito, mas nada parecia suficiente. E de novo aquela palavra veio à mente.
Dinamite.
O que aquilo significava? Por que era tão importante? Fechei os olhos por um instante, tentando puxar a memória, mas não havia nada. Apenas um vazio ensurdecedor.
Empurrei o lençol para o lado, ignorando o protesto imediato do meu corpo. A dor aguda na cintura me fez parar por um momento, mas eu não liguei. Precisava me mexer, fazer alguma coisa. Não suportava mais ficar ali deitada, pensando em um quebra-cabeça que minha mente parecia incapaz de montar.
Com dificuldade, me levantei, segurando a lateral do corpo onde o corte me lembrava cruelmente de que era mais profundo do que eu imaginava. Meus pés descalços tocaram o chão frio, e o impacto me deu um breve momento de lucidez, um pequeno lembrete de que ainda estava aqui, viva.
Caminhei devagar até o banheiro do quarto, cada passo um desafio. A cada movimento, a dor aumentava, irradiando pela cintura e subindo pela coluna, mas eu continuei. Quando finalmente alcancei a pia, apoiei as mãos nela, tentando recuperar o fôlego.
Abri a torneira e deixei a água correr por alguns segundos antes de jogar um pouco no rosto. O toque frio me despertou ainda mais, trazendo de volta o eco daquela palavra.
— Dinamite... — Sussurrei para mim mesma, olhando para meu reflexo no espelho.
Meus olhos estavam fundos, cansados. Minha pele pálida, como se toda a energia tivesse sido drenada de mim. E ainda assim, algo nos meus próprios olhos me encarava como se soubesse mais do que eu.
Eu queria entender. Precisava entender. Por que essa palavra estava tão presa na minha cabeça? Quem a havia dito? E o que ela significava para mim?
Mas, por mais que eu tentasse, minha mente continuava sendo uma página em branco, uma carta não escrita. Tudo o que restava era a sensação sufocante de que eu estava perdendo algo essencial. Algo que, talvez, nunca voltasse a mim.
O som da porta se abrindo me fez saltar, o coração disparando no peito como se eu tivesse sido pega em flagrante fazendo algo errado. Olhei para a entrada, o reflexo ainda marcado nos meus olhos, e lá estava a enfermeira, com aquele semblante calmo e compassivo que me fazia sentir ainda mais sufocada.
— Calista? — Chamou ela, a voz baixa, cuidadosa, como se estivesse lidando com vidro prestes a quebrar. Ela deu um passo à frente, e eu percebi que vinha em minha direção para me ajudar.
Levantei uma mão automaticamente, afastando-a.
— Não! — Exclamei, minha voz mais áspera do que pretendia. Eu soltei o ar pelo nariz, tentando me recompor. — Eu tô... Bem. Não preciso de ajuda.
A raiva queimava no meu peito, como um fogo que não sabia a direção certa para ir. Eu sabia que não era culpa dela, mas parecia impossível segurar essa frustração. Ela só queria ajudar, e ali estava eu, jogando meu descontrole em cima dela.
— Desculpa — Murmurei depois, apertando os lábios enquanto me afastava dela, tentando parecer mais firme.
Me sentei na cama, a dor na cintura me lembrando da gravidade do que tinha acontecido. Não importava o quanto eu tentasse ignorar, meu corpo insistia em me lembrar que não estava tão "bem" quanto eu queria parecer.
A enfermeira, para o meu alívio, não pareceu ofendida. Ela apenas esperou, respeitando meu espaço, antes de continuar.
— Você tem uma visita. Ele pediu para te levar para dar um passeio pelo hospital. Acha que se sente bem para isso? Pode ajudar a clarear a cabeça.
Eu franzi o cenho, intrigada. Ele? Quem seria? A primeira pessoa que me veio à mente foi Terry. Desde o dia em que ele me visitou, não apareceu mais. Será que ele finalmente decidiu encarar a situação de novo? Talvez estivesse remoendo a culpa, evitando me ver por causa de tudo o que aconteceu.
— Quem é? — Perguntei, tentando manter a curiosidade casual, mas minha voz saiu um pouco mais baixa do que o esperado.
Ela sorriu, evasiva.
— Você vai descobrir em breve. Mas antes, precisamos colocar um marcador no seu braço para monitorar os batimentos. Está se sentindo bem? Não está muito fraca?
Olhei para ela, ponderando. Não queria parecer frágil, nem queria ser rude de novo. Estava tentando me equilibrar numa linha tênue entre ser educada e não deixar transparecer o quanto tudo isso me incomodava.
— Estou bem, sim. Obrigada.
Foi o máximo de serenidade que consegui reunir. A enfermeira sorriu de leve, quase como se entendesse o esforço que aquilo exigiu de mim, e se aproximou.
— Tudo bem, então. Só um instante.
Ela pegou o marcador e se ajoelhou ao lado da cama, ajustando a pulseira no meu braço com cuidado. O toque era leve, quase imperceptível, mas a sensação de algo envolvendo meu pulso me fez sentir ainda mais vulnerável.
Enquanto ela trabalhava, minha mente não parava. A mesma pergunta continuava ecoando, Quem seria a visita? E, mais importante, por que isso mexia tanto comigo? Eu devia estar aliviada por não ficar sozinha, mas a verdade era que o mistério me incomodava, quase tanto quanto a constante sensação de estar incompleta.
Quando ela terminou, afastou-se com aquele mesmo sorriso calmo, me olhando como quem observa alguém tentando se manter de pé numa tempestade.
— Pronto. Vamos?
Assenti, sentindo meu coração acelerar ligeiramente. Era estranho como algo tão simples como uma visita podia mexer tanto comigo. Respirei fundo, preparei-me para o que viesse, e deixei que ela me ajudasse a levantar, mesmo que eu insistisse em me mover sozinha. Cada passo até a porta parecia pesado, como se a resposta que eu buscava estivesse prestes a se revelar.
O ar fresco do jardim do hospital era uma mudança bem-vinda, mas eu não tinha tempo para apreciar o cenário. Minha atenção foi imediatamente capturada por uma figura ao longe. Ele estava de costas, usando uma jaqueta preta com letras prateadas reluzindo sob a luz do dia.
COBRA KAI.
Mas o detalhe que realmente me chamou a atenção foi que as letras estavam em coreano. Eu conhecia o Cobra Kai, claro. Todo lutador sério conhecia. E, mais importante, eu sabia o que o Cobra Kai significava para Terry. Eles eram a razão dele ter comprado o Iron Dragons e me convencido a ir lutar em Barcelona. Eles eram os inimigos, o outro lado da moeda.
Minha respiração ficou pesada enquanto eu observava a figura à distância. Eu sabia quem era antes mesmo de ele se virar.
Kwon.
Revirei os olhos, o peito apertando em frustração. Ele de novo? Depois do que aconteceu no quarto, eu não sabia se estava pronta para encará-lo tão cedo. Ele tinha conseguido me tirar do sério com tão pouco, e o médico tinha sido bem claro, sem estresse.
Me virei para a enfermeira ao meu lado, tentando manter a compostura.
— Dá pra gente voltar pro quarto?
Ela me lançou um olhar com um toque de pena, um sorriso leve puxando os cantos de seus lábios.
— Ele passou a madrugada toda arrumando esse passeio para você — Disse, num tom que parecia meio que uma ordem suave. — Por que não tenta ser gentil com ele só um pouco? Ele se esforçou muito.
Antes que eu pudesse protestar, ela me deu um leve empurrão no ombro, quase brincalhona, e saiu.
Suspirei profundamente, sentindo um misto de culpa e irritação me invadir. Não queria que ele se esforçasse por mim, e ao mesmo tempo, não sabia o que fazer com o aperto no peito que isso provocava. Relutante, dei alguns passos na direção dele, mas mantendo uma distância considerável. Cruzei os braços e chamei.
— Aí.
Ele se virou devagar, os olhos escuros me analisando de cima a baixo com um olhar de medida, como se estivesse avaliando cada detalhe meu.
— Vamos — Disse ele, o tom seco, sem nem sequer tentar soar amigável.
Franzi o cenho, incomodada tanto pelo tom quanto pelo súbito comando.
— Pra onde?
Ele não respondeu, apenas inclinou a cabeça em direção ao hospital, indicando que eu o seguisse. A irritação cresceu em mim, mas ao mesmo tempo, a curiosidade falou mais alto. Depois de um segundo de hesitação, resmunguei baixo e comecei a segui-lo.
Enquanto caminhávamos pelos corredores, o silêncio entre nós era quase palpável. Meus passos ecoavam no chão frio, misturando-se ao som distante de vozes e máquinas hospitalares. Ele parecia focado, determinado a me levar para algum lugar específico, e eu tentava adivinhar o que ele tinha em mente.
Mesmo irritada, eu não pude deixar de sentir uma pontada de ansiedade. O que quer que ele estivesse planejando, tinha que ser algo importante. E, apesar de tudo, uma pequena parte de mim queria entender por que ele estava tão empenhado em consertar algo que, para mim, nem sequer existia.
Os corredores do hospital pareciam ainda mais sufocantes do que antes, com suas paredes brancas e cheiro de desinfetante pairando no ar. Eu já estava me sentindo presa o suficiente no quarto, e agora, parecia que ele queria me manter cercada pela mesma monotonia.
— Achei que a ideia de sair do quarto era para respirar um pouco de ar fresco, não pra voltar pra esses corredores claustrofóbicos. — Minha voz saiu carregada de irritação, os braços cruzados com força. — Onde você está me levando, afinal?
Ele não respondeu. Nem uma palavra. Apenas me lançou um olhar rápido por cima do ombro, como se estivesse deliberadamente ignorando minha pergunta, e apertou o botão do elevador. Um pequeno sorriso curvou seus lábios enquanto ele esperava o elevador descer.
Eu senti o sangue ferver. Aquele sorriso, aquele maldito sorriso, fazia algo dentro de mim se contorcer de raiva. Soltei um grunhido baixo, tentando não gritar, e murmurei um xingamento entredentes, baixo o suficiente para que ele não ouvisse.
Finalmente, o elevador chegou. As portas se abriram com um som mecânico suave, e ele entrou como se estivesse completamente no controle.
Fiquei parada por um momento, contemplando a ideia de simplesmente não segui-lo. Mas ele se virou, e a expressão no rosto dele parecia quase zombeteira.
— Não me diga que está com medo de entrar, está? — Ele arqueou uma sobrancelha, e o tom de sarcasmo era evidente.
Antes que eu pudesse responder, ele soltou uma risada irritante que ecoou pelo corredor.
— Relaxa, gatinha. Não vou te atacar fora dos tatames... A menos que peça por isso.
Minhas mãos se apertaram em punhos involuntariamente, meu maxilar travando.
— Gatinha uma ova — Murmurei, passando por ele com passos firmes e entrando no elevador, até fazer uma pergunta retórica em um tom baixo. — E quem é que está falando de tatames, seu idiota?
A porta se fechou atrás de mim, e por um momento, o espaço parecia menor do que realmente era. Meu coração deu um pequeno salto com as palavras que saíram da minha própria boca. Algo estranho se mexeu no fundo do meu peito, mas eu o empurrei para longe, recusando-me a dar qualquer importância àquilo. Pareciam palavras familiares, mas talvez não o suficiente para que eu desse tanta atenção naquele momento.
Ele apenas ficou ali, parado ao meu lado, as mãos nos bolsos, com aquele sorriso presunçoso ainda no rosto. Olhei para frente, decidida a ignorar a presença dele o máximo que pudesse, mas o silêncio no elevador parecia ensurdecedor.
Enquanto o elevador descia, uma memória vaga, quase imperceptível, tentou emergir na minha mente. Não era nada claro, apenas uma sensação de familiaridade. Algo relacionado àquele espaço apertado, àquele homem ao meu lado. Fechei os olhos por um instante, tentando forçar minha mente a puxar qualquer detalhe, mas tudo que consegui foi o vazio de sempre.
Quando as portas finalmente se abriram, eu soltei um suspiro frustrado e dei um passo à frente, sem esperar que ele guiasse o caminho.
— Seja lá o que você estiver planejando, é bom que valha a pena — Disse, sem olhá-lo, enquanto saía do elevador. — Porque certamente esse não parece ser um "passeio agradável".
E obviamente, ele não respondeu. O silêncio entre nós era quase palpável, uma barreira invisível que tornava cada segundo dentro do elevador mais sufocante. Havia algo na presença dele que me deixava completamente desconcertada. Era como um fio desencapado, uma mistura de raiva, desconforto e algo que eu não conseguia identificar. Respirei fundo, tentando me concentrar em qualquer outra coisa.
Foi quando as luzes começaram a piscar.
Minhas sobrancelhas se ergueram em alarme, e instintivamente apertei o botão mais próximo para parar o elevador e abri-lo em qualquer andar antes que ele resolvesse ceder completamente. Mas antes que eu pudesse terminar o movimento, o elevador deu um tranco brusco e parou.
Meu corpo foi jogado ligeiramente para trás com o impacto, e um susto correu por mim. Soltei o ar em um suspiro rápido, o coração disparado. Por alguns segundos, tudo ficou imóvel, e o silêncio foi cortado apenas pelo som do sistema mecânico morrendo lentamente.
Então, comecei a rir.
— Não acredito nisso. — Dei algumas batidinhas rápidas com as palmas das mãos, um gesto teatral de incredulidade, antes de me virar completamente para ele. — Escuta aqui, seu grande imbecil, não me diga que achou que seria genial me prender em um elevador com você de novo pra que eu me lembrasse?!
Minha voz estava carregada de sarcasmo e indignação. Apontava o dedo para ele como se estivesse acusando-o de cometer um crime hediondo. Era impossível não associar o que estava acontecendo à história do elevador que ele insistiu em contar no dia anterior. Uma memória que, para mim, ainda não existia.
Kwon soltou um suspiro irritado, passando a mão pelos cabelos com uma expressão de cansaço.
— Apenas... Segue com isso, Calista. Faz um esforço, pelo menos, droga.
Fiz uma careta, as palavras dele me atingindo com um desconforto inexplicável.
— Esforçar pra lembrar o quê? — Murmurei, mais para mim mesma do que para ele, enquanto me virava para o lado oposto, cruzando os braços.
O espaço parecia ainda mais apertado agora que o elevador estava parado. A sensação de estar presa ali, com ele, fazia meu peito apertar. Tentei respirar fundo, mas o ar parecia pesado demais, como se estivesse preso junto comigo.
Encostei-me contra a parede, tentando ignorar a presença dele, e fechei os olhos por um instante, mas as luzes fracas e o silêncio do elevador faziam minha mente começar a viajar. O som de vozes indistintas, memórias que pareciam estar logo fora do meu alcance, surgiram como um eco distante, mas evaporaram no segundo seguinte.
Eu abri os olhos rapidamente, frustrada, e passei a mão pelos cabelos.
— Isso é ridículo. — Minha voz saiu baixa, quase para mim mesma, mas o suficiente para ele ouvir. — Se isso foi uma ideia sua, meus parabéns. Porque foi um perfeito desastre.
— Eu preciso que isso funcione. — Ele murmurou, a voz carregada de uma notória tensão.
E por outro lado, eu não conseguia parar de andar. De um lado para o outro, com passos curtos e rápidos, como se movimentar fosse suficiente para aliviar o aperto sufocante no meu peito. Minha respiração estava curta, entrecortada, e o ar parecia escapar antes mesmo de alcançar meus pulmões. Passei a mão no rosto, tentando apagar o incômodo, mas ele estava ali, crescendo.
Então veio o primeiro flash.
Sangue.
Gritos.
Uma voz chamando meu nome de longe, distorcida e abafada como se ecoasse em um túnel.
Fui atingida por uma dor aguda na cabeça e, antes que percebesse, meus joelhos cederam. Caí no chão do elevador, os flashes sumindo tão rápido quanto vieram, mas deixando uma sensação sufocante, como se algo invisível tivesse apertado uma corda ao redor do meu pescoço.
— Calista! — Kwon estava ao meu lado antes mesmo de eu entender o que estava acontecendo. Suas mãos firmes seguraram meus ombros, e havia algo na voz dele que transbordava desespero. — O que está acontecendo? Fala comigo!
Eu queria gritar com ele, mandá-lo me largar, mas não consegui. Meus braços estavam pesados, minhas pernas não respondiam. Era como se meu próprio corpo tivesse desistido. Tudo o que consegui fazer foi abrir a boca, tentando puxar ar, mas nada vinha.
O ar simplesmente não vinha.
Meus olhos lacrimejaram pela força com que eu tentava respirar, mas parecia que meus pulmões estavam bloqueados, como se eu estivesse afundando em um abismo sem fundo.
— Merda! — Ouvi Kwon gritar, enquanto se levantava, batendo na porta do elevador. — Ei! Alguém! Encerrem isso! Voltem com o elevador agora, por favor! Ela precisa de ajuda!
Sua voz reverberava pelas paredes metálicas, mas, para mim, estava ficando cada vez mais distante. A escuridão começou a cercar minha visão, e minha cabeça caiu para frente, pesada demais para segurar.
De repente, senti as mãos dele no meu rosto, firmes, mas cuidadosas.
— Olha pra mim, Calista. — A voz dele estava rouca, carregada de urgência. — Você precisa respirar. Eu sei que é difícil, mas tenta comigo, por favor.
Tentei afastar seu toque, mas minhas mãos tremiam e caíram ao meu lado.
— Eu... — Minha voz saiu em um fio quase inaudível. — Não... Consigo...
— Consegue sim! — Ele insistiu, a voz mais alta, mas cheia de uma súplica que eu nunca tinha ouvido antes. — Eu tô aqui. Você consegue.
Levantei meu olhar para ele, um esforço quase insuportável, e por um momento tudo parou.
Seus olhos estavam cravados nos meus, cheios de pânico e algo que eu não conseguia identificar. Era como um choque, uma onda elétrica percorrendo meu corpo, mas ela trouxe apenas dor. Não alívio, nem conforto. Apenas uma dor profunda que parecia partir meu peito ao meio.
Ele estava falando algo, mas eu não conseguia entender. O som era um zumbido constante na minha cabeça. Eu o encarei, minha visão turva pelas lágrimas involuntárias, e senti que algo dentro de mim estava prestes a se partir completamente.
O rosto de Kwon veio à minha mente como um golpe, inesperado e nítido, mas não como ele estava agora, ajoelhado e desesperado na minha frente. Não era o ambiente metálico do elevador, nem o cheiro estéril do hospital. Era algo diferente.
Eu podia sentir o cheiro salgado do mar. A brisa parecia tocar meu rosto, e a textura áspera da areia me envolvia como se estivesse debaixo de mim. E ali estava ele.
Seu rosto estava gravado em uma expressão de assombro, de arrependimento, como se algo tivesse acontecido e ele não soubesse como consertar. Seus lábios se moviam, formando meu nome em um sussurro quase inaudível, mas não consegui ouvir direito. Tudo o que vinha era um grito dentro da minha própria cabeça, "Não encosta em mim!"
A frase ecoava tão alto, tão potente, que parecia explodir dentro de mim. Antes que eu pudesse entender o que significava, a cena se desfez em pedaços. Como uma onda quebrando na areia, ela se foi, levando tudo com ela.
Eu estava de volta no elevador. A dor no meu peito parecia maior, como se alguém tivesse esmagado meu coração com as mãos. Minha respiração continuava falha, mas agora meus olhos estavam fixos em Kwon. Algo em mim havia mudado, como se uma parte esquecida da minha alma tivesse despertado, mas não sabia o que fazer com isso.
Por que eu gritei para ele sair naquela memória? O que tinha acontecido? Essas perguntas martelavam minha mente, e a falta de respostas me deixava maluca.
— Kwon... — O nome escapou dos meus lábios em um murmúrio quase inaudível, mas foi o suficiente para ele se inclinar mais perto, os olhos arregalados de preocupação.
— O quê? O que foi? Você se lembrou de alguma coisa? — Ele perguntou desesperado, quase tremendo. — Você está se sentindo bem? Calista, fala alguma coisa!
Eu queria responder. Queria dizer algo, mas minha garganta parecia fechada. As palavras simplesmente não vinham, e antes que eu pudesse tentar, as portas do elevador se abriram com um tranco.
Dois enfermeiros entraram rapidamente, suas vozes soando como um borrão enquanto me erguiam do chão e me colocavam em uma maca. A sensação de movimento era rápida e desorientadora, mas meu olhar ainda estava fixo em Kwon.
Ele os seguiu imediatamente, sua expressão uma mistura de desespero e culpa enquanto corria ao lado da maca.
— O que está acontecendo com ela? Ela vai ficar bem? — Ele perguntava sem parar, ignorando as tentativas dos enfermeiros de afastá-lo.
Eu não conseguia responder. Meu corpo parecia pesado demais para reagir, e a dor no peito, essa dor profunda e sufocante, não me dava trégua. Mesmo assim, meu olhar permaneceu nele. Algo em seu rosto, em seus olhos escuros, parecia um lembrete doloroso de que talvez certas memórias fossem feitas para permanecer enterradas.
Mas então, uma pontada de medo atravessou minha mente. Se essa pequena lembrança me fazia sentir assim, o que mais havia por trás desse vazio? Eu queria saber... Ou preferia nunca descobrir?
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O quarto de hospital estava silencioso, com exceção do som suave da caneta do médico riscando algo na prancheta. Quando abri os olhos, senti a cabeça latejar e uma dor insistente na cintura. Me forcei a sentar, segurando na lateral da cama para me equilibrar. O médico levantou o olhar na minha direção, medindo minha reação com atenção.
— O que aconteceu? — Minha voz soou fraca, um reflexo do cansaço que parecia preso no meu corpo.
— Você desmaiou. Foi uma crise de pânico, resultado do estresse. Seu corpo chegou ao limite — Ele respondeu, com um tom calmo, mas direto.
Suspirei, passando a mão pelo rosto, tentando organizar os pensamentos confusos.
— E... O garoto? Ele foi embora?
O médico balançou a cabeça, ajeitando os óculos.
— Não, ele ainda está aqui. Mas agora não é só ele. Tem mais pessoas esperando.
Franzi o cenho, surpresa.
— Mais pessoas? Quem?
Ele deu de ombros, fechando a prancheta com cuidado.
— Amigos, pelo que parece. Não seria o ideal receber todos de uma vez, mas se você prefere assim, vou organizar.
Assenti lentamente, ainda tentando processar o que aquilo significava. Assim que o médico saiu, meus pensamentos voltaram àquela lembrança mínima e desconexa, o cheiro do mar, a areia sob mim, Kwon murmurando algo... E o grito que ecoava na minha cabeça.
Poucos minutos depois, vozes começaram a surgir no corredor, seguidas pelo som de passos. A porta se abriu, e eu me vi encarando uma fila de rostos. Alguns eram vagamente familiares, outros não. Zara foi a primeira a entrar, seguida de Axel, depois Kenny. Atrás deles, uma garota loira que eu nunca tinha visto, um garoto asiático, um homem loiro de feições firmes e outro homem com cabelos escuros ao lado de uma garota de olhos azuis penetrantes. Por último, um garoto de cabelos cacheados que parecia latino.
Olhei para todos eles, tentando entender o que exatamente estava acontecendo. Meus olhos passaram rapidamente por Kwon, que entrou com uma expressão indecifrável, braços cruzados, mas claramente atento a cada movimento.
Zara foi a primeira a quebrar o silêncio.
— Todos nós viemos te visitar. Amanhã voltamos para a Califórnia — Ela disse, aproximando-se da cama.
Franzi o cenho, confusa.
— Califórnia? Por quê?
Antes que Zara pudesse responder, o homem de olhar serene deu um passo à frente, o homem loiro ao lado pareceu tensionar a postura.
— Sou o Daniel Larusso, Calista... — Ele começou, sua voz firme, mas com um toque de gentileza. — Talvez você não se lembre de mim, mas sou o sensei do Miyagi-Do, a equipe americana no Sekai Taikai.
Miyagi-Do. As palavras ecoaram na minha cabeça. Assenti vagamente.
— Terry falou de vocês — Respondi, lembrando-me de algumas palavras soltas dele sobre a rivalidade entre as equipes.
Daniel continuou.
— O torneio vai continuar. O All Valley, um espaço famoso para torneios regionais, cedeu o local para as semifinais daqui a duas semanas. Precisamos voltar e intensificar os treinos.
Antes que eu pudesse responder, o homem loiro, que parecia ser um sensei também, falou com impaciência.
— Não vale a pena continuar esperando. Você vai ficar muito mais tempo aqui?
Passei a mão pelo rosto, sentindo uma onda de frustração me atingir.
— Não. Eu vou embora hoje mesmo.
Zara deu um passo à frente, a preocupação clara em sua expressão.
— Calista, os médicos disseram que você precisa de repouso.
Soltei uma risada curta, amarga.
— Estou perfeitamente bem. Só perdi algumas memórias, mas não esqueci como lutar.
Kwon descruzou os braços, estreitando os olhos para mim.
— Você está machucada — Ele afirmou, direto, mas com um tom irritantemente protetor.
Dei de ombros, deixando um sorriso melancólico escapar.
— Já passei por dores maiores e ainda tive que lutar.
Olhei para minha mão, notando os hematomas espalhados. Era óbvio que eu havia enfrentado algo sério nos dias que perdi, mas mesmo assim... Eu continuei lutando. Isso era a única coisa que sabia fazer. E agora, mais do que nunca, eu precisava disso. Lutar era a única forma de salvar a mim mesma.
Kenny, que havia permanecido em silêncio até então, falou hesitante.
— Terry já voltou para Marietta com Wolf e alguns membros da equipe.
Zara me olhou de lado, a hesitação clara em sua voz.
— Você quer mesmo fazer isso?
Cerrei os punhos, sentindo a decisão pulsar no meu sangue.
— Eu preciso disso.
A sala ficou em silêncio, mas eu sabia que essa era a única verdade que importava agora.
O Senhor Larusso ficou parado por um momento, aquele meio sorriso estampado no rosto que parecia carregar uma mistura de encorajamento e uma leve provocação que notoriamente era uma brincadeira.
— Vou esperar você na competição, então. Não nos decepcione, e por favor, certifique-se de que está bem. — Ele disse antes de sair, junto com o restante do grupo. Não imaginava que pessoas que eu deveria considerar inimigas tiveram o cuidado de virem me visitar, mas nada mais parecia surpreendente, dado ao fato de que aparentemente eu tinha me unido ao Cobra Kai nesse meio tempo.
Queria entender o que passou em minha mente para a tomada de decisão, mas nada, tudo estava em branco. E eu só podia confiar nas palavras de meus amigos e do coreano azedo que insistia em dizer que eu fiz isso por causa dele e para fugir de Terry.
Observei as pessoas começarem a sair uma por uma, deixando o quarto em um silêncio que, por algum motivo, parecia ensurdecedor. Quando percebi, só restavam Zara, Axel, Kenny e Kwon comigo. O clima ficou tão pesado que eu quase podia senti-lo no ar.
Axel e Kwon não perderam tempo. Seus olhares se cruzaram como lâminas afiadas, cheios de antipatia. Era quase cômico, se não fosse tão irritante.
— Zara, pode chamar o médico? — Pedi, rompendo aquele momento absurdo. — Quero ver se consigo minha alta hoje mesmo.
Ela assentiu sem dizer nada e saiu rapidamente. Assim que a porta se fechou, Axel soltou uma risadinha irritante, quebrando o silêncio.
— Você ainda está com ciúmes, Kwon? — Ele disparou, cruzando os braços e encostando-se na parede, como se estivesse prestes a assistir um show.
Kwon riu sem humor e balançou a cabeça.
— Ciúmes? De você? Não me faça rir, amador. Só estou garantindo que você não atrapalhe as coisas como sempre.
Rolei os olhos e passei as mãos pelo rosto, sentindo a irritação crescer dentro de mim. Esses dois podiam me deixar maluca e facilmente poderiam ser um dos motivos de eu não receber alta, por morrer antes, de estresse.
— Vocês dois podem calar a boca por cinco minutos? — Falei, a voz carregada de frustração. — Tenho problemas maiores para lidar, e briguinhas ridículas definitivamente não estão na lista.
Axel deu de ombros, fingindo indiferença, mas o sorriso provocativo ainda estava lá. Kwon apenas revirou os olhos, como se o simples ato de respirar perto de Axel fosse um desafio à sua paciência. Então Kenny, que estava quieto o tempo todo, sentado em uma das cadeiras, resolveu quebrar o gelo.
— Eu vou voltar com os Larusso para Marietta. E você, Calista? Não quer ir com a gente?
Antes mesmo que eu pudesse responder, Axel e Kwon dispararam juntos:
— Não!
O tom deles foi tão sincronizado e cheio de irritação que eu não consegui segurar uma risada curta, ainda que cheia de cansaço.
— Relaxem, Rocky e Creed. — Olhei para Kenny e sorri. — Obrigada Kenny, mas vou com Zara. Vamos direto para o dojô. Preciso resolver algumas coisas antes de pensar em qualquer outra coisa. Isso se eu realmente conseguir sair desse lugar ainda hoje.
Kenny assentiu, seu sorriso leve contrastando com o clima no quarto.
— Tudo bem, só não esquece de cuidar de si mesma, tá? A competição não vai valer nada se você não estiver bem.
— Pode deixar — Respondi, apertando os punhos sobre o cobertor.
Eu estava decidida. Mesmo com a dor, com as memórias perdidas e com a confusão no peito, eu sabia que precisava continuar. Parar nunca foi uma opção.
Kenny se aproximou com aquele sorriso fácil no rosto, os braços já estendidos para um abraço. Não hesitei em envolvê-lo, apesar da pontada de dor na cintura. Ele era como um irmão mais novo pra mim, e, de alguma forma, seu jeito descontraído sempre trazia uma sensação de leveza.
— Te vejo amanhã na Califórnia, né? — Ele disse, a voz baixa, mas cheia de confiança.
— Com certeza. — Sorri, bagunçando o cabelo dele de propósito.
Kenny revirou os olhos, afastando-se com um meio sorriso.
— Eu não sou mais uma criança, tá legal?
Ri, cruzando os braços.
— Pra mim, você sempre vai ser um pirralho, Kenny.
Ele soltou uma risadinha antes de sair do quarto, deixando para trás um rastro de descontração que, infelizmente, durou pouco. O sorriso no meu rosto desapareceu assim que meus olhos voltaram para Axel e Kwon.
Eles ainda estavam ali, como dois leões em jaulas adjacentes, trocando olhares irritados e mal se contendo. Sinceramente, por mais que eu soubesse que era o centro da rivalidade idiota entre eles, eu não estava com paciência para dar corda.
— Tá, agora os dois podem ir embora. — Minha voz saiu firme, sem espaço para discussão.
Axel abriu a boca, provavelmente para dizer algo, mas eu o interrompi antes que pudesse começar.
— Fora. Agora.
Ele parou, piscando surpreso, e então soltou um suspiro resignado.
— Tudo bem, como você quiser — Respondeu, seguindo até a porta, mas lançando um último olhar de desdém para Kwon antes de sair.
Agora só restava Kwon. Ele continuava parado, os braços cruzados e aquele olhar insolente que parecia gritar desafio.
Ergui uma sobrancelha, como se o questionasse silenciosamente. Ele devia estar se movendo na direção da porta, mas não.
— Não vai embora?
Ele apenas deu de ombros.
— Não.
Suspirei, já sentindo a irritação subir.
— Não foi um pedido. Foi uma ordem.
Kwon riu, aquele riso insolente que me fazia querer arrancar os cabelos.
— Você é mesmo teimosa, sabia? — Ele deu um passo na minha direção, inclinando a cabeça levemente. — Não mudou nada, dinamite.
Congelei por um instante. A palavra soou como um tiro dentro de mim. E foi como se houvesse um breve momento de claridade em minha mente.
— Gênio... — Murmurei, antes que pudesse me conter.
Os olhos de Kwon se estreitaram, e ele avançou mais um pouco, parando ao lado da cama.
— O que você disse? — Perguntou, a voz ansiosa, quase implorando por uma explicação.
Franzi o cenho, irritada comigo mesma por ter deixado aquilo escapar. Passei as mãos pelos cabelos, puxando-os para trás com um bufo frustrado.
— Não foi nada — Retruquei, evitando encará-lo diretamente. — Vai embora. Eu quero descansar.
Kwon não parecia convencido.
— Vou passar a noite aqui.
Abri a boca, pronta para protestar, em completo choque com sua ousadia, mas ele ergueu a palma da mão, como se me silenciasse sem precisar de palavras. Isso só aumentou minha irritação, mas antes que pudesse dizer algo, ele já tinha se virado e saído pela porta.
Suspirei, aliviada por um breve momento, até vê-lo voltando minutos depois, arrastando um colchão inflável, junto com um travesseiro, um cobertor e uma mochila.
Fiquei boquiaberta, completamente perplexa e quase quis rir de indignação e uma evidente raiva. No que ele estava pensando, afinal?
— Você só pode estar de brincadeira com a minha cara. Isso aqui não é hotel, seu coreano azedo e sem noção.
Kwon me lançou um sorriso provocativo enquanto ajeitava o colchão no canto do quarto.
— Pode me agradecer depois, dinamite.
— Agradecer? — Soltei, incrédula. — Você tá me irritando de propósito, não tá?
Ele se abaixou para encher o colchão, completamente despreocupado com meu tom de voz.
— Talvez. Ou talvez eu só esteja garantindo que você não se meta em mais confusão. Você precisa de segurança para que possa chegar inteira na Califórnia amanhã.
Minha vontade era de jogar algo nele, mas eu sabia que isso só alimentaria o ego dele. Me limitei a cruzar os braços e virar o rosto, bufando.
Kwon acomodou o travesseiro com cuidado exagerado, como se estivesse me provocando ainda mais.
— Boa noite, princesa. — Ele piscou antes de se jogar no colchão improvisado, como se fosse o dono do lugar.
Eu não sabia se ria ou se gritava. Ele era insuportável. E, pior ainda, sabia disso.
E isso tudo me deixava completamente incrédula. Fiquei totalmente pasma com a audácia de Kwon. Ele estava ali, no canto do quarto, ajeitando seu colchão inflável como se fosse a coisa mais natural do mundo. O barulho abafado do plástico rangendo sob o peso dele só aumentava minha irritação, mas eu não conseguia desviar o olhar.
Kwon se remexia no colchão, visivelmente desconfortável ou inquieto. Talvez os dois. E, enquanto isso, minha mente vagava, presa na palavra que escapou mais cedo, dinamite. O apelido parecia familiar, como um sussurro distante de algo que deveria lembrar, mas não conseguia. O mesmo valia para gênio. Eram peças de um quebra-cabeça incompleto, e isso me deixava louca.
Eu não sabia o que fazer com ele ali, tão próximo. Será que ele poderia mesmo me ajudar a lembrar? Mas, ao mesmo tempo, eu chegava a me perguntar se lembrar não fosse uma boa ideia. E se o que quer que existisse entre nós antes não fosse mais igual? Se eu acabasse machucando ele... Ou a mim mesma? Sentimentos assim, não são simples de se reconquistar.
Esses pensamentos começaram a me irritar ainda mais, mas antes que eu pudesse me perder de vez, Kwon quebrou o silêncio.
— Sabe, eu comecei a ouvir trilhas sonoras enquanto treino.
Franzi o cenho, surpresa com a declaração aleatória. Ele revelou que eu havia lhe contado sobre fazer isso, mas eu não esperava que alguém como ele seguiria os mesmos passos.
— O quê? — Perguntei, sem conter uma risadinha.
Ele se virou de lado no colchão, apoiando a cabeça na mão enquanto me olhava com um sorriso despreocupado.
— Descendentes, por exemplo. Tem umas músicas bem motivadoras. Ou, sei lá, Moana. Aladdin também tem umas boas.
Eu arregalei os olhos e soltei uma risada mais sincera, ajeitando-me na cama para me deitar. Aquilo me pegou completamente de surpresa, e não de uma forma ruim.
— Você é um idiota, sabia? — Murmurei, quase para mim mesma, mas o canto dos meus lábios entregava um sorriso pequeno e involuntário.
Kwon ergueu a cabeça, fingindo que não tinha ouvido direito.
— O que foi que você disse?
Eu me virei na cama, ficando de costas para ele e escondendo o rosto no travesseiro, fingindo que não o escutei.
— Nada — Murmurei, tentando manter a voz indiferente.
O colchão inflável rangeu de novo enquanto ele se ajeitava, mas dessa vez o silêncio que se seguiu foi mais tranquilo. Mesmo com ele tão irritantemente próximo, eu sentia algo que não esperava, segurança.
A ironia da situação era quase engraçada. Kwon, o cara mais provocador e impossível que eu deveria conhecer, era também quem fazia o quarto parecer menos sufocante. Por mais que ele me tirasse do sério, saber que estava ali, a poucos metros, tornava a ideia de fechar os olhos e descansar um pouco mais fácil.
— Boa noite, dinamite — Ouvi ele murmurar do outro lado do quarto, baixinho, como se não esperasse uma resposta.
E ele não teve. Apenas fechei os olhos e deixei que a escuridão viesse. Talvez, só talvez, eu pudesse relaxar. Mesmo que uma figurinha irritante como ele estivesse por perto.
Obra autoral ©
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