11. Infant and innocent

Os copos de Coca Zero acumulavam-se na mesa enquanto Axel e eu conversávamos, evitando qualquer coisa que parecesse como um desafio no karaokê. Nenhum de nós se atreveu a subir no palco, e aparentemente, ninguém mais no salão teve coragem ainda. A música ambiente preenchia o espaço, e enquanto algumas pessoas começavam a dançar na pista, outras permaneciam em suas mesas, rindo e conversando. Eu queria aproveitar o momento, mas os pensamentos que lutei tanto para afastar voltaram a se infiltrar. Silver e seus planos maquiavélicos, a figura imponente de Kwon sentado à distância, mesmo sem olhar para mim, ele parecia ocupar um espaço enorme na minha mente. Era como se a sala estivesse dividida em duas forças invisíveis, uma que me puxava para o agora, com Axel e a música, e outra que me arrastava de volta para aquele redemoinho emocional de raiva, mágoa e dúvida.

Axel percebeu. Ele sempre percebia.

— Ei — Disse baixo, inclinando-se um pouco em minha direção. — Você tá tensa de novo. Não quero que essa noite seja assim pra você.

Eu soltei um suspiro, tentando sorrir, mas sabia que não convencia.

— É difícil desligar a cabeça às vezes.

—Então, vamos tentar outra coisa — Ele afirmou, levantando-se e estendendo a mão para mim, eu franzi o cenho no mesmo instante com seu gesto. —Vem. Vamos dançar.

—Dançar? — Perguntei, dando uma risadinha desacreditada — Axel, isso não é exatamente uma boate...

— Não precisa ser. Olha — Ele apontou para a pista, onde algumas pessoas já se moviam ao som da música pop que tocava no rádio. — Está quase vazio. É perfeito. Só eu e você. Vamos lá, Cali, precisa descontrair um pouco, não acha? E disse para eu não me envolver em nenhuma briga, então... Em algum momento, vamos ter que agir, seja com os pés ou com os punhos.

Olhei para ele por um instante, considerando, e dei um suspiro, revirando os olhos por seu comentário sarcástico. A ideia parecia absurda, mas havia algo no jeito como ele me olhava, determinado e ao mesmo tempo despretensioso, que me fez ceder. Peguei sua mão e deixei que ele me puxasse para o centro da pista. Seguimos até o local, e eu tentei não olhar em minha volta, não queria prender minha atenção em mais nada, apenas deixaria que ele me guiasse pela pista, por mais que minha mente sempre tentasse me pregar uma peça, divagando pelos mesmo sórdidos pensamentos. Não quero continuar jogando esse jogo, não hoje.

A música que tocava era animada, com uma batida contagiante. No começo, nos movemos de maneira hesitante, como se nenhum de nós quisesse chamar muita atenção. Mas logo, Axel apertou meu quadril mais firmemente, como se enfim perdesse o medo de se aproximar, e começou a me guiar, girando-me levemente e me fazendo rir com suas tentativas exageradas de passos elaborados. Ele era desajeitado de propósito, mas de uma maneira muito fofa, eu admito.

— Viu? Já está sorrindo, — Ele disse, aproximando-se um pouco mais enquanto dançávamos.

— É, mas só porque você tá dançando tão mal que eu não consigo evitar — Zombei.

Ele riu, sacudindo a cabeça.

— Ah, claro. Culpa minha. Mas, sério, eu só queria te tirar da sua cabeça por um minuto. Você merece isso, sabe? Esquecer toda essa coisa de torneio, de... Qualquer coisa que te incomode.

Eu sei exatamente ao que ele se referia, o que me prendia aos meus próprios pensamentos, e era algo de se admirar suas constantes tentativas de apagar esses pensamentos de minha cabeça, mesmo que eu saiba que profundamente, sua extrema proteção tenha um motivo específico, que eu finjo não saber para que nossa amizade não se dissolva.

— Obrigada, Axel — Murmurei, e dessa vez, o sorriso foi genuíno —, você tem o dom de me fazer esquecer as coisas ruins. Nem sei como consegue, de verdade.

— Talvez seja porque eu... — Ele parou por um momento, os olhos encontrando os meus enquanto o som da música parecia abafar o mundo ao nosso redor. — Talvez porque eu me preocupe com você. Mais do que deveria, talvez.

Engoli em seco, percebendo para onde ele estava indo, e que droga. Ele estava tão próximo agora que eu podia sentir o calor de sua presença. Axel sempre foi transparente, mas dessa vez, mesmo com suas palavras mascaradas, o subtexto estava claro.

—Você é... Incrível, Calista. De verdade. E eu sei que talvez você não veja isso agora, mas... Eu queria que você soubesse o quanto significa pra mim.

Meus lábios se entreabriram, e as palavras ficaram presas na minha garganta. Não queria machucá-lo, não depois de tudo o que ele fazia para me apoiar, mas também não podia incentivá-lo de maneira alguma. Ele era importante para mim, sim. Mas não dessa maneira, e mentir só o faria se sentir pior.

—Axel... — Comecei, buscando as palavras certas. — Você é... Um dos meus melhores amigos. Alguém que eu sei que sempre vai estar do meu lado. E isso significa muito pra mim. Mais do que você imagina.

Ele assentiu, um sorriso suave, mas um pouco forçado, surgindo em seus lábios.

— Eu entendi — Disse, com uma leveza que soava quase ensaiada, como se estivesse tentando convencer a si mesmo de que estava tudo bem. — Eu só queria deixar claro.

— Agradeço por isso — Respondi, com sinceridade. — E eu espero que saiba que eu também sempre estarei aqui por você, está bem?

A música mudou, e o ritmo acelerado deu lugar a algo mais lento. Axel hesitou, mas deu um passo para trás, dando-me espaço, e balançou a cabeça positivamente, mas seus olhos percorreram na direção do balcão de bebidas. Senti seus dedos mais entrelaçados ao aperto em minha cintura, eu pigarreei, como se o sinalizasse, já que acabaria me machucando, mas assim que segui o seu olhar, vi exatamente o que lhe trazia à seguir contra a razão.

Kwon estava novamente, jogando seu braço sobre Tory, que apenas estava de saco cheio demais para simplesmente o enfrentar outra vez. Aparentemente, ele insistia na ideia de tocar as pessoas indevidamente sem qualquer aviso prévio, seja com um braço ao redor de uma garota, ou um soco cheio nos lábios de outra. Talvez se ele conhecesse os limites do que pode ou não fazer, as coisas seriam mais fáceis, mas sua insistência em agir como um escroto me deixava enojada.

— Apenas esqueça isso — Disse firmemente, virando o rosto de Axel em minha direção, no entanto, afastei sua mão de mim, já que o aperto estava começando a tornar-se sufocante —, ela está provocando outra garota agora, não deveria se importar tanto com o que ele faz.

— Não... — Ele riu indignadamente, seus olhos fuzilando o asiático, como se estivesse disposto a estrangulá-lo naquele exato momento — Ele sabe exatamente o que está fazendo, e acho que você só não percebeu, Cali.

— E o que exatamente ele está fazendo? — Cruzo os braços, mantendo um tom de voz firme e seguro, realmente não entendia onde Axel queria chegar com suas teorias conspiratórias a respeito do descabelado arrogante.

— Está tentando provocar você — Eu ri no mesmo instante, mas antes que pudesse me dar a brecha de qualquer resposta, ele se aproximou de novo, desviando os olhos de Kwon para mim. Eu estranhei a repentina reaproximação, no entanto, ele se aproximou mais — Ele não tirou os olhos de você desde que entrou por aquela maldita porta. Não sei exatamente qual o jogo dele, mas sei que somos as peças principais... — Ele colocou a mão em minha cintura, colando nossos corpos, o que me fez prender a respiração.

— Axel... O que está fazendo?

— Por favor, deixe-me provar que não é uma mentira — Sua voz era baixa, porém firme. Eu realmente não sei se estava gostando do rumo que a situação estava tomando —, você pode permitir isso, Calista?

Eu acho que agora entendia em partes, o que ele queria insinuar, e ainda que houvesse uma dúvida latente em meu peito, eu permiti que ele fizesse tal prova, permiti porque se aquele maldito leite azedo estivesse tentando me usar para sua própria partida de xadrez, como um mero peão, eu precisava ter certeza, para que enfim, pudesse derrubá-lo.

A atmosfera no karaokê parecia se estreitar ao nosso redor, como se o mundo tivesse diminuído, deixando apenas eu e Axel em um espaço confinado por sua intensidade e palavras. O toque em minha cintura me deixou imóvel, e a proximidade dos nossos corpos fez meu coração acelerar de maneira desconfortável. Quando ele falou, a firmeza na voz dele foi o que realmente me desarmou.

— Por favor, deixe-me provar que não é uma mentira — Ele repetiu, com a voz baixa e grave.

Antes que eu pudesse responder, Axel se inclinou e me beijou.

Foi como ser atingida por um raio. O choque percorreu meu corpo, paralisando-me por um momento. Meus olhos arregalaram-se, e todos os meus pensamentos, que já eram um turbilhão, se transformaram em um silêncio ensurdecedor. Não era o tipo de beijo que eu imaginava compartilhar com Axel – ou qualquer pessoa – naquele momento, e por mais que quisesse me afastar, não consegui. E depois de um segundo que pareceu uma eternidade, a rigidez do meu corpo começou a ceder. Meus lábios, quase por instinto, se moveram em sincronia com os dele. Não era uma sensação exatamente ruim, era quente e, de certa forma, até que confortável, mas ao mesmo tempo, profundamente estranha. Axel era meu amigo, alguém que eu confiava. O fato de ser ele tornava tudo mais confuso, e me deixava irritada por sua insistência, em partes.

Quando finalmente recuperei o controle, afastei-me suavemente, pressionando a mão contra o peito dele.

— Axel... — Comecei, minha voz tremendo, mas não consegui terminar a frase.

Ele não me deu tempo para reagir ou protestar. Pegou minha mão e me puxou com determinação na direção da porta.

— Vem comigo. — Antes que eu pudesse questioná-lo, estávamos fora do karaokê, correndo pelas ruas.

— Axel! — Quase berrei, tentando acompanhá-lo, mas sem entender o que estava acontecendo. Ele só parou quando chegamos a um beco a alguns metros de distância. A luz fraca de um poste iluminava o lugar, e o som abafado da música do karaokê ainda ecoava ao longe. Soltei minha mão da dele com um puxão, cruzando os braços.

— O que foi isso? Que droga você está tentando fazer? — O empurrei com força, mas ele era como uma muralha, então sequer saiu do lugar.

Axel respirava rápido, tanto pela corrida quanto pela tensão no ar. Ele passou a mão pelos cabelos e olhou para mim, os olhos cheios de algo que eu não conseguia decifrar completamente.

— Calista, eu... — Ele começou, hesitando, e eu senti meu sangue ferver. — Eu não queria te deixar confusa. Juro.

— Então o que foi isso? Você está tentando se aproveitar da situação? Porque, se for, isso é...

— Não é isso! — Ele interrompeu, sua voz mais alta do que o necessário, mas ainda assim cheia de frustração. — Eu só... Queria provar algo.

— Provar o quê? Que pode me beijar do nada?

— Não! — Ele exclamou, passando a mão no rosto como se tentasse organizar os pensamentos. — É sobre Kwon. Ele está jogando com você, Calista. Desde o começo. Eu só queria te mostrar que ele não está só brincando de ser irritante. Ele tem um plano, e você é o alvo.

Franzi o cenho, tentando processar o que ele dizia.

— E beijar você tinha algo a ver com isso? — Perguntei, o tom mais ácido do que eu pretendia e uma risada indignada ressoou de meus lábios.

— Talvez — Axel admitiu, com honestidade. — Mas não do jeito que você está pensando. Eu precisava ver se... Se ele reagiria. Se ele se importaria. E acho que eu estava certo.

Antes que eu pudesse perguntar o que ele queria dizer, passos apressados ecoaram na calçada. Quando me virei, lá estava Kwon, acompanhado de Yoon. Ele parecia diferente. Os ombros rígidos, o olhar fixo, e o leve desequilíbrio no andar indicavam que ele tinha bebido mais do que deveria.

— Então é aqui que você tá se escondendo — Ele disse, a voz baixa, quase um rosnado.

Yoon ficou um pouco atrás, parecendo desconfortável com a situação, mas claramente lá para apoiar Kwon. Eu realmente pensei que poderia ter uma única noite livre de dores de cabeça e dele, mas tudo parecia conspirar para que acabássemos tragicamente discutindo, e só de me lembrar da última vez, um automático gosto metálico preenchia meus lábios, para que eu me lembrasse o tipo de pessoa que ele realmente é.

— O que você quer, Kwon? — Perguntei, tentando manter a calma, embora meu coração estivesse acelerado novamente, desta vez pela tensão no ar.

Ele deu um passo à frente, apontando para Axel.

— Esse cara é seu novo namorado agora? Interessante. Muito interessante. — O sarcasmo escorria de cada palavra, mas havia algo mais. Uma pontada de raiva mal contida.

— Vai embora, Kwon — Axel disse, firme, dando um passo à frente como se quisesse se colocar entre nós.

— Ou o quê? — Kwon riu, mas havia uma amargura em seu tom. — Você vai fazer alguma coisa? Por que não deixa a garota falar por si mesma?

Minha cabeça parecia uma nuvem de confusão. Entre Axel, Kwon e o peso de tudo o que havia acontecido, eu não conseguia pensar com clareza. Mas uma coisa era certa, a provocação de Kwon não era apenas casual. Axel estava certo, ele estava jogando. O problema era que eu ainda não sabia como reagir, e eu não sabia exatamente à favor de que ele realmente jogava. E Axel já se prontificava para avançar, mas coloquei a mão em seu peito, embora meu olhar fosse diretamente para Yoon.

— Quero conversar com esse idiota à sós. — Afirmei rispidamente, cruzando os braços e um sorriso sarcástico formou-se em meus lábios quando olhei para Kwon, sentindo meu peito arder de raiva — Ou precisa de seu guarda-costas para resolver seus problemas por você, gênio?

Ele trincou o maxilar, no entanto, lançou um olhar de canto para Yoon, sinalizando que ele saísse, e o garoto o fez como um capacho. No entanto, Axel ainda me encarava com uma mistura de fúria e preocupação, e eu mantive a mão em seu peito, agora virando-me em sua direção.

— Vá — Indiquei com a cabeça, e ele inclinou a cabeça, prestes a protestar, mas rapidamente intervi —, por favor. Eu disse que essa luta é minha, e quero esmagá-lo com minhas próprias mãos. Já me provou o que queria, agora é minha vez de provar exatamente o que eu quero... Para ele.

— Será que vai demorar mais aí? — A voz de Kwon ressoou com sarcasmo, e o que mais me impressionava era ele não ter vindo na direção de qualquer um de nós para começar uma briga. Ele parecia verdadeiramente controlado, ainda que minimamente.

— Por favor, acabe com ele ou eu mesmo farei isso. — Axel afirmou seriamente e eu assenti, então fora sua vez de se afastar, e eu respirei profundamente, antes de me virar para ele, finalmente o encarando de frente.

— O que está tentando fazer? — Inclinei a cabeça, dando um passo em sua direção, tentando controlar minha respiração. Não queria começar uma briga, a menos que ele pedisse muito por isso — O que você ganha sendo um grande babaca?

— Por que... — Sua voz parecia um pouco mole pelo excesso de álcool, e ele começou a andar em minha direção, o que me fez ficar em alerta no mesmo instante, ainda que ele já não parecesse tão ameaçador quanto antes. Acho que estava mais bêbado que da última vez, o que dificultava ficar de pé. — Por que deixou que ele beijasse você?

— É isso que realmente pretende dizer depois de tudo o que rolou? — Meu tom soa mais dolorido do que de fato indignado, e eu tento ao máximo segurar o choro, cerrando meus punhos e com uma disposição suficiente para avançar em sua garganta — Jura, que a droga de um beijo é a principal coisa que temos a discutir e não o fato de que você socou a minha cara, seu maldito sociopata?

À medida que minhas palavras eram cuspidas, eu andava um passo em sua direção, havia uma tensão quase palpável no ar, e ele não ousou recuar, mas eu pude notar sua respiração mais acelerada, e eu dei uma risadinha, batendo palmas e sentindo como se tudo começasse a desmoronar dentro de mim, lentamente.

— Vamos, Kwon, por que de repente ficou tão quieto, hm? — Eu pude ver ele cerrar os punhos e respirar fundo, e eu quebrei a pouca distância entre nós, no instante em que o puxei pela gola de sua camisa, apertando-a com tanta força que meus dedos estavam esbranquiçados — O QUE TANTO TE INCOMODA?

— VOCÊ! — Gritou em resposta, e fora sua vez de me desnortear, quando ele afastou minhas mãos com facilidade, me empurrando contra a parede, fazendo minhas costas baterem dolorosamente, e ele segurou minhas mãos, colando seu corpo ao meu, imobilizando-me — VOCÊ ME INCOMODA, CALISTA. Eu odeio isso... Eu odeio...

E novamente, eu me senti como uma presa. Enquanto seus olhos brilhavam de uma ira primitiva, eu sequer consegui reagir. Ele não sabia exatamente o que dizer, em uma completa confusão pelo álcool, mas me pressionou mais contra a parede, aproximando cada vez mais seu rosto, e eu instintivamente, o virei, não mais contendo as lágrimas. Eu estava apavorada, trêmula e sem saber o que fazer.

A pressão no ar tornou-se sufocante, e minha mente era um emaranhado de confusão e medo enquanto Kwon me mantinha presa contra a parede. A proximidade era invasiva, e eu sentia o cheiro forte do álcool em sua respiração. Seus olhos estavam fixos nos meus, brilhando com algo que oscilava entre raiva e vulnerabilidade. Mas a vulnerabilidade não me comovia. Era mascarada pelo poder que ele achava que tinha, e minha garganta parecia apertada, o medo subindo em ondas que tentava controlar.

— Me solta, Kwon — Minha voz saiu firme, embora trêmula nas bordas.

Ele parecia ignorar as palavras.

— Por que você faz isso comigo? — Murmurou, os lábios perigosamente perto dos meus, as mãos segurando meus pulsos como se fossem algemas. — Você me deixa... Louco.

— Não. Você é louco — Vociferei, tentando empurrá-lo com os ombros, mas sua força e o peso do momento me deixavam impotente. Ele não recuava.

E então, sem aviso, ele chocou os lábios contra os meus.

Foi como um trovão que rasgou o silêncio. Meu corpo congelou no impacto, e um arrepio de pura repulsa percorreu minha espinha. Não era um beijo. Era um roubo, um ataque, algo que drenava toda a energia de dentro de mim. Senti um nó se formar em minha garganta enquanto tentava virar o rosto, mas ele segurava meu rosto, com os dedos em meu queixo, insistindo em manter os lábios colados aos meus.

— PARA! — Gritei entre os dentes, mas as palavras mal saíram.

Eu lutei. Me debati. Mas parecia que meu corpo estava traindo minha força, os braços fracos e os movimentos lentos. Era como se a adrenalina estivesse presa, esperando um gatilho.

E o gatilho veio.

Um estalo percorreu meu corpo como um choque elétrico. Toda a dor, toda a raiva e toda a humilhação transformaram-se em energia pura. Meu joelho subiu com precisão, acertando-o entre as pernas com toda a força que consegui reunir.

Kwon soltou um grito abafado de dor e cambaleou para trás, curvando-se e caindo de joelhos no chão. E eu me afastei rapidamente, o peito arfando enquanto a adrenalina ainda pulsava em minhas veias. Meus olhos estavam arregalados, e senti algo quente deslizar pelas minhas bochechas. Lágrimas. Queimavam como fogo, misturando-se com o gosto de desgosto nos meus lábios.

— Eu... Eu avisei para me soltar... Eu avisei, Kwon. — Murmurei, a voz fraca e cheia de emoção.

Ele estava no chão, gemendo e segurando o estômago, mas eu não queria mais olhar para ele. O nojo e a indignação eram tão avassaladores que quase me fizeram vomitar.

Sem pensar, virei-me e corri.

O mundo ao meu redor era um borrão. O frio da noite, os sons distantes de música e vozes, tudo parecia surreal enquanto meus pés batiam contra o asfalto, levando-me para longe daquele beco, daquele garoto, daquela noite. As lágrimas continuavam caindo, e minha mente estava mergulhada em um caos absoluto. Eu não sabia se chorava de medo, de raiva ou de algo mais profundo, algo que eu não queria reconhecer. Tudo o que sabia era que precisava escapar.

Quando finalmente alcancei o hotel, minhas mãos tremiam tanto que quase não consegui abrir a porta. Entrei, ignorando os olhares curiosos da recepção, e corri direto para o meu quarto, trancando a porta atrás de mim. Me joguei na cama, abraçando meus joelhos enquanto soluços escapavam incontrolavelmente. Meu peito estava pesado, como se uma âncora tivesse sido amarrada ali, e minha mente repetia a cena em flashes vívidos que me faziam tremer ainda mais.

Por que ele fez isso? Por que ele realmente acreditou que tinha esse poder sobre mim?

A raiva começou a emergir através do medo, misturando-se como lava fervente dentro de mim.

Kwon não sairia impune. Ele havia cruzado uma linha que não poderia ser ignorada. E agora, mais do que nunca, eu sabia que precisava vencê-lo. Não apenas no tatame, mas em todos os lugares. Ele tinha que saber que eu não era alguém que ele podia manipular ou intimidar, mas tudo isso parecia se misturar em um gosto amargo de um sentimento indecifrável e alarmante em meu peito, quase incontrolável. Ele me beijou. Ele me forçou a grudar os lábios aos seus. E não importa quanto álcool ele havia ingerido, havia algo em seu consciente que gritava por essa ação, e isso me deixaria inquieta pelo resto dos dias, o que tornaria tudo mais difícil daqui em diante. Eu teria de resolver civilizadamente essa situação, ou a derrota viria na certa, seja na batalha por meu orgulho intacto, ou no torneio.

O som abafado dos meus próprios soluços ecoava no quarto silencioso, e a sensação de sufocamento parecia me prender em um ciclo interminável. Meu corpo tremia, encolhido sobre a cama, enquanto lágrimas quentes deslizavam sem controle pelo meu rosto. Era como se toda a força que eu tinha esmorecesse de uma vez, deixando apenas a fragilidade exposta.

E de repente, o som de passos rápidos ecoou pelo quarto. Ouvi o ranger da cama de Zara enquanto ela se levantava abruptamente. Seus olhos estavam arregalados de preocupação, e ela correu na minha direção, ajoelhando-se ao lado da cama.

— Calista! — Sua voz estava cheia de alarme, e ela colocou as mãos em meus ombros, me sacudindo suavemente. — O que aconteceu? Você está machucada?

Eu abri a boca para responder, mas nenhuma palavra saiu. Não consegui formular sequer uma frase. Tudo parecia entalado na garganta, como uma bola de angústia que eu não conseguia engolir nem expulsar. E Zara ficou ainda mais aflita ao ver meu estado.

— Ei, calma. Respira... Me diz o que houve. Por favor!

Mas minhas lágrimas só aumentaram. O som dos soluços escapava como se eu estivesse tentando me desfazer de algo que me sufocava por dentro. Minha visão estava turva, e minhas mãos tremiam enquanto tentava agarrar os lençóis, buscando algum tipo de ancoragem na realidade. Zara então parou de insistir. Ela pareceu entender que eu não conseguiria falar naquele momento. Em vez disso, ela se aproximou mais e me envolveu em um abraço apertado, seus braços firmes me prendendo como se pudesse me proteger do mundo inteiro.

— Tá tudo bem, Cali... Eu estou aqui, tá? — Sua voz era baixa, quase um sussurro, mas tinha uma firmeza reconfortante. — Você não precisa falar nada agora. Só chora, solta tudo...

Suas palavras, em vez de me acalmarem, abriram as comportas que eu tanto tentava segurar. Me agarrei a ela como se minha vida dependesse disso, meu rosto escondido em seu ombro enquanto o choro descontrolado saía com mais intensidade. Cada lágrima parecia carregar um pedaço de dor, de humilhação, de raiva, mas também trazia uma sensação de alívio, como se finalmente estivesse liberando algo que não podia mais carregar.

Zara continuava me segurando, acariciando minhas costas com movimentos lentos e repetitivos.

— Seja o que for, eu estou aqui agora. Não vou te deixar sozinha, tá? Prometo.

O calor do abraço dela começou a quebrar o gelo que parecia ter se formado em volta do meu coração. Meu corpo ainda tremia, mas os soluços começaram a diminuir aos poucos. Era como se, aos poucos, eu estivesse voltando para mim mesma, puxada de volta do abismo pela presença constante e reconfortante de Zara. E só depois de algum tempo, ainda sem soltar o abraço, ela inclinou a cabeça para me olhar. Seus olhos estavam brilhando, talvez com lágrimas contidas, mas seu rosto exalava preocupação genuína.

— Seja lá quem ou o que fez isso com você, Cali, não vai ficar assim. Você não merece isso, nunca.

Eu engoli em seco, ainda sem conseguir falar muito, mas assenti levemente, como se reconhecesse que ela estava certa e ela me apertou novamente, como se quisesse me proteger de qualquer coisa ruim que pudesse me atingir outra vez. E naquele momento, mesmo em meio à confusão e dor, eu senti que talvez não estivesse completamente sozinha, pela primeira vez desde a morte de minha mãe, eu senti algo tão reconfortante, assim como rever Kenny, ou quando Axel tentou me distrair. Eu sabia que tinha bons amigos, e também sabia que agora tinha um conflito ainda maior para enfrentar.


Obra autoral ©

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