08. Did i cross the line?

Eu sequer consegui pregar os olhos durante a noite toda, com a ideia de ter socado Calista martelando em minha mente, como um eco de meus pensamentos. Sua marra e suas provocações exageradas eram motivos suficientes para eu me irritar, mas não machucá-la. E isso, só fez com que eu me sentisse estranho. Eu já tinha bebido além da conta, cego por uma raiva que sei ser além do que posso suportar, e suas palavras foram como uma lâmina afiada em meu peito, resultando em um impulso que me arrependo amargamente.

Tenho plena disposição para fazer qualquer um que entre em meu caminho, sangrar, mas não ela. Fui covarde, e agora me sentia envergonhado demais para conseguir encará-la, mesmo ciente de que isso em algum momento seria inevitável, eu cruzei a linha, ultrapassei os limites, e sei que isso só a faria me odiar mais profundamente, então não importa quaisquer palavras que eu procure afirmar, nada muda o fato de que agora, não se trata mais de ódio, Calista deve estar com medo de mim. Eu causei isso, causei a droga de um sentimento que eu achava que seria delicioso de provocar nela, de início, mas agora, depois de ver como chegamos a esse ponto, não sei se gosto exatamente de imaginá-la dessa forma. Definitivamente, me traz um sabor amargo à boca, e eu odeio isso.

⋆౨˚ ˖

Caminhei em direção ao dojô improvisado, onde nossa equipe treinava para o torneio diariamente. Minhas mãos estavam cerradas nos bolsos, e minha expressão era a mesma de sempre, firme e inabalável. Ninguém precisava saber o que se passava dentro de mim, e eu não queria dar satisfações sobre minhas fraquezas, precisava apagar isso de meus pensamentos antes que acabasse os tomando por completo.

Ao entrar, vi os outros já aquecendo. Sensei Kim estava no centro, observando cada movimento com seus olhos atentos. Cumprimentei brevemente os colegas, mantendo minha postura imponente, mas a verdade era que meu foco estava em outro lugar. Cada golpe que eu desferia no ar parecia mais pesado, carregado pela culpa que me corroía, eu tentei manter o foco, mas meus pensamentos sobre seguiam o mesmo caminho, aquela cena diante de meus olhos, e a maneira como Calista gritou, seus olhos turvos por um nítido medo.

— Kwon — A voz de Sensei Kim cortou o ambiente como uma lâmina. — Você está fora do ritmo. Algo está errado.

Levantei o olhar, tentando mascarar meu desconforto com o mesmo orgulho de sempre.

— Estou bem, Sensei. Só preciso de mais aquecimento.

Ela arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços, analisando-me de cima a baixo, e se aproximou, com sua postura ereta e o olhar afiado sobre mim. Kim sempre foi mais dura, rígida e correta do que Kreese, enquanto ele, era quem nos motivava a ultrapassarmos nossos próprios limites. Ela é como o isqueiro, a estrutura para que aja fogo, e Kreese, é a chama, que em complemento com o isqueiro, mantêm a base do dojô.

— Não me venha com desculpas. Seu foco está longe daqui. O que está acontecendo?

Engoli em seco. Era fácil enganar os outros, mas Sensei Kim tinha o olhar de alguém que via através das máscaras, e por mais que eu anteriormente eu já tivesse testado seus limites, sendo um rebelde com a língua solta, passei a respeitar meus senseis com o tempo, porque definitivamente, eu sofreria as consequências se continuasse a agir como um maldito rebelde descontrolado. Mas isso só se aplica ao meu dojô, não aos meus adversários. Não à Calista.

— Nada que eu não possa resolver sozinho, Sensei. Estou preparado.

Ela deu um passo à frente, sua presença imponente me causou um desconforto imediato, como se eu já soubesse que uma repreensão estava por vir. Ela abriu um sorriso sínico, profundamente amedrontador, mas o suavizou, colocando as mãos atrás do corpo.

— Preparado? — Perguntou em um tom profundamente sarcástico — Kwon, não se pode vencer uma luta com a cabeça cheia de distrações. O que aconteceu?

Hesitei. Meu instinto era me fechar, proteger meu orgulho, mas algo na intensidade do olhar dela me desmontou.

— Eu machuquei alguém... Alguém que não merecia. Foi um erro. Não devia ter acontecido.

Sensei Kim permaneceu em silêncio por um momento, avaliando minhas palavras. Só ouvindo minhas palavras com tanta clareza que pude perceber o tamanho do meu erro. Se fosse qualquer garoto imbecil, ou então Tory e sua marra insistente, e por ser alguém que enfrento diariamente no tatame, com ou sem compaixão, não parecia exatamente um problema. Mas era alguém que não tinha exatamente envolvimento algum em problemas comigo, ela é só suficientemente irritante para provocar algo em mim que me torna completamente cego, e eu não sei ao certo como explicar esse exato sentimento, mas estou tentando desmascará-lo, talvez só assim eu aprenda a ignorá-la, ao invés de provocar algo como eu já fiz.

— Erros como esse podem custar caro, Kwon. — Afirmou seriamente, seus olhos vidrados aos meus, como se tentasse os ler — Não só para você, mas para sua equipe. Se você não conseguir superar isso, vou tirar o título de capitão de você.

Suas palavras foram como um golpe direto no meu peito. Capitão? Eu não podia perder isso. O peso da responsabilidade me atingiu como uma avalanche, e eu não permitiria que qualquer outro assumisse o título que conquistei por mérito e competência.

— Não vai acontecer de novo, Sensei. — Respondi, minha voz agora firme, mas dentro de mim, eu sentia o fogo reacender. Se eu não podia apagar o que havia feito, pelo menos poderia canalizar tudo naquilo que eu sabia fazer de melhor, lutar.

Sensei Kim assentiu, mas antes de se afastar, lançou um último olhar penetrante.

— Espero que não. Prove que merece estar à frente desta equipe, Kwon. — Ela pareceu aliviar a tensão em sua compostura e suspirou profundamente — Faça a repetição novamente.

Fechei os punhos e voltei à posição, com sangue nos olhos. Por mais que a culpa ainda me pesasse, eu sabia que só tinha uma saída, seguir em frente. Calista podia me odiar, podia até nunca me perdoar, mas eu usaria isso para me tornar mais forte. A próxima rodada do torneio estava chegando, e eu não podia me dar ao luxo de falhar.

Sensei Kim não se afastou de imediato. Sua postura firme permanecia à minha frente, como uma parede intransponível. Ela observou atentamente meus movimentos, procurando alguma falha. Kim estreitou os olhos, inclinando ligeiramente a cabeça, e perguntou, com um tom que não admitia evasivas.

— Quem você machucou, Kwon?

Fiquei tenso. O nome de Calista pairava na ponta da minha língua, como um peso que eu não queria soltar. Por um segundo, considerei mentir, mas sabia que não conseguiria. Mentir para ela seria tão inútil quanto tentar esconder um corte aberto de alguém que já viu o sangue escorrendo.

— Calista... — Murmurei, finalmente, o nome saindo de minha boca como se carregasse um gosto metálico e amargo.

Sensei Kim manteve a expressão séria, sem demonstrar surpresa, mas o olhar dela pesou sobre mim como se me examinasse por dentro. Depois de alguns segundos de silêncio que pareceram uma eternidade, ela falou com firmeza, mas sem raiva.

— Então você já sabe o que fazer. — Cortou o silêncio, dizendo em um tom firme, como uma ordem — Seja justo. Não importa o que ela tenha feito, ou quem ela seja para você, suas diferenças devem ser resolvidas no tatame. Não fora dele. Entendeu?

Engoli em seco. As palavras dela eram simples, diretas, mas acertaram como um soco bem colocado. Justo. Era isso o que eu deveria ter sido desde o começo, pelo menos com a garota. O eco daquela palavra começou a corroer meus pensamentos. Sensei Kim não esperou minha resposta imediata, ela apenas continuou, como se estivesse lendo minha mente.

— Não confunda raiva com determinação, Kwon. A raiva é uma arma que se vira contra você, e nós não temos espaço para distrações ou descontrole. Se você deixar suas emoções ditarem seus golpes, perderá. Aqui e em qualquer lugar. Apenas o transforme em força, força o suficiente para alcançar a vitória.

Assenti, tentando processar o que ela dizia, mas minha mente vagava. Raiva, determinação, justiça... e Calista. Algo dentro de mim se agitou ao ouvir seu nome novamente, como uma onda que eu tentava conter, mas não sabia como. Era estranho. Incômodo. Não era apenas culpa, era algo mais profundo, algo que não fazia sentido. Um calor nos meus pensamentos, que os tornava caóticos, como um combate interno que eu não sabia como vencer.

Eu achava que odiava Calista. Que ela era apenas uma pedra no meu caminho, alguém que eu precisava superar. Mas agora, cada lembrança dela vinha acompanhada de algo que me deixava... Desnorteado. A maneira como ela sorria desafiadoramente, como sua presença parecia consumir o ambiente, como suas palavras afiadas sempre encontravam uma brecha para me atingir onde doía mais. Era irritante. Era fascinante. E eu a machuquei.

Como exatamente eu deveria lidar com isso?

— Está ouvindo, Kwon? — A voz de Sensei Kim me trouxe de volta, e assenti. — Não vou repetir isso. Se não conseguir manter o foco, alguém mais tomará seu lugar como capitão. Mas se você quer provar que merece, comece limpando sua mente. Resolva isso no tatame. Apenas lá. E lembre-se, justamente. Não treino encrenqueiros, treino alunos disciplinados. Você me entendeu?

— Sim, Sensei. — Respondi automaticamente, mas minha voz estava distante, quase robótica.

Ela se afastou, deixando-me sozinho com meus pensamentos, que agora pareciam uma batalha por si só. Por mais que eu tentasse me concentrar no treino, o rosto de Calista continuava invadindo minha mente. Era como um fantasma que eu não conseguia simplesmente mandar embora, uma presença constante que fazia meu peito apertar de maneiras que eu não entendia. E foi naquele momento que percebi que meu problema não era só a culpa pelo soco, nem o medo de perder minha posição como capitão. Era Calista. Eu sentia algo a mais por ela. Algo que eu não conseguia nomear, mas que me assustava mais do que qualquer adversário no Sekai Taikai.

"Resolva no tatame."

As palavras de Sensei Kim ecoavam na minha cabeça enquanto eu desferia golpes no ar, mais fortes, mais precisos. Eu precisava me focar, precisava limpar minha mente. Mas a verdade era que, por mais que tentasse, ela estava lá, em cada pensamento. E isso... isso me corroía por dentro, permitindo que a raiva enraizasse em meus pensamentos cada vez mais, como se estivesse prestes a explodir.

⋆౨˚ ˖

O treino seguiu em um ritmo intenso, mas minha mente ainda estava longe, muito longe, e isso estava esgotando aos poucos minha paciência e minha sanidade restante. Cada golpe no ar parecia refletir a confusão dentro de mim. No entanto, o esforço físico ajudava, ao menos temporariamente, a silenciar as vozes que discutiam na minha cabeça. "Justo", "determinado", "focado", as palavras de Sensei Kim reverberavam a cada movimento. O suor escorria pela minha testa, e meus punhos doíam de tanto impacto contra o saco de pancadas. Eu precisava me exaurir, precisava esquecer. Quando Sensei Kim finalmente sinalizou o fim do treino, me deixei cair sentado no tatame, respirando profundamente. Os outros membros da equipe começaram a se dispersar, conversando entre si, mas eu permaneci imóvel, encarando o chão como se ele tivesse as respostas que eu tanto precisava, passei as mãos em meus cabelos, sentindo uma profunda vontade de arrancá-los.

— Kwon. — A voz grave de Kreese me tirou do meu transe. Olhei para cima, vendo-o parado à minha frente. Ele carregava aquele ar de autoridade implacável que fazia todos ao redor automaticamente prestarem atenção.

Levantei-me de imediato, ajustando minha postura, mesmo exausto.

— Sensei.

Ele cruzou os braços, seu olhar perfurando o meu.

— Ouvi sua conversa com Kim. Sobre essa tal Calista. — O nome dela saindo de sua boca soou quase venenoso, como se ele já soubesse exatamente o tipo de tempestade que ela representava na minha cabeça.

Fiquei em silêncio, incerto sobre como responder. Ele não parecia estar pedindo permissão para continuar, então simplesmente esperei.

— Deixe-me te dar um conselho, garoto. Você está pensando demais no que é "justo". No que é "correto". Isso é fraqueza. — Ele se inclinou ligeiramente, sua voz ficando mais baixa, quase conspiratória. — Se ela é sua adversária, tudo é permitido. Use as fraquezas dela contra ela. Dentro ou fora do tatame. Faça com que ela duvide de si mesma, quebre a confiança dela. Isso não é covardia. É estratégia.

Minhas mãos se fecharam em punhos. As palavras dele eram afiadas, carregadas de uma lógica cruel que me deixou desconfortável.

— Mas isso... Isso não seria jogar sujo? — Perguntei, minha voz saindo mais hesitante do que eu gostaria. — Ela é uma garota, Tory pode enfrentá-la sem problema algum.

Kreese sorriu de canto, um sorriso que não transmitia alegria, mas algo mais sombrio.

— No tatame, não existe certo ou errado, Kwon. Só vencedores e perdedores. E você quer vencer, não quer?

Ele me deu um tapinha no ombro e se afastou antes que eu pudesse responder. E eu apenas fiquei ali, parado no meio do tatame, olhando para o espaço vazio à minha frente enquanto as palavras dele ecoavam na minha cabeça.

"Use as fraquezas dela. Faça com que ela duvide de si mesma."

Eu me senti estranho. Parte de mim reconhecia a lógica no que ele dizia, afinal, o Sekai Taikai não era para os fracos. Mas outra parte... Outra parte simplesmente não conseguia aceitar isso. Não com Calista. Não depois do que eu já tinha feito.

Permaneci ali, imóvel por um tempo, enquanto o dojô ao meu redor se esvaziava. Minhas mãos tremiam ligeiramente, não de medo, mas de uma inquietação que eu não conseguia entender, mesclada com uma raiva que me trazia ainda mais confusão. Kreese tinha plantado uma semente na minha mente, uma ideia perigosa, e agora eu precisava decidir o que faria com ela. Sensei Kim dizia que eu deveria ser justo. Kreese dizia que eu deveria ser estratégico, que tudo valia para vencer. E eu? Eu não sabia mais o que pensar. Tudo que eu sabia era que o rosto de Calista continuava me perseguindo, tanto como uma oponente no tatame quanto como algo... A mais. Algo que eu não sabia como mensurar, mas que me deixava ainda mais confuso, talvez fosse a culpa recaindo de forma clara sobre meus ombros.

Respirei fundo, apertando os punhos com força. Eu precisava decidir o que seria melhor para mim. Para minha equipe. Para o torneio. E talvez... para ela.

Obra autoral ©

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top