⠀𝐎𝐍𝐄, 𝖽𝗋𝖾𝖺𝗆


⠀Os cavalos relinchavam inquietos enquanto vocês desciam pelos numerosos degraus de pedra, sua irmã mais velha à esquerda e seu pai um pouco atrás, acompanhado por um dos guardas reais. Você observou com empolgação o cocheiro descer da carruagem para lhes prestar uma reverência adequada e abrir a porta seguidamente.

⠀─ Eu gostaria de agradecer novamente pela sua permissão, pai! ─ você falou, pulando dos dois últimos degraus e se virando ao homem, que parou para te ver. ─ Achei que nunca me deixaria sair do reino!

⠀─ Eu já lhe disse que você não é uma prisioneira, [Nome].

⠀─ Sei que não!

⠀Só não é o que parecia realmente.

⠀─ Além disso, vai ser bom para você passar um tempo com Hinata ─ continuou ele. ─ Ela pode te ensinar a se portar como tal, certo, Hina?

⠀─ Sim, meu pai ─ respondeu Hinata, abaixando a cabeça.

⠀O homem terminou de descer os degraus e parou ao seu lado. Você o encarou, percebendo que o mesmo se inclinava minimamente para lhe dizer mais alguma coisa.

⠀─ Sua irmã é um exemplo a ser seguido, lembre-se disso. Não deveria existir alguém da realeza como você, que faz o que quiser, quando bem entender, sem antes pensar nas consequências que pode trazer à nossa família ─ ele então se ajeitou, virando o rosto para Hinata, que já estava subindo na carruagem com a ajuda do cocheiro. ─ Espero que entenda isso de uma vez.

⠀─ Eu não quero entender... ─ você sussurrou para si, tentando controlar a frustração que lhe subia pela garganta.

⠀Suspirou profundamente ao desviar o olhar para o outro lado.

⠀Odiava isso.

⠀O modo como seu pai a fazia pensar que sua liberdade era algo a ser evitado.

⠀Você sempre teve uma ideia do quão grande o mundo era, indo bem além da linha que o horizonte poderia proporcionar, e que por isso ele deveria ser explorado. Seu pai, no entanto, impunha limites sempre que podia; mais do que você realmente precisava. Agora que o dia em que você passaria por eles finalmente havia chegado, não deixaria que nada estragasse isso, nem mesmo o seu pai, que aparentemente tentava fazê-lo de propósito.

⠀Jamais se tornaria naquilo que ele queria que você fosse. A que "aceita a tudo sem contestar", como uma marionete perfeita e sem vida.

⠀Um pequeno barulho te afastou dos devaneios, você se virou ao homem de cabelos loiros que tinha tropeçado e quase caído no último degrau. Ele estava com duas enormes bagagens embaixo dos braços, claramente mais pesadas do que ele poderia aguentar.

⠀─ Você está bem? Se machucou? ─ você perguntou preocupada enquanto se aproximava.

⠀─ Eu estou bem, me desculpe!

⠀─ Deixe-me ajudar com isso.

⠀Ele agradeceu com um pequeno sorriso, não contestando a sua ajuda. Os anos de convivência ao seu lado o ensinaram que isso não levava a lugar nenhum, você o faria de qualquer forma. Você pegou uma das bagagens e ele, a outra, então guardaram no compartimento da parte de trás da carruagem, não se importando em momento nenhum com o olhar de descontentamento que o seu pai lhe dirigia à distância.

⠀─ Já estamos indo ─ informou a voz calma de Hinata, embora no momento parecesse um tanto apressada em relação à partida, como se soubesse como você e seu pai trocariam farpas por algo que você escolheu fazer.

⠀Porque ajudar um amigo ─ empregado, sobretudo ─ já era motivo para tal.

⠀─ Tchau, pai ─ você falou, indo até a entrada da carruagem enquanto dispensava qualquer ato de formalidade. ─ Venha, Take!

⠀O loiro te seguiu prontamente, inclinando-se em uma reverência respeitosa ao monarca antes de entrar atrás de você, o cocheiro fechou a porta em seguida, fazendo o mesmo para se despedir.

⠀─ Tenham uma boa viagem ─ foi tudo o que ele disse depois de um longo e paciente suspiro.

⠀Você o olhou pela pequena janela e segurou um sorriso ao ouvir os cascos dos cavalos baterem no chão do lado de fora. Então, a carruagem começou a se mover.

⠀[...]

⠀O caminho até o reino vizinho normalmente durava quatro dias de viagem, no entanto, graças aos seus sucessivos pedidos para descansar, você conseguiu prolongar para mais um dia de viagem. Infelizmente não chegou a mais porque Hinata já desconfiava da veracidade dos seus "enjoôs".

⠀Foram belas tentativas, de qualquer jeito.

⠀Desde o momento em que atravessaram as muralhas que te cercaram a sua vida inteira, você não desgrudou da janela em momento algum, aproveitando e comparando cada mínimo detalhe dos lugares em que passavam com os livros que já leu e fantasiou antes.

⠀E talvez fosse apenas uma impressão sua, mas até o ar que respiravam parecia estar melhorando conforme os cavalos andavam para frente.

⠀Como se você estivesse cada vez menos sufocada à medida que se afastavam.

⠀A vista que a janela proporcionava era sempre o foco de sua atenção, por isso, ficava alheia com facilidade a todas as conversas que se desenrolavam ao seu redor. Campos e vegetações em cada bela nuance de amarelo e verde, plantações vastas de todos os tipos, até pequenos animais das florestas que apareciam e rapidamente voltavam a se esconder sempre que o barulho dos cavalos e da carruagem se aproximavam. Tudo isso era maravilhoso, você simplesmente não conseguia desviar o olhar.

⠀Se pudesse apreciar paisagens como essas todos os dias, sem se preocupar com mais nada... Ah, você definitivamente não sentiria falta de ser chamada de "princesa".

⠀─ Eu conheço aquela igreja ─ Takemichi apontou para uma construção que parecia estar abandonada, o caminho de terra mal existindo para chegar até ela. ─ Isso indica que estamos chegando.

⠀"Estamos chegando"...

⠀Ouvi-lo dizer isso foi como um baque de realidade que te acordou de um sonho bom.

⠀─ Você já veio aqui antes? ─ perguntou Hinata, depois de verificar o lugar ao qual ele se referia.

⠀─ Bom, antes da guerra, eu costumava fazer várias viagens por aqui à serviço do rei.

⠀─ Antes da guerra...

⠀Quando o seu reino ainda estava em todo o seu esplendor...

⠀Por causa da guerra, vocês sofreram inúmeras perdas. Imagens daqueles dias terríveis ainda te assombravam em pesadelos. Havia presenciado muitas mortes, muito sangue.

⠀Uma tristeza inexplicável te inundou ao se lembrar de cada uma delas.

⠀─ Você me parece familiarizado com o reino em que estamos indo, então ─ falou Hinata, Takemichi assentiu com a cabeça. ─ Há boatos, entre os nobres, que o exército deles matou um dragão negro durante a guerra.

⠀Você de repente os encarou, súbita e explicitamente interessada no assunto.

⠀Sempre leu em livros que dragões eram as criaturas mais temidas do mundo, destruíam reinos e conquistavam oceanos com um simples bater de asas. Isso, de alguma forma, sempre te encantou.

⠀─ Não sei dizer se...

⠀─ Está falando sério? ─ você interrompeu Takemichi, os olhando de esguelha. ─ Mesmo que eles não apareçam para ninguém há séculos?

⠀─ Dragões se põem a dormir por vários e vários séculos, [Nome]. O abalo da guerra pode ter despertado um deles...

⠀─ Mesmo assim... Seriam capazes de derrotar uma criatura tão temida e poderosa? O exército deles pode ter alcançado certo prestígio, mas eu duvido que possam chegar a tal nível.

⠀─ Eu realmente não sei sobre isso, mas podemos descobrir quando chegarmos lá, sim?

⠀─ É, eu acho...

⠀Hinata te ofereceu um pequeno sorriso por fim, virando o rosto para a janela e encerrando a discussão por ali, sem mais nem menos. Você fez o mesmo, percebendo que precisava aproveitar aquelas últimas horas de viagem, afinal, quando chegassem ao destino, inevitavelmente se lembraria do quão longe estava esse sonho bom.

⠀Algumas horas depois, você teve que fechar as cortinas ao sentir os vários olhares indiscretos que as pessoas direcionavam à carruagem em que estavam enquanto passavam pela capital movimentada, intimidando-a. Tudo indicava quão pouco o reino recebia visitas, apesar da enorme fama estabelecida após a guerra.

⠀Aproximando-se do imponente castelo com pontas que cutucavam o céu de fim de tarde, você o admirou de longe. Era maior do que o palácio em que vivia, mas lhe proporcionava um sentimento tão ruim. Você só conseguia se perguntar o porquê.

⠀Era como se todos os sentidos do seu corpo estivessem implorando para que fosse embora naquele momento, porém, você tolamente os ignorou.

⠀Assim que a carruagem passou por uma exuberante fonte em cascata e parou diante da entrada, Takemichi se aprontou para abrir a porta. Quando o fez, você pulou para fora tão subitamente que o mesmo quase deixou escapar um grito. Alguns empregados que se aproximavam para recebê-los também se assustaram, o que te fez rir sonoramente.

⠀─ [Nome]! ─ Hinata te repreendeu enquanto descia da carruagem com a ajuda de Takemichi, no entanto, não foi isso o que te silenciou.

⠀Você olhou para uma das várias janelas com a vaga sensação de estar sendo observada.

⠀Mas ninguém estava lá.

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