Sofrimento Silencioso
É mais forte do que eu
Peguei tudo que é meu e reduzi a pó
Mas veja só
Como eu sou incapaz
De reinstaurar a paz
Que nasce com todos nós
Assim que a carruagem parou, você notou que tudo estava extremamente calmo. Apenas um dos seguidores veio te receber para pegar os pesadelos que aos meros olhos fanáticos sempre pareciam cavalos comuns.
--Onde estão todos? -- Sua voz doce logo alcançou o seguidor, que sorriu levemente.
-- Lady, todos estão de folga. O lorde é muito bondoso.
Sabe quando se sente até nos ossos que há algo de errado? Sn Fubuki tinha absoluta certeza de que Douma deveria ter planejado algo terrível para ter se livrado de todos. Involuntariamente, sua respiração pesou enquanto mantinha-se inerte, tentando descobrir com o que se depararia ao adentrar o palácio.
Seu instinto mandava se afastar e foi exatamente isso que fez.
-- Obrigada. -- Ao invés de adentrar o local, virou-se de costas e caminhou para longe. Não teria contato com os pesadelos, pois seria fácil para o loiro te achar. Apesar de estar escuro, você se sentia mais segura no meio da floresta.
-- Como pode essa vida ser tão judiada ao ponto de eu me sentir mais segura aqui no meio dessa escuridão, do que dentro do palácio? -- Um sorriso entristecido passeou por seus lábios, conforme caminhava, erguendo a base do vestido. De fato, não daria para caminhar até a casa de Nefira, já que levaria dias. Resolveu que não importunaria mais ninguém.
-- Eu deveria ter feito isso há muito tempo. -- Sua voz saiu baixa, mantendo-se sempre no caminho da estrada que passa por dentro da floresta. Apesar de estar indefesa, é perspicaz o suficiente para saber que não poderia ir contra animais carnívoros. Isto é, se houvessem alguns dentro da floresta, assim como saqueadores ou meros camponeses dispostos a violar o corpo de uma mulher. E sabia da resposta para o que divagava em sua mente: Nunca os visitou antes, por medo da repressão do demônio ou até mesmo do que ele poderia fazer contra a sua família.
Seus pés cansados exigiram uma pausa e, mesmo contra vontade, você parou, agachando-se para frente, pousando as mãos nos joelhos e ofegando. Já havia perdido a conta de quanto andou.
-- Deus, eu preciso decidir o que farei.-- Parando mais um pouco, encostada em uma árvore, desprendeu seus imensos fios e os trançou, dando nós no processo para encurtar, obtendo o devido sucesso onde eles foram parar na altura da cintura. Fechou os olhos e ao abrir, observou a lua, dando-se por vencida e decidindo de vez para onde iria. Afinal, sempre se corta o mal pela raiz.
[...]
Douma só faltava matar a loira com tanta raiva que sentia, o demônio não costuma descontar nos outros, principalmente nas seguidoras, o que você despertava e para a desgraça de Nala hoje havia se tornado um desses raros dias.
O ápice mais prazeroso para o Lua superior dois sempre será a mais pura dor e ao deixar o quarto da concubina olhou para as gotas de sangue que mancharam o belo rosto.
-- Ah, minha Washi no miko, faz tempo que não ajo desse jeito. Espero que esteja preparada para o verdadeiro inferno. -- Sorriu ao limpar a bochecha e sacudir os leques enquanto os respingos de sangue saiam da peça de ouro, o demônio sorriu se arrumando da melhor forma possível, não que para ele, permanecer belo fosse um esforço.
-- Minha bela Sn, você está com alguns passos de vantagem. Isso será divertido. -- Douma saiu do quarto caminhando lentamente na mente dele apenas vigorava o quanto queria ter o domínio perfeito sobre você.
-- Eu quebrei sua resistência aos poucos, fiz com que sucumbisse e não resistisse a mim e aos poucos você veio, mas esse espírito... Parece que se manter intacto, querida Washi no miko, o que mais terei que quebrar para entender qual é o seu lugar? Afinal, a minha dama não deveria estar tramando tanto, não contra mim.
[...]
Seus pés jaziam inchados quando encarou o portão. Bateu duas vezes com os punhos, praticamente esmurrando em um pedido de socorro. Os guardas que viram de quem se tratava logo abriram a porta, curvando-se diante de ti. Sem dizer uma palavra e com a cabeça erguida, você caminhou pelo local.
A mulher de pele escura, em trajes caros, seus belos olhos verdes recaíam sobre si, os longos cabelos ébano presos em um coque baixo trançado.
-- Kaya. -- sua voz saiu baixa ao se aproximar e ela te apertar entre os braços. Um contato sincero de alguém que a amava como filha, o que te fez desabar em segurança, apertando o corpo farto da mulher e deixando suas lágrimas fluírem ao ponto de soluçar. Havia tanta dor e desmazelo contido em ti, tantos lapsos e desacertos, que a vontade de viver cada dia se fazia mais distante.
-- Minha menina, o que fizeram com você? -- Os olhos que exprimiam uma preocupação sincera e as mãos que te afastaram de leve, apenas para ver o semblante amuado. "Venha, minha filha", aqui seu coração disparou. Se tinha algo que desejava era ser filha daquela mulher. Um ser que realmente se importava com você.
-- Eu não sei se posso ficar, Kaya, o meu marido...
-- Shi... Não diga mais nada. Você sabe muito bem quem eu sou. Continuo enfraquecida, mas pelo menos por uma noite terá descanso e poderemos conversar.
Você assentiu, deixando que a mulher colocasse um casaco pesado sobre seus ombros e a guiasse até o quarto que um dia te pertenceu.
-- Eu quero falar com a minha mãe agora. Eu preciso tirar essa dúvida do meu peito! -- com Kaya não possuía ressalvas em abrir seu coração.
-- Nesse caso -- a mulher balançou um sino de mão e não tardou para uma das empregadas da casa aparecer na porta. -- Lira, acorde sua senhora e diga que estou ordenando que venha aos aposentos de Sn. -- A empregada se curvou e saiu minutos depois enquanto Kaya se levantava e puxava a sua mão.
-- Vejamos, eu preciso levantar uma barreira do tamanho dessa propriedade. Se incomoda em ceder um pouco do seu sangue? -- Apesar de assustada, concordou e assim a mulher fez o necessário. Não demorou para que sua mãe adentrasse o local trajando um roupão sobre a camisola longa, a boa aparência deixava implícito a falta de preocupação com o que ocorria fora dos próprios domínios.
-- Espero que seja urgente para acordar-me de madrugada... -- A voz sumiu ao te ver sentada sobre a cama.
-- O que faz aqui, Sn? -- O olhar assustado te deixava de coração partido. Nunca imaginou que sua mãe pudesse ser tão fria.
-- Não trate-a assim, Nethurns. Sn é apenas uma menina! -- Kaya lhe defendeu. Sua mãe sempre foi rígida em sua criação, te preparando para assumir o poder. No entanto, havia momentos curtos e reservados onde lhe mostrava a doçura.
-- Não se meta, Kaya! Não esqueça que está em minha casa. -- A morena riu com gosto.
-- Coloque-se em seu lugar, sabe muito bem a quem essas terras pertenceram bem antes de você.
Sua mãe respirou fundo diante da verdade. Afinal de contas, não poderia fazer nada contra Kaya Amarantis.
-- Diga o que veio fazer aqui, minha filha. -- A secura chegou a lhe causar tristeza. Será que haviam esquecido tudo o que você fez? Se estava vivendo um verdadeiro inferno, foi justamente para salvá-los!
-- Eu -- comprimiu os punhos. -- Quem é o meu pai? -- O olhar dela exprimiu um espanto absurdo conforme se mantinha presa na porta.
-- Isso é irrelevante.
Kaya gargalhou.
-- Seja sincera com ela. -- Você observou a mulher que agora afagava seus cabelos.
-- Fale, mamãe. Eu vim até aqui por isso. É o mínimo que pode fazer depois de não querer me receber. -- Sentiu uma leveza nos ombros ao ser tão sincera. E, apesar de não demonstrar, a matriarca sentia sua falta. Entretanto, colocava as responsabilidades à frente de qualquer sentimento.
-- Ele foi apenas um caso, Sn. -- Revelou, cruzando os braços. -- Agora deve ir, não deve se afastar do demônio que te honrou.
Seu sorriso de escárnio desaguou em uma sensação impura.
-- Você ao menos se importa? Quer dizer, se não fosse por essa aventura, eu seria uma mulher comum. Mas não. Tinha que desonrar o meu pai e o trair? Ainda por cima me criou para que fosse digna como se esses fossem seus princípios. A senhora é uma grande hipócrita! -- O tapa teria virado o seu rosto para a direita se Kaya não a tivesse detido.
-- Eu ainda sou sua mãe, Sn, me respeite!
-- Ela está com a razão, Luzia. -- Kaya pôs-se a andar. -- Por culpa de uma aventura sua em abrir as pernas para o primeiro desconhecido que se abrigou na sua casa, é que Sn está pagando.
-- Não permito que me julgue, Kaya, você fez o mesmo!
-- A diferença, irmã, é que nunca fui casada. Você traiu o seu marido enquanto estavam brigados e o fardo recaiu sobre Sn. -- apoiou as mãos sobre seus ombros.
-- Não sou uma meretriz, Kaya, e não me arrependo de nada.
-- Óbvio que não se arrepende. Basta olhar para Sn para saber que o homem além de valer a pena deve ter te dado uma noite inesquecível. O problema, sua estúpida, é que você se deitou com um anjo! Sabendo muito bem das restrições de nosso clã. -- Agora a mulher erguia o seu braço, mostrando o bracelete preso à sua pele com a inscrição de Douma.
-- Você sentenciou Sn a isso, sua libertinagem nunca foi um problema, e sim as suas escolhas, querida.
Os olhos de sua mãe se alarmaram, e ela simplesmente baixou a cabeça. Talvez se tivesse contado ou conversado com uma das feiticeiras antes, as coisas seriam diferentes. Mas também compreendia que pagava pelo que fez a Hanâmi. E pela primeira vez, tomada pela culpa em ser tão dura consigo mesma, sua mãe se aproximou. Sentou-se na cama e, sem dizer nada, te puxou para os braços, te prendendo em um abraço sufocante, cheio de remorso e saudade. Queria exprimir tudo sem dizer nada. No fim, fungou, deixando claro que derramara as lágrimas com as quais você nunca a vira.
-- Me perdoe, filha -- rendida, você a abraçou. Afinal de contas, ela era a sua mãe.
-- Vou deixá-las a sós. -- Kaya saiu. A mulher sempre foi da família, mesmo que não possuísse o mesmo sangue que você.
Nessa noite, vocês conversaram, contando aos poucos como foram os seus dias no palácio de Douma, sempre afastando todo o sofrimento e as torturas. Não queria verbalizar para que não voltasse a ocorrer. E, por mais que sua mãe soubesse que estava escondendo algo, não forçou a contar. No fim, tomou um bom banho quente e dormiu tranquila, envolta na proteção que somente uma feiticeira poderia fornecer, mesmo que fosse temporária.
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Douma jazia congelando tudo ao redor da propriedade que um dia você pôde chamar de lar. Os guardas do lado de dentro tremiam de medo conforme notavam o gelo se espalhar em proporções místicas, e mesmo assim o ambiente mantinha-se calmo e sereno.
O Lua Superior dois sentia raiva o consumir enquanto brandia seu leque, criando ventos cada vez mais fortes em rajadas de puro terror. Quando se deu por vencido, percebendo que não poderia quebrar a barreira, apenas se sentou em posição de lótus, espreguiçou-se e bocejou, batendo as longas unhas em um dos joelhos.
-- Vamos ver por quanto tempo essa barreira irá resistir -- fechou os olhos sorrindo lascivamente:
-- Espero que esteja pronta, minha washi no miko, porque tingirei este local com sangue.
Os arco-íris dos olhos dele chegavam a verter-se na mais licorosa malícia ao pensar em como se divertiria. E tudo parecia melhorar quando sentia seu corpo se contorcer sobre a cama em meio a mais um pesadelo.
Não, quanto tempo esperei
Juntei forças pra enfrentar
A guerra de mim mesmo,
pra nunca ganhar
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Música: A maldição - Fresno
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