𝐱𝐢𝐯. 𝘵𝘩𝘦𝘳𝘦 𝘸𝘦𝘳𝘦 𝘯𝘰 𝘩𝘢𝘱𝘱𝘺 𝘦𝘯𝘥𝘪𝘯𝘨𝘴

CAPÍTULO CATORZE
NÃO EXISTIAM FINAIS FELIZES.
NÃO PARA OS GRISHAS.

━━━━ a king is still
a king.










HAVIA UMA ÉPOCA EM QUE ELA COSTUMAVA SONHAR com finais felizes. Havia um tempo em que ela acreditava verdadeiramente que, se ela seguisse todas as regras, mantivesse sua cabeça baixa e falasse o que eles queriam ouvir, ela teria seu final feliz.

Ela havia vivido muitas vidas, tido muitos nomes. A cada vida, um sonho diferente. A cada vida, sua esperança ia morrendo, lentamente, como uma chama que tentava se manter acesa durante uma tempestade. Não existiam finais felizes. Não para pessoas como ela. Não para os Grishas.

Só sobreviva mais um dia, ela costumava dizer para si mesma. Mas era apenas isso que eles tinham: Sobrevivência. Sem vida, sem lar, sem futuro. Por um tempo, isso foi o suficiente. Por um tempo, ela aceitava. Por um tempo, ela acreditava na forma como eles os viam, na maneira como eles os chamavam.

Bruxos, demônios, amaldiçoados. Eles os consideravam monstros que nunca deveriam ter nascido. Mas monstros não poderiam salvar vidas como os Curandeiros, confortar como os Sangradores, produzir como os Fabricadores e proteger como os Etherealki. Entretanto, ela aprendeu que eles só eram capazes de ver o pior em seu povo. O pior que eles causaram.

Então, ela decidiu que, se eles a viam como um monstro, ela seria o monstro que eles tanto queriam. O monstro que ensinaria seu povo a lutar, o monstro que, finalmente, os protegeria. Porque ela sabia que não aguentaria assistir mais um deles morrer somente por ter nascido.

Ela podia sentir seus músculos tremendo. Os galhos que iam de encontro com suas mãos conforme ela os empurrava. Seus pés cansados, enquanto sua mente implorava para que ela continuasse correndo. Existiam muitos deles e poucos dos seus.

Ela conseguia escutar os gritos mesmo estando a alguns metros de distância. Ela esteve ausente só por poucas horas, mas foi o suficiente para que eles achassem o acampamento. E, sem ela, não havia chance. Só sobrevivam, ela pensava.

Quando chegou no local, o fogo se espalhava rapidamente. Haviam corpos em todo seu campo de visão. Corpos de soldados ravkanos e de Grishas. Os últimos moradores do acampamento ainda em pé lutavam com todas as suas forças.

Ela enxergou um dos soldados se aproximando de uma criança. Ele não podia ter mais de dez anos. Ela correu para alcançá-lo, jogando uma de suas facas nas costas do ravkano e outra em sua garganta, segurando o menino Grisha em seus braços.

─ Vai ficar tudo bem. ─ Ela disse, encarando os olhos assustados da criança, o deixando escondido próximo a uma árvore. ─ Eu prometo.

A luz chamava por ela. Clamava para que ela a usasse. Mas ela não podia. Não podia deixar que eles descobrissem sobre ela. Isso tornaria a perseguição ainda mais intensa. Ela viu quando um dos soldados atirou uma flecha em uma Sangradora, a atingindo no coração. Ela o derrubou, enfiando sua faca em seu abdômen.

Um grupo se aproximava dos últimos Grishas ainda resistindo, os dois Aeros manipulavam o ar para se protegerem e o único Hidro usava a água para atrasá-los. O primeiro soldado tentou lutar com ela, desferindo um soco em sua boca. Ela sorriu de lado, sentindo o sangue escorrendo pelos seus lábios.

Ela o chutou no estômago, desferindo socos em sua face. O próximo a agarrou pelas costas, mas a Grisha foi mais rápida, enfiando uma de suas facas em sua perna, ouvindo o grito de dor do ravkano. Pegou a espada que ele carregava, cortando seu peito com sua própria arma.

Mais dois a seguraram pelos braços, a segurando enquanto os outros atiravam suas flechas contra os Grishas. Ela chutou o da sua esquerda, prendendo seu pé em sua perna, forçando para que ela quebrasse. Desferiu um soco no da direita e, em seguida, chutou seu rosto, o nocauteando.

Não havia mais ninguém. Apenas ela. Mais uma vez, ela havia perdido dezenas de vidas. Porque ela não foi forte o suficiente. Então, de longe, ela viu o menino Grisha saindo de seu esconderijo com lágrimas nos olhos, se aproximando lentamente dela.

Ela sorriu para ele. Ele estava bem. Ela havia mantido ele seguro. Mas, então, um dos soldados que ela não havia matado, segurou a criança em seus braços, cortando sua garganta.

Ela gritou. Era um grito de tristeza. Um grito de raiva. E, assim, ela levantou suas mãos, uma lâmina de luz escapou de seus dedos, cortando o soldado no meio.

Os olhos de Anastasia abriram rapidamente, sua respiração ofegante e suas mãos trêmulas. Quase todas as manhãs, ela acordava assustada, seu corpo suado e seu coração acelarado. Seus sonhos se tornavam cada vez mais intensos.

A Princesa pegou seu caderno, desenhando detalhadamente tudo que se lembrava. O acampamento. O menino. As facas. O corte. Ela reconhecia aquele poder. Ela reconhecia a sua luz. Seria possível que os sonhos eram memórias de seu poder? Seria possivel que ela não fosse a primeira Conjuradora do Sol?

Anastasia ainda podia sentir aquela dor, ouvir aqueles gritos. Como se ela tivesse vivenciado aquele momento. A morena encarou suas mãos, observando as faixas de luz que saíam de seus dedos. Seu poder queria desesperadamente se lembrar. Seu poder queria, à qualquer custo, lutar mais uma vez.

SEU OLHAR SE MANTINHA PRESO NA PORTA do salão, enquanto Nadia e Marie conversavam do seu lado, aproveitando seu café da manhã. Os outros Grishas presentes permaneciam atentos aos seus próprios pratos, conversando em seus grupos.

Desde sua vinda para o Pequeno Palácio, Anastasia havia notado como os Grishas não se misturavam. Corporalki apenas se relacionavam com Coporalki, sempre com seus olhares superiores. Os Etherealki conversavam apenas com os seus, assim como os Materialki, algo que a Princesa considerava estranho.

E então, existia Genya. Genya não se encaixava. E, naquela manhã, ela se encontrava preocupada porque a amiga não havia aparecido em sua porta, como fazia todos os dias.

─ Está esperando alguém? ─ Nadia perguntou, chamando a atenção da Conjuradora.

─ Não vi Genya hoje. ─ Anastasia confessou. ─ Pensei que talvez ela gostaria de tomar café da manhã aqui.

Marie negou com a cabeça. ─ Genya não pode comer aqui. ─ Ela afirmou. ─ Não é uma de nós, é uma serva da Rainha.

─ Ela é Grisha. ─ A Princesa respondeu, seu tom claramente irritado.

─ Ela é, mas não é como nós. ─ Marie continuou. ─ E, também, ela deve estar ocupada na cama do Rei. ─ A jovem gargalhou.

Nadia a cutucou, fazendo sinal para que calasse a boca e Marie mudou sua expressão ao perceber o que havia dito. Não pode ser verdade, Anastasia pensou. Ela teria contado, não teria?

"Tome cuidado com homens poderosos." Ela se lembrou do que Genya havia dito. A Artesã estava falando do Rei. Por isso sua mãe a olhava daquele jeito, por sua mãe a desprezava.

Genya era amante do Rei. Não podia ser por vontade própria. Não podia ser o que ela queria e a Princesa faria de tudo para tirá-la daquela situação.

A DOR LATEJAVA POR TODO O SEU CORPO. As feridas em seus dedos ardiam, conforme ela goleava o alvo em sua frente. Luka a rodeava, analisando cada um de seus golpes. O suor escorria por sua testa e sua respiração estava se esgotando.

Ela se lembrava de seu sonho. Era como se seus movimentos haviam se tornado naturais, como se ela já soubesse aquilo há muito tempo. ─ Está melhorando, princesa. ─ Luka afirmou.

A morena revirou os olhos quando escutou o "apelido" que o Hidro gostava tanto de dizer. ─ Ainda vou te bater um dia. ─ Ela respondeu, voltando sua atenção para o alvo.

Luka se aproximou de suas costas, mantendo seus lábios próximos de seu ouvido. ─ Eu ia gostar de te ver tentar. ─ Ele confessou, rindo, fazendo com que a Princesa o empurrasse.

O Hidro segurou sua mão, a puxando para mais perto, analisando os machucados em seus dedos. Ele sinalizou para que ela sentasse, voltando rapidamente com uma faixa.

─ Precisa pedir para um Curandeiro cuidar disso. ─ Ele declarou, assoprando delicadamente as feridas, fazendo com que a morena sorrisse. ─ O que foi? ─ Ele perguntou.

─ Meu irmão... ─ Ela começou. ─ Ele fazia isso quando eu me machucava. ─ Anastasia contou.

O Hidro amarrou a faixa em seus dedos, cobrindo seus ferimentos. ─ Vocês são próximos?

Anastasia suspirou. ─ Costumávamos ser. ─ Ela disse, um tom triste em sua voz. ─ Nikolai sempre cuidou de todos nós.

O Grisha notou o semblante tristonho da Princesa. ─ Foi a minha tia. ─ Ele afirmou. ─ Minha tia que me ensinou isso. ─ Luka contou, percebendo que, pela primeira vez, ele se sentia confortável em contar algo pessoal para alguém. A Princesa sorriu para ele.

─ Onde ela está agora? ─ Anastasia perguntou.

─ Ela mora em Novo Kribirsk, do outro lado da Dobra. ─ Ele afirmou. ─ Eu e Zoya visitamos ela quando conseguimos. ─ Ele finalizou o curativo na mão da Princesa, fazendo um nó.

─ Você e Zoya são muito unidos, não são? ─ Ela questionou, lembrando-se de sua antiga relação com seus irmãos.

O Hidro confirmou com a cabeça. ─ A gente só tinha um ao outro enquanto crescia. ─ Ele contou com um sorriso nostálgico. ─ E você faz muitas perguntas, princesa.

É que você é uma pessoa tão interessante, Nazyalensky. ─ Anastasia disse ironicamente, arrancando uma risada do Hidro. ─ Não te vi no café da manhã hoje. Eu nunca te vejo lá, na verdade. ─ Ela declarou.

─ Prefiro ficar aqui. ─ Luka respondeu, olhando para o lago. ─ Não me sinto em casa lá dentro. ─ Ele confessou.

De longe, Anastasia viu o General chegando no Pequeno Palácio com sua guarda pessoal. ─ Eu preciso ir, Luka. ─ Ela disse, correndo do local antes que o Hidro pudesse respondê-la. Ele assistiu enquanto ela corria na direção do Darkling, abaixando seu olhar e tentando ignorar aquela sensação desconfortável.

Quando ela entrou na sala do General Kirigan, ele estava de costas, analisando sua mesa de guerra. Seu kefta perfeitamente ajeitado e sua postura séria. A Conjuradora bateu duas vezes na porta aberta, chamando sua atenção.

─ Ana! ─ Ele exclamou, sorrindo quando a viu. O General fechou a porta, a puxando para dentro, segurando sua cintura enquanto a beijava.

Anastasia se separou, afastando-se do corpo do Darkling. ─ Está tudo bem? ─ Ele questionou, notando os curativos em suas mãos, a segurando, mas a morena se afastou mais uma vez.

─ Preciso que seja honesto comigo. ─ Anastasia afirmou, recebendo um olhar sério do Conjurador. ─ Sabia sobre Genya e o Rei?

O General suspirou, desviando seu olhar. ─ Sim. ─ Ele respondeu.

─ Ele... ─ Anastasia começou, seu olhar se mantinha triste. ─... Ele a força?

Kirigan afirmou com a cabeça, tentando se aproximar da Princesa, que recusou seu toque. ─ Você sabia e não fez nada? ─ Ela perguntou.

─ Não há nada que eu posso fazer, Ana. ─ Ele confessou. ─ Quando eu dei ela à sua mãe...

Anastasia o interrompeu. ─ Não somos coisas que podem ser dadas à alguém. Não somos objetos. Somos Grishas. ─ Ela declarou.

─ Somos o que eles quiseram. ─ Kirigan afirmou. ─ Já fomos presas, vilões, monstros. Agora somos soldados. É assim que ficamos vivos, Ana. Foi assim que eu consegui construir esse lugar. ─ Ele confessou, segurando as mãos da Princesa. ─ Foi assim que eu nos mantive seguros.

─ E Genya? ─ Ela questionou. ─ Não merece ser protegida? Você é o General, deve ter algo que possa fazer.

─ Acha que não quero fazer nada? Eu tentei. Tentei trazê-la de volta. Tentei manter ele longe dela. Tudo que eu faço... Tudo que eu tento fazer é para nos proteger, mas eu sou apenas o General do Segundo Exército, Ana. ─ Ele disse. ─ Um Rei ainda é um Rei.

O QUARTO DA RAINHA TATIANA ERA UM DOS MAIORES E mais extravagantes cômodos do Grande Palácio. A decoração de ouro era marcante e as criadas que a serviam eram dezenas. Anastasia não queria estar ali, não queria estar entrando voluntariamente no quarto de sua mãe, não queria vê-la, mas sabia que precisava.

Quando a viu, a Rainha se levantou rapidamente, correndo para abraçá-la, não recebendo o gesto de volta. A Princesa mantinha sua expressão fechada enquanto sua mãe fazia um sinal para que as servas se retirassem.

─ Minha filha, eu senti tanto sua falta. ─ Ela disse. ─ Fico feliz que tenha vindo me ver.

─ Não estou aqui por você. ─ Anastasia respondeu, arrancando um olhar triste da Rainha. ─ Preciso de um favor.

─ Claro. ─ Tatiana exclamou. ─ Qualquer coisa.

─ Quero a Genya. ─ A Princesa confessou, uma expressão de surpresa na face de sua mãe.

─ Genya? ─ Ela questionou. ─ Não posso te dar Genya. ─ Ela começou. ─ Eu preciso dela e... ─ A Rainha não conseguiu finalizar sua fala.

─ E ela não é só sua, certo? ─ Tatiana desviou seu olhar.

─ O que aquela garota te disse? ─ A Rainha perguntou. ─ Não deixe ela colocar mentiras na sua cabeça.

A Princesa soltou uma leve risada. ─ Mentiras?! ─ Anastasia continuou. ─ Ela era só uma criança quando você recebeu ela. Você devia ter a protegido. Devia ter cuidado dela!

Lágrimas começaram a escorrer pelo rosto da Rainha. ─ Mas você preferiu fechar seus olhos. ─ Alguns raios de luz começavam a se espalhar ao redor de Anastasia. ─ É isso que você faz. Você foge. ─ A Princesa disse. ─ Permitiu que eu vivesse uma mentira minha vida toda porque era mais fácil. Fui mandada embora e você nem era capaz de me visitar. Eu te lembrava do seu erro. Eu sou parecida demais com o seu amante, não é?

─ Anastasia, pare! ─ A Rainha exclamou, o quarto se encontrava quase completamente iluminado. A Conjuradora se assustou, ela não havia notado que tinha perdido o controle de seu poder e, assim, toda a luz se apagou.

─ Eu sinto muito. ─ Ela afirmou. ─ Eu sinto muito, Ana. Sinto muito que você esteja pagando pelos meus erros. ─ Tatiana declarou. ─ Eu não sabia sobre seus poderes, eu não sabia que ele havia tentado te machucar. Eu não tive outra escolha.

─ Tinha uma escolha. ─ Anastasia respondeu, reprimindo as lágrimas que se formavam em seus olhos. ─ Podia ter me contado a verdade, mas como sempre você escolheu a si mesma.

A Grisha deu às costas para sua mãe. ─ Quero Genya no Pequeno Palácio até a noite, tenho certeza que você vai dar um jeito. ─ A Princesa afirmou, escutando o choro de Tatiana.

─ Isso não vai impedir que ele a veja, Anastasia. ─ Sua mãe disse, limpando suas lágrimas. ─ Um Rei sempre tem o que quer.

A morena cessou seus passos, encarando a Rainha. ─ E você é parecida com ele. ─ Tatiana continuou. ─ Seu pai de verdade. Eu o amei, Ana. Amei muito.

─ Ele... ─ Anastasia respirou fundo. ─ Ele é Grisha?

─ Não, ele não é como você. ─ A Rainha contou. ─ Não existe alguém como você.

Anastasia saiu do quarto, permitindo que suas lágrimas escapassem. Ela chorou, encostada na parede do corredor. Ela se sentia incapaz, impotente, sozinha. Não era capaz de proteger Genya, não tinha poder para tirá-la das mãos e a única pessoa que ela pensou que poderia ser igual à ela, não era Grisha. Não existe alguém como você, a frase de sua mãe ecoou em seus pensamentos. Mas, talvez, algum dia, havia existido.

NAQUELA NOITE, A ARTESÃ DA RAINHA TATIANA foi recebida no Pequeno Palácio e um quarto foi designado à ela. Genya ainda era serva da família real, mas agora residia onde sempre foi seu verdadeiro lugar. Anastasia não tinha ido vê-la. Apesar da mudança, ainda sentia que havia falhado com Genya.

O barulho de alguém batendo em sua porta fez com que ela se levantasse. Ao abrir, se deparou com Kirigan, estendendo sua mão para ela. ─ Vem. ─ Ele disse enquanto ela entrelaçava sua mão na dele.

Ele a levou para uma parte afastada em volta do Pequeno Palácio, haviam algumas árvores e, no chão, uma manta em que ele se sentou, a chamando para se sentar ao seu lado. Em cima deles, havia uma noite cheia de estrelas.

─ Pensei que fosse precisar disso. ─ Ele disse, se deitando e puxando Anastasia para perto. ─ Sei como está se sentindo. ─ Ele afirmou, passando seus dedos pelos cabelos da Princesa.

─ Me desculpe por hoje. ─ Ela pediu. ─ Eu sei que você protegeria ela se pudesse. Eu sei como você quer proteger todos nós. ─ Anastasia contou e Kirigan beijou delicadamente sua testa.

─ Você fez muito mais que eu, Ana. ─ O General confessou.

─ Isso vai tornar mais difícil que ele a veja. ─ Ela começou. ─ Mas não impossível. ─ A morena suspirou, se sentando. ─ Talvez quando tudo isso acabar, essa Guerra, a Dobra, todos que não quiseram mais lutar poderão ir embora. ─ A Princesa declarou. ─ Genya não vai mais precisar ser uma serva.

Kirigan se sentou. ─ As pessoas fora desses muros, Ana, ainda nos veem como inimigos. Eles ainda têm medo de pessoas como nós.

─ Mas se um Grisha destruir a Dobra, se um Grisha acabar com a Guerra, as coisas vão mudar. ─ A morena disse. ─ Eles só precisam entender que não somos uma ameaça.

O General a encarou por alguns instantes, lembrando que as mesmas palavras já saíram de sua boca tantos anos antes, pensando como aquele sonho impossível tirou tantas vidas. Mas, talvez, não fosse tão impossível, talvez Anastasia o tornaria possível. Entretanto, ele não podia permitir que se sentisse assim.

Ele segurou a mão de Anastasia, fazendo com que seu poder aparacesse, iluminando tudo à sua volta. ─ Quando eu era uma criança, eu morei em um vilarejo com outros Grishas que se escondiam de fjerdanos. ─ Kirigan contou. ─ Eu confiei em uma deles, uma criança assim como eu.

─ Contei a ela que eu era um amplificador, deixei ela ver meu poder. ─ Anastasia prestava atenção em cada palavra, vendo o semblante triste se formar na face do General. Era por isso que ela conseguia Conjurar tão fácil quando Kirigan a segurava. Ele era um amplificador, algo que ela nem sabia que era possível.

─ Ela e outras crianças tentaram me afogar em um lago. Eles queriam meus ossos. ─ O Conjurador disse. Uma dor invadiu a cabeça de Anastasia, como se uma faca estivesse a cortando de dentro para fora. Ela soltou um gemido de dor e o General a olhou preocupado.

─ Ana, está tudo bem?! ─ Ele perguntou, segurando seus braços. Sua cabeça latejava e ela sentiu um aperto em seu coração, escutando apenas um sussurro em seus pensamentos que ela não conseguiu entender.

─ Acho... ─ Ela começou. ─ Acho que sim. ─ Ela disse, passando a mão por sua testa. ─ Acho que foi só uma dor de cabeça. ─ Anastasia afirmou. ─ Está tudo bem.

─ Tem certeza? ─ Kirigan questionou e a Conjuradora confirmou com a cabeça.

─ E o que aconteceu? ─ Ela perguntou, ignorando a sensação estranha que crescia em seu peito.

─ Eu lutei para sobreviver. ─ O General declarou. ─ E eu nunca os culpei, Ana. Estavam desesperados para se protegerem. ─ Ele suspirou. ─ O que você disse pode acontecer. Mas sempre vai existir Fjerda e Shu-Han. Sempre vai existir alguém que nos persiga.

─ Mas agora, nós vamos conseguir protegê-los. ─ Ele disse, acariciando a bochecha de Anastasia. ─ Eu e você.

E, olhando para Kirigan, Anastasia se lembrou como nunca se sentia sozinha perto dele. Existia alguém igual à ela. Existia alguém que a entenderia. Ela sabia, naquele momento, enquanto o observava embaixo das estrelas, que ela amava a noite, assim como amava a escuridão do Darkling.

─ Eu te amo. ─ Ela disse e um sorriso se formou nos lábios do Conjurador.

Ele a beijou, a segurando pelo pescoço, repousando a outra mão em sua cintura. Quando eles se separaram, ele manteve sua testa colada na testa de Anastasia, ainda com um sorriso em seu rosto. ─ Eu te amo, Anastasia.

E, assim como a Lua amava o Sol, Aleksander amava Anastasia.

ANASTASIA NÃO TEVE SONHOS NAQUELA NOITE. Mas, ao amanhecer, aquele sussurro permanecia a atormentando e, apesar de a estranha dor de cabeça ter passado, o aperto em seu coração ainda estava presente.

Quando Genya abriu a porta de seu novo quarto, deparou-se com a Princesa escondida atrás das porções de comida que carregava em potes. Ela a ajudou a segurar, encarando Anastasia com confusão em seu olhar.

─ Vamos. ─ Anastasia disse. ─ Nós vamos comer juntas agora.

Ela seguiu a Princesa pelos corredores do Pequeno Palácio e, em seguida, na direção da floresta que cercava o local. ─ Ana, eu preciso te agradec... ─ A Conjuradora a interrompeu.

─ Não precisamos falar sobre isso. ─ Ela declarou e Genya sorriu, se sentindo aliviada.

Elas se aproximaram do lago, onde Luka Nazyalensky se encontrava sentado e, quando notou as Grishas, as olhou surpreso. Anastasia colocou um dos potes nas pernas do Hidro e se sentou ao seu lado, sendo seguida pela ruiva.

E, assim, os três comeram juntos. Nem o Hidro, nem a Artesã questionaram a atitude da Princesa, mas ambos se sentiam, pela primeira vez, em casa, assim como Anastasia.

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