𝐱𝐢𝐢. 𝘵𝘩𝘦𝘳𝘦 𝘸𝘦𝘳𝘦 𝘯𝘰 𝘴𝘵𝘢𝘳𝘴 𝘵𝘩𝘢𝘵 𝘯𝘪𝘨𝘩𝘵

CAPÍTULO DOZE
NÃO HAVIAM ESTRELAS NAQUELA
NOITE

━━━━━ dear Nikolai...


















AS CHAMAS ILUMINAVAM A NOITE ESCURA QUE A CERCAVA. O vento gélido se chocava contra a vegetação densa, levando consigo as folhas frágeis e os galhos quebradiços. Ela podia sentir seus batimentos cardíacos acelerados, sua respiração ofegante e o suor que escorria pela sua face. Mas seus olhos permaneciam fixados no mesmo lugar.

Os únicos sons que invadiam seus ouvidos eram os gritos. Mães implorando para que não machucassem seus filhos, crianças assustadas suplicando por seus pais, pessoas clamando por suas próprias vidas. Era como se todos os pedidos de ajuda se misturassem em um só, amaldiçoando seus pensamentos, a culpando por não fazer nada.

Todo o seu corpo tremia. Por mais que ela tentasse se mover, dizendo para si mesma que precisava ajudá-los, seus pés se mantinham fixos no chão, a prendendo atrás da árvore que ela usava como cobertura. Ela sabia o que era. Medo. O medo a segurava, a tornava prisioneira da sua própria mente.

Mas o seu olhar também não se movia, ele não fugia. De longe, ela observava enquanto o local que havia chamado de lar nos últimos meses era destruído por fjerdanos. Ela assistia enquanto eles arrastavam os Grishas, ainda vivos, para uma enorme fogueira, os queimando. Em seus últimos suspiros, ela ainda conseguia ouvi-los implorando por algum milagre, por algo que pudesse salvá-los. Implorando por ela.

As lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto. Sua respiração falhava ao mesmo tempo que a dor em seu coração aumentava. Quando uma mão tocou em seu ombro, ela manteve seu olhar nas chamas. O fogo havia levado tudo. O fogo havia levado todas aquelas vidas.

─ Você ainda é nova. ─ A voz feminina, um pouco mais madura, soou em seu ouvido. ─ Um dia você vai entender que é isso que eles fazem... eles morrem. ─ Ela continuou. ─ Eles não são fortes como você e eu. Nunca serão. ─ Ela afirmou. ─ Eles não merecem suas lágrimas.

─ Não precisa ser assim. ─ A jovem respondeu.

─ Não importa o que você faça, eles sempre vão virar poeira. ─ A mulher disse. ─ E você vai continuar aqui. Aprenda a controlar seus sentimentos, aprenda a esconder a sua dor, aprenda que você não é como eles. Você não é fraca.

Os punhos da jovem se fecharam. Não havia mais tristeza, não havia mais luto. Tudo que existia dentro dela era ódio. Ela prometeu que não teria mais medo. Ela prometeu que aquele fogo não queimaria por toda a eternidade. Antes de olhar pela última vez para seu antigo lar, ela encarou o céu. Não haviam estrelas naquela noite, da mesma forma que não havia mais vida naquele lugar.

Seus pulmões clamavam por ar quando seus olhos, finalmente, se abriram. Ela passou as mãos pelo seu pescoço, analisando minuciosamente tudo a sua volta, deparando-se com seu quarto sendo iluminado pelo nascer do Sol que, lentamente, invadia o cômodo pela janela.

Ela garantia a si mesma ─ inúmeras vezes ─ que estava bem. "Está tudo bem." Ela murmurava em seus pensamentos. Recuperava seu fôlego lentamente, abraçando seu próprio corpo. "Foi só um sonho."

A morena abriu a gaveta do criado mudo ao lado de sua cama, pegando o pequeno caderno que se encontrava escondido embaixo de seus outros pertences. Procurou uma página em branco, passando seus olhos por todos os desenhos que já havia feito.

Em uma das últimas folhas, desenhou o que se lembrava de seu sonho. O fogo, as mortes. Ela ainda sentia as chamas queimando próximo a sua pele e o medo congelando seus movimentos. Escreveu, ao lado de seu desenho, a frase que ainda ecoava pelos seus pensamentos. "Você não é fraca."

Anastasia soltou um suspiro, passando a mão pelos seus cabelos escuros. Os sonhos haviam mudado desde a descoberta de seu poder. Continuavam a aterorrizá-la, mas agora pareciam estar contando uma história. Uma história que ela sentia que precisava entender.

A princesa se levantou, colocando o caderno de volta ao seu esconderijo. Abriu delicadamente as cortinas, soltando um leve sorriso quando a luz começou a tocar seu corpo. Duas semanas já haviam se passado e ela ainda não tinha se acostumado com aquela sensação. A sensação de estar viva pela primeira vez.

Ela podia sentir o poder que corria em suas veias, a alimentando, implorando para que ela o libertasse. Entretanto, toda vez que a morena tentava, apenas faíscas escapavam de suas mãos.

Ela se sentou em sua escrivaninha, pegando um pedaço de papel e molhando a ponta de sua caneta na tinta. Já havia se tornado parte de sua rotina. Todo dia ela escrevia. Todo dia ela esperava por uma resposta. Uma resposta que ainda não havia chegado.

"Querido Nikolai." Ela começou, deslizando a tinta pela página. "Já perdi a conta de quantas vezes te escrevi. Já perdi a conta de quantas vezes encarei as portas do Palácio esperando que você passasse por elas, me abraçasse e dissesse que tudo vai ficar bem. Que ainda somos uma família. Que eu não te perdi também."

Anastasia respirou fundo, controlando sua mão trêmula. "Os sonhos continuam, acredito que estou perto de começar a entendê-los, mas preciso de sua ajuda. Vasily ainda me ignora, recusa minhas visitas e finge que eu não existo. Por favor, me diga que não está fazendo o mesmo. Preciso que volte para casa, Niko. Preciso de você."

Sua escrita foi atrapalhada pelo barulho de sua porta sendo aberta bruscamente. Quando direcionou seu olhar para o fonte do som, se deparou com a figura ruiva adentrando seus aposentos, sendo seguida por algumas mulheres uniformizadas, cada uma segurando uma roupa diferente.

─ Não sei porque ainda tenho esperança que um dia você vai começar a bater na porta antes de entrar. ─ Anastasia admitiu com um sorriso em seu rosto.

Genya gargalhou. ─ Esse dia não vai chegar, princesinha. ─ Ela afirmou, sabendo que a morena odiava quando ela a chamava assim. ─ Enviados pela Rainha. ─ A ruiva disse, apontando para as inúmeras vestes agora repousadas em cima de sua cama.

Anastasia agradeceu as servas do Palácio conforme elas se retiravam, analisando as roupas mandadas por sua mãe. Todos vestidos chamativos com cores diferentes. Ela sorriu de lado quando pensou como eram a cara da Rainha de Ravka.

─ Ela pediu para vê-la, Ana. ─ Genya começou, tendo um semblante sério em sua face. ─ De novo.

A Princesa suspirou. ─ Já sabe a resposta. ─ A morena respondeu, sentando-se ao lado da ruiva. ─ Não quero vê-la. ─ Seus olhos encararam as roupas mais uma vez. ─ E nem nada vindo dela.

Genya repousou sua mão sobre a mão de Anastasia. ─ Ana, eu sei que a Rainha não é a melhor pessoa do mundo. ─ A Grisha afirmou. ─ E sei que ela te magoou, mas talvez devesse dar uma chance para ela se explicar. ─ A ruiva continuou. ─ Ela ainda é a sua mãe.

─ Mãe? ─ Anastasia questionou. ─ Ela mentiu para mim minha vida inteira, me deu uma coroa que não é minha e continuou fingindo que tinha uma família perfeita.

─ Um dia, Ana, você vai entender. ─ Genya disse. ─ Vai entender que as vezes as pessoas erram porque não têm outra escolha. Elas fazem o que acham que precisam fazer.

Os olhos tristes da ruiva estavam voltados para a Princesa, que notou a mágoa em seu olhar. ─ Mudando de assunto. ─ Genya começou, abrindo um belo sorriso. ─ Está ansiosa?

─ Pelo o que? ─ A morena perguntou, dando as costas para Grisha, tentando fugir do assunto.

─ Ah! Não sabe? ─ Genya questionou sarcasticamente e a Princesa sentiu suas bochechas esquentarem. ─ Um certo General retorna de viagem hoje.

─ Não sei do que está falando. ─ A morena respondeu, recebendo uma almofada em sua face. ─ Tudo bem! Talvez esteja um pouco ansiosa. ─ O rosto de felicidade de Anastasia não passou despercebido pela amiga.

─ Fico feliz que você está feliz, Ana, de verdade. ─ A Grisha confessou. ─ Desde que o conheceu, você sempre tem esse sorriso. ─ Ela continuou. ─ Mas quero que me prometa que vai tomar cuidado.

─ Com o quê? ─ A morena perguntou.

─ Homens poderosos, Ana. ─ Ela afirmou, desviando seu olhar. ─ Eles não são sempre o que achamos.

─ Genya, tem algo para me contar? ─ Anastasia pediu, se aproximando mais da ruiva.

Antes que a Grisha pudesse respondê-la, uma batida na porta chamou a atenção de ambas. ─ Nada, eu só me preocupo com você. ─ Ela confessou, mudando sua feição. ─ Está na hora de ir, Princesa. ─ Genya disse, arrastando Anastasia para fora de seus aposentos.

duas semanas que Anastasia fazia suas refeições junto com os outros Grishas. Não era sua parte preferida do dia. Apesar de alguns serem gentis com ela ─ como Nádia e Marie ─, a maioria a olhava com desprezo. Muitos deles sussurravam como ela era uma farsa e, os que acreditavam em seu poder, comentavam sobre a legitimidade de seu título como Princesa.

Às vezes, ela se considerava uma farsa, afinal, seus poderes só despertavam perto de Kirigan. E, às vezes, ela acreditava que não merecia aquela coroa. Era apenas uma bastarda. Uma bastarda com um poder que não entendia e sonhos que a assombravam.

Em todas as ocasiões, implorava para que Genya se juntasse a ela, mas sempre recebia a mesma resposta. A Artesã dizia que ali não era o seu lugar e, infelizmente, Anastasia entendia sua resposta.

A ruiva não tinha uma cor como os outros Grishas, não treinava com eles e, nem ao menos, vivia no Pequeno Palácio. Ela era uma serva que seguia as ordens da Rainha. Só depois de não ter uma cor também que a Princesa entendeu a dor de Genya. Era como não ter uma família. Como não se encaixar nem mesmo dentro de seu povo.

Anastasia usava um vestido em baixo de seu kefta azul com bordados dourados. Era obrigada a se vestir como princesa porque ainda era representante de Ravka e, também, não podia abrir mão da vestimenta Grisha. E, ironicamente, ela não se sentia Grisha, nem princesa.

As cores tinham sido feitas para ela, mas ela não sentiam que eram dela. Se sentia apenas diferente. Como se usasse coisas que não pertenciam à ela.

No momento em que chegou no Salão, todos os Grishas presentes se levantaram para se curvarem à ela ─ uma formalidade que Anastasia odiava profundamente. Se sentou em seu lugar de sempre, entre Nadia e Marie, ouvindo as conversas, até divertidas, que elas tinham.

Podia sentir o olhar de Ivan à sua frente, a encarando, como sempre fazia. Ela sabia o que ele queria. Queria que ela fizesse alguma coisa. Qualquer coisa. Todos ali queriam, principamente Anastasia.

Todos os olhares se voltaram para as três figuras que adentravam o cômodo. Na frente, com seu kefta preto e sua feição séria, Kirigan caminhava em direção às grandes portas escuras com seu símbolo.

A Princesa sorriu, esperando que o olhar do General encontrasse o seu, mas ele continuou focado em seu destino. Atrás dele, havia uma das mulheres mais lindas que Anastasia já tinha visto. Seus longos cabelos pretos brilhavam, seus lábios vermelhos formavam um pequeno sorriso e seu andar era repleto de confiança.

Ela se perguntava quem era a Grisha que trajava o kefta azul com bordados prateados. Atrás dela, um homem alto, seus cabelos castanhos claros enrolados, sua barba que complementava sua beleza e seus olhos... Seus olhos azuis que estavam voltados apenas para Anastasia. Como se a enxergasse completamente.

Pela cor azul de seu kefta e os bordados azul claro, a Princesa sabia que ele era um Hidro e, não pode deixar de pensar como sua habilidade combinava com a cor penetrante de seus olhos.

─ São os irmãos Nazyalensky, Zoya e Luka. ─ Ela escutou a voz de Nadia invadir seus ouvidos. ─ Os soldados de maior confiança do General.

─ Se eu fosse você, me manteria longe deles. ─ Marie complementou, enquanto o olhar de Anastasia permanecia fixa no azul de Luka.

Quando a noite chegou, soldados da guarda particular do General Kirigan bateram em sua porta, afirmando terem ordens para acompanhá-la até a sala do Conjurador das Sombras.

Conforme se aproximava das portas do Darkling, seu coração batia mais rápido. Ela não o via há dias. E, em suas piores noites, ela sentia que apenas ele a entenderia. Que ele era o único que estaria ao seu lado.

─ Princesa Anastasia. ─ Ela escutou a voz de Kirigan assim que entrou no cômodo, deparando-se com ele fazendo uma pequena reverência e, ao seu lado, o Hidro que havia visto mais cedo. ─ Obrigada por se juntar a nós. ─ Ele afirmou formalmente, oferecendo seu braço para ela.

Ela não gostava quando ele era formal, mas entendia que era necessário manter a postura quando outras pessoas estivessem presentes. ─ Esse é Luka Nazyalensky, ele será seu treinador a partir de amanhã. ─ O Darkling continuou. ─ Confio que estará em boas mãos com ele.

Anastasia não podia treinar com os outros Grishas, já que apenas poucos indivíduos tinham o conhecimento de que ela havia descoberto seu poder recentemente. A história espalhada pelo Rei foi a que ela passou sua vida inteira se preparando para ser a Conjuradora do Sol.

─ É um prazer, Princesa. ─ Ela escutou a voz rouca de Luka pela primeira vez. Ele se curvou, pegando a mão de Anastasia e beijando delicadamente.

─ Por favor, me chame de Ana. ─ Ela afirmou. ─ E não precisa se curvar. ─ Os olhos de Luka a encararam cheios de curiosidade e, por fim, o Hidro assentiu.

─ Pode nos deixar à sós agora, Luka. ─ Kirigan disse, sua voz forte soava como uma ordem. O Hidro deixou a sala, não sem antes olhar para Anastasia pela última vez, o que não passou despercebido pela Princesa.

Antes que ela pudesse se virar para falar com Kirigan, ela sentiu a mão do Conjurador segurar a parte de trás de seu pescoço, a puxando para perto e juntando os lábios dos dois. Ele a empurrou para a parede, segurando seus cabelos e a beijando intensamente.

Suas bocas se afastaram, buscando ar. O Conjurador manteve sua testa colada com a de Anastasia. ─ Senti a sua falta, Ana. ─ Ele disse, arrancando um sorriso da morena.

─ E eu a sua. ─ Ela respondeu, sentindo Kirigan selar seus lábios novamente. ─ Como foi a viagem? ─ Anastasia questionou, mantendo sua mão junto com a do Conjurador.

Kirigan baixou seu olhar, um semblante triste em seu rosto. ─ Não tenho boas notícias, Ana. ─ Ele confessou. ─ Essa guerra... estamos perdendo tantas pessoas. ─ A Princesa estremeceu. ─ Mas com a notícia da Conjuradora do Sol, conseguimos mais aliados.

─ Eu sinto muito, Kirigan. ─ Ela disse. ─ Mas eu não consigo. ─ Anastasia afirmou, segurando as lágrimas que se formavam em seus olhos. ─ Eu tento, mas nada acontece, não sem você perto. ─ Ela disse, esticando suas mãos e mostrando as pequenas faíscas que escapavam de seus dedos. ─ Não sou quem você esperava.

O General colocou as duas mãos no rosto de Anastasia, fazendo com o que ela o olhasse. ─ Você é muito mais do que eu esperei, Ana. ─ Ele afirmou, limpando a lágrima que escorria pela bochecha da princesa. ─ Seus poderes vão aparecer. Eu prometo.

─ Não temos mais tempo. ─ Ela respondeu. ─ Eu já li todos os livros da biblioteca, não entendo o que tem de errado.

O Conjurador suspirou. ─ Não é fácil aceitar quem somos. Não é fácil aceitar que somos diferentes, eu sei disso. ─ Ele continuou, depositando um beijo em sua testa. ─ Talvez você precise se desprender de seu passado para aceitar quem você é. Não deixe ninguém te prender, Ana.

"Talvez você precise se desprender de seu passado." A voz de Kirigan ecoava pelo seus pensamentos enquanto ela caminhava de volta para seu quarto. Os primeiros raios solares já haviam aparecido quando ela se sentou em sua escrivaninha.

Anastasia encarou por vários minutos a carta que havia escrito para Nikolai no dia anterior. Pensou em Vasily, em sua mãe e no Rei. Pensou em como ela tentava desesperamente manter uma família que não existia. Em como ela estava presa em seu passado que era uma mentira.

Amassou o papel, o jogando no lixo ao seu lado. Pegou uma página em branco. Uma carta de despedida. Um adeus para Nikolai. Um adeus para seu passado.

"Querido Nikolai. Essa é a última carta que escrevo para você." Ela começou, soltando um longo suspiro. "Não posso mais esperar que você me salve, não posso mais esperar que você vai tornar tudo melhor, como fazia quando éramos crianças. Não posso mais esperar por alguém que não está aqui por mim. Não mais.

As lágrimas molhavam o papel conforme ela escrevia e, aquelas palavras, a machucavam lentamente. "Não quero mais viver nas memórias do nosso passado. Prometemos ficar juntos e, no final, eu fiquei sozinha. Talvez eu escrevi todas essas cartas porque não queria admitir que, assim como Vasily, eu te perdi há muito tempo. Mas eu não vou me perder também. Eu sempre vou te amar, Niko, sempre."

Anastasia dobrou o papel, o colocando delicadamente dentro de um envelope. Abriu a última gaveta de sua mesa, o guardando ali, escondido entre suas coisas. Adeus, Nikolai, ela sussurou.

E, com toda a dor que sentia em seu coração, Anastasia conjurou a luz, sozinha e por vontade própria, pela primeira vez.

gifset por sweetbirdyy

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