𝐢. 𝘵𝘩𝘦 𝘧𝘳𝘢𝘨𝘪𝘭𝘦 𝘱𝘳𝘪𝘯𝘤𝘦𝘴𝘴

CAPÍTULO UM
A PRINCESA FRÁGIL

                     
                             ━━━━━ what does it mean
                                                 to be weak?


















O SOM DOS TROVÕES ECOAVA EM SEUS OUVIDOS. A forte chuva que caía impedia que ela tivesse uma visão do lado de fora, a única coisa que ela conseguia enxergar era a água escorrendo pelas janelas embaçadas pela neblina.

Ela conseguia escutar o vento se chocando contra a sua carruagem, desestabilizando o veículo em alguns momentos. A tempestade significava que ela estava perto de seu destino. O clima já havia mudado.

No sul de Ravka, próximo a fronteira com Shu Han, o tempo costumava ser mais quente e seco. No Leste, o inverno predominava. Chuva, neve e frio eram características de Os Alta, a capital do país.

Ela sentiu quando a carruagem parou e, no meio de uma névoa e de uma chuva densa, conseguiu enxergar uma casa ─ aparentemente abandonada ─ com uma singela luz em uma de suas janelas.

A porta de sua carruagem abriu e ela se virou para encarar a figura masculina que trajava um ketfa vermelho com bordados pretos. Pelas suas vestes, ela o identificou como um Sangrador.

─ Princesa Anastasia. ─ Ele disse, fazendo uma reverência enquanto o vento bagunçava seu cabelo e as gotas de chuva tocavam sua roupa. ─ Vamos precisar passar a noite aqui, pelo menos até a tempestade passar. Não é seguro viajar dessa maneira. Nos desculpe pelo inconveniente.

A Princesa soltou uma leve risada. ─ Por que está se desculpando? Você não consegue controlar o tempo. ─ Anastasia argumentou, arrancando um sorriso tímido do soldado Grisha.

─ Vou pedir para que os criados arrumem uma das camas da casa para a Senhorita descansar. ─ O soldado afirmou, fazendo uma reverência e se preparando para fechar a porta da carruagem.

Antes que o Sangrador desse as costas para ela, a voz de Anastasia chamou sua atenção. ─ Não! ─ Ela exclamou, fazendo com que o Grisha a olhasse. ─ Não é necessário, eu vou ficar na carruagem.

O soldado chegou a abrir a boca, pensando em argumentar, mas quando notou que a princesa abriu um livro e voltou sua atenção para a leitura, ele soube que não adiantaria tentar fazer ela mudar de ideia.

─ O que está fazendo? ─ Anastasia perguntou, tirando seus olhos do livro, quando notou o Grisha se sentando à sua frente.

─ Não posso deixá-la sozinha, Princesa Anastasia. ─ A jovem o olhou com expressão aborrecida. ─ Ordens da Rainha.

Anastasia soltou um suspiro, fechando o livro em seu colo e olhando para o soldado. Ela odiava se sentir um fardo para as pessoas a sua volta e era assim que ela havia se sentindo a vida toda. Mas não era culpa do Grisha, ele estava apenas cumprindo ordens.

─ Tudo bem. ─ Ela afirmou com um sorriso de lado em sua face. ─ Mas, por favor, me chame só de Anastasia. ─ A jovem pediu e o soldado assentiu. Ela achava as formalidades reais irritantes. ─ Qual o seu nome?

─ Fedyor, Prin... ─ Antes que ele pudesse continuar, ela o lançou um olhar fuzilador. ─ Anastasia. ─ Feydor corrigiu, notando o sorriso que se formou no rosto da princesa.

─ Então, Feydor, me conte... ─ Anastasia começou a dizer, inclinando seu corpo para frente, seus olhos lembrando olhos de criança, cheios de curiosidade. ─... como é a vida no Palácio?

A Princesa Anastasia nasceu em um dos dias mais ensolarados de toda a história de Ravka. Ela foi um raio de Sol em um inverno marcado pela escuridão.

A terceira filha do Rei Alexander III e da Rainha Tatiana ─ logo depois de Vasily e Nikolai ─ não herdou a aparência dos Lantsov. Os cabelos loiros deram lugar para cabelos escuros como a noite. Seus olhos lembravam um céu noturno estrelado, substituindo os olhos claros da família real.

Mas, outra coisa que ela não herdou de sua linhagem, foi a saúde. Aos cinco anos de idade, os sinais da saúde frágil da princesa começaram a aparecer.

Primeiro foram o cansaço extremo e a incapacidade de ter longas noites de sono. Depois, a dificuldade para se alimentar e as tosses carregadas de sangue.

A Princesa, que costumava ser uma criança alegre e cheia de vida, se tornou uma menina que raramente tinha permissão para sair de seu quarto. Sua única companhia era uma Artesã ─ que tinha aproximadamente sua idade ─ e era responsável por esconder o rosto debilitado de Anastasia.

Então, alegando que a fraqueza de Anastasia a tornaria um alvo fácil para os inimigos da Coroa, o Rei a mandou embora para viver na casa de uma Duquesa viúva, no sul de Ravka.

E, com o passar dos anos, Anastasia entendeu que seu pai não a mandou embora por ela ser fraca e sim, porque esquecer que ela existia era o caminho mais fácil para ele. Afinal, como ele mesmo disse inúmeras vezes, ela não tinha nenhuma utilidade.

O que significa ser fraca? Anastasia passou 14 anos de sua vida fazendo essa pergunta. Isso era tudo que falavam para ela. Os curandeiros, os criados, seus pais. Que ela era frágil como um pedaço de vidro.

Ela foi considerada uma garota quebrada antes mesmo de quebrar.

Princesa Anastasia, a princesa frágil. Era assim que ela era conhecida por todo o país. Crescer com todas as pessoas ao seu redor a tratando como algo que a qualquer momento pudesse quebrar não foi fácil.

Ela lembrava de passar horas na janela de seu quarto, observando as outras crianças do vilarejo brincarem e, quando a noite chegava, ela olhava para as estrelas, desejando ser alguém diferente.

A solidão havia sido sua companheira em todos esses anos. Sua mãe a visitava uma vez por ano, seus irmãos enviavam cartas toda semana e seu pai... ele nunca apareceu.

E, enquanto todos a chamavam de fraca, ela buscou fortalecer a única coisa que ninguém poderia quebrar: sua mente. Ela estudou política, história, todas as ciências.

Anastasia não podia ver o mundo, então os livros se tornaram sua realidade. Seu assunto preferido eram os Grishas. A princesa desenvolveu uma admiração pelos dominadores da pequena ciência.

Ela sentia uma tempestade de emoções dentro de si. Com a piora da guerra, as ameaças de independência do Oeste e Shu Han se aproximando das fronteiras, ela foi chamada de volta para casa. Mas o que era seu lar?

Enquanto Fedyor contava sobre a vida na corte, compartilhando fatos sobre o Pequeno Palácio e a residência da família real, ela sentia o nervosismo se espalhar em seu corpo.

Mas não era uma sensação ruim. Era a sensação de uma mudança. Uma mudança boa. Anastasia não sabia quantos anos de vida ainda a restavam e ela estava determinada a não passar mais nem um minuto se escondendo do mundo. Pela primeira vez, ela iria viver.

A lua gentilmente iluminava a sacada em que ele estava. O vento ia de encontro a sua pele, enquanto ele observava o céu estrelado. Ele fazia isso todas as noites, era uma maneira de se lembrar dela.

"Não importa onde a gente esteja, sempre vamos estar de baixo do mesmo céu." Ele ainda podia escutar a sua voz. Ele ainda podia ver seu rosto. Séculos haviam se passado, ele procurou por ela em todos os países. Até que ele desistiu de procurar. Ele aceitou que ela não voltaria e que, se voltasse, ele não a encontraria.

As luzes do Grande Palácio chamaram sua atenção. Apesar de já ser de madrugada, a iluminação continuava exacerbada. Pessoas entravam e saíam, carregando todo o tipo de coisa.

Amanhã seria o baile em comemoração a volta da filha favorita da Rainha. A princesa frágil. Ele preferia focar sua atenção para assuntos mais importantes, mas a Rainha convidou todos os Grishas, dizendo o quão fascinada a princesa era pelos dominadores da pequena ciência. Em outras palavras, ela queria um show para sua filha.

O Darkling soltou um suspiro, passando a mão pelos seus cabelos negros. Antes de se deitar, ele olhou uma última vez para o céu, com um olhar melancólico e uma expressão triste em seu rosto.

Enquanto a carruagem adentrava Os Alta, Anastasia estava próxima a janela, observando detalhadamente tudo à sua volta.

A Capital de Ravka era dividida em duas partes: a parte exterior que lembrava as pequenas cidades e vilarejos pobres e, a parte interior, marcada pelo luxo da população mais rica do país.

Quando o Grande Palácio entrou em seu campo de visão, uma onda de nostalgia a atingiu. A construção era gigantesca, tinha três andares com janelas decoradas com ouro puro.

E, quando Anastasia pensou sobre como aquela era uma das construções mais feias que ela já tinha visto, uma risada escapou de seus lábios. Tudo era muito exagerado e chamativo. Enquanto as pessoas estavam passando fome, a família real estava esbanjando ouro em suas decorações.

A carruagem parou e Fedyor abriu a porta, estendendo sua mão para a princesa. Anastasia aceitou, segurando seu vestido e ajeitando sua capa azul.

Quando seu pé tocou o chão e ela sentiu o vento da Leste Ravka tocar seu rosto, um sorriso se formou em seu rosto. Ela vestiu o capuz, começando seu caminho em direção ao castelo, ignorando os guardas que a seguiam.

Por dentro, a decoração era pior do que ela se lembrava. Por onde ela andava, as pessoas se voltavam para olhá-la, tentando ver o rosto da princesa.

Ela continuou caminhando até o final do corredor e abriu duas grandes portas douradas. Era a sala do trono. No centro, seu pai e sua mãe estavam sentados, aguardando sua chegada.

─ Anastasia! ─ Sua mãe exclamou, levantando-se de seu trono e correndo para abraçar sua filha. ─ Eu senti tanto a sua falta.

A princesa retribuiu o abraço, tentando segurar algumas lágrimas que se formaram em seus olhos. Sua mãe agarrou seu braço, a levando em direção ao Rei.

Anastasia fez uma reverência ao seu pai, que fez um sinal com a mão, pedindo que ela se aproximasse. O homem se levantou, colocou a mão no queixo de sua filha, forçando o capuz a cair e analisando o rosto dela.

Ela tinha um rosto de uma pessoa fraca. Ela sabia disso. As marcas de sua saúde debilitada estavam por toda sua face. Seu pai se afastou, dando as costas para Anastasia, deixando claro que a aparência dela não o agradava.

─ Eu estou estudando muito, pai. ─ Ela disse, tentando chamar a atenção do Rei. O homem se virou para encará-la. ─ Principalmente política. Agora que Nikolai não está mais aqui talvez eu possa ajudá-lo... ─  Antes que ela pudesse continuar, uma dor ardente em sua bochecha a interrompeu.

O Rei havia desferido um tapa em seu rosto, cortando sua pele com o metal de um de seus anéis. ─ Lembre-se do seu lugar. ─ Ele disse, saindo da sala do trono.

Anastasia estava com a mão em sua bochecha, tentando acalmar sua respiração. Sua mãe, que cobria sua mão com a boca em razão do choque que a cena causou, se aproximou de sua filha, mas Anastasia fez um sinal para que ela parasse.

─ Está tudo bem, mãe. ─ Anastasia disse, respirando fundo. ─ Eu não sei porque eu esperava algo diferente. ─ Ela sussurrou a última parte, limpando o sangue que escorria de seu rosto.

─ Venha, filha. ─ Sua mãe pediu, segurando seu braço. ─ Hoje é a sua noite, minha querida. Genya vai ter deixar linda. ─ A mulher afirmou, arrastando sua filha pelos corredores.

Sua mãe a levou até seu antigo quarto. Quando as portas se abriram, uma mulher de cabelos ruivos já a aguardava. Ela reconheceria aquela pessoa em qualquer lugar.

─ Genya. ─ Anastasia afirmou, abraçando a Artesã. A Grisha era uma das pessoas mais lindas que a princesa já havia visto.

─ Vou deixar vocês duas a sós. ─ A rainha disse. ─ Faça seu trabalho, Genya. ─ Sua mãe falou a última frase com desdém, olhando para a Artesã de uma maneira raivosa. Anastasia não entendeu a atitude de Tatiana, já que Genya sempre foi como parte da família.

─ É bom ter você de volta, Princesa Anastasia. ─ A ruiva afirmou. ─ Agora, sente-se, não temos muito tempo. ─ A Grisha apontou para uma cadeira branca com detalhes dourados que ficava em frente a um grande espelho.

Genya começou a analisar o rosto de Anastasia e a tristeza em seu olhar ao notar a aparência da princesa não passou despercebida.

Percebendo que Anastasia notou seu olhar, a Artesã mudou rapidamente de expressão. ─ Está tudo bem, Genya. ─ A morena confessou. ─ Estou acostumada com as pessoas me olharem assim.

Genya passou aos mãos pela face e pelos cabelos de Anastasia, virando-a para o espelho. ─ Ninguém vai te olhar assim hoje, Princesa.

Seus fios escuros, antes sem vida, agora estavam repletos de brilho. As olheiras não existiam mais. A feição doente havia desaparecido, assim como o machucado que seu pai havia deixado em sua bochecha.

Seus lábios ressecados deram espaço para uma linda tonalidade de rosa. Genya deu vida para seu rosto. A morena sorriu para o espelho enquanto a Artesã finalizava a maquiagem. Era assim que ela gostaria de se sentir daqui pra frente. Viva.

A primeira coisa que Anastasia notou quando entrou no gigantesco salão do Palácio, acompanhada por Genya, foi a quantidade de pessoas que estavam presentes.

Toda a elite de Ravka havia sido convidada ─ e, aparentemente, de outros lugares também. A quantidade de keftas também chamou sua atenção. Parecia que todo o Pequeno Palácio estava presente.

Fazendo seu caminho pelo salão, inúmeras pessoas cumprimentaram. Alguns diziam estarem felizes pela sua volta, outros elogiavam sua beleza. Mas a maioria cochichava maldosamente sobre seu estado de saúde.

A noite foi marcada por espetáculos de Grishas, música e risadas. Anastasia estava cercada por pessoas e, apesar de não conhecer a maioria, era bom não estar sozinha.

Uma nova música começou a ser tocada e Genya correu em sua direção, puxando-a para a pista de dança, onde outras pessoas já estavam dançando.

Ela segurou a mão de Anastasia, a rodopiando, arrancando um enorme sorriso da princesa. A felicidade da dupla era tão contagiante que muitos pararam o que estavam fazendo para olhá-las.

O vestido azul que causava inveja em muitas pessoas presentes. O longo cabelo escuro. O lindo sorriso. Todos prestavam atenção na princesa.

Penas começaram a cair do teto do Palácio e alguns Aeros estavam as movimentando, maravilhando os convidados. Quando ela sentiu o toque das penas em sua pele, ela lembrou de quando era criança e seu irmão pulava em sua cama, destruindo seus travesseiros.

Anastasia estava tão distraída em suas memórias que não notou todos desviando seus olhares para a porta. O último convidado havia chegado.

Seu kefta preto. Suas botas escuras de couro. Seu cabelo negro. As pessoas abriam o caminho para que ele passasse. Seu plano era cumprimentar a princesa e rapidamente voltar aos seus aposentos.

Mas, quando ele parou próximo à pista de dança e notou a jovem dançando com Genya, seu plano mudou.

No momento que ele colocou seus olhos em Anastasia, foi como se seu coração adormecido tivesse voltado a bater. Sua mente foi invadida por um turbilhão de memórias.

Quando Anastasia percebeu que todas as pessoas estavam olhando para o fundo do salão, ela se virou, encontrando olhos escuros a encarando.

Anastasia sorriu para o Darkling e, ao ver aquele sorriso, algo despertou dentro dele. Algo que ele havia enterrado dentro de si.

Ele havia encontrado Amara e soube, naquele momento, que seu amor por ela nunca morreu.



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