﹙⠀XXVIII.⠀﹚love in ruin.
𝒙𝒙𝒗𝒊𝒊𝒊. ⠀⠀⠀␥⠀⠀𝓐𝚂𝚃𝚁𝙴𝙻𝙻𝙰 𝓥𝙰𝚄𝙶𝙷
❆⠀𓈒 ׁ ˖⠀ℒ𝙾𝚅𝙴 ℐ𝙽 ℛ𝚄𝙸𝙽. ⠀֪ ʾ
para melhor experiência,
leia com a música Labour.
Gatilhos:Violência psicológica, abuso físico e sexual, coação e controle, desumanização, trauma psicológico, depressão e desesperança, impotência e resignação, autoflegelação emocional.
AS PALAVRAS DE Jett ainda me irritavam. Havia algo no jeito como ela mudava de humor tão rápido, como se fosse natural destruir alguém e seguir em frente sem remorso. Mas eu precisava continuar, o destino era a mansão Fane. Athos me esperava lá.
Assim que chegamos, cruzamos o portão principal marcado com a inicial "F". Meus dedos ajeitavam o cabelo, uma tentativa inútil de esconder o nervosismo. Ao entrarmos, a visão de Athos com um bebê nos braços me surpreendeu. O pequeno era adorável, quase perfeito, como uma pintura delicada.
- Oi, meninas - disse ela, com um sorriso suave e uma voz baixa. - Que bom que vieram!
- Oi, Athos! - Jett cumprimentou, em um tom mais alto do que o necessário. A jovem mãe imediatamente levou o dedo aos lábios, pedindo silêncio. - Ah... está quase dormindo? - Jett perguntou, suavizando a voz.
- Sim... - Athos soltou uma risadinha. - Ele é muito apegado ao Leonard. É um desafio fazê-lo dormir sem ele por perto. - O brilho em seus olhos era inconfundível, irradiando a alegria de ser mãe. - Mas, meu pai quis conversar com ele agora.
Jett ergueu uma sobrancelha, curiosa.
- Algum problema?
Athos balançou a cabeça e ajustou o bebê nos braços, que agora respirava suavemente, quase adormecido.
- Nada sério. Meu pai só quer falar sobre o trabalho... aquela coisa de sempre. - Ela suspirou, mas o sorriso não desapareceu. - Eles têm discutido muito ultimamente.
- E você? Como está lidando com tudo isso? - perguntei, tentando desviar o foco da conversa para ela.
Athos sorriu, mas havia um toque de cansaço ali.
- Eu? Estou bem. Quer dizer, é cansativo, mas também é... diferente. - Ela olhou para o bebê e passou a mão suavemente em sua cabeça. - É muito mais do que imaginei, mas eu gosto.
Jett deu um passo à frente, olhando o pequeno com curiosidade.
- Ele é adorável. Qual o nome dele?
- Michael. - Athos sorriu. - Como meu pai.
Jett deu um leve sorriso, mas eu percebia o jeito inquieto dela, como se estivesse ansiosa por algo.
- Alguma chance de falarmos com o Leonard depois? - Jett perguntou, casualmente, mas eu sabia que havia algo mais em sua pergunta.
Athos hesitou por um momento.
- Acho que sim. Ele não deve demorar.
Athos balançou a cabeça, como se tentasse espantar a preocupação que a envolvia. O bebê, agora completamente entregue ao sono, parecia um símbolo da nova vida que ela havia escolhido, e aquela casa cheia de segredos estava prestes a se transformar em um campo de batalha.
- Espero que ele não se esqueça de trazer aquele vinho que você gosta - Jett comentou, tentando fazer uma piada, mas o tom não se encaixava na leveza da situação.
- Eu o avisei. - Athos revirou os olhos com um leve sorriso. - Ele não vai esquecer. Sempre esquece.
A conversa fluiu de maneira natural, mas havia uma tensão palpável no ar, uma expectativa que pairava sobre nós enquanto aguardávamos Leonard. Jett começou a se mover de um lado para o outro, incapaz de ficar parada, e eu sabia que a curiosidade dela a estava consumindo.
- Você já pensou em como isso vai mudar tudo? - Jett perguntou, quebrando o silêncio. - Ser mãe, quero dizer.
Athos sorriu para o bebê antes de responder, seu olhar distante.
- Eu pensei em muitas coisas, Jett. O que significa ser mãe, o que significa ser noiva, família... Mas nunca esperei que fosse tão intenso.
Eu a observava, admirando a força que ela exibia, mesmo em meio ao turbilhão de emoções.
- Leonard parece feliz - eu comentei, tentando puxar a conversa para algo mais leve.
- Ele é - Athos confirmou, e a alegria em sua voz não passava despercebida. - Ele ama ser pai. É engraçado, porque antes tudo que ele fazia era trabalhar. Agora, tudo gira em torno do Michael.
A porta se abriu, e Leonard entrou. Ele estava com o cabelo levemente bagunçado e uma expressão de quem havia enfrentado uma batalha, mas assim que seus olhos se fixaram em Athos e no bebê, um sorriso iluminou seu rosto.
- Oi, amor - ele disse, indo até Athos e beijando suavemente a testa dela. O carinho era evidente, e eu não pude deixar de sentir um aperto no peito.
Eles eram feitos um para o outro.
- E aí, como foi? - Athos perguntou, sua voz melodiosa.
- Ah, só algumas reuniões chatas. Mas agora que estou aqui, tudo fica melhor. - Ele lançou um olhar para o bebê, que estava tranquilo. - Ele está dormindo?
- Sim. - Athos murmurou, e havia um brilho de amor em seus olhos ao olhar para Leonard.
Leonard se agachou, olhando para o bebê com uma expressão de pura adoração. Ele acariciou a cabecinha de Michael com um carinho quase reverente, e eu senti um sorriso involuntário surgir em meu rosto. Era difícil não se deixar envolver pela ternura daquele momento.
Aquele momento parecia uma cena tirada de um filme, tão perfeito que quase me fazia esquecer os motivos pelos quais eu não deveria estar ali.
A porta se abriu mais uma vez, e meu estômago deu uma guinada. A pouca comida que eu havia conseguido engolir começou a voltar. E lá estava ela.
Erika Fane. E ao lado dela...
ele.
Dag.
Ele tinha saído da prisão.
Meu Deus.
Eu mal tive tempo de reagir. Senti a náusea tomar conta e saí correndo, desesperada, em busca de um banheiro.
A visão de Dag ao lado de Rika Fane me atingiu como um soco no estômago. Eu não conseguia respirar, meu coração disparava, e, de repente, tudo dentro de mim parecia virar de cabeça para baixo. Não podia ser verdade. Ele não poderia estar aqui. Não depois de tudo.
O suor frio cobriu minha testa enquanto meu corpo reagia por conta própria. O gosto amargo subiu à minha garganta, e eu soube que estava prestes a vomitar. Olhei desesperadamente ao redor, e sem pensar duas vezes, corri, empurrando qualquer um que estivesse no meu caminho. O pânico tomou conta de mim.
- Com licença! - sussurrei apressadamente, tentando manter a compostura enquanto procurava um banheiro. As paredes pareciam se fechar ao meu redor, e minha visão começava a embaçar. Era como se o ar tivesse sido sugado daquele lugar. Tudo o que eu precisava era de uma saída.
Finalmente, avistei uma porta semiaberta no fim do corredor e empurrei-a com força. Entrei no banheiro e, antes mesmo de conseguir fechar a porta atrás de mim, caí de joelhos diante da pia. Meu corpo se dobrou em espasmos, e tudo o que eu havia comido voltou com força.
A respiração estava rápida, descontrolada, e o barulho de água corrente parecia um zumbido distante. Eu me segurei na borda da pia, tentando recuperar o controle, mas tudo o que conseguia pensar era nele. Dag. Ele estava de volta.
Por que agora?
A respiração ainda estava irregular quando levantei o rosto, vendo meu reflexo pálido no espelho do banheiro. O choque permanecia, fazendo minhas mãos tremerem levemente enquanto eu tentava lavar o rosto. A água fria não conseguia apagar o redemoinho de emoções que me dominava.
Dag. Ele estava livre.
Me apoiei na pia, tentando ordenar meus pensamentos. Não era apenas a surpresa de vê-lo ali. Era a lembrança de tudo o que ele havia representado - para mim, para todos nós. O passado nunca desaparece, apenas se esconde nas sombras, esperando o momento certo para ressurgir.
Com os olhos fechados, respirei fundo, tentando manter a compostura. Eu não podia desmoronar ali. Não agora. Não com Jett e Athos me esperando do lado de fora. Eu precisava voltar para a sala, agir como se nada tivesse acontecido, como se a simples visão dele não tivesse arrancado o chão debaixo dos meus pés.
Mas, e agora? O que ele queria? Por quê?
Engoli em seco, forçando minhas pernas a se moverem. O caminho de volta ao salão parecia interminável, cada passo carregado com o peso das memórias. Ao cruzar o corredor, avistei Jett rindo de algo que Athos dissera, completamente alheia à tempestade que acontecia dentro de mim.
Leonard já estava sentado com Athos, envolto na tranquilidade que a maternidade parecia ter trazido para eles. Tudo naquele ambiente emanava paz, exceto o meu coração.
Mas ele estava lá, em algum lugar, e eu sabia que inevitavelmente nossos caminhos iriam se cruzar. Eu só precisava estar preparada quando isso acontecesse.
- Pequeno trovão - ele rosnou, a voz carregada de um peso que me fez querer desaparecer. Não, não era comigo, eu não queria que fosse. Apertei os lábios, desviando o olhar, rezando para que ele perdesse o interesse. Mas senti seus dedos ásperos puxando meu cabelo, forçando-me a olhar para ele. Seu hálito quente batia no meu rosto, invasivo. - Olha pra mim quando eu falo com você. - A voz dele era fria, ameaçadora. - Papai não te ensinou que é falta de respeito ignorar? Ele mandou presentes hoje? Feliz aniversário. - Ele me olhava, com ódio. Eu me mantive em silêncio. - Fala. - A voz dele veio baixa, mas não menos perigosa. Sua mão ainda estava no meu cabelo, firme, mas não violenta. Era um lembrete de quem estava no controle.
Meu corpo todo estava tenso, esperando o pior, mas uma parte de mim sabia... ele não ia me machucar. Não agora.
- Responde logo. - Ele puxou de leve, inclinando meu rosto mais para perto dele. Seu olhar me atravessava, como se pudesse enxergar tudo o que eu tentava esconder. Meu coração estava disparado, mas a respiração dele, tranquila, quase irritante, mantinha um ritmo cruel, como se isso fosse apenas um jogo.
- Sim... - sussurrei, quase sem acreditar que tinha conseguido falar. Minha voz saiu baixa, tremida. Ele me soltou, mas sua presença não diminuiu.
- Não o quê? - Ele arqueou a sobrancelha, inclinando a cabeça como se eu fosse uma criança que precisasse explicar melhor. Aquele sorriso de canto aparecendo. O sorriso que dizia que ele sabia muito mais do que mostrava.
- Dag. Acabou. - A voz de Erika reverberou pela sala, firme, como uma ordem inegociável. - Pare de atormentá-la. Não estou pedindo como sua tia, e sim como sua prefeita. Acabou.
Dag congelou no meio do caminho, seu corpo tenso como se as palavras de Erika tivessem cravado direto nos nervos dele. Ficou imóvel por um momento, mas dava para ver a tensão acumulada nos ombros, o maxilar apertado. Ele odiava ser controlado. Ainda mais por ela. Ainda mais por qualquer um.
- Acabou? - Ele se virou devagar, o olhar frio cravando em Erika, sem sequer reconhecer o título de "tia" ou "prefeita". O desprezo escorria em cada palavra, como se fossem gotas de veneno. - Você acha que pode me dar ordens agora? Prefeita ou não, você não manda em mim.
Erika não piscou, enfrentando o olhar dele como quem já lidou com muitos monstros e se cansou de ter medo.
- Sim, Dag. Eu posso. E vou. - Ela cruzou os braços, os olhos duros como aço. - Não é só entre você e ela. Essa cidade está sob minha responsabilidade, e você vai parar agora.
Dag deu um passo em sua direção, ignorando completamente a minha presença, como se eu fosse invisível. Cada movimento dele carregava uma ameaça velada, mas Erika permaneceu impassível, firme em seu lugar.
- Eu faço o que eu quiser, quando eu quiser. - As palavras saíram como uma sentença, sombrias, definitivas. - E você sabe disso, tia.
- Talvez fosse assim antes, Dag. - A voz de Erika saiu gelada, sem qualquer hesitação. - Mas as coisas mudaram.
Ele se aproximou ainda mais, ficando a centímetros dela. A tensão entre os dois era palpável, quase sufocante. Mas Dag não levantou a mão, não fez nenhum movimento. Apenas a olhou com um sorriso perverso brotando nos lábios.
- Vamos ver, tia. - Ele murmurou, o tom baixo e carregado de desdém. - Vamos ver.
Sem lançar outro olhar, ele se virou e saiu da sala, o som de seus passos reverberando pelas paredes. Erika permaneceu onde estava, seus ombros relaxando um pouco, mas seus olhos ainda fixos na porta por onde ele havia desaparecido.
Ela não disse mais nada. E eu, finalmente, consegui respirar.
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Segurei a pequena nos braços, sentindo o peso leve e delicado do corpo dela contra o meu. O calor suave que emanava me dava uma sensação de conforto, como se, por alguns segundos, o caos ao meu redor desaparecesse. Eu queria congelar aquele momento, guardá-lo em um lugar seguro dentro de mim, onde nada pudesse nos atingir. Ela era tão linda. Tão perfeita. Sua pele macia, os pequenos traços no rosto... Cada detalhe parecia uma obra de arte que eu não merecia tocar.
Respirei fundo, sabendo que aquele instante não duraria para sempre. Tive que afastar os olhos dela quando o som de passos ecoou pelo corredor, se aproximando. O coração acelerou, e meu corpo enrijeceu como se, de repente, o peso da decisão estivesse me esmagando. Fechei os olhos por um momento, tentando encontrar a coragem que, até então, eu fingia ter. O ar parecia pesado, difícil de puxar para dentro.
— Patsya... — murmurei, a voz saindo fraca, quase falhando. As lágrimas ameaçavam escapar, mas me forcei a continuar. — Obrigada por fazer isso... Por mim, por ela. Eu nem sei como te agradecer.
Ela parou ao meu lado, o olhar dela gentil, mas firme, como se quisesse me dar a certeza que eu tanto precisava.
— Está tudo bem. — Ela disse com uma tranquilidade que eu invejei. — Somos amigas. Você merece uma vida normal. Não se preocupe, vai ficar tudo bem.
Mas, enquanto entregava a pequena nos braços de Patsya, uma parte de mim sabia que nada seria mais normal depois disso.
Assim que Patsya pegou a pequena dos meus braços, uma onda de vazio me atingiu com força. Era como se uma parte de mim tivesse sido arrancada. Tentei sorrir, tentei mostrar que estava tudo sob controle, mas por dentro, eu estava despedaçando. Patsya ajeitou o bebê com cuidado, como se já fosse dela, como se ela tivesse nascido para protegê-la.
— Eu vou cuidar bem dela — disse, olhando nos meus olhos, tentando me dar a segurança que eu tanto buscava.
— Eu sei... — respondi, a voz saindo quase num sussurro. — É só... Difícil.
Ela assentiu, sem mais palavras. Sabia que qualquer coisa que dissesse não mudaria o que eu sentia. O silêncio entre nós ficou pesado por um momento, e eu tive que lutar contra o impulso de arrancar minha filha de volta, de segurá-la mais uma vez. Mas não fiz isso. Eu já tinha tomado minha decisão.
Dei um passo para trás, respirando fundo, tentando me convencer de que era o certo. Que estava fazendo isso por ela, para que tivesse uma chance melhor, uma vida diferente da minha. Mas a verdade era que eu me sentia mais covarde do que nunca.
— Você vai visitá-la? — Patsya perguntou, quebrando o silêncio.
Pensei por um instante. Eu queria dizer sim, queria prometer que estaria lá, que seria uma presença constante. Mas algo dentro de mim sabia que isso não seria possível. Não era justo. Nem para mim, nem para ela.
— Não sei. Talvez... um dia. — Desviei o olhar, sentindo o peso da minha resposta. — Mas agora... Eu preciso me afastar. Ela precisa ter uma chance sem mim por perto.
Patsya me observou por um instante, talvez esperando que eu mudasse de ideia, que recuasse. Mas eu permaneci firme, mesmo que, por dentro, tudo estivesse em ruínas. Ela deu um leve aceno de cabeça, entendendo sem precisar de mais explicações.
— Eu vou garantir que ela saiba o quanto você a ama — disse ela, com uma suavidade que me fez fechar os olhos por um segundo, tentando conter as lágrimas que ameaçavam cair.
— Isso é o que mais importa... — respondi, forçando um último sorriso.
Patsya segurou minha filha como se já fosse dela, e aquela percepção me atingiu como um soco. O vazio em mim crescia, se expandindo, consumindo tudo ao redor. Quis gritar, implorar para que não a levasse, mas as palavras ficaram presas na garganta. Apenas me virei, os olhos fixos no chão, incapaz de encarar a cena por mais um segundo.
— Vou te mandar notícias — Patsya disse, quebrando o silêncio mais uma vez. — Você sempre saberá como ela está.
Eu assenti, embora cada palavra dela parecesse um lembrete do que eu estava perdendo. A ideia de receber notícias dela sem poder fazer parte da sua vida me matava, mas era o único jeito. O único caminho que parecia certo, mesmo que devastador.
Quando Patsya começou a caminhar em direção à porta, o som de seus passos ecoou no pequeno apartamento. Cada passo era como um martelo, cravando a realidade na minha mente. A porta se abriu com um rangido suave, e por um momento, senti o tempo parar. Ela hesitou por um segundo antes de sair, como se estivesse me dando uma última chance de recuar.
Eu não recuei.
Assim que a porta se fechou atrás delas, o silêncio foi ensurdecedor. Meus joelhos fraquejaram, e eu desabei no chão, o choro finalmente escapando como uma represa que havia se rompido. O vazio que eu tinha sentido antes agora parecia um abismo sem fim, um buraco negro sugando todas as partes de mim.
Eu sabia que tinha feito o certo. Sabia que era o único caminho que garantiria a segurança da minha filha, longe de mim, longe do caos que me seguia como uma sombra. Mas a dor era implacável, e por mais que eu tentasse me convencer de que estava sendo altruísta, tudo o que conseguia sentir era a perda.
Aquele era o fim da minha vida como eu conhecia. A partir daquele momento, eu não era mais a mãe dela.
As lágrimas não paravam. Cada soluço ecoava pelo pequeno apartamento vazio, e a sensação de desamparo me envolvia como um manto pesado. Tudo estava silencioso agora, exceto pelo som do meu próprio choro. Sentei no chão, abraçando os joelhos, tentando reunir os pedaços quebrados de mim mesma. Mas como se reconstrói algo que está tão despedaçado?
Eu estava só.
O quarto ao redor parecia mais frio, mais escuro. Cada objeto me lembrava da decisão que tomei, das promessas que nunca poderia cumprir. A pequena cama ao canto, o berço que montei com tanto cuidado... tudo parecia sufocante agora, como um mausoléu para as escolhas que me levaram a esse ponto.
Sem ela, o mundo havia perdido o sentido.
Ouvi o som da chuva começar a cair do lado de fora, as gotas batendo contra a janela, acompanhando meu pranto. Quis sair correndo, deixar aquele lugar para trás e nunca mais olhar para trás. Mas minhas pernas pareciam presas ao chão, como se todo o peso das minhas decisões estivesse me mantendo ancorada ali.
O celular vibrou no bolso, tirando-me momentaneamente da tempestade que se formava na minha mente. Peguei o aparelho com mãos trêmulas e, por um instante, hesitei em olhar. Seria Patsya? Será que ela tinha voltado atrás? Ou era outra coisa? Respirei fundo, tentando acalmar os batimentos acelerados, antes de desbloquear a tela.
Uma mensagem.
Mas não era de Patsya.
"Está feito?"
As palavras na tela fizeram meu estômago revirar. A frieza daquela mensagem me atingiu com força. Eu sabia quem havia enviado. Sabia o que aquelas palavras significavam. Mas o simples fato de ler aquilo, de ser lembrada do porquê eu estava naquele caos, fez meu sangue gelar.
Meu dedo pairou sobre a tela, indeciso. Eu queria ignorar. Queria bloquear aquela pessoa para sempre. Mas não podia. Não depois de tudo o que tinha acontecido. Respondi, sabendo que cada palavra me afundava ainda mais.
"Sim, está feito."
"Quando eu voltar, não quero ouvir um único gemido de choro saindo dessa sua boca inútil. Você foi estúpida o suficiente pra deixar alguém te encher, agora lide com isso como a vadia que você é. E nem ouse resistir. Quando eu quiser, você vai estar aberta e pronta pra mim, porque aquelas putas de esquina já não conseguem satisfazer nada. Você vai servir do jeito que eu mandar, sem gritar, sem se debater. Vai fazer o que eu mandar, porque agora você não passa de carne. Entendeu?"
O celular tremia na minha mão, mas não era só o aparelho. Era meu corpo inteiro, exausto. Meus dedos estavam gelados, a pele colada ao plástico frio enquanto eu lia e relia aquelas palavras que já não me surpreendiam mais. Só me deixavam com mais nojo. Nojo de mim mesma por estar nesse ponto. Nojo de quem escreveu aquilo, e nojo do ciclo de horror que eu não conseguia quebrar.
Respirei fundo, mas o ar não chegava. Não importava quantas vezes eu tentasse. A sensação de sufocamento sempre voltava, como uma corrente apertando em volta do meu pescoço, uma marca invisível que me prendia.
Sim, estava. Eu tinha dado a minha filha. A única coisa boa, a única coisa que não estava contaminada por essa vida imunda. Entreguei-a para alguém que poderia garantir que ela tivesse uma chance, que ela não acabasse como eu. Que ela não passasse as noites acordada esperando a próxima ordem, o próximo soco, o próximo silêncio pesado que sempre vinha antes da tempestade.
Eu sabia o que vinha depois daquela mensagem. Sabia o que ele queria. Não era amor, não era desejo, não era nada além de poder, controle. Eu era só um pedaço de carne, e isso nunca ia mudar. Podia lutar, gritar, implorar, mas já não fazia diferença. Sempre terminava igual. No final, ele sempre vencia. E eu ficava com o gosto amargo de mais uma derrota, mais um pedaço de mim quebrado.
O apartamento estava quieto demais agora. O berço vazio no canto, a cama desarrumada, as roupas espalhadas pelo chão. Cada coisa naquele quarto parecia gritar comigo. Tudo ali era um lembrete do que eu nunca teria de volta. Não havia mais saída. Cada porta que eu tentava abrir se fechava na minha cara. E a pior parte? Eu sabia que, mesmo que eu corresse, mesmo que tentasse fugir, ele me encontraria. Sempre me encontrava.
Eu estava cansada. Cansada de lutar, cansada de fingir que um dia aquilo acabaria. Não ia acabar. Não pra mim.
𓈒 𔓕 ㅤ ֗ 💗ㅤ ָ֢Esse trecho reflete o que é estar preso em um ciclo de abuso, onde a protagonista está tão devastada que já não sabe mais como sair disso. Ela sente uma mistura de repulsa e cansaço, mas ao mesmo tempo está completamente esmagada pela realidade em que se encontra, sabendo que, no fundo, está presa ali para sempre. Não estou tentando glamourizar ou romantizar a violência de forma alguma. A ideia aqui é mostrar o quanto a personagem está destruída por tudo o que passou e está passando, e como, muitas vezes, as vítimas se veem sem forças para lutar contra o que parece ser um ciclo interminável.
𓈒 𔓕 ㅤ ֗ 💗ㅤ ָ֢.A dor dela vai além do físico – é uma tortura emocional e psicológica. Eu queria que o leitor sentisse isso: a exaustão, a vergonha, a repulsa por algo que ela já sabe ser errado, mas não tem mais energia para mudar. Isso é um reflexo da realidade de muitas pessoas que vivem nesse tipo de situação, onde o sofrimento é constante e parece não ter fim.
𓈒 𔓕 ㅤ ֗ 💗ㅤ ָ֢.Eu sei que esse tipo de história é desconfortável, mas é importante não fugir do que realmente acontece em casos de abuso. Não é só sobre dor física; é sobre o desgaste mental, a perda de identidade, e a forma como o abuso pode literalmente destruir a pessoa de dentro para fora. Eu escrevi isso para mostrar que, mesmo quando alguém sabe que está sendo destruído, ainda assim sente que não tem saída. É uma sensação de impotência absoluta.
𓈒 𔓕 ㅤ ֗ 💗ㅤ ָ֢.Essa não é uma história fácil ou leve, mas acho que é importante falar sobre o impacto real do abuso. A gente precisa parar de olhar só para as histórias bonitas e perfeitas, porque essa é a verdade para muitas pessoas.
𓈒 𔓕 ㅤ ֗ 💗ㅤ ָ֢.Esse trecho é um dos momentos mais pesados de Colors, e ele é importante para entender o contexto de toda a história. Embora o romance toque em temas sombrios, como abuso e violência, o objetivo não é glorificar esses aspectos, mas mostrar a complexidade emocional da protagonista.
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