𝟬𝟬 . prologue : the khonshu's temple

🧭ㅤ⏜ㅤ𝙲𝙷𝙰𝙿𝚃𝙴𝚁 𝚉𝙴𝚁𝙾ㅤ'
〢ㅤo templo de khonshu ׁ ִ
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ㅤㅤ❝ㅤㅤos deuses fiaram a ruína
ㅤㅤdos homens, para que poemas
ㅤㅤfossem gerados à posteridade . . .ㅤ❟
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ㅤㅤQuando o estrondo de tiros rasgou sem aviso o silêncio em que estava mergulhada, Aylin sentiu o sangue gelar dentro do corpo. Arregalou os olhos, o som ainda reverberando em seus ouvidos, e viu bem acima dela um céu noturno nebuloso e sem estrelas. Se ergueu rapidamente com a ideia de procurar de onde e de quem partiram os disparos, só então notando a areia fria em que estava estirada segundos antes, agora sob as palmas das mãos e os pés descalços.

Sentiu uma brisa gélida cortando seu rosto, e quando olhou em volta, viu dunas a perder de vista. Definitivamente ela não estava em casa e não sabia como tinha ido parar no meio de um deserto, ainda mais à noite. Totalmente confusa, ela buscou em sua mente o que poderia estar acontecendo, qual o motivo de estar naquele lugar, mas nada de conclusivo veio de sua memória.

Suspirou, fechando os olhos por um breve momento, e quando tornou a abri-los tentou absorver a cena diante de si, cena essa que ela não tinha muita certeza se já estava ali segundos antes: Corpos, vários corpos espalhados pelo chão. Ótimo, pensou com amargura. Então é aqui onde foram parar aquelas balas. Andou por entre objetos diversos e destruídos caídos na areia, alguns ardendo em chamas, observando hesitante os cadáveres ao tentar ver seus rostos. Ela perdeu o fôlego ao se deparar com faces completamente disformes e incompreensíveis, como algum tipo de obra de arte abstrata macabra. Ainda assim, não pôde deixar de sentir uma onda de alívio por não reconhecê-los e uma culpa sorrateira quis agarrá-la por isso. Mas Aylin se esquivou dela. Não fui eu quem puxou o gatilho, esse fardo não é meu.

Sob a pálida luz da lua minguante, Aylin reparou enfim uma construção numa duna mais alta logo a sua frente. Pela subida íngreme ela percebeu sulcos na areia, um rastro salpicado com manchas recentes de sangue. Um arrepio subiu pela sua espinha, mas ela apenas o ignorou, esfregando os braços, e subiu a duna até a entrada do templo. Ao fundo havia uma grande estátua, certamente a representação de um deus egípcio a julgar pela cabeça de ave. Isso somado ao cajado de meia-lua à mão da escultura fez Aylin imediatamente associar o que via ao deus Khonshu.

De qualquer modo, isso não parecia importante no momento. O que realmente lhe chamou a atenção foi o fato de que havia um homem se arrastando pelo chão arenoso do templo, deixando um rastro sangrento e parando enfim nos primeiros degraus da escadaria aos pés da estátua, virando-se com dificuldade na direção da entrada do local. A visão daquele homem ferido e ensanguentado fez Aylin sentir como se uma enorme mão tivesse se fechado em punho no seu coração, esmagando com toda a força que possuía.

Sem pensar duas vezes desceu a rampa de areia para dentro do templo, se aproximando porém com cautela para não assustá-lo. Tal qual os mortos do lado de fora, seu rosto era um mistério, e ela não podia distinguir totalmente seu rosto por mais que tentasse. Mas, por alguma razão, os seus olhos sim, e ela viu tanta dor e culpa naquele olhar que pensou em como mal poderia suportar coisa semelhante.

Provavelmente era ele também uma vítima daquele atentado. Será que a culpa que ela podia enxergar naqueles olhos cansados era por não ter conseguido salvar os outros que agora jaziam nas areias do lado de fora? Aylin sentiu uma grande compaixão por aquele homem, vê-lo sofrendo daquela forma era agonizante, assim como o fato de que ela não fazia nenhuma ideia de quem ele era. Mas havia uma estranha familiaridade naquele olhar sofrido que fez seu estômago desabar.

O homem, que parecia sequer ter notado a presença de Aylin, se moveu dolorosamente, erguendo uma pistola e apoiando o cano na base de seu queixo, prestes a disparar e acabar com seu sofrimento de uma vez por todas. Ela sentiu o coração falhar algumas batidas ao ver aquilo.

── NÃO! Por favor, não faça isso! ── ela gritou, ajoelhando-se na frente dele, e num ato impensado de puro desespero tentou puxar a arma de suas mãos ensanguentadas.

Mas o som de sua voz cheia de pavor não despertou reação alguma no homem, e tampouco ela conseguiu agarrar a arma para tirar do alcance dele, não chegou nem perto disso. Suas mãos atravessaram tanto a arma quanto as mãos sujas de sangue do outro, tal qual um fantasma atravessaria qualquer coisa em seu caminho. Não conseguia tocá-lo, era como se estivessem em mundos diferentes.

── O quê? ── a mulher balbuciou para si mesma, encarando suas mãos, repetindo outras vezes a tentativa apenas para falhar mais uma vez. ── Por favor, não faça isso, precisa me ouvir! Olhe para mim, veja, eu estou bem aqui!

Por mais que lutasse e implorasse não conseguia fazer nada que chamasse a atenção do homem prestes a estourar os próprios miolos, e então Aylin já estava se preparando para ouvir mais um disparo quando ele apertou os olhos com força, reunindo toda a sua coragem para terminar logo com aquilo.

── Que desperdício. Humm. ── uma voz poderosa e grave disse casualmente.

Aylin se levantou bruscamente e olhou assustada ao redor, buscando a origem daquela voz. Não viu nada.

── Hã? ── perguntou o homem, abrindo um olho de cada vez e inclinando a cabeça para trás.

── Eu sinto a dor dentro de você...

── O que que é isso...? O que é você? ── questionou o homem, confuso, encarando a estátua.

── Eu sou o deus Khonshu, em busca de um guerreiro.

Imediatamente Aylin também voltou seu olhar para a estátua ao ouvir a confirmação de sua suspeita.

O homem por sua vez, arfou de forma desdenhosa e cansada.

── Um guerreiro, é? Boa sorte com isso.

── Para ser minhas mãos, meus olhos, minha vingança. ── continuou a voz. ── Para ser minha palavra final contra os malfeitores. Para ligar seu próprio ser à mim e erradicar apenas os piores, aqueles que merecem. Você quer a morte? Ou você quer a vida?

── Eu sei lá... ── sussurrou, encarando sua arma.

── A sua mente, eu a sinto fraturada, quebrada... muito fascinante. Você é um candidato digno para me servir durante esse tempo.

Ao som dessas palavras, uma sensação de perigo iminente se abateu sobre Aylin.

── Em troca de sua vida, você jura proteger os viajantes da noite e trazer minha vingança para aqueles que lhes fariam mal?

O homem parecia avaliar a proposta enquanto observava o próprio sangue secando em suas mãos. Mas Aylin não achava que ele estivesse em condições de tomar qualquer decisão, ela não tinha sequer certeza de que ele estava realmente entendendo o que se passava a sua volta, a expressão de seu olhar tão vaga e perdida. Para ela a oferta de Khonshu era claramente uma armadilha, prestes a abocanhar o infeliz. O deus salvaria a sua vida, mas não havia dúvidas ─ ao menos para ela ─ de que teria um preço alto a ser pago se aceitasse aquele acordo.

── Você jura proteger os viajantes da noite e trazer minha vingança para aqueles que lhes fariam mal?

Naquele instante algo se tornou errado. Uma lufada de vento lançou um punhado de areia no rosto de Aylin, que imediatamente levou as mãos aos olhos. Quando conseguiu ver algo novamente, entre lágrimas e tosse, se viu de joelhos do lado de fora do templo. Ainda tossindo ela tentou se arrastar de volta para dentro, mas aquela figura se ergueu diante dela. Um corpo enorme e coberto por faixas esvoaçantes como uma múmia, uma grande lua de bronze presa ao peito, o crânio de um grande pássaro como cabeça.

── O QUE FAZ AQUI, SUA MALDITA INTROMETIDA? ── gritou aquela mesma voz que ela ouvia pouco antes dentro do templo, com a diferença de que dessa vez sentiu que seus tímpanos e toda sua caixa craniana estavam prestes a estourar. ── ESTA LEMBRANÇA NÃO PERTENCE A VOCÊ! DESAPAREÇA DAQUI, AGORA! ── ergueu seu cajado de lua e uma onda descomunal de areia engoliu Aylin antes que pudesse pensar em escapar.

A sensação horrível de sufocamento, dos olhos irritados pela areia e a boca seca ainda estavam ali quando Aylin finalmente despertou em sua cama. Levantou-se num pulo e ficou encarando a parede por mais alguns segundos até voltar a se deitar. Tentou acalmar a respiração. Não estava mais no deserto, não seria soterrada pela areia.

Então todo o sonho voltou à sua mente, e uma tristeza pesada desabou sobre ela. O aperto no peito ao pensar novamente naquele homem com olhar tão doloroso e familiar. Aylin gostaria de se convencer de que foi apenas um sonho estranho, mas não só estava perturbada demais para pensar sobre isso, como o sonho pareceu real demais; e a voz divina lhe disse que era uma lembrança. Aylin já estava habituada a sonhos perturbadores que pareciam muito reais, mas nunca havia se acostumado com a sensação amarga que muitas vezes deixavam nela.

Sob o cobertor, deslizou uma mão trêmula até uma fina cicatriz em sua coxa e pousou os dedos sobre ela. Um movimento apaziguador peculiar, mas que inexplicavelmente sempre lhe trazia um breve conforto, e ela não saberia dizer o porquê disso. Os olhos de Aylin estavam transbordando em lágrimas que ela apenas deixou que caíssem sobre suas bochechas. E se manteve num choro silencioso, os dedos sobre a cicatriz sem origem, esperando que todo aquele peso fosse embora de seu peito. Agora ela podia ouvir apenas o coração batendo alto em seus ouvidos, perturbando o silêncio como aqueles disparos no deserto.
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