𝐁𝐑𝐎𝐎𝐊𝐋𝐘𝐍 𝐁𝐀𝐁𝐘, 𝗌𝗂𝗇𝗀𝗅𝖾
"Yeah, my boyfriend's pretty cool
but he's not as cool as me"
────── lana del rey⠀
─ "Enquanto a estrela em ascensão mais popular do momento revela estar 'em sua melhor época', os fãs vão à loucura com o anúncio de mais uma turnê prevista para o final de-"
─ Fala sério. ─ faço questão de revirar os olhos. ─ Poderia desligar essa TV, fazendo favor?
"Em sua melhor época", é?
Parece um pouco convencido demais para dizer isso em rede nacional, babaca.
─ Hã, por que? ─ Mia me olha por cima do ombro enquanto apoia um braço no encosto do sofá em que está. ─ Esse não é o mesmo cara que você teve um caso naquele verão? Eu lembro até que...
A interrompo rapidamente batendo a tigela de arroz na mesa, provocando um enorme barulho pela sala. Está mais do que óbvio o meu desinteresse por qualquer coisa que o envolva.
─ A comida está pronta. Desligue isso de uma vez, irmãzinha querida. ─ pronuncio o apelido em um explícito tom de sarcasmo.
Não quero me lembrar disso. Droga.
Foi algo que eu enterrei bem lá no fundo com o propósito de me desvincular de um sentimento que se assemelha à "decepção profunda".
Mia revira os olhos, mas desliga a TV como eu tinha pedido, dando a volta pelo sofá e se aproximando da mesa para se sentar.
Coloco a tigela de arroz na frente dela, junto a um prato com ovo frito e couve. Não comprei muita coisa no mercado essa semana, bom, meus irmãos não são muito exigentes de qualquer maneira.
─ Não vai comer? ─ ela pergunta com uma sobrancelha levemente erguida.
Eu me viro, sem encará-la.
─ Perdi a fome. ─ vou me afastando até chegar na passagem pelo corredor. ─ Vou chamar o Sumi.
Eu me sinto culpada com a influência que esse homem ainda tem sobre mim. A capacidade de me fazer, por exemplo, perder o apetite com a simples menção de sua existência. Jurar a mim mesma que não me importaria mais não foi o suficiente, provavelmente porque fui a única testemunha dessa promessa vazia.
Ah, merda, estou começando a me martirizar novamente.
Eu odeio isso.
Odeio que ele me faça pensar demais e não sinta nada, depois de tudo.
Subo as escadas tentando fazer com que o som da madeira rangendo a cada degrau pisado seja mais alto do que meus próprios pensamentos, mas ouço uma música abafada em vez disso. Sumi deve estar trancado em seu quarto com o volume no máximo novamente, isso já virou um costume nessa casa.
Desta vez, porém, eu não consigo achar ruim. Foi o que afogara meus pensamentos, afinal.
─ Sumi, a comida está pronta! ─ grito, diante da porta.
Não obtendo qualquer sinal de resposta, decido socar a porta com força na esperança do meu irmão caçula escutar-me através do heavy metal pesado que tocava. O que eu não esperava é que a porta fosse abrir ao fazer isso. Perfeito, menos trabalho pra mim.
Sumiha está sentado na cadeira do outro lado do quarto, de costas para mim, mexendo em algo no computador. Me surpreende que ele ainda não tenha percebido a minha presença, mesmo quando me aproximo o suficiente para tocá-lo no ombro.
─ Porra ─ ele pula da cadeira ao meu toque repentino, se virando bruscamente para mim. ─ Que susto, [Nome]! Não sabe bater na porta!?
─ Sério, a casa poderia estar pegando fogo lá fora e você só perceberia quando já estivesse sufocando com a fumaça. ─ cruzo os braços na altura do peito, o vendo desviar o olhar. ─ Vai comer antes que eu desligue a internet e só ligue amanhã, vai.
─ Você não teria coragem. ─ ele diz, convencido. Isso me deu mais vontade ainda de fazê-lo.
─ Quer testar a sorte?
Ele bufa, pegando o celular da mesa e se levantando.
─ Estou indo...
─ Bom garoto.
Suspiro vagamente ao ser deixada sozinha, a música ainda fazendo com que as paredes vibrassem, trato de abaixar o volume antes de sair do quarto, encostando a porta seguidamente.
Ouço o barulho de uma discussão vindo do andar de baixo, aqueles dois nunca se deram bem. Acredito que brigar é um ato típico entre irmãos.
Bom, não quero me envolver nisso de qualquer forma. Estou especialmente cansada hoje, por algum motivo. Por causa disso, vou direto para o meu quarto querendo nada mais do que deitar e desmaiar na cama, mas um celular tocando na escrivaninha é o que encontro ao adentrar o cômodo, atrasando meus planos.
─ Alô. ─ digo desleixada ao atender a chamada.
─ [Nome], pelo amor de Deus, por que você tem celular se nem usá-lo você usa!? Estou tentando te contatar a horas!
─ Oh, olá para você também, Sae.
Atendi com tanto desinteresse que sequer parei para ver que se tratava de Saeko Tanaka, minha produtora e braço direito, quem estava me ligando.
─ Certo, não tenho tempo a perder reclamando com você, vou direto ao ponto. Está sentada?
Sento-me na minha cama, deixando-me afundar no colchão macio e quase largo tudo que estou fazendo para dormir ali mesmo. Tenho medo que Saeko invada a minha casa no meio da noite, furiosa, no entanto.
─ Agora estou.
─ Então tá. Acho que você já deve ter visto na TV que Atsumu Miya planeja...
Ugh, esse nome não.
─ Pensei que você fosse direto ao assunto. ─ interrompo.
─ Esse é o assunto, caralho! Me escuta até o final! ─ reviro os olhos. ─ Ele planeja fazer uma turnê no final do ano, e o primeiro show deverá ser aqui no país.
─ Bom pra ele.
─ E pra você também, porque o agente dele me procurou hoje querendo uma participação sua.
─ Diga a ele que não. ─ respondo rapidamente, para sua surpresa.
─ Ele enfatizou que é o próprio Atsumu que o está infernizando para que consiga a confirmação de sua presença.
─ Ah, mas nem fodendo.
Não foda comigo, Atsumu Miya.
Não de novo.
─ Sei exatamente o que deve estar imaginando agora, então vou apenas te deixar pensando nisso com calma, ok!? Sei que vai fazer a escolha certa!
─ Espere, mas eu já disse que...
Merda, a desgraçada desligou.
Jogo o celular no puff que fica no pé da cama, cansada demais para me estressar agora, mesmo sabendo que, quando eu acordasse novamente e me lembrasse dessa conversa desagradável, eu iria enlouquecer.
Não sei o que ela pensou que eu diria. Não é porque me deixou "pensar melhor" ─ a propósito, eu já pensei melhor, a resposta ainda é 'não' ─ que eu vou mudar de ideia, sério, nem parece que me conhece.
─ Saeko Tanaka, você me paga... ─ murmuro, afundando a cabeça no tão macio e tentador travesseiro que me aguardava.
Logo, esqueço-me que o mundo ao meu redor existe e finalmente apago, sentindo-me acolhida na escuridão.
[...]
─ I'm worse at what I do best, and for this gift I feel blessed, our little group has always been, and always will until the end
Mia acompanha smells like teen spirit, nirvana que passa no rádio, e tudo que consigo pensar é que ela está estragando a música com a voz desafinada.
─ Mia, está estragando a música. ─ digo exatamente o que pensei.
Ou melhor, não digo, mas escuto a minha própria voz dizer.
─ Você é muito chata, [Nome]! ─ Mia reclama do banco da frente, imagino que tenha cruzado os braços como de praxe.
─ Já começaram a discutir de novo? Vou colocar as minhas músicas se continuarem. ─ nossa mãe avisa.
─ Por favor, não! ─ Sumiha se manifesta do banco de trás, ao meu lado.
Espere, esse cenário me soa estranhamente familiar de alguma maneira... Estamos no carro da nossa mãe, ouvindo música e discutindo, indo para algum lugar. Mia está no banco da frente, Sumiha está no banco de trás, no meio entre eu e... eu?
Encaro fixamente a minha outra eu que está observando a floresta através da janela do carro. Estou me vendo em terceira pessoa como se minha alma tivesse saído do corpo, que porra é essa?
Abro a boca para perguntar o que está acontecendo, mas eu não tenho voz aqui.
Eu estava conversando com Saeko apenas um momento atrás, e então... Ah, certo, isso deve ser um daqueles sonhos estranhos onde eu não posso falar. Eles não parecem conseguir me ver, também. Se não for algum tipo de pesadelo, está tudo bem. Posso aguentar isso.
─ Será que ainda falta muito? ─ Mia pergunta depois de alguns segundos.
─ Não. Me disseram que quando entramos nessa estradinha de terra, já estamos chegando. Veja, é a placa do acampamento.
Minha mãe aponta lá fora e eu ─ eu, não ela ─ sinto meu estômago doer como se tivesse levado um soco.
"Acampamento".
Estamos indo para aquele maldito acampamento.
De repente, tudo aquilo que me soava familiar se transforma em lembranças vívidas de um certo verão que eu queria esquecer para sempre.
Instintivamente olho para a minha outra eu que tanto parece estar animada nesse momento. Você vai se decepcionar tanto aqui, querida...
E eu vou ter que reviver tudo aquilo que eu mais tento evitar.
Em um piscar de olhos ─ literalmente, como a transição de uma cena para outra ─, nós já estávamos nos acomodando em nosso destino.
É um certo alívio que este sonho não reproduza exatamente tudo daquele verão, seria algo como sofrer lentamente. Nesse quesito, prefiro que a morte seja rápida; tão rápida que eu mal consiga processar o sofrimento.
Foi o primeiro e único acampamento de verão que eu já participei na vida.
Tinha visto o anúncio em um cartaz pendurado em alguma loja de conveniências com minhas amigas da época, e fiquei completamente fascinada, porque se tratava de "um acampamento de música onde você poderia trilhar o caminho para um futuro brilhante", como dizia em letras grandes e coloridas.
Lembro que pensei comigo mesma, "uma oportunidade".
Naquela mesma semana, convenci a minha mãe a me levar, e como meus irmãos eram interessados em música assim como eu, ela aproveitou para inscrevê-los junto comigo.
Bom, se eles não ficassem no meu caminho, seria fácil de tolerar a ideia.
Seguindo os meus próprios passos ─ isto é, os passos de minha outra eu ─, saímos da rústica cabana qual seria o dormitório feminino e fizemos a trilha até a praia, onde alguns se reuniam.
E eu sei o que esse sonho quer me mostrar agora.
─ What can I say that would make you see, make you need me? ─ escuto alguém cantando uma das minhas bandas favoritas, o que me atrai. ─ Maybe I will never know, maybe I'll end up alone
A minha eu do sonho lentamente se aproxima de um loiro sentado em um tronco, tocando violão conforme canta wiped out, the neighbourhood com uma voz tão, mas tão encantadora que eu poderia me apaixonar novamente se baixasse a guarda.
Por favor, não se aproxime.
─ Running in place (circle, in circles with you), don't mind me ─ os amigos dele parecem estar aproveitando a música, acompanhando o ritmo leve com as cabeças ─ Out in a race (why are you leading me here?), watch me go
O loiro levanta a cabeça e eu finalmente posso ver seu rosto pela primeira vez. Novamente, quero dizer. Ele é ridiculamente lindo, o que faz com que eu o odeie ainda mais.
─ I don't wanna let you down...
A minha outra eu, no entanto, se aproxima cada vez mais, completamente alheia ao que poderia acontecer no futuro ─ alheia à decepção, acima de tudo, cravada em seu destino a partir do momento em que o encontrasse.
Porque um cara como Atsumu Miya sempre consegue o que quer.
E naquele momento, ele já tinha me conquistado.
─ So promise you won't let me drown
─ How can you feel the way that I'm feeling, if you're not inside my head? ─ minha outra eu continua a música, Atsumu vira a cabeça para mim e nossos olhares se encontram pela primeira vez.
─ I got the pressure that's pushing my buttons, and making me think about death ─ ele intercala comigo, o contato visual nunca se desfazendo.
─ I got some mixed emotions about how I'ma get to handle the stress
─ I didn't offer it because of the money, It's making my tummy upset
─ How can you feel the way that I'm feeling, if you're not inside my head? ─ cantamos juntos agora, sincronizados, mesmo que nunca tivéssemos nos encontrado antes.
E foi assim até o final da música; digno de aplausos, todos os amigos de Atsumu, que estavam sentados em um outro tronco, se levantaram para abraçarem a dupla e elogiarem. Eu me senti tentada, também.
Fazíamos uma bela dupla, não é?
─ Cara, você canta tão bem! Qual o seu nome, gracinha? ─ pergunta Atsumu, deixando o violão de lado e se apoiando em meus ombros com um braço.
─ S-sou a [Nome], e você? ─ oh, eu não lembro de ter ficado tão envergonhada assim. Imagino que era a reação que ele queria.
─ Me chamo Atsumu. Atsumu Miya, o único!
─ Não precisa ser tão convencido, vai assustar a garota. ─ Osamu diz, Atsumu faz uma careta para ele. ─ Sou Osamu Miya, irmão gêmeo desse idiota aí.
─ Saiba que eu sou o gêmeo mais bonito. ─ Atsumu murmura em meu ouvido.
Minha outra eu dá uma risadinha enquanto Osamu fuzila o irmão com o olhar, imaginando o que deve ter dito.
Pisco os olhos e, novamente, estou em outro lugar agora. É a noite do dia seguinte, eu me encontro na mesma praia, as feições inegavelmente mais tranquilas, provavelmente pelo dia repleto de atividades musicais que me agradaram ─ ao lado de Atsumu, que não quis desgrudar de mim depois que nos encontramos.
Para mim, era como um sonho de infância, já que sempre fui apaixonada por música e tudo que tinha naquele lugar se voltava à ela.
Naquele momento, Suna estava balbuciando alguma besteira enquanto fumava. Eu diria que todos estavam meio chapados, exceto eu, que nunca tinha experimentado nada parecido antes.
─ Me conte mais sobre você, [Nome]. ─ fala Atsumu, se aproximando ainda mais de mim, no tronco em que estávamos sentados.
As chamas da fogueira em nossa frente palpitavam ao vento noturno, as ondas batendo nas rochas longínquas. Um ambiente agradável.
Eu poderia viver assim, cantando e fumando na praia, sem me preocupar com mais nada.
Mesmo hoje, eu ainda me sinto assim.
─ Oh, eu já disse. Sou apenas uma garota que aprendeu a cantar no chuveiro e desde então não quis mais parar. Sou fascinada nesse mundo, sabe?
─ Sei, sei muito bem. Sou fascinado, também. Eu e meu irmão sempre fomos, até formamos uma banda de garagem uma vez. ─ ele ri fraco. ─ Não deu muito certo, mas ainda estamos aqui.
─ Dá pra ver que vocês amam esse mundo, mesmo. Amor verdadeiro é quando nada consegue te afastar disso, nem mesmo as decepções.
─ Isso foi muito bonito de dizer, [Nome].
Eu sorrio, sem perceber. Eu, não ela.
─ Obrigada, eu acho...
─ Ei, olhe pra mim por um momento. ─ minha outra eu enrubesce; é perceptível mesmo com a iluminação da lua e do fogo. ─ Você é linda.
─ E você está chapado. ─ dou uma risadinha tímida.
─ Não, sério-
Ele se interrompe, levantando para pegar algo no bolso do casaco de Suna, jogado na areia, e voltando com uma pena branca, alguns adereços brilhantes pendendo e chamando atenção. Sua mão rodeia o meu queixo e posso sentir daqui as borboletas no estômago da minha outra eu.
Merda, eu não queria mesmo me lembrar disso...
A pena logo é colocada sobre uma de minhas orelhas, enfeitando o meu penteado simples, então, ele pega o violão e eu imediatamente reconheço o que ele está tocando.
Levanto do tronco, me preparando para cantar.
"They say I'm too young to love you
I don't know what I need
They think I don't understand
The freedom land of the seventies
I think I'm too cool to know ya
You say I'm like the ice, I freeze
I'm churning out novels like
Beat poetry on amphetamines"
Os olhos do restante do grupo se viram para mim assim que começo a cantar brooklyn baby, lana del rey. Posso sentir a admiração de todos ali, mesmo eu, que estou vendo de fora, invisível.
Está queimando em minha pele.
É uma sensação boa.
"Well, my boyfriend's in a band
He plays guitar while I sing Lou Reed
I've got feathers in my hair
I get down to beat poetry
And my jazz collection's rare
I can play most anything
I'm a Brooklyn baby
I'm a Brooklyn baby"
Faço uma pequena pausa para roubar o baseado da mão de Osamu, dando uma tragada sem jeito, o que me faz tossir, pois não sei tragar. Só que alguma coisa naquela noite me fazia querer experimentar coisas que eu nunca tinha experimentado antes.
Osamu ri quando entrego o baseado de volta, falando para eu não me preocupar com isso, que algum dia eu aprenderia o jeito certo de ficar chapada.
"I'm talking about my generation
Talking about that newer nation
And if you don't like it, you can beat it
Beat it, baby
You never liked the way I said it
If you don't get it, then forget it
'Cause I don't have to fucking explain it"
Atsumu me admirava com intensidade, de um jeito que ninguém nunca tinha me admirado antes. Eu me senti especial naquele momento, o meu palco de areia sendo o único lugar do mundo onde eu gostaria de estar, de ser, e de fazer.
Ele me inspirou em todos os aspectos.
Por isso, eu desejei silenciosamente que ele continuasse a me observar assim, sem nunca se cansar; mesmo sabendo que era um desejo um tanto egoísta da minha parte.
Seria um segredo apenas meu, de qualquer forma.
"Yeah, my boyfriend's pretty cool
But he's not as cool as me
'Cause I'm a Brooklyn baby
I'm a Brooklyn baby"
Me sento no tronco novamente, Atsumu beija o meu pescoço tão rápido que demoro um pouco a processar. O pessoal urra e comemora, definitivamente estavam chapados, mas aproveitavam o momento ao máximo, e era isso o que importava.
Alguns minutos mais tarde, me vejo sendo puxada para um canto da praia, a luz da fogueira ficando cada vez mais distante. Neste ponto, os amigos de Atsumu já tinham começado a usar substâncias que eu sequer sabia o nome.
Doces, era como chamavam.
Seja como for, Atsumu não me deixou experimentar nada assim. Em vez disso, ele me afastou dali.
─ Você me quer só pra você, é? ─ brinco, não rejeitando seu toque firme.
─ E o que você faria se eu concordasse? ─ ele fala, me apoiando em uma rocha.
─ Eu diria que você ainda está chapado.
─ Só um pouco, confesso. Mas isso não muda o que penso sobre você.
─ Oh, e o que você pensa sobre mim? ─ junto as minhas mãos atrás de seu pescoço, o puxando para perto.
Ele sela seus lábios nos meus em um beijo e, por um segundo, por um mísero segundo, tenho a impressão de escutar fogos de artifício explodindo no céu. Eu poderia derreter ali mesmo, ah, ele poderia me fazer derreter, definitivamente.
Foi o primeiro beijo que me fez sentir tantas coisas ao mesmo tempo. O modo selvagem como me agarrava, pela cintura e pelos cabelos, me fazia pegar fogo. A língua, no entanto, acariciava a minha tão delicadamente quanto a pena presa em meu penteado.
─ Isso responde a sua pergunta? ─ ele interrompe o beijo, encostando a testa na minha.
─ Responde muito mais do que a minha pergunta. ─ e o beijo novamente.
Eu me viro para o lado oposto, evitando a dor que é ter que ver aquilo.
Quando dou por mim, percebo o sol vespertino fazendo com que um laranja forte se despeje sobre o horizonte do mar. Me encontro andando na beira-mar, os pés descalços sendo mergulhados vez ou outra na água, quando a onda os alcança. Atsumu está ao meu lado, também descalço, e estamos deixando pegadas para trás na areia úmida.
Eu os acompanho um pouco atrás, perto o suficiente para ouvir a conversa.
─ Sabe, eu estava pensando...
─ Sim? ─ a minha outra eu se vira para o loiro com um leve sorriso no rosto.
Eu sinto falta dessa felicidade inocente; mas ela fora tão passageira quanto a duração de um verão.
─ Por que não formamos uma dupla oficialmente?
─ Não está falando sério. ─ dou uma risada.
─ Estou, [Nome]. Estou falando muito sério. ─ de repente, eu paro e o encaro, percebendo a seriedade em sua voz. ─ Temos tanta química, amor. Seria um desperdício não ficarmos juntos.
─ Isso é muito repentino...
É só dizer não, [Nome]. Não é tão difícil.
Por que eu não disse não?
─ Eu vou te dar um tempo pra pensar sobre isso, [Nome]. ─ e começa a se afastar, indo na direção das cabanas. ─ Estarei te esperando.
─ E-espera.
Não faça isso.
Atsumu me olha por cima do ombro, olhos esperançosos.
─ Eu gosto muito de cantar ao seu lado. Realmente, temos química juntos, isso eu não posso negar. Então... eu quero formar uma dupla com você.
─ Tem certeza? Não precisa de um tempo pra pensar melhor?
─ Não preciso, eu tenho completa certeza de que quero fazer isso com você.
─ Meu Deus, [Nome]! ─ Atsumu corre na direção da minha outra eu e a levanta para o alto, levando-nos para nos molharmos no mar.
─ Tsumu, não! Eu já lavei o cabelo hoje!
─ É só lavar de novo! Estou tão feliz que quero te beijar debaixo d'água agora mesmo!
Esse desgraçado...
Sinto uma pontada estranha no estômago sempre que me vejo feliz ao lado dele. Eu quero acordar logo. Por favor... alguém me acorde.
Porque as coisas só vão piorar a partir de agora.
Estamos no refeitório nesse momento, e percebe-se que se passou vários dias porque vejo uma pequena tatuagem no meu antebraço; era um violão simples e adorável. O acampamento começou a oferecer tatuagens de henna quando o verão estava em seu fim, e eu obviamente não perdi essa oportunidade.
─ Suna, ei. ─ o cumprimento, sentando-me na mesma mesa que ele.
─ Oi, gatinha. Não está com fome? ─ pergunta ele, a voz tipicamente calma.
─ Não, na verdade, estava procurando o Tsumu... Não o viu por aí?
─ [Nome] se perdeu do namoradinho? Isso é novidade pra mim. ─ Semi coloca a bandeja sobre a mesa e senta ao meu lado. Pra mim, ele era o único que estava no nível de Atsumu no quesito "técnicas com o violão".
─ Ele estava aqui há pouco.
─ E sabe para onde foi? ─ encaro Suna com insistência.
─ Não, não conversamos. Ele estava com alguma garota que eu não conheço ou algo assim... não prestei muita atenção, foi mal.
─ Tente procurar perto dos dormitórios, [Nome]. Vi uma galera reunida lá enquanto vinha para cá.
─ Certo. Valeu, gente.
Assim como Semi havia comentado, um grupo de adolescentes se reuniam perto das cabanas nos quais dormíamos, todos em volta de uma fogueira apagada. A princípio, achei estranho. Ninguém costumava se reunir assim tão cedo da manhã e, pelo que soube no mural, não havia nenhuma atividade prevista para aquele horário.
─ I wanna fuck your love slow, catch my heart, go swim ─ eu reconheceria a voz de Atsumu em qualquer lugar, diria até que é única. Porém, pela primeira vez, estava meio diferente do habitual.
Acompanhado de uma outra voz.
Posso dizer que não foi ciúmes o que senti. Um pouco, na verdade. Mas não porque ele estava cantando crush, cigarettes after sex com outra garota, nem porque estava cantando com outra pessoa que não fosse eu.
Era porque aqueles dois, juntos, tinham tanta sincronia quanto nós.
Eu não era mais a única.
Não era especial.
Não como eu achava que era. Não pra ele.
A minha outra eu vira de costas, segurando as lágrimas. Eu lembro disso; lembro de me sentir inútil, substituível e insegura. Mas então eu pensei na proposta que Atsumu tinha me feito, dias atrás, e tive esperança de que ele não voltaria atrás com o que ele sentia por mim.
Uma esperança idiota de verão.
Eu realmente preferia que o sonho continuasse a me mostrar apenas as coisas boas...
Naquele dia, Atsumu não tinha me procurado sequer uma vez. E quando eu o procurava, ele se afastava com alguma desculpa improvável. Ele estava passando mais tempo com aquela garota do que eu imaginava, mas não, eu não seria esse tipo de garota que exige satisfação por tudo.
Então, eu decidi observar por um tempo.
Exatamente como estou fazendo agora, no meu sonho.
Na verdade, até há uma semelhança entre nós agora: a minha outra eu também está se sentindo invisível.
No dia seguinte, a equipe que administrava e tutorava o acampamento fizeram um anúncio que ninguém ali esperava. Eles iriam organizar um evento, no último dia, onde poderíamos demonstrar os nossos talentos para todos. Teriam espectadores importantes, também; empresários, patrocinadores, equipes de agências musicais. Uma verdadeira oportunidade para quem sonhava em ter uma carreira profissional, como eu.
Soube, não muito tempo depois, que muitos estavam fazendo grupos de até três pessoas para se apresentarem.
É claro que a primeira pessoa que passou pela minha cabeça, para se apresentar junto comigo, foi Atsumu Miya. Mas então, além desse anúncio inesperado, eu tive outra grande surpresa depois disso.
Soube pelo Semi que ele já tinha feito dupla com aquela outra garota.
Eu me senti tão péssima, tão estúpida.
Porra, tinhamos planejado praticamente toda a nossa carreira juntos. Isso era algum tipo de brincadeira pra ele?
─ Você está bem? ─ pergunta Semi, vendo minha outra eu tremendo. ─ Sinto muito por isso. De verdade. Atsumu é um babaca de merda.
─ Sim, ele é. ─ foi tudo o que pude dizer.
─ Ele se cansou de você, não é? ─ ouço a voz de Suna atrás de mim, mas minha outra eu não se vira. ─ Devia ter avisado que ele enjoa rápido das coisas. Desculpa. Eu só pensei que seria diferente dessa vez, quer dizer, vocês dois eram...
─ Não precisa dizer mais nada, cara, eu já entendi. ─ o corto friamente, fazendo o meu caminho até o dormitório feminino.
Quando a minha eu se trancou no quarto, sozinha, e soltou as lágrimas que tanto estava segurando, eu quase fiz o mesmo. Queria poder entrar no sonho de algum jeito, ter alguma voz para confortá-la...
Mas talvez esse fosse parte do processo.
Porque eu aprendi algo naquele verão. Aprendi a não confiar tão facilmente nos outros. E essa era uma lição valiosa, principalmente para alguém ingênua como eu que deseja entrar em um mundo onde pessoas como Atsumu Miya poderiam me passar a perna.
Assim que a minha outra eu conseguiu parar de chorar, ela começou a se preparar para a apresentação. De alguma forma, o sofrimento a inspirou ─ me inspirou. Eu tinha a música perfeita para colocar pra fora toda a frustração, e era só disso que eu precisava no momento. Da música e do sentimento certos.
Acho que não preciso dizer que a minha performance de the one you loved, the plot in you foi um sucesso estrondoso. Então obrigada por isso, Atsumu. Foi você quem alavancou a minha carreira, no fim de tudo.
Sério, tendo que rever tudo isso, reviver tudo isso... Por que alguém tão pequeno como ele ainda tem alguma influência sobre mim? Eu não devo ter medo. Não iria fazer o que ele queria que eu fizesse e desistisse. Era isso que você queria?
[...]
Vejo o teto do meu quarto ao abrir lentamente os olhos. Fecho-os por alguns segundos e os abro novamente, para me acostumar com a claridade forte da manhã; esqueci de fechar as cortinas antes de dormir. Eu não consigo me lembrar do sonho que tive, mas sinto que foi agradável, pois me sinto renovada.
Busco meu celular na escrivaninha ao lado, não o encontrando em lugar nenhum, então me lembro que o joguei no puff na noite anterior.
Por que o joguei no puff, mesmo?
Ah, certo.
Engatinho pelo colchão até a borda do pé, pegando o celular e procurando o número de Saeko para chamar.
─ Alô. ─ ela atende, sonolenta, depois de algumas chamadas perdidas.
─ Bom dia, Sae. É a [Nome].
─ Ah, e aí... Acordou cedo hoje.
─ Eu sei, é estranho. ─ dou uma risada sem graça. ─ Enfim, eu queria falar sobre ontem. Quero confirmar a minha presença no show do Atsumu.
─ O quê?! ─ afasto o celular do ouvido com o forte barulho, como se algo tivesse caído. ─ Espera, é sério? Não está brincando comigo, né?! Eu juro que não vou te perdoar se me acordou só pra-
─ Falo sério, Saeko. ─ asseguro. ─ Por algum motivo, acordei decidida hoje. Sem medo, sabe? Quero fazer isso.
─ Puta merda, [Nome], você acaba de fazer uma amiga feliz, sabia?! Vou contatar o agente dele agora mesmo! Daqui a pouco eu ligo!
─ Certo...
Eu estou surpresa comigo mesma, também, Saeko.
Mas tenho que mostrar a ele que eu realmente não me importo. Quero poder viver a vida normalmente e engolir de vez o meu passado, sem a influência dele ou de qualquer outra pessoa. Não vou mais evitá-lo, nem me sentir do jeito que ele quer que eu me sinta: culpada por ter confiado nele naquele verão.
Porque alguém como Atsumu Miya jamais será tão legal quanto eu.
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