Epílogo ࿐
Aurora caminhava tranquilamente ao longo da areia branca e fina da praia, seu olhar mirando o céu nublado e a ondulação do oceano, antes de se voltar sobre a criança ajoelhada e recolhendo conchas na margem da água. Era um dia frio, como de costume, mas o tempo estava bonito o suficiente para a Whitlock tirar seu filho do chalé pela manhã e levá-lo para caminhar na praia enquanto Jasper caçava.
— Jay, coloque o casaco, por favor. — Ela gritou de seu lugar mais perto da orla, cruzando os braços e apertando as mangas do suéter que usava apenas pela aparência.
— Desculpe, mãe, eu esqueci. — Ele correu até a mochila abandonada na areia e a vasculhou em busca da jaqueta. Aurora balançou a cabeça suavemente com um sorriso carinhoso.
James adorava a praia, mas seus pais tendiam a evitar luz do sol e multidões. Isso significou férias uma vez ao ano, no inverno, em praias pouco visitadas da Europa, desde que ele tinha cinco anos de idade. A tradição já durava quatro anos. O tempo parecia ter corrido bem diante dos olhos de Aurora, e ela via isso toda vez que olhava para seu filho cada dia mais crescido.
Aurora expirou longamente, apenas para sentir o cheiro de água salgada, e mirou o céu por um longo minuto, presa em pensamentos. Tudo o que ela ouviu na imensidão da praia vazia foi o coração de James, batendo em sintonia com a maresia, e sua voz cantarolada enquanto ele cavava em busca de conchas e as jogava em um balde de plástico.
— Eu posso sentir sua energia há quilômetros. — Aurora sussurrou de forma que apenas outro vampiro teria ouvido, e se inclinou para trás, para apoiar o corpo no corrimão de madeira que separava a praia da orla. — Me pergunto se vai se aproximar ou apenas espreitar até que eu perca a paciência? — Em seu tom não havia nada além de indiferença, mas ela repuxou o canto dos lábios em um sorriso sarcástico enquanto virava o rosto para a esquerda, onde, no instante seguinte, o visitante surgiu diante de seus olhos.
— Aurora Whitlock. — Ela cumprimentou com um aceno educado, e olhos vermelhos curiosos observando a vampira de cabelos ruivos. — Você é bastante difícil de encontrar.
— Ainda assim, você me achou. — Aurora comentou, condescendente. — Significa que eu preciso me esconder um pouco melhor. — Ela tinha um sorriso sutil quando disse a última frase, e cruzou os dedos na frente do corpo. — Como posso te ajudar, Sulpicia?
A dita mulher se aproximou, cautelosamente, mas o suficiente para se encostar no corrimão, um braço inteiro de distância de Aurora. Ela sabia que nenhuma distância seria suficiente para protegê-la se a outra mulher a considerasse uma ameaça.
Mas Aurora parecia saber melhor sobre as intenções de Sulpicia, apenas pelo modo como lidou com a situação até agora. Ela parecia estar encontrando uma velha conhecida amigável, ao invés de alguém que era parte de um clã que queria destruir sua família apenas seis anos atrás.
— Deve imaginar que eu deixei os Volturi. — Sulpicia falou finalmente, e Aurora assentiu suavemente.
— Eu senti algo assim, mas não tinha certeza até agora. — Aurora mencionou tranquilamente. — Esse é o tipo de coisa que fica gravada na sua aura, sabia?
— Não, eu não sabia. — Confessou Sulpicia, sentindo seus ombros relaxaram diante da atitude amigável de Aurora. — Eu tive seis anos pra pensar em como faria isso. Mas agora que estou aqui, é bem diferente.
Aurora franziu as sobrancelhas levemente, voltando seu olhar para Sulpicia com muito mais curiosidade do que acusação.
— O que seria isso?
— A razão de eu ter deixado Aro, você sabe?
— Posso imaginar.
— Mas não sabe. Não realmente. — Sulpicia protestou. — É o tipo de coisa que você precisa viver pra saber. — Aurora se reservou ao seu direito de apenas escutar. — Seu marido, Jasper, o que ele teria feito se percebesse que você estava infeliz, insatisfeita e deprimida, presa em sua própria casa?
— Ele acharia um jeito. — Com a mesma tranquilidade, Aurora respondeu. — Mas se está me perguntando se ele teria me obrigado a ser ficar ao lado dele, se teria manipulado minha felicidade pra que eu nunca o deixasse. — Sulpicia assentiu, era exatamente o que ela estava perguntando. — Não. Ele nunca. — Aurora negou incisivamente. — Jasper nunca me obrigaria a ficar.
Sulpicia a observou com atenção, alguma emoção transbordando em seus olhos de rubi enquanto escutava Aurora falar com tanto carinho e certeza sobre a conduta do marido. Por um momento, Sulpicia os invejou. Ela teve aquilo com Aro, um dia, há tanto tempo que mal se lembrava da sensação.
— É o que estou dizendo. — Sussurrou. — Jasper prefere uma eternidade de solidão, antes de sequer imaginar prejudicar você. — Ela exalou, voltando seu olhar para as ondas batendo na areia branca. — Há um abismo de diferença entre o amor e o domínio. Por muito tempo, eu era apenas uma posse para Aro.
Aurora supôs que Sulpicia tinha razão, ela nunca saberia qual era esse sentimento. Isso não a impediu de sentir compaixão pela outra mulher, e por tudo que ela havia suportado até agora.
— Você está livre agora. — Disse Aurora, encarando-a com seus brilhantes olhos dourados cheios de curiosidade. — O que te impede de buscar a felicidade?
— Nada. — Respondeu simplesmente. — Eu apenas queria agradecer devidamente. Nunca seria possível sem você. — Aurora quis dizer que nada do que fez foi em busca de gratidão, que a liberdade de Sulpicia, e de tantos outros da Guarda, eram o suficiente. Mas, antes que ela pudesse, Sulpicia falou novamente. — Aro nunca deixaria nenhum de nós sair, eu menos que qualquer outro. Então, eu fugi, e até onde sei fui a primeira, mas não a última. Novamente, até onde sei, ele nunca parou de me procurar. — Aurora franziu as sobrancelhas, confusa por um breve momento. — Eu sei coisas, Aurora, que se caíssem nos ouvidos de outras pessoas, levariam dois segundos para derrubar toda a dinastia Volturi.
— Espere, o que está...?
— Estou te agradecendo, devidamente. — Sulpicia interrompeu suavemente, olhando para Aurora com algum alívio por estar dividindo aquele pensamento depois de guardar para si mesma por tantos séculos. — Aro tem medo de você, e ele odeia temer qualquer coisa. — Ela acrescentou com intensidade cortante. — Um dia, talvez não amanhã, não nesse ano, não nessa década, mas um dia, ele não vai respeitar seu acordo. Ele fará o que puder, e machucará quem ele puder... — Seu olhar se voltou para James, agora construindo um castelinho de areia, quando disse a última parte, e Aurora sentiu sua própria aura escurecer. — pra atingir você.
— E o que isso significa pra você? — Aurora questionou, genuína curiosidade, mas também alguma hesitação.
— Eu quero que você vença. — Sulpicia afirmou com certeza. — Quero que tenha todas as armas para derrubá-lo.
Aurora se perguntou que tipo de horror alguém teria que viver para trair seu companheiro, sua alma-gêmea, sem sequer ter culpa sobre isso. Ela estava decepcionada, com Aro, mas não realmente surpresa.
— Não vai se arrepender disso?
— Nunca.
Aurora assentiu, seu olhar firmemente preso em James, no sorriso despreocupado que o menino tinha enquanto moldava areia molhada com as mãos, as sardas em seu nariz e maçãs do rosto brilhando com os salpicos de água salgada, e os olhos azuis reluzindo a inocência da infância. Ela faria qualquer coisa para protegê-lo, e Sulpicia devia saber disso.
— Se algum dia Aro for o primeiro a cogitar quebrar o acordo, então eu farei algo sobre isso. — Aurora murmurou. — Eu sou uma mulher de palavra e pretendo honrar minha parte.
— Por isso que eu sei que você é a única que deveria pará-lo. — Sulpicia puxou a mão do bolso de seu sobretudo, estendendo-a aberta na direção de Aurora, com um pingente de topázio preso em uma corrente fina e dourada. Aurora o pegou, relutante, estudando-o.
— Isso é lindo. — Ela disse honestamente.
— Marcus deu a Didyme quando completaram sua primeira década juntos. — Contou Sulpicia. — Ela nunca o tirava.
— O que isso...?
— Aro matou Didyme. — Sulpicia revelou, sem hesitação ou remorso, e em seu rosto uma sombra de pesar que não tinha nada haver com seu companheiro. — Ele matou sua própria irmã porque não queria que Marcus deixasse os Volturi para fugir com ela.
Aurora exalou, chocada, apertando os dedos ao redor do pingente enquanto buscava algum sinal de mentira no rosto ou na voz de Sulpicia. Não havia nada além de raiva.
— Eu sempre soube, mas nos último séculos não tive consciência o suficiente para fazer algo sobre isso. — Ela continuou. — Mas agora, graças a você, as lealdades estão caindo ao redor de Aro, restando alguns poucos de vontade genuína. — Sulpicia sorriu, pela primeira vez, e pareceu quase predatório. — Se algum dia Marcus souber o que Aro fez a Didyme, está tudo acabado.
Aurora entendeu, antes mesmo de ouvir a explicação, o que aquilo significava pra ela, aquela informação. Aro fez o favor de destruir a si mesmo no momento que matou a irmã, ele derrubou seu próprio reinado e manteve isso guardado por séculos, longe de qualquer um que pudesse querer enfrentá-lo. Entretanto, aquilo ainda chegou até Aurora, a última pessoa que deveria saber, e apenas através Sulpicia, a última pessoa que Aro deveria machucar, estava ferida o bastante para querer destruí-lo.
Sulpicia se virou, caminhando calmamente para longe no momento em que James de levantou, os joelhos coberto de areia, e correu na direção delas. Aurora observou a mulher partir por um longo segundo, antes de guardar o pingente no bolso da calça. Ela se virou para James com um sorriso suave.
— Pronto pra ir, querido?
James assentiu, franzindo o nariz e alternando o olhar entre sua mãe e a mulher desconhecida que agora se afastava pela orla.
— Quem era ela, mãe? — Ele perguntou, e Aurora apertou os lábios enquanto estendia as mãos para afastar os fios de cabelo dourados do rosto da criança.
— Era uma amiga. — Aurora disse, simplesmente. — Ela veio me trazer uma coisa. — James assentiu, batendo as mãos nas roupas para tirar o excesso de areia, e sacudindo a água do cabelo. — Ei, pare com isso. — Aurora riu, protegendo o próprio rosto da água salgada.
James riu, enfiando as mãos nos bolsos do moletom.
— Desculpe, é a convivência com os lobos. — Ele zombou antes de correr para buscar sua mochila. Aurora negou com a cabeça, rindo com o comentário do filho.
— Oh, ótimo, meu filho tem tendências caninas. — Ela brincou quando ele voltou a se aproximar com a mochila nas costas e o balde de conchas na mão.
Aurora segurou a mão que estava livre, e começaram o caminho de volta para o chalé. James sorriu, as covinhas de suas bochechas se aprofundando adoravelmente.
— Eu posso jantar sorvete?
— Não.
— Mas, mãe...
— Jay, sorvete não é uma refeição.
— Mas e sorvete de fígado?
Aurora fez uma careta perceptível, e encarou a criança com estranheza.
— Onde você viu isso?
— Harry Potter.
Aurora riu dessa resposta.
— Que bom que só existe na ficção.
— E se eu comer a sobremesa antes do jantar?
Aurora simplesmente jogou o braço ao redor dos ombro de seu filho e o abraçou contra seu corpo enquanto caminhavam.
— Você é perfeito, garoto. — Ela disse facilmente, apertando-o por um breve segundo. — Mas não vai ter sobremesa antes do jantar.
— Então posso comer sobremesa duas vezes?
Aurora gargalhou, dando um tapa suave na nuca de James, que apenas riu de volta.
— De onde veio essa atitude? — Ela perguntou com humor.
James a encarou em acusação, exatamente como Jasper faria, ainda que o sorriso de inocência simulada se parecesse ainda mais com os de Aurora.
— Não faço ideia, mãe.
Eu quis dar a James a honra de encerrar esse livro, assim como ele terá a mesma honra em começar o próximo.
Sim, esse é fim oficial de Bright, o fim do ciclo, e o ponto que marca o início de Sunrise. O que acabou de acontecer nesse capítulo, pode não parecer, mas são os detalhes que definirão o destino dos nossos amados personagens, Aurora, Jasper, James, todos os outros.
Eu estive pensando, e concluí que aprendi muito com a Aurora durante esses dois anos que a escrevi. Uma parte dela sempre vai morar em mim, e eu estou orgulhosa em dizer que isso me fez uma pessoa melhor.
Estou feliz com o lugar onde cheguei, e com tudo o que Aurora me ajudou a receber, todos vocês, e tudo isso. Estou feliz com esse ciclo, do início ao fim, e espero que tenha deixado cada um de vocês felizes também.
Obrigada por tudo, pelo apoio, pelos comentários, pela persistência mesmo durante meus longos bloqueios criativos, e por nunca abandonarem a história, ou me abandonarem. Eu sou absolutamente grata pelos últimos dois anos e por tudo que essa história alcançou.
Bright foi, de fato, minha estrela mais brilhante.
Até a próxima, estrelinhas.
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