47. Eternamente brilhante.




Tão longe da familiaridade e sentimentos de alívio e conquista em Forks, especificamente 56 mil quilômetros de distância, atrás das imaculadas paredes de pedras do castelo milenar, pensamentos tranquilos eram os últimos que se prendiam à mente de Sulpicia Volturi.

Apenas alguns dias antes, seu olhar se encontrou com o brilho dourado dos olhos de Aurora Whitlock, e foi quando tudo mudou. Naquele momento, nada parecia diferente. Mas quando os visitantes partiram, quando as testemunhas foram dispensadas, quando ela voltou a subir em seus aposentos com Athenodora e Corin, de repente, Sulpicia foi tomada pela sensação de que algo estava terrivelmente errado.

Antes, ela poderia jurar que sua vida perfeita era adornada pelos sentimentos de satisfação e felicidade genuínos. Então ela realmente olhou ao redor, para Athenodora, presa em sua própria bolha de vaidade e arrogância, para Corin, que nunca realmente fez muito para que gostassem dela, e mesmo assim todos fizeram, para seu lugar isolado do mundo, de onde nunca podia sair. A felicidade em torno daquilo parecia uma névoa cinzenta, fina e frágil, encobrindo sua consciência real e lhe prendendo em um mundo que não era seu.

Ela não estava feliz, e duvidava que algum dia tenha sido realmente.

— Dora. — Ela murmurou certa tarde, depois de outro breve momento que Corin saiu para lamentar consigo mesma de qualquer coisa. — Você não tem se sentido... estranha, ultimamente?

— Estranha? — Athenodora franzia seu rosto bonito em contemplação, lançando um olhar confuso para Sulpicia. — Você se sente estranha, Sulpicia? Quer que eu mande chamar Aro?

Sulpicia teria estremecido, se ainda fosse humana, e essa sensação passou muito longe de algo que se esperava ao ouvir a menção sobre seu companheiro. Ela não queria ver Aro, se possível, nunca mais. Apenas não sabia o porquê.

— Não, não há necessidade, eu estou ótima. — Um sorriso leve repuxou seu rosto enquanto Sulpicia forjava o melhor tom de indiferença. — Estou apenas especulando porque, sabe, Corin parece meio estranha ultimamente. — A resposta pareceu convencer Athenodora o suficiente.

— Ah, sim, me fale sobre isso. Mas você devia parar de se preocupar tanto, Sul, se for algo sério Aro pode lidar...

Sua divagação prosseguiu por mais algum tempo, mas Sulpicia realmente não deu tanta importância. Seus pensamentos vagaram novamente para Aro, e por todas as razões que ele a mera menção de seu nome lhe causava desconforto e, na pior situação, repulsa.

Ela não se lembra quando exatamente isso mudou. Ela se lembra de amá-lo, de admira-lo e de confiar nele, de que ele era tudo o que ela queria nos dias mais sombrio, tudo o que precisava nos dias bons, Aro foi seu tudo. Então, em algum momento dos últimos séculos, aquilo se sufocou debaixo de uma massa cinzenta de sentimentos forjados de falsa alegria e satisfação.

Esta é Corin, minha querida, ela fará companhia para você e Athenodora. — Foi como Aro as apresentou, séculos atrás. — Vocês nunca mais se sentirão insatisfeitas.

Nunca mais, ele prometeu. Insatisfação, de fato, foi a última coisa que Sulpicia sentiu em todos os séculos na presença de Corin.

Aquilo, aquela descoberta, bateu nela com a intensidade de dez recém-criados. De repente, a névoa de falsa alegria que não parecia lhe pertence, recebeu um nome. Era Corin, o tempo todo, por todos os anos, cegando-a com sentimentos entorpecentes que nunca lhe permitiram ver a verdade.

Sulpicia havia se tornado prisioneira em sua própria vida.

Aro, que ela conheceu e amou um dia, havia tirado sua força de vontade, suas escolhas e seus próprios sentimentos reais. Porque, depois de tanto tempo sendo drogada por uma felicidade falsa, qualquer coisa real que ela pudesse ter sentido havia desaparecido, inclusive seu amor por Aro.

Como ele pôde?

Se permitindo pensar nisso um pouco mais, agora que Corin parecia não ter poder para impedi-la, Sulpicia percebeu que não era a primeira vez que se fazia essa pergunta sobre seu marido.

Ela o fez outra vez, séculos atrás, pouco antes que sua mente se tornasse nublada e apagada. Coincidentemente, Aro lhe fez o favor de tirar sua consciência logo depois que ela descobriu a única coisa que poderia condenar para sempre o reinado dele. Sulpicia se tornou uma sombra, uma boneca de cordas, incapaz sequer de lembrar daquela noite.

Os Volturi eram um clã orgulhoso. Era um dos maiores covens do mundo, do qual Aro se certificava em todos os momentos, e eles foram, definitivamente, os mais poderosos — antes, é claro. Era tudo uma mentira, uma ilusão. Eles não estavam lá por vontade própria. Todos eles sabiam, em algum lugar no fundo de suas mentes, mas Corin os manteve todos contentes em ficar com os Volturi enquanto Chelsea fazia com que todos se sentissem conectados, como um verdadeiro clã.

— Picia, você está bem? — Alec se aproximou de onde Sulpicia observava as pinturas na galeria do castelo. Ela levou alguns segundos para finalmente ter coragem de olhar para ele, com nada além de neutralidade refletindo em seu rosto.

Ela estava lá quando Alec e Jane foram transformados, e quando acordaram, confusos, sedentos e violentos, ela viu muito mais que recém-criados. Eles eram crianças, assustadas, sozinhas, vulneráveis e carentes. Ela os acolheu quase imediatamente, e os amou na mesma intensidade.

Aquilo foi real e, para sua completa surpresa, quando o poder de Corin cedeu e desapareceu, foi uma das poucas coisas que continuou no mesmo lugar. Sulpicia ainda ama Alec e Jane como se fossem seus, suas crianças.

— Estou bem, querido. — Ela respondeu finalmente, um suave e genuíno sorriso deslizando em seu rosto. — Apenas pensando.

Alec sabia, ele via através da névoa, mas nunca falava sobre isso com ninguém além de sua irmã, e mesmo com ela, ele era cuidadoso. Jane era leal a Aro, o via como um pai assim como Alec via, mas ela não conseguia ver como eles estavam sendo manipulados. Alec não pôde deixar de temer que seus sentimentos por Aro não fossem nada além do que Chelsea o fazia sentir. Era lavagem cerebral, e ele tinha visto isso várias vezes, quando novos membros se juntaram a eles.

Ele podia sentir o nevoeiro, sentir os fingimentos e mentiras, mas não conseguia romper. Ele esteve contente por muito tempo, ouviu e seguiu por muito tempo. Mas Alec não era alguém a seguir. Ele gostava de poder, queria poder e queria que fosse dele. Ele poderia eliminar uma sala inteira de vampiros, e quando ele montasse guarda, ele poderia imaginar que ele fez isso. Ele podia ver que a névoa sombria cobria toda a sala do trono e ele poderia simplesmente sair, ser livre.

Mas Alec ficou pelas únicas pessoas no mundo que lhe importavam mais do que a ambição por poder. Quando ele era criança, ele nunca teve a escolha de fazer amigos. Todos tinham medo dele, e quanto mais o evitavam, mais coisas ruins aconteciam com eles. Ele tentou não ficar zangado com eles, ser compreensivo, mas Jane não podia, e eles seriam punidos de qualquer maneira. Então Alec descobriu que ele só tinha sua irmã. Eles viveram por muito tempo. Naquela época, as bruxas eram queimadas com frequência, então ele ficou surpreso por terem chegado ao décimo sexto verão antes que a aldeia finalmente tivesse o suficiente.

Alec se lembrava do fogo. Ele se lembra do calor lambendo sua pele, e como ele estava quase congelando no ar de verão porque o fogo a seus pés era tão quente e o ar tão frio. Ele se lembrou de olhar para os aldeões, seus sorrisos. Ele ainda podia ouvir seus gritos, sua alegria de ter terminado com os dois bruxos que os aterrorizaram.

Ele tinha fechado os olhos então. Ele fechou o mundo, os sons, a sensação do fogo. Lembrou-se de sorrir quando o fogo abandonou seus sentidos, quando o cheiro de carne queimada desapareceu e a dor desapareceu. Ele ouviu sua irmã gritar, não de dor, mas de raiva, e se agarrou a essa raiva como a única realidade em sua cabeça até sentir braços ao seu redor.

Ele abriu os olhos, não para encontrar o inferno ou o céu, mas para encontrar Sulpicia. Ela parecia preocupada, mas não foi isso que ele notou. Ele viu a pele branca, os olhos vermelhos, e sabia que não tinha nada a temer. Ele a deixou embalá-lo, sua irmã ao lado dele e depois em seus braços quando ela se recusou a deixar Sulpicia segurá-la. Ele não conseguia se segurar, suas pernas queimando e doendo, mas ele ainda ignorou, focado no fato de que Sulpicia não tinha cheiro, que sua voz era melódica e sua pele estava tão fria.

Aro sorriu quando ele se aproximou, e Jane recuou, no peito de Alec. Ela estava com medo do sangue, mas Alec podia sentir nela que ela estava feliz em saber que este era o sangue das pessoas que tentaram matá-los. Alec lamentou eles, as pessoas que o definiram, o criaram. Ele não disse tal coisa para Aro quando ele lhes ofereceu a eternidade, e ele não reclamou quando Jane aceitou pelos dois.

Ela gritou, nunca lidou bem com a dor, e Alec segurou sua mão, acalmando-a até que ela não gritasse mais. Aro olhou para ele então, como se esperasse que ele recusasse a mudança depois de ver sua irmã sofrer. Mas o que Aro não conseguia entender era que Alec faria qualquer coisa por sua irmã. Ele se sentava em silêncio quando cada nervo em seu corpo gritava de dor para acalmá-la, e ele a seguia para um mundo de dor para ter a eternidade com ela, então ele descobriu seu pescoço e sentiu os dentes de Aro afundarem em sua pele.

Primeiro, a escuridão o consumiu, mas então o fogo irrompeu, disparando em suas veias, envolvendo-o em chamas, mas ele não sentiu dor. Ele não gritou, mas seguiu o fogo através de seu corpo, sentiu como isso o tornava mais forte, o tornava indestrutível e poderoso. Ele gostou do fogo, abraçou a dor que ele sabia que vinha dele enquanto lambia suas entranhas e o transformava. Mesmo quando Aro o questionou, Alec sentiu que não tinha sido sua escolha. Jane tinha tirado essa escolha dele quando ela se tornou uma vampira, quando ela o deixou comendo com os resíduos de sua decisão.

Jane escolheu, Alec a seguiu, Sulpicia os acolheu. Ele ficou, por elas. Ele sempre enxergou através da névoa, e através delas.

Alec caminhou, calmamente, e se sentou ao lado de Sulpicia, colocando a mão em seu ombro.

— Eu posso sentir isso todos os dias. — Ele disse a ela suavemente, e Sulpicia não se atreveu a olhá-lo nos olhos. Ela deixou a mão dele cair ao redor de seu ombro, suave e cedendo como não tinha sido quando ela o puxou de sua pira funerária. — Você está livre. Você não quer mais estar aqui, não é?

Alec podia sentir o cuidado que ela tinha por ele e sua irmã. Como se ela pudesse vê-los queimando todos os dias como ele podia.

— Eu quero ter uma escolha. Eu quero estar aqui porque é meu lar, não porque alguém está me obrigando. — Sulpicia abriu os olhos e olhou para ele, implorando. A emoção parecia estranha para ele. Não havia espaço para súplicas ou fraquezas nos Volturi, mas havia no coração de Sulpicia. — Você vai me odiar se eu partir?

Alec não respondeu, ele não precisou, não quando um de seus raros sorrisos repuxou o canto direito de seus lábios, estreito e cansado. Alec ficou, mesmo quando enxergou através da névoa, mas nunca obrigaria mais ninguém a fazer o mesmo.

— Aro nunca lê minha mente. — Alec murmurou depois de alguns minutos. Ele parou de deixar Aro ler sua mente, e Aro deixou. Não foi com relutância, e isso o fez pensar. Tudo o que tirava algum tipo de poder de Aro só era aceito com relutância e segundas intenções, mas ele não parecia duvidar da lealdade de Alec. — Então, ele nunca saberá que eu disse que você deve ir, mãe.

Alec poderia lamentar a partida de Sulpicia, eventualmente, mas, melhor que qualquer um, ele sabia que o poder sobre os outros significava muito pouco quando ele podia assumir o poder sobre si mesmo, sua vida, seu destino. A vida era boa depois disso. A eternidade parecia muito curta, mas ele não se importava de sentir o tempo como os mortais sentiam, como se tivesse um fim.

Ele desejava o mesmo para Sulpicia.





Dois anos depois.
Texas City, Texas.

— Mamãe! — Aurora girou suavemente de seu lugar, sua audição aprimorada não recebendo nada além dos batimentos tranquilos de seu filho, sua risada suave e os passos pesados de Jasper atravessando a porta de entrada.

A primeira coisa que Aurora percebeu foi o enorme sorriso no rosto de seu marido, o dourado reluzente de seus olhos quando ele assistia James, seu filho, balbuciar com o pequeno sapo em suas mãozinhas pequenas.

— Sapo, mamãe. — James estendeu as mãos fechadas para a mãe, mostrando-lhe o animal pegajoso enquanto suas covinhas se aprofundavam com seu sorriso de poucos dentes.

— Olha só você, recolhendo animais do jardim de novo. — Aurora brincou, retribuindo seus sorrisos enquanto se aproximava. Seu olhar fez Jasper dar de ombros e murmurar:

— Não me olhe assim, ele aprendeu isso com você. — Seu tom, acusatório e zombeteiro, fez Aurora rolar os olhos carinhosamente.

Posso ficar com ele? — James balbuciou lentamente, rolando a língua e engolindo algumas sílabas.

Aurora trocou um olhar breve e divertido com o marido, e talvez ambos tenham pensado em todos as outras dezoito vezes em que isso aconteceu antes. Larry, a lagarta que James encontrou na janela do quarto; Blue, o canário que quebrou a asa quando caiu da macieira; Tilly, o coelho que tio Jackson quase atropelou no último verão. E todos os outros quinze.

— Qual vai ser o nome dele? — Aurora perguntou, suavemente passando dois dedos na pele escorregadia que aparecia entre os dedos de James.

— Cisne. — James respondeu simplesmente, e seus pais mal se impediram de rir.

— Seu sapo vai se chamar Cisne? — Jasper perguntou com humor. — Eu adorei isso.

Aurora balançou a cabeça para o marido, sorrindo largamente enquanto estendia os braços para pegar o filho.

— Vamos precisar de uma casa para o Cisne, talvez um aquário bonito com algumas pedras. — Aurora divagou, e James segurou o sapo mais perto do corpo.

Ele vai virar um príncipe? — Jasper gargalhou agora, honestamente surpreso com a pergunta repentina de seu filho.

— Um príncipe, hein? — Aurora tentou controlar seu próprio sorriso. — Alguns podem, mas não acho que seja o caso desse. — Ela fitou James, que parecia honestamente decepcionado com a nova informação, e sorriu antes de pressionar um beijo na testa dele. — Ele ainda é um sapo legal?

— Ele é legal. — James concordou com um sorrisinho. — Posso colocar ele no sapato do tio Jack?

Aurora riu, balançando a cabeça suavemente enquanto olhava com diversão para Jasper, que os observava de seu lugar no canto da sala. Ele sorriu de volta, incapaz de usar suas próprias palavras. O que ele diria, afinal?

Obrigado, por ficar, e por ser a melhor coisa que já me aconteceu. Obrigado por me dar uma família que eu nunca achei que merecia. Obrigado por ser quem você é, e por me deixar te amar exatamente assim. Jasper sabia que, se abrisse a boca, ele nunca mais pararia de agradecer a ela.

É engraçada a forma como um único evento isolado pode mudar completamente a vida de uma ou duas pessoas. Como a completa e inerte escuridão pode ser totalmente extinguida com o brilho cintilante de uma única vida que, até então, parecia insignificante.

Aurora mudou a vida de Jasper, ou Jasper mudou a vida de Aurora. Ninguém sabia dizer, talvez nem fizesse diferença no final, não para eles. Com sorte, eles teriam toda a eternidade para definir as determinadas culpas de seu amor incondicional e absoluto.

E, talvez, apenas uma resposta seria eternamente aceitável. De todas as estrelas que compunham as constelações de Jasper, Aurora seria sempre a mais brilhante.


FIM







E é isso, é assim que terminamos essa primeira parte de uma saga. Vejo vocês no epílogo, onde vamos encerrar um ciclo, e abrir outro ainda maior.

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