42. Deuses em Volterra.
Exposta ao sol, a pele leitosa de Aurora refletia um brilho fino e cristalino como diamante. Ela fitou afetuosamente o contraste em relação à pele rosada e macia de James, que repousava em seus braços. A memória da primeira vez que o segurou ainda pairava em sua mente, todo minuto de todos os dias, e ela ainda sentia que ele era seu mundo todo em uma única e vulnerável vida.
James balançava os pezinhos descalços no ar, os fios ruivos de sua mãe presos entre seus dedos enquanto ela o ninava suavemente de um lado para o outro. Aurora deslizou o nariz pelo cachos loiros do menino, pressionando um beijo em seu testa enquanto lágrimas picavam os cantos de seus olhos dourados.
Aurora chorou silenciosamente nos cabelos de seu filho, sob a luz do sol da varanda de Sam e Emily, e apenas as árvores de testemunha para sua angústia. Ela soube, desde o primeiro momento em que o acolheu, que faria qualquer coisa por James, mesmo que isso significasse começar uma guerra, ou morrer em uma.
Era tudo sobre os sacrifícios que são feitos por amor.
Aurora respirou lentamente, puxando o relicário sob a gola da blusa, e passando o cordão por cima da cabeça. Embaixo da inscrição de "Lyra" havia agora uma segunda, feita dias antes, "Leo", o nome do meio que Jasper escolheu para o filho. Os espaços para fotos foram preenchidos por imagens em miniatura de Aurora e Jasper, para que James sempre pudesse levar seus pais consigo ao lado do coração.
Aurora colocou a joia no bolso do casaco da criança, se desfazendo da única coisa que ainda levava de sua vida humana.
— Seja bom e gentil com as pessoas. Tente ser justo e honesto com você mesmo e com os outros. — Ela sussurrou no ouvido do menino, a voz suave ligeiramente pausada e afetada. — Seja corajoso, e forte, como eu sei que você pode, por você e por sua prima... vocês vão precisar cuidar um do outro. — Ela acariciou a cabeça de Jay, sorrindo amorosamente quando ele abriu os olhos azuis celeste e os fixou em seu rosto com calma. — Eu te amo tanto, querido. — Talvez James não pudesse entender alguma coisa do que ela dizia, mas ele podia sentir, e era nisso que Aurora se agarrava agora. — Seu pai te ama tanto. Mais do que qualquer coisa, Jay, mais do que tudo.— James sorria despreocupadamente para a mãe, inconsciente do peso daquelas palavras, feliz apenas pela companhia dela, e pelo carinho que recebia agora. — Eu vou consertar tudo. Vou fazer um futuro melhor para você, eu prometo.
James riu, alegremente exibindo suas covinhas nas bochechas rosadas e macias, os enormes olhos azuis presos em Aurora com adoração. E, naquele momento, James podia não entender ainda a importância daquela promessa, mas era assim que se lembraria de sua mãe, a luz incandescente de esperança em meio ao caos. E, quando restasse apenas caos, ela ainda seria sua luz.
Toda a vida de Jasper tornou-se centrada em torno de Aurora desde que a conheceu. Ele sentiu toda a sua vida parar no lugar quando colocou os olhos nela. Ela estava tão bonita, sem nem tentar. E ele sentia que não conseguia se mover, nem falar, tão pouco pensar. Tudo o que podia fazer era olhar para ela, eternamente.
Não parecia certo que alguém tão incrível, maravilhoso e impossível estivesse destinada a ficar com ele. Não soava justo, não depois de seu passado sangrento e feio. As consequências de suas escolhas deveriam ser muito piores e mais duradouras do que ele havia recebido. Agora, ele sabia que jamais seria digno o suficiente de Aurora.
Ainda assim, ali estavam eles. Ali estava a família pela qual Jasper lutaria até seu último segundo. E, talvez esse fosse o castigo que o destino havia lhe trazido. A felicidade completa, por apenas um breve momento, e então, a perda de tudo.
— Jasper... — A voz de Aurora o puxa de volta à realidade. Ele estava inclinado no parapeito da janela do hotel, perdido na vista para o Sena, sonhando acordado, Aurora pôde perceber. Ela deixa sua escova de lado, soltando os cabelos em cascatas sobre os ombros. — Quer dividir os pensamentos? — Pergunta Aurora suavemente, um sorriso passivo deslizando em seus lábios.
Jasper mal podia acreditar que ela conseguisse sorrir, não quando ele podia sentir a dor, angústia e raiva em cada célula do corpo dela, transbordando por seu ser.
— Querida... — Ele engole, seu olhar caindo sobre Aurora dolorosamente, incapaz de forçar qualquer sentimento de certeza ou compreensão nessa situação.
Em segundos, Aurora se ergueu, aproximando-se em passos humanamente lentos, a pele exposta de seus ombros e colo atraindo o toque frio de Jasper como um imã, um sorriso sutil e triste desenhando seu rosto. As mãos pálidas e macias seguraram os lados do rosto do homem, deslizando afetuosamente por sua pele.
Ele fechou os olhos em apreciação, se inclinando contra o toque. Por um momento, ele se amaldiçoou por abaixar as defesas, porque aquilo tornaria tudo mais doloroso. Mas não podia evitar. Ele sempre estaria entregue a Aurora.
— Eu sinto muito. — Ela soprou, vendo-o abrir os olhos dourados confusos e segurar seus pulsos levemente. — Não parece um futuro muito bonito, não é?
Jasper sacudiu a cabeça, franzindo as sobrancelhas em uma expressão profundamente séria e frustrada.
— Não é sua culpa, então não carregue-a por aí desse jeito. — Ele declarou simplesmente, muito mais firme do que gentil agora. — E, mesmo não sendo sua culpa, está fazendo muito mais do que deveria para consertar.
— Jas... — Ele sabe o que ela vai dizer, sabe e descarta o argumento antes que ela possa dá-lo.
— Não vai me convencer de que esse sacrifício seja minimamente aceitável. — Ele diz severamente. — Não é justo de jeito nenhum.
— São nossa família, Jas...
— E estamos lutando por eles, sempre, e há muito tempo. — Jasper declarou. — Eu os amo e sempre farei tudo por eles. — Ele sacudiu a cabeça em negação, os olhos brilhando com lágrimas angustiantes que ele nunca derramaria. — Mas tudo não incluí ficar parado vendo você morrer.
— Eles também morreriam por nós. — Aurora rebateu com uma delicadeza ímpar. Jasper apertou os lábios, olhos se fechando novamente quando ele pressionou sua testa contra a dela.
— Mas não são eles que estarão lá, podendo perder o amor de sua vida a qualquer segundo. — Ele soprou contra o rosto de Aurora. Ela piscou, atordoada e espalhando as lágrimas por seus olhos.
— Me desculpe, eu... — Aurora gaguejou em suas desculpas, sem saber ao certo se qualquer coisa que disseste poderia melhorar aquilo. Nunca poderia.
— Você... — Ele insistiu, segurando seu rosto entre as mãos, olhos penetrantes sobre os dela. Aurora tensionou, engolindo lentamente.
— Eu nunca quis partir seu coração. — Ela murmurou.
— Não seja tola. — Jasper rosnou, mandíbula trincada com força enquanto soprava contra os lábios de sua esposa: — Meu coração não seria nada sem você. Parti-lo é a última coisa que você tem feito.
— Mas eu...
— Eu escolhi estar com você por toda a eternidade, na paz e na guerra. — Jasper disse. — Ninguém nunca disse que seria apenas paz.
Aurora apertou os olhos, soluçando baixinho enquanto deixava sua cabeça cair sobre o peito de seu marido. Ele a acolheu em seus braços, suportando a dor dela e a sua própria silenciosamente e sem hesitar.
Não deveria terminar assim. Não era justo, ou bonito. E, talvez fosse um pensamento egoísta, mas Jasper só queria correr com sua esposa para o mais longe possível, esconder ela e seu filho de tudo e qualquer coisa que pudesse feri-los, e nunca mais ver os tons vermelhos de uma luta novamente.
Jasper queria poder ser tão egoísta nesse único momento. E esse seria seu sacrifício de amor.
Foi uma decisão inconsciente chegar até Volterra correndo. Aurora simplesmente começou, e não percebeu o quão longe estava indo até a metade do caminho. Não parar foi uma escolha firme. Jasper se dignou a não questionar absolutamente nada, e apenas correr ao lado da esposa por milhares de quilômetros de florestas, montanhas e prados.
Faltavam poucas horas para o nascer do sol quando Aurora avistou o castelo medieval no topo da colina mais próxima. Ela olhou para ele, algum tipo de queimação furiosa crescendo em seu peito, misturando-se a um novo tipo de vazio gelado e sádico. Um rosnado selvagem ficou preso em seu peito, comprimindo sua natureza gentil e pacífica.
— Espera. — Jasper agarrou sua cintura, e foi difícil como puxar um bloco de ferro maciço, mas ela se rendeu, erguendo o olhar escuro para o ex-Major. — Você sabe que isso pode se tornar feio em um piscar de olhos. — Aurora apertou os dentes, quase acuada por ter sido pega em um momento de descontrole. Jasper continuou: — Só quero ter certeza que ainda pretende fazer isso civilizadamente. Você quer?
Aurora respirou, piscando lentamente, como se isso pudesse dissipar o instinto assassino que tentava rasgar em seu peito.
Não podia.
Mas se tinha uma coisa que Aurora havia aprendido com maestria ainda em sua vida humana, era fingir.
Calmamente, ela balançou a cabeça em confirmação.
— Certo, civilizadamente. — Ela repetiu para si mesma. — Por que eu não sou como eles. — Jasper acenou positivamente. — Mas se a civilidade não funcionar...
— Então, dê a eles o seu pior. — Jasper completou, sorrindo sombriamente sob o olhar determinado de Aurora.
Ela ergueu o queixo estoicamente, voltando seu olhar para o castelo, e caindo sob a aldeia de Volterra. Se fosse honesta, Aurora sabia que havia deixado o resto de sua humanidade com seu filho, quando precisou se despedir dele.
Ali e agora, ela já era sua pior versão. A sede por violência e sofrimento corria por suas veias e pulsava em seus ouvidos. Era fervente, borbulhante e faminto. E foi a única coisa que ela já desejou mais do que Jasper. Vingança.
Ela era uma deusa, e Volterra iria tremer sob seus pés.
As figuras esbeltas e pálidas de Aurora e Jasper se encontravam paradas há pouco menos de três metros da torre do relógio. Imóveis na penumbra escura da madrugada, algumas peças de roupas escuras escondiam a maior parte de suas peles, e seus olhos dourados praticamente reluziam friamente no escuro. Eram como monumentos esculpidos à perfeição em pedra fria e dura.
Como estátuas de deuses antigos.
Eles esperaram, silenciosos de pacientemente sob os raios prateados da lua. No entanto, não tiveram que o fazer por muito tempo. Em alguns minutos, duas formas se moviam na escuridão do que era um extenso corredor de paredes de tijolos. Suas capas cinza claro ondulavam atrás de seus corpos, e os rubis cintilavam nos amuletos em seus pescoços.
Sob os olhares de ouro derretido, eles saíram das sombras casualmente. O mais alto tinha uma pele cor de oliva, mas pálido como giz, cabelos pretos, e a estrutura corporal de tão ou mais larga e intimidadora que a de Emmett. O segundo, pouca coisa mais baixo, parecia ter a altura de Jasper — o que ainda o fazia ao menos quinze centímetros mais alto que Aurora —, seus cabelos eram escuros e possuíam um reflexo sutil de dourado, e também não era musculoso como o primeiro homem, parecia mais magro e esguio.
— Ora, Félix, está vendo o mesmo que eu? — O segundo homem perguntou muito tranquilamente, quase formal demais. — Parece que os Cullen estão um pouco longe de casa.
— Eu diria que estão desesperadamente perdidos. — Félix zombou, repuxando um sorriso de dentes enfileirados e brilhantes, como se estivesse pronto para enfia-los no pescoço de alguém.
Aurora sabia um pouco sobre cada um deles, tendo feito sua própria cota de pesquisas e perguntas às pessoas certas. Eleazar sempre descreveu Félix como alegre e confiante demais em suas habilidades físicas, nunca tendo enfrentado um oponente à sua altura no que dizia respeito a força física. Ele quase sempre era visto ao lado de Demetri, de quem era um amigo próximo.
O que levava Aurora a acreditar que o outro ali era Demetri, o mais razoável e calmo entre os dois. Um rastreador absurdamente talentoso, mais até do que Jackson, e isso o colocava em primeiro plano de ameaças a serem aniquiladas.
— A que devemos a ilustre visita? — Demetri questionou educadamente.
Jasper tinha seus dentes bem travados em uma expressão dura, e, se não fosse o calor em seus olhos, poderiam jurar que todo seu rosto havia virado pedra. Ele piscou lentamente, virando a cabeça em um ângulo quase imperceptível para sua esposa. Aurora estava imóvel, mas não parecia tensa. Pelo contrário, ela soou quase casual quando soprou no ar frio:
— Seus senhores me devem uma conversa e apresentações dignas... sabe, depois de mandarem me jogar por um precipício. — Ela estalou a língua pensativamente, inclinando o queixo com certa petulância. — Maneira engraçada de dar as boas-vindas a alguém. — Acrescentou em um tom comicamente indiferente.
O rosnado no peito de Félix pareceu apenas aumentar o sorriso de Aurora, que apenas cruzou as mãos na frente do corpo, apreciando a reação.
— Os Volturi não lhe devem nada! — Félix esbravejou. Aurora desdenhou audivelmente.
— Oh, eu poderia escrever uma lista. — Ela olhou entre os dois vampiros, capturando certa curiosidade no rosto de Demetri. — Mas estou me sentindo especialmente generosa hoje. Vamos ficar apenas com a conversa, certo? — Ela não esperava nenhuma aceitação deles, e honestamente nem seria tão divertido. Então, apenas assistiu enquanto sua atitude parecia empurra-los para a beira.
— Chega. — A terceira figura, relativamente mais baixa do que Félix e Demetri, caminhou pelo corredor sem pressa, surgindo na luz com um ar apático, quase entediado.
Sua estrutura era semelhante ao de um adolescente, não mais que dezesseis anos quando foi transformado, baixo e magro, cabelo escuro e ondulado que se espalhava admiravelmente em todas as direções, e um rosto bonito de uma maneira angelical. Ele vestia uma capa mais escura, sugerindo sua superioridade sobre os outros dois. Aquele era Alec, ela percebeu rapidamente, devolvendo a ele o melhor olhar atento que ele lhe dava.
Alec parecia ter plena consciência de quem ela era também, devido ao brilho de reconhecimento e curiosidade em seu olhar vinho.
— Aurora, eu presumo. — Ele apontou, sobrancelhas levemente inclinadas. Aurora curvou a cabeça suavemente em confirmação. — Admito que sua presença era a última que esperávamos agora, especialmente escoltada pelo Deus da Guerra. — Alec fitou Jasper brevemente.
— Ninguém te contou? — Jasper devolveu com ousadia. — Você provoca um de nós e leva o segundo de brinde.
Félix rosnou, avançando um passo ameaçador antes que fosse impedido pelas mãos de Demetri. Aurora curvou os lábios em um sorriso meio sarcástico, suavemente batendo no peito de Jasper em um gesto de repreensão.
— Vamos acabar isso logo. — Alec interrompeu o possível embate entre os dois vampiros, acenando monótono e se virando para as sombras novamente.
Demetri puxou Félix, que seguiu Alec com insatisfação, olhando sobre o ombro frequentemente com seu rosto de predador, prestes a dar o bote. Em uma dessas, Aurora acenou infantilmente, sorrindo com falsa doçura. Ela podia jurar que Félix quase tropeçou em si mesmo.
Se fosse honesta, sempre haveria algo de satisfatório, quase prazeroso, em encantar a mente de alguém, entorpecendo seus sentidos até que eles não fossem mais capazes de pensar por conta própria. Era tão sutil e suave, como se uma sala cheia de pessoas não pudesse perceber o quanto ela os afetava, até que estivessem completamente cegos por sua presença.
— Você poderia estar se divertindo mais? — Jasper sussurrou, sorrindo de canto para a figura saltitante de Aurora.
— É um desafio? — Aurora perguntou de volta alegremente. Jasper devia ser a única pessoa que sentia a satisfação de Aurora em transbordar livremente seu poder, sem medo das consequências. — Estou só começando, querido. — Ela cantarolou, tendo a certeza de que os outros três pudessem ouvir. Ali, e naquele momento, era uma péssima decisão estar no caminho dela.
E se algum deles estremeceu de medo, isso era outra história.
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