36. Um sopro de agonia.
Bella gritou, alto e estridente, e foi um grito tão doloroso e agonizante que Aurora se encolheu no sofá onde estava sentada. Em seus braços, James se acordou assustado, os olhos azuis se enchendo de lágrimas que desceram silenciosamente por seu rosto infantil.
A Whitlock segurou o filho protetoramente contra o peito, os olhos correram, chocados, para o outro lado da sala, onde ela pôde ver em câmera lenta o corpo de Bella se contorcer de maneira impossível, e mergulhar em direção ao chão. Rosalie a segurou no mesmo instante. Jacob e Edward tinham expressões de horror, enquanto o segundo se esticava para também amparar Bella, que no mesmo segundo se inclinou para vomitar uma quantidade assustadora de sangue no piso brilhante.
O corpo dela se debateu nos braços de Rosalie, agonizante e coberto pelo próprio sangue, como se estivesse sendo eletrocutada. Enquanto Bella sacudia violentamente, Aurora ouvia os sons de rachadura que vinham de dentro do corpo humano e fragilizado, como se estivesse sendo totalmente quebrado. Bella já não estava mais acordada.
Aquilo não devia acontecer. Não agora. Não ainda. Carlisle estava fora. Esme, Jackson, Emmett e Jasper também. Devia demorar mais da metade de um dia para que Bella entrasse em trabalho de parto, por isso os outros saíram, para caçar longe de Forks. Estavam confiantes de que daria tempo.
Aurora entendeu que não tinham mais tempo algum.
Levou meio segundo para que Edward e Rosalie reagissem, e então eles se partiram com o corpo de Bella para o quarto preparado para o parto.
Aurora piscou, recobrando a consciência enquanto corria para o quarto onde mantinham um berço para James, inclinado-se para colocar o garotinho entre os cobertores.
— Tudo bem, amor. — Ela segurou as mãozinhas do bebê que chorava silenciosamente, ainda assustado com os gritos. — Durma, Jay, a mamãe volta logo. — Sussurrou calmamente, tocando com suavidade a testa do menino, que piscou sonolento e se acalmou, caindo no sono segundos depois.
Normalmente Aurora não usaria seu poder em James, mas aquela não era uma situação normal. E ela sabia que não conseguiria ajudar em nada se estivesse pensando em seu bebê assustado e sozinho.
Aurora correu para o quarto no segundo andar, onde o corpo inerte de Bella jazia em uma cama hospitalar no centro da biblioteca, rodeada de equipamentos que, supostamente, deveriam mante-la viva. Todos inúteis. A enfermeira improvisada era o cômodo mais movimentado nos últimos tempos. Mas, honestamente, Aurora nunca a viu tão caótica quanto agora.
Rosalie arrancou as roupas de Bella, exibindo sua pele fantasmagórica, coberta de hematomas escuros e expansivos. Edward enfiou uma seringa no braço magro da esposa, e Aurora imaginou se ele realmente acertou uma veia naquele espaço tão reduzido de carne.
Alice estava paralisada na porta, aterrorizada com as imagens que ela não conseguiu prever. Aquilo era um pesadelo para a vidente. Jacob também estava ali, atordoado enquanto tentava acompanhar os gritos de Rosalie e Edward, que falavam rápido demais para seres humanos compreenderem. Por sorte, nenhum deles era humano.
— O que está acontecendo, Edward? — Aurora questionou, mais devagar que os outros dois, mas não menos firme.
— A placenta deve ter descolado, e ele está sufocando!
Aurora mal teve um tempo de resposta, porque Bella recobrou a consciência, e gritou em agonia:
— TIREM ELE DAÍ! — Rosalie a havia amarrado à cama, e apenas por isso Bella não havia caído de tanto se contorcer. — Ele está MORRENDO! Façam isso AGORA!
— A morfina. — Edward rugiu.
— AGORA! — Mais sangue jorrou da boca de Bella enquanto ela gritava e Aurora correu, agarrando sua cabeça e virando de lado enquanto limpava sua garganta com os dedos para que ela pudesse respirar.
— Devagar, Bella. — Aurora pediu, a voz transbordando paciência enquanto mantinha a boca da humana entreaberta. — Cuspa o sangue e respire.
Alice correu até Aurora, colocando o celular em seu ouvido por baixo de seu cabelo ruivo. A Whitlock segurou o celular entre o ombro e o rosto, se esforçando para prender a respiração diante de todo o sangue que inundava o cômodo.
— Aurora, me diz o que aconteceu. — A voz de Carlisle foi uma curva de calma que Aurora precisava para se estabilizar na situação.
Seus olhos percorreram todo o espaço, vagando com pressa pelo corpo de Bella, e então para as figuras de Edward e Rosalie que não pararam de se mover por nenhum segundo.
— Está acontecendo, Carlisle. — Ela contou. — Bella está em trabalho de parto.
Alice recuou de volta para a porta, olhos arregalados e apavorados que se moviam entre todos eles. Jacob estava estático, pálido e enjoado, literalmente a um passo de vomitar.
— Consegue senti-los, Aurora? — Carlisle tornou a perguntar, e Aurora engoliu, apertando os dedos na garganta de Bella, de novo, para limpar o sangue que a sufocava.
— Eu... — Ela correu os olhos para o ventre exposto de Isabella. — Bella está... estão morrendo... ela e o bebê. — Ela evitou o olhar dos outros quando disse isso, porque sabia que havia assustado todos. — O que eu faço? — Aurora perguntou, com menos calma agora. — Me diz o que fazer, pai.
— Precisa tira-lo, querida. — O vampiro mais velho respondeu. — Tire-o e transforme a Bella.
Aurora sacudiu a cabeça, engolindo seco antes de dizer:
— Voltem depressa. — Ela jogou o celular de volta para Alice, que o agarrou no ar.
Rosalie apareceu com um bisturi em mãos.
— Espere a morfina de espalhar! - Edward gritou pra ela
— Não há tempo, Edward! — Rosalie rosnou. — Ele está morrendo!
— Rose, espera... — Aurora tentou, mas a mão da loira desceu para o estômago de Bella, e um ponto vermelho vívido esguichou onde
ela perfurou a pele. Bella se contorceu, e gritou na mão de Aurora, os dentes cravando na pele dura da vampira. Aurora não se importou, ela sequer sentiu.
E então Rosalie perdeu o foco, sua expressão mudou, e seus lábios se erguerem sobre os dentes, os olhos negros brilhando de sede.
— Rose, não! — Edward gritou.
Jacob se atirou por cima da mesa, bem em cima de Rosalie. Seus corpos se chocando emitiram um som estrondoso, como um desabamento. Aurora viu Jacob empurrando o rosto de Rose para o lado oposto, depois chutando-a no abdomen para a porta. Alice agarrou Rose pela garganta.
— Leve ela pro Jasper. — Aurora pediu rapidamente, vendo o relance de Alice arrastando a irmã pelo corredor.
Rose não relutou nem uma vez, nem contra Jacob. Ela queria que ele a derrubasse, para salvar Bella.
O estalo mais alto até agora atingiu seus ouvidos, algo se partia dentro de Bella. Os três pararam por um segundo, chocados, esperando pelo seu grito de resposta. Nada aconteceu.
— A coluna dela... — Edward soprou, horrorizado.
— Tire isso de dentro dela! — Jacob rosnou, erguendo o bisturi para Edward. — Ela não vai sentir nada agora!
Aurora foi a primeira a reagir, se movendo em um piscar de olhos para deitar Bella de costas novamente, segurando seu queixo com uma mão e tampando seu nariz com a outra. Ela empurrou o ar pros pulmões de Bella, uma, duas, três vezes, antes de se afastar e posicionar as mãos em seu tórax, iniciando a massagem cardíaca.
— Edward, tire ele, agora! — Aurora exigiu, sem parar as compressões. Os olhos dela, amarelo-escuro pela falta de alimentação adequada, tinham um brilho feroz de determinação enquanto ela empurrava o peito de Bella.
O som foi como metal sendo partido, e Aurora não precisou olhar para saber que Edward havia rasgado o saco amniótico com os dentes. A melhor coisa para cortar pele de vampiro: dentes de vampiro.
— Renesmee. — Edward cochichou.
Então o corpo de Bella ficou rígido embaixo das mãos de Aurora, sua respiração aumentou de ritmo e seu coração continuava a bater.
— Me deixe... — Bella gaguejou num sussurro partido. — Dá ela pra mim.
Aurora acenou, recuando um passo para que Edward colocasse Renesmee nos braços de Bella. Ela piscou e então encarou, finalmente vendo alguma coisa. Ela gemeu um som estranho, fraco:
— Você é... tão linda.
A vampira ruiva sentiu, antes de ver realmente, que a vida estava deixando Bella rapidamente. Ela sentiu o corpo de Bella amolecer, seus olhos desfocados rolando para trás da cabeça cegamente. Com uma última batida fraca, seu coração falhou e ficou em silêncio.
Nem meio segundo se passou, e Aurora estava com as mãos no tórax de Bella quando Edward pegou Renesmee de volta.
— Resista, Isabella. — Aurora grunhiu, separando seus lábios e forçando o ar na boca de Bella novamente. O brilho azulado nas veias da ruiva estava de volta quando ela voltou com as compressões, empurrando a luz ciano através do peito frágil da humana. — Não vou te deixar morrer, está ouvindo? Não vou deixar Renesmee sem a mãe.
Aurora só via borrões de cores em sua frente. O vermelho escuro do sangue que sujava tudo au seu redor, o azul da luz em suas mãos que atravessava o peito nu de Bella, o cobre de seu cabelo toda vez que ela se inclinava para ajudar a humana a respirar.
— Pegue o bebê. — Edward disse urgentemente para Jacob.
— Jogue-o pela janela. — Foi a resposta.
Então, Aurora atingiu sua cota para a insensibilidade do quileute. Toda sua paciência se esgotando em segundos quando ela ergueu os olhos furiosos para ele e rosnou selvagem. Ela teria sangue indígena nas mãos em um instante, se não fosse pela entrada de Rosalie no cômodo.
— Me dê ela. — A loira pediu em voz baixa. — Eu estou controlada. — Rosalie prometeu, e Aurora compreendeu que Jasper a havia ajudado. — Me dê o bebê, Edward. Eu vou cuidar dela até que Bella...
Edward pareceu concordar, entregando a menina para Rosalie, que a levou para longe dali.
— Afaste as mãos. — Aurora olhou rapidamente para Edward, vendo a seringa cheia de veneno de vampiro nas mãos dele. Ela parou as compressões em tempo de ve-lo enfiar a agulha no coração de Bella no mesmo segundo.
— O que é isso? — Jacob perguntou.
— Meu veneno. — Edward respondeu enquanto injetava. — Continue as compressões. — Ele ordenou, a voz gélida e morta.
Jacob se moveu na frente, assumindo o lugar de Aurora. Enquanto a ruiva não se preocupou em discutir por isso, ocupada em observar Edward morder Bella repetidas vezes: no pescoço; nos pulsos; na parte de dentro de seus braços; nas coxas, forçando o veneno no sistema dela, em todos os pontos que era possível.
Jacob soprava mais ar em sua boca, mas nada acontecia ali. Ele continuou pressionando seu coração, contando. Mas não havia nada ali.
Aurora era a única que podia ver a dor real do que acontecia. Ela enxergou a alma de Bella se estilhaçando, caindo pelas bordas, cada vez menos humana, menos viva. Então, se apagando... apagando... apagando... morta.
Aurora recuou, sentindo o salto do que um dia foi seu estômago, o calor subindo por sua garganta rápido e inevitavelmente. Ela pôde apenas piscar em reconhecimento antes de correr para fora do quarto e pelas escadas, alcançando a porta dos fundos antes de se curvar na trilha de terra e vomitar uma poça escura e viscosa de sangue.
Ela engasgou e cuspiu, ajoelhada na Terra enquanto tentava não pensar no gosto ácido do sangue em sua boca. Aurora estremeceu quando os braços frios circularam sua cintura e ombros, o sopro gelado de Jasper contra sua orelha:
— Estou com você, amor. — Ele a abraçava em segurança contra seu peito, ainda que ela estivesse inclinada e tossindo sangue. — Deixa ir, tudo bem. Eu te peguei. — Aurora quase chorou de alívio quando Jasper lhe envolveu em uma redoma de tranquilidade e proteção. Ela nunca se sentiu tão frágil antes.
O uso excessivo de seu poder, por semanas, e mais do que nunca minutos atrás, para manter o coração de Bella batendo. A sede que queimava sua garganta. A exaustão. A preocupação. Era muito para suportar, mesmo para um imortal, mesmo para Aurora.
Jasper passou os dedos pelo pescoço de sua esposa, bem acima da luz ciano que pulsava em suas veias sob a pele pálida. Era poder puro e cru, correndo pelas veias de Aurora, agora mais do que nunca, sufocante e impressionante. Ele a puxou contra o peito quando ela parou de vomitar, recuando contra os degraus das escadas, com os braços enrolados na ruiva.
— Ela está... — Aurora murmurou com pesar, descansando a cabeça pesada no ombro de Jasper.
O vampiro puxou a manga de seu casaco, limpando o sangue dos lábios de sua garota suavemente, antes de pressionar um beijo em sua testa. Do andar de cima veio um novo som. O frenético batimento de coração em transformação.
— Conseguiu, querida. — Ele sussurrou com a voz tranquila no ouvido de Aurora. — Pode descansar.
— Fique aqui comigo. — Ela pediu com a voz abafada, se encolhendo no colo do marido enquanto observava os pulsos azuis de seus poderes incansáveis e intermináveis.
— Eu não vou a lugar algum sem você. — Assumiu Jasper afetuosamente, entrelaçando seus dedos.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top