05. Há males que vem para o bem.
Aurora não era uma pessoa supersticiosa, nem de longe. Seus únicos medos eram de coisas que ela podia ver e tocar. E não deixaria nenhuma crença sem base de conhecimento definir seu comportamento. Mas ela sempre ouviu de sua avó que energias ruins atraem um karma ruim. E apesar de não basear seus atos cotidianos nessa crença, ela sabia que quando sentia que o dia começava estranho, ele seria estranho até o fim.
Então, quando acordou pela manhã de segunda-feira, sentiu o dia mais frio que o normal, e viu a neve cobrindo a saída de sua garagem e impedindo a passagem do carro, ela desejou fortemente voltar a dormir. Porque aquele não ia ser seu melhor dia.
Mas Aurora não poderia simplesmente ficar deitada ali e fingir que não tinha obrigações, sua consciência não deixaria.
Um pouco mais agasalhada, deixando de lado os sapatos de salto e optando por uma bota de cano curto, e prendendo seu cabelo em uma trança embutida, ela achou estar pronta para encarar a neve. E esteve, nos primeiros cinco minutos fora de casa, enquanto limpava um pouco da neve da calçada para conseguir tirar o carro. Depois desses minutos, ela queria mais do que tudo ficar perto da lareira.
Mas depois de dez minutos, lá estava ela, dirigindo à caminho da escola, com a velocidade reduzida e a atenção redobrada. Era muito mais fácil causar algum acidente nas vias cheias de neve e geada. Demorou um pouco mais que o normal, mas logo ela estava estacionando em sua vaga de sempre. Ela se perguntou se as pessoas não estacionavam ali de propósito. Seria engraçado eles terem medo até de parar na vaga "dela".
Assim que saiu do carro, Alice lhe acenou para se aproximar. Toda a família estava ali, e eles lhe olhavam com pequenos sorrisos enquanto ela se aproximava. É claro que aquilo não passou despercebido, e Aurora sentia suas costas queimando de tantos olhares enquanto ela cruzava o estacionamento.
— Bom dia. — Ela sorriu calorosa.
— Bom dia. — Eles responderam em um coro, muito afinados, diga-se de passagem.
— Como foi o fim de semana? — Jasper perguntou, como se nenhum deles soubesse a resposta. Bom, Aurora achava que não sabiam.
— Eu fui acampar. Foi divertido. — Ela respondeu sorridente.
— Foi sozinha? — Alice perguntou, como se eles também não soubessem. Aurora assentiu.
— Na próxima vez nos chame. — Emmett falou. — Edward tem pavor de mosquitos, então ele é nossa reserva de repelente. — Aurora não conteve a risada. Edward fuzilou Emmett com o olhar enquanto o mesmo ria.
— Certo. — Ela limpou uma lágrima invisível. — Na próxima eu chamo vocês.
— Isso me faz lembrar... — Alice começou pensativa. — ainda não temos seu número. —Ela estendeu seu próprio celular para Aurora, que aceitou e começou a gravar seu número na agenda de Alice. Ao mesmo tempo ela sentiu alguém pegar seu celular no bolso do sobretudo. Ela prendeu um sorriso quando viu Jasper gravando o número dele ali.
— Prontinho. — Sorriu amarelo, devolvendo o celular a Alice.
— Aqui também. — Jasper lhe sorriu de canto, colocando o celular de volta em seu bolso e envolvendo um braço em seus ombros. Automaticamente, Aurora passou seu braço pelas costas dele, como se já fosse um ato muito comum.
Alice faltava saltitar de alegria, mas ela se continha em sorrir. Edward sorriu, um pouco incomodado em não saber o que se passava na mente de Aurora. Emmett tinha um olhar malicioso no rosto, mas segurava suas piadinhas apenas em sussurros, tão baixos que apenas os vampiros ouviam. Mas Rosalie o conteve, cotovelando levemente sua barriga e sussurrando para que ele deixasse seu irmão em paz. A loira tinha um sorriso quase imperceptível no rosto.
Rosalie podia não gostar de estar próxima de humanos. Mas reconhecia que aquela humana fazia bem ao seu irmão. E, por enquanto, isso bastava.
— Da próxima vez que achar que deve ficar em casa, fique. — Aurora teria rido, se não fosse pela dor que sentiu no momento exato que seu pulso foi colocado de volta no lugar. Ela mordeu o lábio para não gritar. Jasper a olhou preocupado e deslizou a mão pelas costas dela. — Hey, respira. — Ele disse calmamente, e Aurora respirou fundo, sentindo seus lábios tremerem.
— Vou imobilizar seu braço e receitar alguns remédios para dor. — O Dr. Cullen tinha muitas semelhanças com Jasper, ela precisava admitir. Se não soubesse que ele também era adotado, ela acharia que ele era seu filho biológico. — Não faça esforços com essa mão, e em uma semana não vai mais incomodar. — Ele explicou enquanto enfaixava o pulso de Aurora.
— Obrigada, Dr. Cullen. — Ela agradeceu, recebendo de volta um sorriso gentil.
— Como isso aconteceu? — Aurora abriu a boca para responder, mas percebeu que nem ela entendia de fato como aquilo havia acontecido.
— Estávamos saindo do ginásio. — Jasper começou a contar. — Alguns alunos começaram uma discussão na porta, e não demorou pra virar uma briga física. — Aurora não havia pego aquela parte. Quando ela chegou a briga entre alguns jogadores já estava formada, e o caminho completamente bloqueado pela multidão.
— As pessoas começaram a esbarrar umas nas outras, e em uma dessas algumas pessoas caíram em cima de mim. — Aurora contou. — Um daqueles momentos em que estamos no lugar errado e na hora errada. — Ela brincou, sorrindo sem graça. Carlisle riu, mas Jasper apenas sorriu fraco, cruzando um braços enquanto ainda olhava para o pulso, agora enfaixado, de Aurora.
— Pelo menos vai ganhar um atestado, está liberada das aulas de amanhã. — Ele disse. Aurora olhou para Jasper e disse em um tom sério.
— Eu adoro seu pai. — Os dois riram. Jasper pegou as receitas e o atestado com seu pai.
— Obrigado, pai. — Ele agradeceu. — Te vejo em casa. — Carlisle assentiu, com um leve sorriso.
— Até logo, Aurora. — Ele acenou para a ruiva, que acenou de volta, sorridente.
— Até. — Ele se afastou, saindo do pronto socorro. Jasper se aproximou, pegando o casaco de Aurora na cadeira.
— Vem, deixa eu te ajudar. — Ela aceitou a ajuda. Afinal, não estava em posição de rejeitar nada. Além disso, Jasper era muito cuidadoso, quase como se ela fosse se partir ao menor descuido. Ele fechou os botões do sobretudo dela e ajeitou a gola.
— Obrigada. — Ela agradeceu baixou. Jasper beijou sua testa e sorriu, estendendo o braço para que ela entrelaçasse o seu.
— Senhorita? — Ela riu enquanto retribuía o gesto teatral.
— Muito nobre, Sr. Hale. — Jasper sorriu, admitindo internamente que adorava a forma como ela dizia seu sobrenome.
Jasper observou a forma descontraída que Aurora andava pela própria sala, agora sem tantos casacos, apenas uma blusa cinza de mangas, calça jeans e meias, procurando algum livro na estante e cantarolando. A voz dela sobrepunha o crepitar do fogo na lareira, pelo menos na audição de Jasper, e era uma graça quando ela parava de citar a letra e simplesmente murmurava no mesmo ritmo.
Jasper apenas notou o quanto estava vidrado quando ela já vinha novamente em sua direção, comum livro nas mãos e um sorriso nos lábios. Ela se largou ao seu lado no sofá, juntando as pernas na frente do peito.
— Drácula. — Jasper leu o título do livro, sorrindo um tanto sarcástico. — Boa escolha. — Aurora apenas lhe olhou curiosa. Ela não sabia se ele estava falando sério agora.
— Se zombar do Drácula, ele vai te fazer uma visita na próxima noite. — Ela brincou forçando um tom sério.
— Mesmo? — Jasper perguntou, erguendo uma sobrancelha. — Acho que o Drácula tem mais o que fazer. — Ele zombou. Aurora deu de ombros, abrindo o livro e fixando seus olhos nele.
— Isso é você que está dizendo. — Ela murmurou em resposta, o que fez Jasper riu pelo nariz. — Ainda quer que eu leia? — Ela perguntou.
— Sempre, senhorita. — Ele respondeu.
Aurora conteve um sorriso e começou a ler em voz alta, sem nunca desviar os olhos do livro. Ela tinha o costume de ler em voz alta, mas apenas para si mesma. Era um pouco intimidador fazer isso sabendo que alguém estava lhe olhando bem de frente, e prestando muita atenção. Ainda mais sabendo que esse alguém era Jasper. Se ela não olhasse, podia fingir que estava sozinha.
Já Jasper, precisava se lembrar de respirar, e piscar às vezes. Apesar de achar difícil se concentrar em algo quando via Aurora quase deitada de frente para si, o rosto iluminado apenas pelas chamas da lareira, o cabelo caindo pelo pescoço, e os lábios, avermelhados pelo frio, em constante movimento enquanto falava. A voz dela preenchia seus ouvidos como uma melodia.
Jasper ficou em silêncio enquanto Aurora lia, o primeiro parágrafo, a primeira página, o primeiro capítulo. Ela era tão suave, e envolvente, que Jasper podia ficar ali, pelo resto da eternidade.
Mas ela parou a leitura, bocejando um pouco.
— Já está tarde. — Ele disse, olhando para a janela e vendo que já estava escuro lá fora.
— Não precisa ir ainda. — Ela murmurou, ajeitando a cabeça nas almofadas, agora olhando-o de frente, e levando a mão ao pescoço. Jasper notou uma corrente dourada e fina ali, e olhou com curiosidade.
Ele levou a mão ao pescoço de Aurora, sentindo a pele dela se arrepiar com seu toque frio, e segurou a corrente, puxando-a levemente para fora da blusa, para ver o pingente. Aurora não se afastou, apenas observou atentamente os movimentos de Jasper.
Ele abriu o relicário e viu o espaço para foto vazio, agora lançando um olhar questionador para Aurora.
— Não tive nada que valeu à pena ser guardado aí. — Ela murmurou com simplicidade, como se adivinhasse a pergunta em seu olhar. Jasper voltou a fechar o pingente, agora encontrando uma inscrição muito delicada atrás.
— Lyra. — Ele leu. Aurora sorriu, um sorriso que Jasper identificou como saudade, carinho, e tristeza.
— A família da minha avó tinha o costume de colocar os nomes do meio como alguma constelação. — Ela contou. — Ela escolheu o meu quando eu fui adotada. Lyra. — Jasper viu os olhos de Aurora brilharem, úmidos. — Era só assim que meu avô me chamava. — Jasper sentiu todo o afeto que Aurora tinha pelos avós.
— Você parece gostar muito dele. — Ele comentou, mesmo que tivesse certeza do que dizia.
— Foi o melhor homem que eu conheci. — Ela disse com um sorriso fraco.
— Me conta. — Ele pediu, sentindo que Aurora precisava falar sobre aquilo. Ela assentiu, respirando fundo.
— Durante a Segunda Guerra, antes de conhecer minha avó, ele foi dispensado pelo exército, e voltou a trabalhar na empresa do pai dele. Um dia, ele descobriu que embaixo do prédio tinham túneis antigos, que eram usados no caso de inundação, mas agora estavam esquecidos. Então, ele os mapeou, por dois meses, descobrindo cada uma das saídas, intercessões, tudo. — Jasper estava extremamente atento. — Quando acabou, ele começou evacuar todos os judeus que conhecia da grande cidade, levando-os por túneis para os campos, ou para abrigos subterrâneos. Logo não eram só os judeus, eram todos que estavam sendo perseguidos. Ele usava a desculpa de estar contratando, levava-os para o prédio da empresa. E lá todos usavam os túneis. Nenhum deles era visto de novo. E ninguém nunca o entregou. — Ela sorria orgulhosa agora. — Em 2000 ele foi homenageado na inauguração da Exibição do Holocausto no Imperial War Museum, em Londres, pelo resgate e proteção de 2.321 pessoas perseguidas pelo nazismo. — Aurora segurou seu pingente entre os dedos. — Ele morreu há quatro anos. Mas ainda é a pessoa mais maravilhosa que eu conheci. — Jasper sorriu deslizando os dedos pelo rosto de Aurora, limpando uma lágrima que escapou de seus olhos.
— Tenho certeza que ele foi incrível. — Ele disse.
— Ele fez muitas coisas. — A voz dela foi quase um sussurro afetado. — Mas, infelizmente, criar um bom filho não foi uma delas. — Era a primeira vez que ela mencionava um dos pais, e já foi o bastante para Jasper perceber que não era uma convivência agradável.
— Mas ele teve uma neta que compensa isso. — Jasper disse firme. Aurora sorriu sem mostrar os dentes, sem saber o que dizer. Apenas continuou a olhar para o loiro, que agora lhe acariciava o cabelo, e lhe fitava com os lindos olhos amarelados. Ela foi atingida por um sopro quase sufocante de paz, e carinho.
— Obrigada. — Murmurou, sentindo seus olhos pesarem pelo sono. — Por estar aqui. — Jasper sorriu quando ela fechou os olhos, e beijou entre os cabelos ruivos.
— De nada, senhorita. — Ele murmurou, sabendo que ela já dormia.
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