𝐁𝐎𝐑𝐍 𝐓𝐎 𝐃𝐈𝐄, single
Come take a walk on the wild side
Let me kiss you hard in the pouring rain
You like your girls insane
So choose your last words, this is the last time
'Cause you and I, we were born to die
─── Born To Die, Lana Del Rey
Déjà-vu é um termo francês que significa "já visto", dando a sensação de que já viveu aquele momento, já viu aquelas mesmas pessoas ou sentiu tais intuições. Presa naquela cabine do banheiro da faculdade, você tinha plena noção de estar passando por isso mais uma vez.
As paredes cinzentas ficavam cada vez menores e desfocadas, enquanto o ar concentrava-se em ficar cada vez mais rarefeito, dado que sua respiração estava completamente ofegante.
O cubículo era pequeno demais e isso com certeza te deixava ainda mais nervosa e desconfortável, tendo certeza que seria engolida pela própria covardia. Elevou o queixo e apertou a coxa com a mão livre, local onde suas unhas deixaram leves marcas sobre o jeans escuro.
Apertou os olhos com força, numa falha tentativa de não deixar as lágrimas caírem, mas acabou perdendo outra batalha. As gotículas salgadas desciam lentamente, indicando somente a sua fraqueza e vulnerabilidade.
Tudo aquilo estava acontecendo novamente, com as mesmas sensações, com as mesmas dores e, principalmente, com as mesmas dúvidas.
Será que tudo isso vale a pena? Faz seis meses desde a última vez, certo? Por que você está fazendo tudo isso outra vez? Será por uma mentira deliciosa ou por pura vaidade?
Não é o momento de ter uma maldita recaída.
Seus olhos aguados mantinham-se presos ao objeto em suas mãos e a ansiedade aumentava cada vez mais. Você está indo tão bem, certo? Jogar tudo para os ares a esta altura do campeonato realmente é algo pelo qual não vai se arrepender?
Suas mãos permaneciam trêmulas e oscilantes, os pelos de seus braços permaneciam em pé e seu coração batia cada vez mais rápido contra a caixa torácica, indicando o nível de adrenalina que estava sendo liberada.
Entre seus dedos estava um zip lock fechado, contendo uma única pílula de ecstasy. Já fazia muito tempo desde a última compra, mas, mesmo sabendo que não era uma boa ideia, acabou sendo enganada pelo meu próprio corpo e se rendeu ao cansaço, comprando algum sintético depois de seis meses sóbria.
Sustentou o olhar para o comprimido, lutando contra a avassaladora vontade de tomá-lo de uma vez e fingir que sua mente não estava implorando por isso a muito tempo. Involuntariamente, seus dedos deslizaram a abertura do zip lock, fazendo-a pegar o comprimido na ponta dos dedos, se permitindo sentir a textura. Porra, isso é uma tortura.
Lentamente, seu braço levantou aos poucos em direção aos seus lábios, e, por pouco, se deixou levar outra vez. Se afastou em quase um pulo, amaldiçoando a si mesma por quase ter feito isso outra vez. Guardou de novo a droga no pequeno pacote, o fechando com maestria. As lágrimas continuavam deslizando em suas bochechas e seu corpo não parecia responder aos comandos.
Vício de merda.
— [Nome]! — uma voz feminina surgiu do outro lado da porta, batendo levemente sobre a abertura. — [Nome], eu te vi vindo para o banheiro, mas você acabou demorando muito. Tá tudo bem aí?
Mitsuri. Rapidamente escondeu o zip lock dentro da mochila e limpou as lágrimas com a manga do casaco, se recompondo rapidamente antes mesmo de responder.
— Oi, Mit — sua voz saiu trêmula e o olhar afiado e desconfiado de sua melhor amiga atravessou pela porta. — Tá tudo bem sim, só foi uma cólica rápida. — mentiu, mesmo sabendo que a culpa pesaria mais tarde.
— Ah, é mesmo? — a rosada indagou com preocupação. — Olha, eu tenho remédio aqui, você quer?
— Não, está tudo bem. — afirmou rapidamente. A última coisa que você quer é preocupar Kanroji com seus próprios problemas fúteis e insignificantes.
— Então, sai logo daí! Daqui a pouco o horário de aulas vai começar e com certeza uma estudante de direito não gosta de se atrasar, estou certa? — Mitsuri disse bem humorada, afastando-se um pouco mais para lavar as mãos na pia.
Sentiu seu coração diminuir as rápidas batidas e a respiração voltar ao normal, fazendo com que um alívio repentino te consolasse. Por pouco, novamente, quase se deixou levar pela euforia de esquecer tudo o que acontecia ao seu redor e fantasiar com um mundo perfeito onde a dor não existe.
Porém, uma dor não anula a outra.
E, mesmo sabendo que isso era a mais pura verdade, enganava a si mesma. Talvez isso fora sua válvula de escape para não retomar todas as péssimas lembranças que surgiam nos piores momentos. Quando uma dor era insuportável demais, você encobria com uma nova dor e, se sentia uma, não sentia a outra.
Respirou fundo e arrumou o casaco grande contra o corpo, além de colocar a mochila nas suas costas e deixou a cabine, dando de cara com uma Mitsuri mexendo no celular com uma expressão entediada. A mulher de longos cabelos rosa e verde te olhou de imediato, abriu um sorriso acolhedor e agarrou seu braço para deixarem o banheiro.
— Você viu o Uzui hoje? — Kanroji indagou enquanto mantinha seus olhos verdes fixados no longo corredor em que estavam.
— Não, mas ele disse que viria. — respondeu rapidamente, ouvindo o forte contraste de seus coturnos pretos contra os saltos altos rosa da mulher ao seu lado, te irritando levemente com a disputa de quem era mais barulhento.
— É claro que ele vai vir, [Nome]. Uzui não consegue passar um único dia sem ver a gatinha dele. — Mitsuri zombou, e você apenas deu uma risada alta com o comentário.
Tengen Uzui é seu melhor amigo de infância, viveram e cresceram juntos por serem vizinhos quando menores. Atualmente, a amizade permanece intacta, com o mesmo cuidado e zelo, mantendo suas raízes unidas, sem nunca termos nos separado para nada. Contudo, as coisas mudaram um pouco a alguns poucos meses. Realmente você não faz ideia de como isso aconteceu, mas acabaram se envolvendo um pouco mais.
Uzui já te viu de todas as formas, conheceu suas qualidades, defeitos e meio-termos. Ele sabe melhor do que ninguém quais são seus sabores favoritos de macarons, até o cheiro que você mais odeia no mundo. Tengen sabe sobre sua péssima mania de contar em números pares quando está nervosa, e sempre implica contando os números ímpares. Ele sabe melhor do que ninguém quando está triste com algo, e sempre tenta ao máximo dar seu melhor para a tristeza sumir. Ele sabe melhor do que ninguém o que você gosta entre quatro paredes. Ele sabe melhor do que ninguém como foi sua infância, assim como você sabe como foi a dele.
Ele sabe melhor do que ninguém o que aconteceu a dois anos atrás, afinal de contas, foi ele que te encontrou deitada no chão do quarto, em convulsão.
Ele sabe melhor do que ninguém o quão é difícil parar.
— A gente se vê no almoço? — a voz de Mitsuri invadiu seus ouvidos, fazendo-a acordar de um transe que nem sabia que estava. Balançou a cabeça em concordância.
— Sim, é claro. Tô com vontade de um hambúrguer enorme. — falou em um tom de brincadeira, pegando o fone de dentro da mochila e conectando no celular.
— Se a Shinobu descobrir que você está falando isso, com certeza vai puxar sua orelha. — Kanroji deu uma risada leve ao mencionar uma amiga de vocês, cujo seu curso era enfermagem e a responsável por cuidar dos costumes alimentares do grupinho. Obviamente, não era sempre que dava certo.
— Nem me fale — deixou escapar uma risada soprosa. — Boa aula, até mais tarde.
— Para você também, peach. Até mais! — observou sua melhor amiga seguir para o bloco de prédios onde faz seu curso de Moda e a xingou mentalmente pelo apelido vergonhoso.
Geralmente vocês seguem caminhos opostos por seus cursos serem de áreas diferentes, mas ela sempre insiste em te deixar perto da sala, por precaução. E, não é que você queira dar a completa razão para ela, mas entende completamente a preocupação. E não somente dela, como de todo o grupo em si.
Eles viram a sua situação a dois anos. Todos eles assistiram você se afundar de pouco em pouco e, mesmo com o auxílio deles e de suas palavras alarmantes sobre o quão usava e o quão era problemático, foi extremamente teimosa e não ouviu.
Com certeza é o maior arrependimento que você vai carregar para sempre em sua consciência; entretanto, ainda é complicado estar longe.
Antes que você desse conta, já havia subido as escadas e chego em frente a sua sala de aula, assistindo seus colegas de classe conversarem entre eles em um tom inaudível. Soltou um suspiro cansado e seguiu para sua carteira, onde se aconchegou em seguida. Com a mochila sobre a bancada e seus fones sendo inundados por alguma música aleatória da playlist, sentiu um leve peso na nuca e não tardou em deitar sua cabeça no lugar mais confortável que achou.
Suas pálpebras pesaram e sua mente flutuou para longe, trazendo consigo os mesmos pensamentos cotidianos e inoportunos, que invadiam sua mente e consumiam grande parte da energia, deixando-a ainda mais exausta.
[...]
As aulas da parte da manhã passaram como um completo borrão, tanto que mal notou quando já era o horário de almoço. Reparou sua mesa completamente bagunçada, contendo vários livros de um lado e inúmeras anotações espalhadas pelo outro, além dos marca-textos, post-its e canetas sobre as folhas.
Rapidamente organizou tudo e guardou na mochila, deixando o prédio em direção ao refeitório. Você imaginava que a maioria dos meus amigos já estavam lá, então relaxou seus ombros pesados e deixou a música do fone te distrair durante o caminho. Examinou os alunos que também seguiam para o mesmo local que você, e até mesmo cumprimentou alguns velhos conhecidos.
Entre eles estava Douma, o veterano que era conhecido por vender os melhores sintéticos em todo o campus. Querendo ou não, os universitários são jovens adultos em busca de diversão, que gostam da sensação que a droga dá. Então, na maioria das festas que aconteciam na fraternidade, era mais do que normal ver todos compartilhando dos mesmos doces e se divertindo às custas de um alucinógeno.
Você sabe bem como é isso, pode ter certeza.
Douma era um maldito imprestável que gostava de presas fáceis para diversão própria. Ele era o tipo de cara que você odiaria na primeira conversa, já que ele mesmo insiste em ser um cuzão que vê tudo e todos como um pedaço de carne, que pode ser usado e abusado sem dó.
Você nunca gostou dele e sentia repúdia de suas ideologias, mas, o que poderia fazer se ele era o único que vendia as melhores? Que sempre fazia um preço especial para você por ser bonita? Pelos deuses, esse homem é asqueroso.
Somente com essas lembranças sentiu seu âmago balançar e a garganta inchar, trazendo à tona o que tanto lutou para esquecer. Balançou a cabeça de um lado para o outro para esses pensamentos sumirem e continuou andando até seu destino, onde chegou logo depois. Vasculhou o imenso salão repleto de mesas ocupadas e falas impossíveis de entender, e viu vários estudantes comprarem suas refeições nos restaurantes instalados lá.
— Você se perdeu de novo? — uma voz grave e rouca soou atrás de sua orelha, fazendo com que tomasse um breve susto. O autor da brincadeira sorriu com sua reação, mas manteve a expressão irritada no seu rosto enquanto dava socos rápidos no braço do homem. — Seus socos permanecem fraquinhos, não é?
Você sempre odiou como Tengen era fodidamente bonito e atraente, além do charme e elegância que carregava consigo. Naquele dia, especificamente, o mais alto estava com os cabelos soltos na altura de seus ombros, deixando somente uma mecha de sua franja exposta na frente. Ele usava sua marcante maquiagem, consistindo em alternar pontos grandes e pequenos que correm para dentro dos olhos, numa tonalidade avermelhada. Trajava somente uma regata de gola alta preta e uma calça moletom de mesma cor, deixando sua estrutura corporal musculosa cada vez mais à mostra.
Uzui sempre foi um símbolo de extravagância e excentricidade, chamando a atenção por onde passava, arrancando suspiros de amor ou de ódio. E, como de costume, aquele dia não foi diferente. Você assistia de longe um grupo de meninas conversar sobre ele, e até mesmo chamá-lo algumas vezes para a mesa, mas Tengen fingiu não ouvi-las e continuou olhando atentamente para você, como se pudesse saber o que você pensava.
— Não reclame quando um dia este soco acertar o seu rosto — respondeu em brincadeira, mas o mais alto sorriu novamente. Céus, esse maldito sorriso. Você sempre odiou a forma como seu coração acelerou. — A não ser que você seja masoquista, aí será outro caso. — deu um sorriso petulante.
— Que tal a gente descobrir? — ele respondeu no mesmo tom que o seu, mas você manteve a posição firme, por mais que seus pés quisessem falhar.
— Tenha modos, Tengen Uzui, estamos em horário de almoço e você sabe o quão ela é sagrada! — colocou a mão em seu peito numa falsa indignação. — Vem, vamos para a mesa.
Você o deixou para trás, mas pode sentir seu olhar afiado sobre suas costas, analisando canto por canto. Tentou ignorar ao máximo essas espiadas e apertou o passo para a mesa de sempre, onde seus amigos já estavam agrupados. Uzui te seguiu com um semblante enigmático, cruzando os braços e percebendo que tinha algo errado. Ele sempre sabia.
— Por que demorou tanto? — Mitsuri perguntou diretamente para você com as sobrancelhas franzidas assim que sentou-se ao lado dela.
— Estava fazendo algumas anotações, acabei perdendo a noção do tempo. — respondeu simplista, sua melhor amiga se viu por vencida e voltou a comer.
— [Nome], como você está? Suas aulas foram boas? — Kyojuro Rengoku indagou com seu tom energético de sempre, após dar uma mordida em um onigiri.
— Estou bem, mas meus olhos estão ardendo bastante pela iluminação dos slides. — você piscou algumas vezes pela ardência e viu um braço estendido no seu lado direito, deixando um prato com salada caesar a sua frente. Você franziu o cenho. — Eu queria hambúrguer. — reclamou em brincadeira e fingiu uma expressão chorosa.
— Nada de hambúrguer, [Nome]! — Shinobu Kocho noticiou quase imediatamente, tomando suco de laranja natural em seguida. — Já fazem duas semanas que sua alimentação é besteira, quer ter um ataque cardíaco porque suas veias estão entupidas?
— Pelo menos ela vai morrer feliz. — Sanemi Shinazugawa falou dessa vez, fazendo todos da mesa concordarem com a provocação. Kocho deu outra mordida no sanduíche.
— Vira essa boca pra lá, e vocês sempre são do contra.
— Obviamente. Quem vai fazer os comentários idiotas? — Iguro Obanai disse como se fosse óbvio, recebendo risadas dos outros e um dedo do meio da de cabelos roxos.
As conversas dos amigos permaneceram na mesa, rindo de alguma besteira que foi dita ou de alguma fofoca que Mitsuri havia descoberto. Uzui sentou-se ao seu lado e te deu um sorriso pequeno. Seus olhos eram sugestivos e, ao mesmo tempo, preocupados. O de cabelos brancos te observou atentamente, analisando cada traço seu, como se pudesse ler seus pensamentos.
— Está tudo bem, [Nome]? — o mais alto questionou levemente aflito, fixando os olhos nos seus.
Você sempre odiou essa pergunta. Por mais que geralmente seja por um meio apático, numa tentativa de te ajudar de algum modo, você sempre soube que essa maldita pergunta poderia destravar tudo o que sua mente já havia bloqueado.
Você engoliu em seco e manteve o olhar firme. Uzui já sabia que algo te incomodava e, com toda certeza, queria sanar essa inquietação.
Tengen sempre sabia quando algo estava errado. O homem tinha plena noção de que suas ações eram semelhantes à da última vez que teve uma recaída, e isso o assustava. Seu humor havia mudado e se transformado em ácido, o que não faz parte do seu cotidiano.
Você sempre estava de cabeça erguida e com um bonito sorriso no rosto, mesmo tendo ciência de que estava em péssimos momentos. O esbranquiçado sempre viu isso como uma espécie de trava de segurança, onde situações específicas não te abalavam de maneira alguma.
Entretanto, ele sabia de suas fraquezas e sabia que você tinha o costume de engolir tudo sozinha para não atrapalhar os outros. Ele também sabia que queria te ajudar a todo custo.
Deu de ombros e soltou um suspiro profundo, balançando a cabeça.
— Por que não estaria? — você deu um sorriso de orelha a orelha. Ele te olhou desconfiado, e passou seu braço direito ao redor de sua cintura, te trazendo para mais perto.
— Não importa o que aconteça, não importa o horário, não importa o local, não importa se o apocalipse está acontecendo, se precisar de mim, não hesite em me chamar.
Uzui sentia um déjà-vu estranho com essa mesma frase. Ele conseguia lembrar perfeitamente dessas mesmas palavras sendo ditas a dois anos atrás, quando você acordou no hospital. Tengen nunca havia ficado tão assustado como daquela vez.
Ver você deitada no chão do quarto em convulsão, completamente inconsciente, com as íris batendo em suas pálpebras e os lábios num tom azulado, fizeram o jovem Uzui de 21 anos entender tudo o que negava.
O desespero de tudo dar errado e você não acordar eram as piores hipóteses que existiam. O cenário do homem suando frio, com os olhos arregalados e o nervosismo correndo em suas veias era extremamente nítido. Nas noites em que você ainda estava inconsciente, ele segurava sua mão e chorava em silêncio. Mesmo sabendo que seu coração batia e sua respiração era estável, o medo permanecia.
Ali, sentado na poltrona de um quarto branco do hospital, ele parou de negar para si mesmo algo que já era verídico. Ele aprendeu que o medo de perdê-la era real, e que se não a protegesse do jeito correto, não poderia gritar para o mundo o quão a amava. O quão era bonita e inteligente. O quão era divertida e amada. O quão era importante para ele. O quão era doloroso vê-la se machucar.
E, atualmente, sabendo que sempre foi apaixonado por você e querendo muito mais do que somente algumas ficadas casuais, não era como se o medo tivesse se dissipado.
Uzui estava cansado da dúvida e de habitualmente viver com a ideia irreal de que é um amor passageiro. Ele sabe que não é, e odeia enganar não só você, como a si mesmo.
Seu coração implorava para ser ouvido.
— Não se preocupe, você é o primeiro da lista de contatos. — tentou soar divertida, Tengen relutou por alguns segundos mas te soltou, assentindo em seguida e suspirando profundamente.
— Ótimo. Agora come, não quero que se alimente mal. — advertiu.
— Com certeza você é o maior orgulho da Shinobu.
[...]
— Espera aí, [Nome]! — Mitsuri te chamou com a cotidiana voz doce, acompanhou seus passos em seguida e prendeu o próprio braço ao seu. — Vou com você para a sua casa.
As aulas daquela sexta-feira finalmente chegaram ao fim, e você não podia estar mais agradecida. Aquele era o dia da semana mais cheio e cansativo, graças a um milhão de trabalhos e livros que os professores passavam. Então, quando acabava, todos os alunos comemoravam como se tivessem ganhado na loteria. Você e a rosada seguiram caminho até o estacionamento, assistindo todos os estudantes correrem para seus próprios carros, ou indo para o Starbucks do campus.
Mitsuri falava sobre algum professor que tinha pedido para ela ser monitora de alguma coisa que você não tinha prestado atenção, já que sua cabeça vagava com o medo de ela ver a pílula, ou de você querer engoli-la de vez. Seus pensamentos voltavam para o sabor amargo do comprimido, da sensação boa de esquecer o quão era horrível sentir demais, do desejo de tomar cada vez mais. Amassar, misturar, ingerir.
— [Nome]? Você tá bem?
— Hm? — você perguntou, nitidamente perdida em seus próprios pensamentos e desejos indevidos, mergulhando em um lago profundo de ideias maléficas e quase se afogando. Mitsuri te olhou novamente, tão preocupada quanto antes.
— Você tá bem? Parece meio distraída. — ela disse, e uma pontada atravessou o seu peito pela dor de vê-la preocupada.
Você fez um gesto expansivo, tentando afastar a aflição de sua melhor amiga.
— Estou bem, apenas cansada. — disse, mentindo e ao mesmo tempo falando a verdade. Você não sabia ao certo o que fazer e nem o que falar.
Mitsuri te olhou de soslaio, perguntando-se se deveria insistir para descobrir de uma vez por todas o que aconteceu. Mas, mesmo angustiada com essa situação, apenas acariciou seu braço lentamente, indicando que se precisasse conversar, ela estaria lá por você. Ela deu um sorriso acolhedor em seguida.
— Vem, vamos para casa. Vamos comer doces e assistir filmes de terror de orçamento extremamente baixo.
— E é exatamente isso o que os torna tão bons — você comentou, rindo um pouco. Kanroji concordou rapidamente. — Você não estava de dieta? Até mesmo proibiu o Obanai de comer minhocas cítricas.
Mitsuri riu vagarosamente e deu um tapinha no seu ombro.
— E, mesmo eu dizendo que é gordura pura, ele come como se fosse alface — ela piscou algumas vezes antes de voltar a falar. — Uma vez não mata ninguém, não é? Não sei mais qual é o gosto de chocolate, [Nome].
Sua melhor amiga te lançou um olhar esperançoso, implorando para quebrar a fatídica dieta de folhas. E, após você concordar que não tinha problema comer um único docinho, Mitsuri quase pulou e gritou de alegria.
Vocês seguiram até o seu carro, onde você sentou no banco do motorista e ela no do carona, se apressando para conectar o celular no Bluetooth do automóvel. As músicas animadas logo começaram a tocar, e vocês não tardaram em cantar alto antes mesmo de sair do estacionamento.
O caminho do campus até o seu apartamento geralmente demorava um pouco, mas graças a animação de Mitsuri, você mal percebeu o tempo passar.
— [Nome], você sabia que a maioria dos batons são feitos com escama de peixe?
— O quê? — você indagou, colocando as chaves em cima da cômoda que ficava perto da porta. — Isso é sério?
— Pois é! — ela diz, se jogando no pequeno sofá. Você deu um sorriso curto e colocou a mochila ao lado da mulher, trilhando seu caminho para a cozinha. — Mas não é por causa disso que vou deixar de usá-los. O que posso fazer se minha boca fica linda neles?
— Você fica linda de qualquer jeito, Mit — você não podia confirmar, mas parecia que as bochechas dela estavam ruborizadas. — Vem pra cá, vou fazer margarita.
— Ah, como eu amo as sextas-feiras.
Kanroji levantou do sofá e se aproximou da mesa alta de mármore escuro, sentando-se em um dos banquinhos de madeira e apoiando os braços, te assistindo fazer o drink. Ela te viu cortar os limões, pegar a garrafa de tequila e virar um pouco de líquido na garganta.
Ela fez uma careta e você riu, deixando a garrafa de lado. Enquanto a rosada te observava terminar de fazer a bebida e preparar alguma outra coisa, o seu celular, que estava sobre a mesa, vibrou.
— Peach, acho que alguém te mandou mensagem.
Você apenas virou um pouco o rosto sobre o ombro e continuou mexendo a mistura.
— Pode ver de quem é, por favor?
Mitsuri logo assentiu, pegando o aparelho e o ligando, vendo três notificações de Uzui. O sorriso malicioso e divertido logo surgiu nos lábios dela, ainda lendo as mensagens.
tengen <3: oi, meu bem
tengen <3: desculpa o sumiço, precisei resolver algumas coisas do trabalho
tengen <3: vamos sair hoje? quero muito te ver
— É do Uzui, peach — disse Kanroji, e você estremeceu um pouco na base ao ouvir o nome dele. — Ele quer te ver, e disse que estava morrendo de saudades.
Você lançou um olhar de desconfiança para sua amiga, percebendo o exagero na última frase. Ela apenas te olhou, e deu uma risada um pouco mais alta, que você acabou acompanhando.
— Não brinque com uma coisa dessas, Mitsuri Kanroji. — você alertou em brincadeira, a outra apenas balançou a cabeça ligeiramente.
— Estou falando muito sério, certo? Olhe aqui — a rosada exibiu a tela com as notificações para que você pudesse ler. — Está vendo? — você assentiu, se vendo por vencida. — Quer que eu responda já que está ocupada? O que eu respondo? "É claro que podemos sair hoje, amor da minha vida"?
Você não sabia ao certo se queria vê-lo. Obviamente, você queria muito maratonar os filmes de Velozes e Furiosos com ele, queria observá-lo criar um drink maluco e depois dizer que amou o sabor — mesmo que ele tenha posto muito álcool e que sua garganta queimava como o inferno. Queria muito ouvi-lo contar piadas bobas e pedir sua opinião sobre qual roupa usar naquele dia. Queria sentir seu cheiro e o assistir adormecer em sua presença.
Você queria muito isso, queria mesmo. Queria mais do que tudo.
Porém, mesmo que você desejasse isso mais do que qualquer outra coisa, sua mente ainda pregava várias peças no caminho. Tengen sempre foi um cara extravagante e egocêntrico, que tinha muita facilidade em fazer com que as pessoas se apaixonassem por ele em um piscar de olhos. Ele sempre foi uma pessoa expansiva, divertida e exuberante.
Então, por que, entre tantas pessoas incríveis ao redor do mundo, ele escolheria você? Por que, entre tantas garotas atraentes e ousadas, ele optaria pela garota que costuma evitar qualquer tipo de interações sociais? Por que você seria a escolhida? A primeira opção? Aquela que ele ligaria no meio da noite para falar o fato mais inútil que você já ouviu?
Sua cabeça martelava constantemente sobre essas perguntas, indagando para si mesma se era uma escolha inteligente se declarar para ele. O que aconteceria com essa amizade tão incrível quando a verdade fosse exposta?
Ele ficaria, ou não pensaria duas vezes em ir embora?
Mitsuri percebeu seu silêncio perante ao comentário, e se encolheu um pouco na cadeira.
— Oh, querida... — a voz tornou-se distante, baixa e lastimosa. As unhas longas da sua melhor amiga tamborilava o mármore repetidamente. — Está tudo bem entre vocês? O Uzui fez algo de errado?
Você balançou a cabeça.
— Ele não fez nada.
— Me parece algo errado, então — ela cruzou os braços e entortou a boca. — Quer conversar sobre isso?
Você realmente estava pronta para vomitar palavras que nem sabia se poderiam ser recíprocas? A verdade sempre fora algo fácil de esconder, e, mesmo que doesse um pouco ocultá-las de Mitsuri, uma hora ou outra elas seriam reveladas. Você suspirou profundamente, formando frases na sua cabeça. A rosada apenas aguardou pacientemente, te olhando com afeição.
— Eu gosto dele, Mit — você diz, num tom parecido com o de alguém que acabou de confessar um crime perverso. Após uma pequena pausa, prosseguiu: — Tipo, gosto um pouco demais. Gosto tanto ao ponto de sentir saudade quando ele vai embora. Gosto tanto que roubo quase todas as suas blusas para jamais esquecer o cheiro que ele tem.
Mitsuri te observou, absorvendo aquelas frases para si mesma, como se pensasse o que poderia dizer futuramente, e você se aproximou um pouco mais.
— Mas... Eu não consigo imaginar uma única realidade paralela onde ele poderia gostar de mim também — sua garganta pareceu fechar, levando para dentro tudo o que precisava ser posto para fora, então, com um certo esforço, continuou falando. — Por que diabos ele se relacionaria seriamente com uma amiga viciada? Para possivelmente dar mais trabalho no futuro? Já ocupei demais o tempo dele com as minhas crises... Não posso continuar fazendo isso. Simplesmente o fato de eu amá-lo já me mostra que eu preciso parar de fazer mal para ele.
A rosada se levantou, deslizando até a cozinha e apertando suas mãos com gentileza. As mãos de Mitsuri eram quentinhas e macias como um travesseiro fofo e, por um momento, jurou relaxar um pouco.
— [Nome], sabe o que o Uzui fala quando você não está por perto?
Ah, não. Isso não parece coisa boa. Você piscou algumas vezes, analisando o rosto doce de Kanroji, e torceu com todas as forças que ele não falasse coisas horríveis.
— Ele costuma dizer que ainda sente que não faz o suficiente para você. Ele sempre diz que você é incrível demais para ele, e que já é abençoado somente por tê-la ao seu lado. Respirando. Falando bobagens de algum professor. Babando no travesseiro quando dorme. Rindo de alguma piada péssima que ele mesmo contou. Sorrindo para ele. O abraçando com força. Ah, meu amor... Aquele homem é apaixonado por você. E, aliás, é uma loucura pensar que você era a única que não sabia disso.
Seus pés parecem vacilar um pouco e parece que você esqueceu de como se respira. Seus lábios tremem um pouco, as mãos se sacodem um pouco e você sente que precisa sentar em algum lugar.
Sobre o que diabos ela estava falando?
Uzui realmente sentiu o mesmo por você por todo esse tempo? Foi isso mesmo que você ouviu? Como isso era possível?
— Não pense que está causando problemas para ele; você sabe melhor do que ninguém que Uzui costuma ser durão por dentro, uma verdadeira muralha impenetrável. Mas você é a única que ele permitiria passar pelos portões. — a voz calma e singela de Mitsuri te faz engolir tudo aquilo com mais facilidade. As informações entravam em seu cérebro em polvorosa, agitando e bagunçando tudo. — A única que ele faz questão de deixar entrar, justamente por ser a pessoa que ele mais ama. Porém, não me parece justo eu estar dizendo isso, não é? Ele que deve ser franco sobre o que sente de uma vez por todas.
— O que quer dizer com isso? — oscilou, ainda juntando as peças de um quebra-cabeça extremamente confuso. Mitsuri sorriu.
— Eu sei que somos protetores. Até demais, para falar a verdade. Mas fazemos isso porque te amamos demais para simplesmente deixá-la decair cada vez mais, [Nome]. Não é diferente com o Uzui. E você sabe o que quero dizer. Converse com ele. A melhor forma de colocar todas as cartas na mesa é desse jeito: conversando.
— Mas... — sua voz saiu trêmula, ainda reunindo tudo aquilo de uma vez só na sua cabeça.
Você não queria jogar mais um fardo nas costas de Tengen. Sabia melhor do que ninguém que ele já havia passado por poucas e boas ao longo da vida, e você não deveria ser um problema. Deveria ser a amiga que está lá para ele quando algo de ruim acontece. Deveria ser a amiga com um ombro acolhedor para ele deitar e descansar um pouco. Deveria ser a amiga que almeja somente o melhor para ele.
Será que ele enviou sinais o tempo inteiro? Será que existe uma possibilidade de realmente dar certo? Será que você deveria fingir que não ouviu essas palavras e continuar mantendo tudo o que queria dizer para si?
— Eu sei o que você está considerando, [Nome]. Você está pensando em jogar todas essas palavras em um baú, trancar, e esquecer que um dia existiu, pelo simples fato de não querer incomodá-lo com seus sentimentos. — a voz da sua melhor amiga ecoou como uma trombeta, com as notas graves batendo contra sua consciência. — Você não pode fazer isso.
Você massageou as têmporas lentamente, tentando amaciar o que quer que esteja doendo ali. Seus olhos voltaram a atenção para Kanroji.
— Claro que posso, Mit — disse tristonha, quase derrotada. — Não quero que ele se preocupe tanto comigo.
— Creio que isso não vai ser possível, querida. — ela lastimou, guardando uma mecha de seu cabelo atrás da orelha. — Eu imagino tudo o que está passando nessa cabeça de vento, sabia? Eu sei que você não quer se envolver por medo de perder a amizade incrível que construíram. Ou talvez porque pense que não mereça o amor dele.
Cacete. Ela realmente te conhecia muito bem.
— Não precisa ter medo de sentir, meu amor. Está tudo bem em sentir um pouco mais. Isso não te torna fraca ou vulnerável. Te torna ainda mais foda.
— Mas... Ele já tem problemas demais para resolver. E a última coisa que quero é me tornar um fardo pesado que ele precisa lidar de vez em quando.
— Quantas vezes eu preciso dizer que você não é, e nunca será um fardo? — você percebeu que as íris verdes da rosada vibravam com determinação. — Olha só, eu amo você. Tipo, pra caramba. Você é uma das pessoas mais incríveis que já conheci, e é péssimo te ver assim, sabe? — ela se encolheu um pouco. — Quero ver vocês dois juntos, como sempre deveria ter sido.
— E se der tudo errado? E se ele não me quiser além de uma amiga?
— Isso não vai acontecer, sua bobona — ela disse com humor fluindo na voz. — Porém, se acontecer, está tudo bem também. Finais felizes existem, assim como os tristes. Ciclos podem se fechar, de uma forma boa ou não.
— Ok, mas se tudo der errado e eu quiser... — seu tom de voz indicava "E se eu quiser me drogar de novo?" e Mitsuri entendeu imediatamente.
— Você não vai querer. Eu venho morar com você, jogo fora tudo o que contém algo ilícito e vou fazer o que estiver ao meu alcance para que isso não aconteça. E mato o Uzui no processo.
Você não aguentou e riu, mal percebendo que lágrimas salgadas molhavam sua pele. As limpou rapidamente e tentou ao máximo não liberar mais uma sessão de choro.
Ela se aproximou um pouco mais e depositou as mãos em seus ombros, os apertando com firmeza. Um sorriso caloroso agora morava nos lábios da mulher.
— Fale com ele, está bem? Não precisa ser hoje, não precisa ser amanhã. Apenas... não continue negligenciando seus próprios sentimentos e opiniões. Todos merecem ser ouvidos e acolhidos. Você não é uma exceção. Escute-o e você também será ouvida. Esqueça o medo em qualquer lugar e coloque para fora aquilo que está preso a muito tempo.
Antes que se desse conta, a rosada te envolveu em um abraço receptivo e confortável, e você não tardou em devolver o gesto. Seus braços rodearam o corpo dela com força, e Mitsuri afagou seus cabelos, numa tentativa de tentar te consolar ao máximo. As lágrimas voltaram a rolar em seu rosto e você não sentiu medo algum de colocar tudo aquilo para fora.
— Obrigada. — sussurrou, e os fios de cabelo dela fizeram cócegas em seu nariz.
Ela apenas assentiu lentamente, sustentando o abraço por mais um tempinho. Dentro daquele toque acolhedor, você percebeu que poderia ser mais forte do que pensava, e que apenas não deu o devido valor para si mesma durante os anos. Sua mente ainda explodia em algumas dúvidas antigas e preocupações inúteis, até que você ouviu um som alto vindo direto do bolso da calça de Mitsuri.
— Mitsuri?
— O que foi?
— Não vai atender a ligação?
— Hm? Ligação? — finalmente, ela se deu conta do toque alto e se distanciou do seu corpo, pegando o celular para ver quem era. — Ah, é o Obanai. Espera aí — a rosada apertou o botão verde e ativou o viva-voz. — Oi, amor.
— Oi, amor — a voz metálica de Iguro do outro lado da linha surgiu, reverberando. — Onde você está? — ele indagou, e Mitsuri te lançou um olhar rápido.
— Estou aqui no apartamento da [Nome] — ela pediu com os dedos para você se aproximar do microfone.
— Oi, Iguro — você disse, e a rosada fez um sinal positivo com a mão. Uma risada curta saiu por entre seus lábios.
— Como vai, [Nome]? — ele inquiriu, com o timbre cauteloso de sempre. — Tudo bem por aí?
— Na medida do possível, Iguro. Sabe como é que é.
— Sei, sim — Obanai pareceu entender o que você quis dizer com isso, e largou um suspiro longo. — Você vai ficar bem. — afirmou. Você agradeceu com um sorriso silencioso, e se afastou do celular, dando espaço para os namorados conversarem.
— Aconteceu alguma coisa? — Mitsuri perguntou para o namorado, ainda com o viva-voz ativado.
— Não, amor, não aconteceu nada. Só queria sair com você hoje, mas como está com a [Nome], não vou atrapalhar vocês. Podemos deixar para amanhã.
— Ah, vai atrapalhar, sim — você disse, completamente intrometida, e Kanroji teve um breve sobressalto. — Venha buscar a Mit aqui, e a leve para um lugar bem legal, ok? Quero que ela se divirta muito hoje.
Mitsuri te olhou incrédula, quase como se você tivesse dito algo absurdo. Deu de ombros e continuou falando:
— Leve-a para algum restaurante muito bom, certo? Já faz um tempo desde que ela comeu bem — sua melhor amiga deu tapinhas no seu braço, e você apenas ignorou. — Depois compre doces. Muitos doces.
— [Nome]! — Kanroji deixou o celular em cima da mesa alta e colocou as mãos na cintura, te fixando com um olhar estampado de confusão e indignação. — O que você está fazendo? Nós não íamos assistir filmes juntas?
Você cruzou os braços na altura do peito e tombou a cabeça um pouco para o lado.
— Nós podemos fazer isso outro dia, Mit. Você sabe que por causa do curso do Obanai são raras as vezes que vocês podem sair sozinhos — argumentou, e a rosada assentiu em concordância, tendo plena noção de que você estava certa. — Vá aproveitar esse momento com o seu namorado.
— E deixar você sozinha? — perguntou ela, num tom que dizia que aquela opção não era uma opção.
— Você também sabe que eu não vou ficar sozinha, sua bobona — seus lábios se curvaram em um sorriso fino. — Eu vou... tentar seguir o que você disse — os olhos dela se iluminaram em um brilho esquisito, que você não sabia ao certo se era orgulho ou preocupação. — Vou ficar bem.
— Vai mesmo? Não quero te deixar sozinha em um momento como esse. — disse ela, soturna.
— Não se preocupe. Está tudo bem. — você voltou para perto do celular, percebendo que Iguro ouviu absolutamente tudo o que haviam falado, e quis morrer um pouquinho por isso. — Iguro?
— Está tudo bem aí? — ele perguntou, curioso.
— Está tudo ótimo. Eu roubei sua namorada durante um tempinho, mas já vou soltá-la. Vem buscar ela, e pelo amor de Deus, faça o possível para quebrar a maldita dieta de folhas.
— A dieta de passarinho, você quis dizer? — Obanai ironizou e você apenas riu.
— Isso. Vem logo.
Você apertou o botão vermelho e a ligação foi encerrada, e entregou o aparelho para Mitsuri, que ainda te observava calmamente.
— Tem certeza disso? — perguntou ela, e você assentiu.
— Tenho. Eu preciso organizar alguns pensamentos e criar coragem de falar com ele. Não sei se consigo, mas vou tentar. Além de que, você merece esse tempinho com o seu amado depois de me dar conselhos tão bons.
A mulher apenas chegou um pouco mais perto, analisando o seu rosto sereno, e concordou, depois de muita relutância.
— Eu e o Obanai poderíamos ficar aqui com você, te fazendo companhia. Vocês poderiam conversar sobre as cobras de estimação dele, não é? É o assunto favorito de vocês.
— Sinceramente, não sei se é sobre esse tipo de cobra que quero conversar hoje — você disse em um tom humorado, e a rosada sorriu com a piada. — Vá se divertir, Mit. Vocês merecem um tempo a sós. Eu sei que o tempo de lazer é curto para vocês, e, além disso, gostaria de ficar um pouco sozinha.
Mitsuri assentiu novamente, sabendo que você precisava de um tempo para pensar em tudo que foi dito, e também para se preparar para o que possivelmente viria no futuro. Ela sabia que você estava preocupada e cansada de guardar tudo para si, uma vez que fora ensinada a ser assim desde pequena. Mitsuri só queria vê-la feliz; seja sozinha ou acompanhada.
Ela tinha ciência de que você merecia ser muito feliz e aproveitar a vida ao máximo, longe de qualquer crise química que você poderia chegar a ter novamente. Apenas a ideia de te ver daquele jeito novamente era inimaginável para Kanroji, já que ela sempre tentava ao máximo auxiliar nesse processo, assim como todos os seus outros amigos.
Com o fim da discussão, vocês ficaram deitadas no sofá, desfrutando de uma margarita com tequila barata, enquanto esperavam por Iguro. Você tomou um gole da bebida e olhou para a janela da sala, assistindo a noite cair, e as estrelas tomarem conta de seus postos.
— Ah, ele chegou — disse Mitsuri ao olhar as mensagens no celular. Ela olhou para você, ainda com as íris manchadas de algo que parecia aflição.
— Eu vou ficar bem. Vá e aproveite muito. — você falou, numa tentativa de deixá-la mais tranquila, e Kanroji apenas abriu um sorriso preocupado, ainda relutante.
— Ser protetora é horrível, sabia? — ela confessou, arrancando uma risada soprosa da sua parte. Você concordou vagarosamente.
— Eu sei, e obrigada por sempre me ajudar tanto. — você se inclinou e deu um beijo leve na testa da amiga, colocou o copo na mesinha de centro e se levantou em sequência. Mitsuri fez o mesmo.
— Se precisar de mim, pode me chamar, está bem? Eu venho na velocidade da luz. — a rosada proferiu ao pegar sua mochila, e você assentiu, sabendo que isso fosse fisicamente possível, ela não pensaria duas vezes em fazer.
A mulher abriu a porta lentamente, dando uma última olhada em você no processo. Uma olhada que indicava preocupação, orgulho, e "Se você não me chamar se precisar, eu te mato".
Ela assentiu novamente com a cabeça antes de fechar a porta, como se finalmente tivesse entendido que o melhor a fazer agora era te deixar sozinha, para reorganizar tudo o que você ainda não tinha organizado. Para decidir o que você faria em seguida.
— Ah, outra coisa — você virou em direção de Kanroji, que te fitava com delicadeza, ainda com a cabeça entre a porta aberta — Tenho certeza que o Uzui se apaixonou por você em todas as realidades paralelas que existem.
E então ela saiu, te deixando em um apartamento silencioso e calmo, mesmo com os rugidos do seu coração ecoando e estremecendo as paredes.
[...]
Você estava surtando. Surtando no nível de andar de um lado para o outro pensando no que diabos deveria fazer, e surtando no nível de pensar se deveria colocar mais tequila na margarita e virar tudo de uma vez. Os passos dos seus pés batendo sobre o chão eram evidentes, uma vez que os coturnos que você ainda usava batiam e ecoavam como trovões.
O seu celular estava aberto nas mensagens que Uzui havia mandado mais cedo, e você ainda não tinha respondido. Apenas as leu. Várias e várias vezes. Pensando no que poderia responder sem parecer que estava prestes a enlouquecer com tudo aquilo.
As palavras de Mitsuri ainda martelavam na sua cabeça, ressoando como uma música alta e clara. Você ainda não sabia se realmente queria falar tudo para Tengen, afinal de contas, mesmo que sua amiga tenha dito tudo isso, por que ele não disse aquilo diretamente para você?
Por que ele falava isso quando você não estava por perto, mas não tentava demonstrar muito quando estavam lado a lado? Obviamente, Uzui sempre foi cuidadoso e muito alerta a tudo o que acontecia com você, mas seus outros amigos também sabiam de tudo isso.
Será que ele também tem dificuldade de colocar para fora o que está preso? Ou será que apenas não sente o mesmo? Você não sabia o que era verdade ou mentira. Não sabia se era uma abordagem inteligente interrogá-lo sobre isso de uma vez; mas, pelo amor de Deus, Uzui nunca deixou de responder uma pergunta sequer quando era você quem perguntava.
Você estava exausta de guardar tudo para si, e apenas queria fazer aquela angústia e inquietação sumirem.
Então, prestes a jogar tudo para o alto, deslizou os dedos pelo teclado.
[Nome]: oi, meu amor
[Nome]: me encontra no nosso cantinho, daqui a uma hora
[Nome]: quero ouvir o som das ondas :)
Pronto. Estava feito.
Você poderia apagar as mensagens e substituí-las por outras? Claro que podia. Mas seu coração não a deixou fazer isso.
[...]
Assim que enviou as mensagens, você se apressou em tomar um banho rápido e trocar de roupa, usando uma mais confortável devido ao clima. Como estava mais frio do que o costume, vestiu uma calça moletom e uma blusa de manga longa, ambas da cor preto. Uma chinela da mesma cor das roupas fazia-se presente, complementando o visual inteiro.
Agora, após dirigir por quase trinta minutos inteiros, encontrava-se apoiada no capô do carro, ouvindo a melodia baixa da sua playlist misturando-se com o som gostoso que as ondas faziam. Você havia tirado os chinelos e os deixado de lado, sentindo a textura fina da areia entre seus dedos, que faziam cócegas na pele.
A praia estava vazia, com exceção de algumas pessoas que passeavam com seus cachorros enormes ou casais que caminhavam lentamente de mãos dadas. Você suspirou devagar, assistindo a lua esconder-se entre as nuvens densas, exibindo apenas metade de sua luz.
Por ora, a lua continua tímida perante aos olhos de quem passava, e você a observou, pensando — mais uma vez — se aquela era uma boa ideia. Você passou uma grande parte da sua vida engolindo e absorvendo tudo, não deixando absolutamente nada escapar, logo, não deveria ser um problema para você. Então, por que algo lá no fundo do seu coração parecia tão exausto em continuar fingindo? Em continuar não sendo ouvido e deixado de lado?
— Ei — disse uma voz profunda e conhecida. A voz familiar que tanto amava ouvir. Você procurou pelo dono dela e logo encontrou, com uma caixinha na mão direita. — Está tudo bem?
Tengen estava ali. Banhado pela luz fraca da lua e com os cabelos esbranquiçados sendo bagunçados pelo vento frio da noite. Ele era tão bonito que você nunca conseguiria entender como alguém como ele existia. Você apenas assentiu, pedindo para ele se aproximar. Uzui andou em sua direção e te deu um beijo leve na testa, apoiando-se ao seu lado em seguida.
— Eu trouxe algo para você. — disse ele, quando o silêncio se instalou entre vocês. Suas sobrancelhas ficaram um pouco mais altas.
— Finalmente vai me dar o gatinho que eu pedi? — sua voz estava recheada de expectativa, mas logo sua animação sumiu quando o platinado balançou a cabeça em negação.
— Você sabe que não posso te dar um gatinho agora, [Nome] — ele disse em um tom humorado, como se quisesse se redimir. — Mas eu trouxe isso aqui... — Tengen estendeu a caixinha de papelão cor rosa claro e seu sorriso voltou para o rosto quando identificou o que tinha dentro.
— Macarons! — você atacou a caixa numa velocidade absurda e deixou sobre o capô do carro, não tardando em abrir e pegar um dos doces.
O homem observou com os olhos assustados a rapidez que você arrancou a embalagem de suas mãos, mas nada disso importava agora. Ele te observou calmamente, assistindo o quão animada você ficava ao morder o confeito, e deu um sorriso pequeno com a expressão de felicidade que você fez ao sentir o sabor frutado em sua língua. Você parecia com uma criança dentro de uma enorme loja de doces com o cartão dos pais em mãos.
— Você só costuma vir aqui quando algo te incomoda — Uzui proferiu, indicando para aquele cantinho escondido da praia, que ficava perto de um rochedo alto. — Sabe que pode falar comigo sobre tudo, não é?
— Você me conhece tão bem. — falou, mordendo mais um macaron de morango.
— Eu sei tudo sobre você, meu bem — as palavras saíram suaves e confiantes ao mesmo tempo, acompanhadas de um olhar convencido, que te fez rolar os olhos em brincadeira. Ele levou isso como um ataque pessoal, mas logo soltou uma risada baixa. — Está tão bom assim?
— Está maravilhoso. Tem sabor de felicidade. — você sorriu, e Tengen parece hipnotizado por alguns instantes, aproveitando a visão incrível de te ver sorrindo, mesmo tendo certeza que algo estava estranho desde cedo.
O silêncio cortante surgiu entre vocês, com ambos ouvindo as ondas quebrarem contra a areia. O som era familiar e sedutor, te fazendo lembrar de todas as lembranças que coletou naquele local. A lua minguante se escondia através das nuvens cinzentas, mas seu brilho ainda banhava suas cabeças.
Tengen tinha suas íris presas no mar ao longe, como se procurasse as palavras corretas para quebrar aquele gelo. Ele soltou um, dois, três suspiros frustrados, porque não sabia como iniciar aquela conversa. Seus braços estavam cruzados e sua postura rígida, além do olhar afiado que nunca saia de sua expressão.
— Qual foi o pensamento que te fez vir aqui? — ele perguntou e você abaixou a cabeça lentamente, evitando o contato visual. A última coisa que queria naquele momento era confessar para seu melhor amigo que estava prestes a jogar tudo pelo ares e cometer atos pelo qual se arrependeria de manhã.
Então, por que depois de muitos anos negligenciando seus próprios sentimentos, fingindo que não existiam e fazendo o possível para não demonstrar, você não se importava mais?
— Você sabe que eu cresci em um ambiente extremamente problemático, certo? — perguntou, e viu Tengen balançar a cabeça em concordância. — Na verdade, você acompanhou todo aquele drama — sua voz tornou-se amarga, e as lembranças que surgiam em sua mente devoraram um pouco da coragem que restava. — Durante anos, meu pai me drogava com soníferos fortes para que eu dormisse quando estava muito agitada. Ele não se importava com o quão isso faria mal para uma criança; o que realmente importava era a paz que sentia quando eu ficava em silêncio durante horas.
"Com o tempo, fui me viciando e conhecendo outros comprimidos, que eu não pensava duas vezes em engolir. Na minha adolescência, quando meu pai me batia ou fazia qualquer coisa com a minha mãe, eu respondia. Fazia questão de falar tudo o que eu estava sentindo, e fazê-lo perceber que ele era o errado na situação. Até mesmo já bati nele em legítima defesa. E o que aconteceu depois? Ele me silenciou. Me ameaçou de morte inúmeras vezes, e prometeu que machucaria a minha mãe ainda mais. Isso não aconteceu somente uma vez. Aconteceu várias. E a cada grito, abuso, violência, eu... eu não queria ficar em silêncio. Queria gritar. Queria ligar para a polícia e implorar para que aquele fodido fosse pra cadeia.
— [Nome]... — disse Uzui, a voz sufocada de angústia, enquanto limpava as lágrimas que você nem sabia que desciam. — Continue, minha linda.
— Eu realmente queria fazer alguma coisa. Mas o medo venceu. O mal venceu. Simplesmente não consegui fazer o que deveria ter feito desde a primeira vez. Tudo isso me serviu de lição para que eu parasse de me impor. Que eu começasse a guardar tudo para mim mesma, esquecendo que os sentimentos também me machucaram, e ninguém merece viver assim. Porém... Estou exausta, Tengen. — falou, o tom embargado contrastando com o som das ondas que continuavam rompendo ao longe. — Estou exausta pra caralho de guardar tudo que está preso aqui. — você indicou seu coração com o dedo, e Uzui se pôs entre suas pernas, segurando o seu rosto frio com os dedos quentes.
— Eu sei que sim, [Nome] — disse suavemente, colando ambas testas, e seus narizes tocaram um no outro. Você voltou a atenção às íris profundas de Tengen, mergulhando na vastidão deles. — Não precisa guardar tudo para você, meu amor. Os compartilhe comigo. Eu sou o seu confidente, não sou? Conte-me o que quiser.
E lá vamos nós.
— Você é o meu melhor amigo desde que éramos pequenos. Nós nunca nos desgrudamos para absolutamente nada. Somos como unha e carne. Fazemos quase tudo juntos. — ele concordou depressa com a cabeça, e você exibiu um sorriso fino. — Porém... Nos últimos meses as coisas mudaram um pouco. Nós ficamos algumas vezes, e estou sendo generosa quando digo "algumas vezes". — fez aspas com os dedos e ele riu. — Acho que eu já sentia isso a bastante tempo, mas... Ai, meu Deus. — você escondeu-se entre os próprios dedos, sem saber como prosseguir com aquilo sem morrer no processo. Suas bochechas estavam quentes como uma fogueira e seu coração batia como um tambor.
Por um lado, você estava surtando novamente, com os neurônios em polvorosa e o nervosismo instalado no sangue; e você podia não perceber, mas Tengen tentava ao máximo fingir uma calmaria, mesmo que na sua mente morasse uma tempestade de sentimentos. Ele não tinha certeza se você falaria o que ele queria, porém, manteve-se com o corpo firme e rígido, em uma tentativa de não gritar de uma vez por todas o que havia trancado a tanto tempo.
Ele sorriu gentilmente e retirou as duas mãos de seu rosto, pedindo para que o olhasse. Você manteve o contato visual, e o medo dos seus pés vacilarem pela tensão continuava ali. O esbranquiçado segurou seu rosto com a mão esquerda, enquanto a outra descia até a sua cintura, mantendo a posição um pouco mais firme. Uzui aproximou o rosto um pouco mais, tocando seus lábios com gentileza, depositando um beijo tão sutil que você mal percebeu quando se afastou.
— Diga, amor.
A voz aveludada e calma emergiu, voando até seus ouvidos e te fazendo sair de um curto transe. Por um minuto, por mais que fosse apenas uma ilusão da sua mente, ele já parecia saber o que você tinha a dizer, e aparentava estar radiante de uma alegria oculta, somente manifestada nas íris alargadas.
Seu coração deu alguns pulos e tropeços, e em alguns momentos o sentiu subir pela garganta. Os pelos do seu braço se arrepiaram com ainda maior intensidade quando ele chegou um pouco mais perto, analisando os traços bonitos do seu rosto.
As palavras estavam na ponta da sua língua implorando para saírem de uma vez, e você, que já tinha jogado fora a taxa de "fingir que não se importava", apenas deslizou-as para fora.
— Eu gosto de você, Tengen. E já faz um tempo.
Algo iluminou o rosto do homem, juntamente de uma euforia que você nunca havia experimentado antes. É, se declarar para alguém poderia ter um sabor agridoce, que manchava sua língua e te fazia suspirar um pouco.
Ele te encarou com algo desconhecido brilhando no olhar, sorrindo como um bobo, e as tentativas de esconder foram completamente fracassadas.
— Por que não me disse isso antes? — indagou ele, acariciando a maçã do seu rosto com o polegar.
— Porque eu sei que não mereço alguém como você. — disse ao morder o lábio com força, se esforçando para afastar as lágrimas que queriam escorregar nas suas bochechas.
— O que te faz pensar isso? — ele pergunta, como se o que você tivesse dito fosse uma ofensa para ele. — [Nome]...
— Eu penso isso porque passei os últimos anos preocupando todo mundo — seu timbre soa triste e distante, com as memórias dos últimos anos passando como um filme em sua mente. — Principalmente você e a Mit. Não me parece justo, sabe?
— [Nome], nós nos preocupamos porque queremos o seu bem estar, certo? Você sabe muito bem disso, amor. Você não está sozinha nessa jornada. Todos estamos dando o nosso melhor para a sua recuperação funcionar. Somos eu e você contra o mundo, não é? — Uzui falou com firmeza, mantendo os olhares alinhados e sincronizados. — Deixe-me te dizer algo — o esbranquiçado se aconchegou ainda mais entre suas pernas, te fazendo sentar por completo no capô e se segurar nos ombros dele. — Eu me apaixonei pela primeira vez quando tinha 17 anos. Quando percebi que realmente gostava um pouco demais dessa garota, gritei no travesseiro durante 5 minutos inteiros, surtando pelo simples fato de dormir pensando nela, sonhar com ela e depois acordar ainda pensando nela.
"Porém, nem tudo são rosas. Eu assisti a infância infeliz que ela levou. Assisti o maldito pai dela fazê-la ganhar cicatrizes pelo corpo inteiro, tanto mentalmente quanto fisicamente. O assisti machucá-la, ameaçá-la, e fazer coisas que nenhum pai de verdade faria. Eu vi aquela garota sorrir mesmo com o olho roxo que havia ganhado. Eu vi aquela garota parar de me contar o que pensava. Eu vi aquela garota cair em ruínas e não sair delas. Nessa mesma época, ela acabou descobrindo alucinógenos que a faziam esquecer de tudo o que acontecia em casa. Passou a usá-los todos os dias. Mal se alimentava e desenvolveu dependência química.
"Um tempo depois, ela sofreu uma overdose. Eu a encontrei em convulsão no quarto, e mesmo com o corpo inteiro tremendo, chamei uma ambulância. Até ela chegar, fiquei ao lado do corpo da minha melhor amiga, me desmanchando em silêncio. Eu sabia que se eu tivesse chegado um pouco mais tarde, as chances de ela morrer eram altíssimas. E isso me assombrou durante muito tempo. Mesmo depois de ela fazer uma lavagem estomacal e estar respirando normalmente outra vez, eu... nunca imaginei que poderia ficar tão assustado. Eu já tinha visto o medo nos olhos daquela garota, mas nunca tinha visto os meus. Eu fiquei apavorado, [Nome]. E sabe por quê? Porque eu amava aquela garota com toda a minha alma.
"Mesmo a amando com todo o meu ser, eu já sabia que ela tinha coisas demais para administrar. Sabia que ela precisava de um tempo para si mesma, para tentar ao máximo tornar-se uma versão melhor dela mesma. Quando ela usou as exatas palavras "Quero ser uma versão melhor de mim mesma. Para você, para a Mit. Quero deixá-los orgulhosos." foi quando a ficha caiu de verdade. Eu não estava somente apaixonado; eu tinha descoberto o que era amar alguém, mesmo com todas as divergências.
Se antes você estava tentando esconder as lágrimas, não se deu ao trabalho de continuar fazendo isso. As gotas salgadas molhavam sua pele, e seu coração parecia um pouco mais calmo, com as batidas cantando baixinho. Vê-lo contar sua história com tanto pesar na voz, as gesticulações que fazia, a forma como as palavras saiam encharcadas de tristeza e uma culpa velada, te fez perceber o quão era sortuda por tê lo em sua vida, e o quão você não imaginava que seria capaz de amar tanto alguém.
Você apenas o puxou para um abraço apertado, local onde ambos encontraram o calor e o conforto que tanto desejavam. Você depositou uns beijinhos leves no pescoço de Tengen, que se arrepiou com o contato, mas te abraçou ainda mais forte, sentindo o aroma frutado do seu perfume.
— Resumindo, eu também gosto de você, [Nome]. Um pouquinho demais — disse ele, e você quase pulou de alívio e alegria, mas se conteve. — Quero lutar ao seu lado e protegê-la. Está disposta a ser a mulher mais feliz do mundo ao meu lado?
Você sorriu um pouco e o beijou suavemente, vivenciando os lábios quentes e macios que pressionavam contra os seus. Uzui acompanhou os movimentos, te mantendo firme naquele lugar, sugando seu lábio inferior vez ou outra.
— Acho que você aceitou a proposta, não é? — Tengen falou, um pouco desnorteado e ofegante pelo beijo.
— Para isso, eu gostaria de fazer algo antes — você diz, o afastando um pouquinho e colocando a mão direita no bolso da calça, pegando o zip lock ainda fechado, contendo a única pílula de ecstasy que você não engoliu. — Vamos destruí-lo, o que acha?
Ele franziu o cenho confuso, e cruzou os braços grandes contra o peito.
— Você vai se drogar de novo?
— O quê? Não. Quer dizer... eu ia, mas me impediram — ele te lançou um olhar alarmante e você se encolheu um pouco. — Eu senti um pouco de abstinência, mas o que importa é que eu realmente quero ser uma versão melhor de mim mesma. E, para isso, quero destruir esse comprimido maldito e tentar ao máximo nunca mais usar de novo. Esse aqui vai ser como o pontapé inicial.
— Amor, é um processo de longo prazo. Mesmo que já faça alguns meses que você não teve nenhuma crise, pode ainda demorar um pouco...
Você o calou com os dedos, e os olhos dele se arregalaram um pouco.
— Eu sei que é um processo demorado, Tengen. Mas esse aqui vai ser o início de um novo ciclo, o início de uma nova fase. A destruição dele simboliza a minha luta contra a dependência química, quando ao mesmo tempo demonstra que não vou estar sozinha nessa. Depois que essa pílula se tornar pó, vamos jogá-la no mar, para garantir que vá para bem longe. Quando fizermos isso, estarei definitivamente pronta para te fazer a pessoa mais feliz do mundo.
Ele olhou para o ziplock e depois para você, pensando por alguns segundos.
— Como quer fazer isso?
Você abriu um sorriso em agradecimento e desceu do capô, posicionando o ziplock perto do braço de Uzui, na altura certa para ele fazer o que você pediria.
— Como você tem a força de um touro, eu gostaria que você esmagasse a pílula. Com força mesmo, sabe? Pode esfolar até se tornar cinzas. — explicou simplista, e o homem piscou algumas vezes.
— Está falando sério?
— Claro que sim. Só tome cuidado para não amassar o carro, está bem? — Uzui soltou uma risada e esfregou as mãos no rosto, pensando se realmente deveria fazer aquilo.
No final das contas, em nome de te ajudar nesse processo tão complicado e delicado, ele cerrou o punho e o posicionou sobre o comprimido, querendo destruir tudo aquilo de uma vez.
— Está pronta? — ele inquiriu e você concordou, se afastando um pouco do automóvel.
— Sempre.
Rapidamente, ouviu-se um barulho alto, e você gargalhou pelo susto. Uzui havia batido de uma vez na pílula, transformando-a no maléfico pó. Vocês se entreolharam e riram um pouco, e você chegou mais perto do carro, vendo o zip lock ainda fechado quase destruído, recheado das cinzas daquela droga fodida.
— Isso pareceu ser ridiculamente fácil para você. — disse ao pegar o saquinho com cuidado, e Tengen bateu as mãos uma na outra.
— Sempre bom destruir o que faz mal para quem eu gosto.
Você deu um tapinha fraco no ombro dele e encarou o objeto em suas mãos, quase se coçando para ingerir de uma vez por todas. Porém, mesmo com seu corpo implorando por aquela nostálgica sensação, você elevou o queixo e sentiu a brisa fria da noite, acompanhada de alguns pingos de chuva que beijam sua pele.
Soltou alguns suspiros e se virou, caminhando em direção a água. A areia molhada dançava entre seus dedos, e as ondas quebradas alcançavam a pontinha do seu pé. Você logo percebeu que a água estava muito fria, mas tentou esquecer o clima gélido que dói ao encostar e seguiu em frente, deixando a água salgada chegar na altura de seus joelhos.
O céu estava colorido de tons acinzentados e a lua desapareceu entre a vastidão de tonalidades medonhas, deixando para trás somente a escuridão. O cheiro de maresia incomodava seu nariz pela intensidade, mas era um aroma tão atrativo que você apenas inalou outra vez, com as ondas curtas batendo na metade da sua calça.
Uzui te seguiu e parou ao seu lado, admirando o vasto oceano que residia além, catalogando em sua mente as diferentes cores que moravam ali e que cintilavam como estrelas ao alto. Você suspirou profundamente ao abrir o zip lock devagar, encontrando-se de novo naquela situação deplorável.
Você não queria isso mais. Não queria um futuro incerto e instável. Queria ser muito melhor para si mesma e para aqueles que tanto amava.
Quando Tengen percebeu que você ainda pensava, ele agarrou sua mão livre e a apertou gentilmente, dando uma forcinha extra.
— Você consegue, [Nome]. — ele disse em um tom tão encorajador e amável que você quase derreteu, mas ao invés disso tomou coragem e assistiu todo aquele pó se misturar com a água.
Assim que a bolsa transparente ficou completamente vazia Uzui te pegou nos braços no estilo noiva, e você se apoiou no pescoço dele com os braços. No momento em que vocês se olharam, ele te deu alguns beijinhos mais molhados do que o normal, devido à chuva que caia. Os pingos brilhavam pela iluminação artificial dos postes, comparando-se com pequenos diamantes. As nuvens choravam cada vez mais intensamente, tanto que você o abraçou com mais força.
— Vamos para o carro, desse jeito podemos ficar doentes. — disse rente a orelha do homem, que rapidamente concedeu seu pedido.
Ele te carregou desse jeito até mais próximo do carro, onde a sua playlist ainda ressoava e você tinha esquecido completamente que as músicas ainda tocavam. Dessa vez, o toque inicial de Born To Die da Lana Del Rey ecoava do automóvel de uma altura moderada, fazendo tanto você quanto Tengen ouvirem perfeitamente. A melodia se mesclava com a chuva forte que caia, e Uzui teve uma ideia brilhante.
O homem te pôs no chão novamente e parou em frente a você, deixando-os a poucos centímetros de distância. Ele se inclinou um pouco e pegou a sua mão, sentindo a textura e a temperatura. Seus olhos rodeados de curiosidade brilharam perante a noite chuvosa, e o curaçao de Uzui palpitou um pouco mais.
— Vamos fazer algo que costumávamos fazer quando adolescentes. — ele enunciou, completamente decidido.
Você piscou algumas vezes, tentando adivinhar do que ele estava falando, mesmo que um milhão de coisas que vocês fizeram juntos na adolescência surgissem nos seus pensamentos. Quando você percebeu que não conseguiria descobrir, deu de ombros.
— O quê?
Você permaneceu com as íris presas no homem a sua frente, tentando entender o que ele faria, e continuou assistindo as ações firmes que ele executava. Tengen abriu um sorriso pequeno e te olhou de novo, notando — como todas as outras vezes — que você era a pessoa mais bonita que ele já havia visto, e era surreal que uma mulher como você o aceitaria como um parceiro. O tamanho dos seus olhos, o formato da boca, o seu sorriso, os fios da sua sobrancelha; tudo parecia se encaixar perfeitamente, numa sinfonia absurda e inebriante.
O esbranquiçado soltou sua mão e deslizou a própria até a sua cintura, apertando com afinco. A outra mão livre agarrou a sua, levantando um pouco para cima. Pela curta distância, ele apenas movimentou o corpo de um lado para o outro, trazendo o ritmo para o seu e seguindo uma dança suave, seguindo os passos leves e ternos.
A música ao fundo ainda tocava baixinho, com as batidas repetindo e comandando a dança, por mais que o vai e vem seja lento e cuidadoso.
As gotículas geladas despencavam e estouraram como bolhas de sabão, deixando o rastro reluzente nos fios prateados de Uzui. Você ergueu o queixo e testemunhou um Tengen sorridente e reluzente; o rosto estampado de alívio, felicidade e um pouco de cautela.
— Quando você vai me pedir em namoro? — você pergunta em um tom humorado, tirando uma risada rouca de Tengen. A voz da Lana Del Rey ainda era ouvida.
— Você quer algo mais trabalhado? — quis saber Uzui.
— Claro que não. Você sabe que as coisas mais simples funcionam melhor para mim. — disse divertida, Tengen roubou um selinho longo seu.
— Então, nesse caso... — o homem te girou ao som da música, e você apenas riu, deixando a melodia te levar até o céu. Assim que voltaram para a posição original, ele segurou seu rosto com as mãos molhadas. — Quer ser minha namorada, [Nome]?
Você apenas assentiu rapidamente e o beijou, sentindo a textura gostosa dos lábios dele, além do calor corporal que emanava de seu corpo. Uzui sentiu o sabor do macaron de mais cedo na sua língua, aproveitando para aprofundar ainda mais, seguindo o ritmo arrastado que você gostava.
No momento que se afastaram, vocês sorriram um para o outro, ainda ouvindo a baixa música e acompanhando a melodia singela de dois corações aliviados por finalmente terem alcançado a linha de chegada.
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