86 - Million Miles
- Jason Mraz
You will always get back home
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30 de Junho
A luz da tarde entrava suavemente pelas janelas do apartamento de Petra, iluminando as caixas espalhadas pela sala. Julia entrou sem fazer muito barulho, acostumada a ter a chave há umas semanas. Ao perceber Petra sentada no chão, com várias caixas abertas ao seu redor, a ruiva parou por um momento na entrada, admirando a cena.
Petra estava vestida de forma casual, usando uma blusa larga e um short confortável. Seu cabelo estava preso em um coque frouxo, com alguns fios soltos que emolduravam seu rosto delicadamente. Embora seu semblante fosse de concentração, havia uma melancolia silenciosa em seus olhos e no leve curvar de seus ombros, algo que Julia percebeu de imediato.
— O que você tá aprontando, principessa? – perguntou Julia, quebrando o silêncio.
Petra ergueu o olhar, oferecendo um sorriso leve ao ver a namorada.
— Estou desocupando o quarto de hóspedes – respondeu, soltando um suspiro. — Achei que podia organizar melhor as coisas, mas acabei encontrando essas caixas… algumas coisas são da minha mãe.
Julia caminhou até ela, sentando-se ao lado de Petra no tapete. Olhou ao redor e viu fotos, álbuns antigos e pequenos objetos espalhados. Pegou uma foto que estava próxima a ela, Petra, adolescente, com um uniforme de voleibol, segurando um troféu com um sorriso orgulhoso.
— Você parecia tão séria até jogando vôlei quando era mais nova – brincou Julia, tentando aliviar o clima.
Petra riu baixinho, mas seu olhar voltou para as fotos de infância que segurava.
— Aqui tem coisas de quando eu era criança… algumas fotos com meu pai. – Ela fez uma pausa, encarando a foto que segurava. — É estranho olhar pra isso agora. Pensar que eles não estão mais aqui.
Julia sentiu o peso das palavras de Petra e colocou uma mão delicadamente sobre a perna dela, oferecendo conforto.
— Você já falou sobre isso com a sua terapeuta? – perguntou Julia com gentileza.
— Já, sim, algumas vezes. – Petra suspirou novamente. — E, sinceramente, tem sido bom. Me ajuda a colocar em perspectiva o que aconteceu, mas ainda existem buracos que nunca vou preencher. Como isso, por exemplo... – Petra levantou uma foto que segurava. Era ela ao lado do pai, ambos sorrindo timidamente para a câmera. — Ele teria adorado conhecer você, Julia.
Julia olhou para a foto, notando as semelhanças entre Petra e o pai. Os olhos brilhantes e o sorriso sereno eram inconfundíveis.
— Eu teria gostado de conhecê-lo também – disse Julia, com sinceridade.
Petra sorriu, mas havia uma tristeza em seus olhos.
— Ele era incrível. O problema é que... – Ela hesitou por um momento, como se ponderasse se deveria continuar. — Eu nunca soube o porquê de a minha mãe ter me privado de conhecê-lo por tanto tempo. E, agora que os dois se foram, nunca vou ter essa resposta. Eu acho que... ela estava com medo, sua experiência de vida com o próprio pai não foi a melhor, talvez, estivesse tentando me proteger de algo que um dia ela mesma viveu.
Julia sentiu o coração apertar ao ouvir isso. Ela não sabia exatamente como responder, mas decidiu mudar o foco, esperando trazer um pouco de leveza. Pegou uma foto que estava ao lado e a mostrou para Petra.
— Olha essa – disse Julia. Na imagem, uma mulher segurava uma Petra muito pequena no colo, sorrindo de um jeito doce e protetor.
Petra pegou a foto e a observou com carinho, passando o dedo pela imagem.
Julia sorriu ao olhar para a mulher na foto e depois para Petra.
— Você tem os olhos dela, sabia? – disse Julia, com uma suavidade que fez Petra erguer o olhar para ela.
— Você acha? – perguntou Petra, surpresa.
— Tenho certeza. – Julia inclinou-se para olhar mais de perto. — E o sorriso charmoso... esse é todo do seu pai.
Petra soltou uma risada curta, emocionada.
— Sorriso charmoso que conquistou você, hein? – disse ela, tentando esconder as lágrimas que começavam a surgir.
Julia segurou o rosto de Petra com delicadeza, obrigando-a a olhar diretamente para ela.
— Conquistou mesmo. Sabe... você carrega eles com você, Petra. Nos olhos, no sorriso, em cada traço seu. Eles estão em você, de um jeito ou de outro.
Petra sentiu uma lágrima escorrer, mas dessa vez não a afastou. Julia a abraçou com força, deixando que ela tivesse aquele momento sem precisar dizer nada.
Depois de alguns minutos, Petra se afastou, enxugando o rosto com as mãos.
— Você tem razão. Eles ainda estão comigo, de alguma forma. E acho que é por isso que guardo tudo isso. Porque é a única maneira de manter uma parte deles viva.
Julia assentiu, sorrindo. As duas começaram a organizar as caixas com mais cuidado, separando as fotos e os objetos que eram mais significativos. Petra encontrou uma antiga medalha de voleibol que havia ganho no ensino médio e mostrou para Julia, que fez questão de provocá-la sobre o quanto ela sempre foi competitiva.
— Você já nasceu querendo ser campeã, né? – brincou Julia.
— Não nego – respondeu Petra, rindo.
A tarde continuava tranquila enquanto Julia e Petra trabalhavam juntas organizando as fotos que tinham sido descobertas nas caixas. Julia, com um sorriso divertido, puxou uma foto em que Petra era apenas um bebê, sem dentes e com uma expressão confusa.
— Meu Deus, olha essa carinha! – exclamou Julia, segurando a foto para Petra ver.
Petra, que estava dobrando um antigo uniforme de vôlei que também havia encontrado, levantou o olhar e corou imediatamente.
— Ah, não! Dá essa foto aqui – disse ela, tentando pegar a imagem das mãos de Julia.
Julia afastou a foto, rindo enquanto a mantinha fora do alcance.
— Nada disso, Pepê. Essa aqui merece um porta-retrato especial! Vou colocar na sua estante, bem na entrada.
— Isabelle! – reclamou Petra, fingindo indignação, mas sem conseguir conter um sorriso.
Enquanto isso, Julia continuava explorando as fotos. Encontrou outra em que Petra e Miguel apareciam adolescentes, de braços cruzados, encarando a câmera com a mesma expressão divertida. Julia revirou os olhos, fingindo tédio.
— Miguel. Claro que você tem fotos do senhor simpatia – provocou, jogando a foto no colo de Petra.
— Para de birra – respondeu Petra, rindo. — Você sabe que gosta dele.
Julia fez uma careta, mas Petra sabia que a ruiva estava brincando. Nas últimas semanas, Julia havia se aproximado de Miguel, principalmente depois de encontros casuais nas folgas. O jeito direto de Julia e o humor ácido de Miguel, curiosamente, acabaram criando uma amizade inesperada entre os dois.
— Talvez eu tolere ele mais do que antes – admitiu Julia com um sorriso de canto. — Mas não deixa isso subir à cabeça dele, tá?
Petra riu, sabendo que Julia e Miguel provavelmente trocariam farpas nas próximas vezes que se vissem, mas agora havia um respeito mútuo ali.
Julia perguntou casualmente. — Você quer colocar essas fotos em porta-retratos ou só guardar de volta?
Petra ponderou por um momento antes de responder.
— Acho que é uma boa ideia colocar algumas em porta-retratos. Assim eu posso olhar para elas com mais frequência.
Juntas, começaram a selecionar as fotos. Escolheram imagens significativas. Petra adolescente vestindo o uniforme de vôlei da escola, ela bebê nos braços da mãe, em Palo Alto com o pai, e momentos dela com Miguel. Também havia fotos de Stanford, com Marcela e Jenna pelo campus.
Enquanto Julia encaixava as fotos nos porta-retratos, encontrou outra imagem de Petra bebê e não resistiu a uma última provocação.
— Você era uma bebê tão fofinha, parecia uma criança tranquila... o que aconteceu no caminho? – brincou Julia, entregando a foto já emoldurada para Petra.
Petra rolou os olhos, mas estava sorrindo.
— Você não perde a chance, né?
Julia deu de ombros, colocando a foto em um canto especial da estante.
Quando finalmente terminaram, Petra ficou parada em frente ao móvel onde haviam arrumado tudo. Ela ficou observando as fotos por um longo tempo, o olhar cheio de emoções conflitantes. Julia percebeu o momento de introspecção e se aproximou, abraçando Petra por trás e repousando o queixo no ombro dela.
— Está tudo bem? – perguntou Julia baixinho.
— Está sim – respondeu Petra, com um tom sereno. — Só acho que ainda está faltando algo.
Julia ergueu uma sobrancelha.
— Faltando o quê?
Petra virou o rosto, olhando para Julia com um sorriso tímido. — Mais fotos. Das meninas. E, principalmente, suas.
Julia sentiu o coração aquecer com a resposta e apertou o abraço em torno de Petra.
— Você é uma parte tão importante da minha vida agora... Quero fotos que mostrem isso, entende?
Julia sorriu, tocada pela sinceridade de Petra.
— Acho que em algumas semanas vamos resolver isso de vez.
— Como assim? – perguntou Petra, virando-se parcialmente para encará-la.
— Quando voltarmos de Paris. Vamos ter várias fotos juntas, com as meninas, todas usando medalhas de ouro. Vai ser perfeito.
O sorriso de Petra se alargou ao ouvir aquilo.
— Medalhas de ouro, hein? Você tem muita confiança em nós.
— Não é confiança, é certeza – respondeu Julia, com uma piscadela. — Afinal, a gente tem você no time, não tem?
Petra ficou sem palavras por um momento, apenas abraçando Julia com força.
— Obrigada por estar comigo – murmurou Petra.
Julia beijou sua testa, respondendo suavemente.
— Sempre, principessa.
Mais tarde, Petra começou a contar histórias por trás de algumas das fotos que haviam organizado. Julia escutava atentamente, rindo das lembranças engraçadas e se emocionando com as mais profundas.
Quando chegaram à foto com Marcela e Jenna em Stanford, Julia não perdeu a chance de provocar.
— Vocês deviam ser um perigo naquele campus.
— Ah, você não tem ideia... – disse Petra, rindo. — Jenna era a rainha de arrumar confusão e me colocar no meio. Marcela ficava maluca.
— Isso explica muita coisa – comentou Julia, divertida.
Após o jantar, o ambiente estava tranquilo e aconchegante. As duas estavam sentadas no sofá, abraçadas, com a luz suave da sala iluminando o ambiente.Julia estava com a cabeça repousada no ombro de Petra, e a morena acariciava os cabelos da ruiva de forma distraída, enquanto pensava em tudo o que as esperava nas semanas seguintes.
Por um momento, a conversa se silenciou, e Petra ficou pensativa. Ela sabia que o período pós-Olimpíadas não seria fácil, especialmente por causa das distâncias que iriam separá-las. Após o evento, cada uma seguiria seu caminho em seus clubes, e o fato de estarem em países diferentes a fez refletir sobre como fariam para manter a relação forte. No fundo, ela sabia que a rotina intensa de treinamentos, viagens e compromissos com os clubes seriam desafios significativos. Além disso, a ideia de estarem longe fisicamente pesava em seu coração.
Julia percebeu a mudança no comportamento de Petra e levantou a cabeça para encará-la.
— O que foi, amor? – perguntou Julia com a voz suave, notando o olhar pensativo de Petra.
Petra se virou ligeiramente para Julia, dando um sorriso tímido, mas havia uma sensação de incerteza nos olhos dela.
— Eu estava pensando... – disse Petra lentamente, seus dedos tocando a parte de trás da cabeça de Julia de forma suave e pensativa. — Depois das Olimpíadas, vamos para os nossos clubes, e vamos estar longe uma da outra. Eu... não sei o que fazer. Como a gente vai lidar com isso? A temporada de clubes vai começar, e nós estaremos em lugares diferentes.
Julia soltou uma pequena risada, percebendo o peso nos pensamentos de Petra, mas também notando como ela estava tão aberta sobre suas preocupações. Julia, sempre segura e confiante, sabia que a resposta estava no que construíam juntas, e não em onde estivessem fisicamente.
— A gente vai dar um jeito. Vamos aproveitar cada momento até lá, e quando estivermos longe, vamos encontrar uma maneira de continuar. Não vai ser fácil, mas quem disse que a gente não pode lidar com isso? – disse Julia, sorrindo, enquanto apertava mais a mão de Petra.
Petra sorriu com a resposta de Julia. A ruiva parecia confiante, mas Petra precisava fazer as escolhas certas para si mesma e para o relacionamento delas.
— Eu estava pensando em uma coisa... – começou Petra, hesitante. — O que você acha de eu renovar com o Denso, ou talvez aceitar alguma oferta do Brasil? Nunca joguei profissionalmente aqui, e sempre quis tentar jogar no meu próprio país. Isso seria... diferente.
Julia se afastou um pouco, levantando a cabeça para olhar Petra com uma expressão curiosa.
— Você já tem propostas, né? – perguntou Julia, interessada na decisão de Petra. Ela sabia o quanto a carreira de Petra era importante para ela, mas também sabia o quanto o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional significava para Petra.
Petra suspirou, sua mente cheia de pensamentos conflitantes. Ela sabia que o Denso, no Japão, oferecia estabilidade e continuidade, mas jogar no Brasil, em um time de renome, também era algo que sempre a fascinou. Jogar em casa, era o que ela queria agora.
— Tenho algumas propostas, mas não sei ainda, jogar aqui seria uma experiência única. Nunca pensei muito sobre isso antes, mas depois de tudo o que aconteceu... talvez seja hora de voltar para casa e ver o que posso conquistar aqui – disse Petra, com uma leveza que parecia constante entre elas agora. Julia sentiu o peso da reflexão de Petra, sabia que ela estava realmente tentando encontrar o melhor caminho para si.
Julia sorriu de maneira compreensiva e segurou as mãos de Petra.
— Eu acho que isso seria ótimo, você merece isso. Eu só não quero te ver sacrificando algo por medo de não ser o que você esperava, entende? O importante é que você escolha o que vai te fazer feliz. O resto a gente resolve.
Petra olhou para Julia, sentindo-se grata pela compreensão da ruiva. Ela sentia que tomar a decisão certa para sua carreira, levando em consideração o que estava acontecendo em sua vida pessoal, seria uma das decisões mais difíceis. Ela não queria se arrepender de seguir um caminho que pudesse afastá-la ainda mais de Julia, mas também sabia que o equilíbrio entre os dois era fundamental.
— Acha que vou ficar bem com o uniforme do Flamengo? – disse Petra, brincando, tentando descontrair o momento.
Julia riu, soltando uma gargalhada gostosa que fez Petra sorrir ainda mais.
— Ah, claro, uniformezinho do Flamengo, né? Todo mundo babando em você. Vai ser uma fila de torcedoras na porta do ginásio.
Petra riu, se divertindo com o ciúme teatral da namorada.
— Ju, para! Você sabe que não tem fila nenhuma.
— Não tem ainda, mas é só você aparecer com aquele uniforme vermelho e preto. Aposto que vai atrair até quem nem gosta de vôlei – continuou Julia, cruzando os braços e balançando a cabeça como se estivesse ofendida.
Petra se aproximou, segurando o rosto da ruiva com carinho.
— Quer saber? Não importa o uniforme que eu use. Meus olhos só vão estar em você mesmo.
Julia tentou segurar o sorriso, mas acabou rindo, escondendo o rosto no ombro de Petra.
— Tá bom, mas se alguém olhar demais, eu vou lembrar que sei falar alemão pra xingar.
Petra riu, então brincou novamente, tentando descontrair um pouco mais a conversa.
— E aquele azul do Minas? Eu ficaria maravilhosa no uniforme deles, não acha? – continuou Petra, sorrindo, sabendo exatamente como provocar a ruiva.
Julia deu uma risada, mas logo arqueou uma sobrancelha, fingindo não gostar da ideia.
— Ah, eu acho que o azul ficaria incrível em você, mas você vai acabar atraindo mais olhares do que eu já estou preparada para lidar.
Petra se aproximou mais, provocando Julia com um olhar divertido.
— Não se preocupa, Ju. Eu só tenho olhos pra você... com ou sem uniforme.
Julia rolou os olhos, tentando manter a pose séria, mas não resistiu e começou a rir, sabendo que a conversa não tinha o menor sentido, mas amando cada momento.
— Ah, é? Então eu posso respirar tranquila? Não vai rolar nenhuma torcida extra no ginásio, só por causa do seu charme?
— Só se você estiver lá. – Petra respondeu com um sorriso malicioso, antes de dar um rápido beijo em Julia.
— Mas você ficaria bem em qualquer coisa. Seja lá no Japão, no Brasil. O importante é que você vai arrasar. – Julia deu um beijo suave na bochecha de Petra. — Mas, sério, você só tem que escolher o que é melhor para você. Não importa onde seja, estarei ao seu lado.
— Eu sei, amor. Vou pensar com calma em tudo isso. Quero que essa decisão seja a melhor para nós e para mim.
Julia sorriu de volta, abraçando Petra mais forte. Não importava o que o futuro reservasse; elas enfrentariam juntas, como sempre fizeram.
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meio que tá acabando a história sabe
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