39 - Rosas ²

Aviso de gatilho

O capítulo a seguir contém menções relacionadas à violência doméstica, que podem ser sensíveis para alguns leitores. Prossiga com cautela ou pule o capítulo se não se sentir confortável para ler.
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Talvez se eu tivesse o denunciado
Talvez se eu tivesse o deixado de lado
Agora é tarde...
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06 de Abril

O amanhecer trouxe uma luz pálida que invadia as janelas do hospital, mas para Petra, o tempo parecia ter parado. Julia manteve seus braços em volta dela o tempo todo, silenciosa, oferecendo conforto na forma de sua presença. O clima era pesado, cada segundo de espera tornando-se insuportável. A cirurgia já durava horas, e cada vez que um médico ou enfermeira passava pelo corredor, Petra segurava a respiração, esperando por qualquer notícia.

Julia, preocupada com o impacto que tudo aquilo teria no emocional de Petra, enviou uma mensagem rápida para Ana Cristina, pedindo que ela avisasse as outras jogadoras sobre a situação. Zé Roberto também foi informado, ele precisava saber o que estava acontecendo para ter uma noção do estado mental de Petra.

Minutos depois, o celular de Julia vibrou. Era uma ligação de Rosa.

— Ju, em qual hospital vocês estão? Estamos indo aí – a voz de Rosa estava ansiosa.

Julia suspirou, olhando para Petra, que parecia perdida no tempo, encolhida ao seu lado. A última coisa que ela queria era que Petra se sentisse ainda mais exposta.

— Rosa, não acho que seja uma boa ideia o time inteiro aparecer aqui... Vai chamar muita atenção e, bem, você sabe como a mídia é... A Petra não precisa disso agora.

Houve um silêncio do outro lado da linha, seguido por um suspiro frustrado de Rosa.

— Mas a gente precisa estar com ela, Ju. Ela precisa da gente.

Julia entendeu. Claro que Petra precisava delas. Mas o que ela menos precisava agora era se sentir como o centro de um furacão de atenção. Depois de alguns minutos de conversa, Rosa finalmente cedeu, mas não sem um acordo.

— Tudo bem... Vamos revezar. Pri, Carol e eu vamos primeiro. O resto vai ficar no CDV, mas a gente vai manter contato o tempo todo e elas vão depois. – Rosa fez uma pausa. — E o Zé liberou a gente do treino hoje.

Julia assentiu, mesmo sabendo que Rosa não podia vê-la. — Combinado. Venham com calma.

Pouco depois, Rosa, Pri, e Carol chegaram ao hospital. Quando elas entraram na sala de espera, seus olhos encontraram Petra encolhida nos braços de Julia, seu corpo emanando uma fragilidade que as amigas nunca tinham visto antes. O coração delas apertou com a cena.

— Petra... – Rosa murmurou, se aproximando com cuidado, como se não quisesse quebrar aquele momento delicado.

Petra levantou a cabeça, seus olhos vermelhos e inchados pelas horas de angústia. Ela tentou sorrir, mas tudo o que conseguiu foi um leve tremor nos lábios.

— Eu não sei o que fazer, Rosie – sussurrou Petra, sua voz mal saindo.

Enquanto as amigas tentavam confortá-la, Marcela decidiu que era hora de tomar uma atitude. Ela se afastou um pouco e, com o celular na mão, saiu da sala de espera. Sabia que, mais do que nunca, Petra precisava de privacidade nesse momento. Marcela foi até uma área mais tranquila do hospital, longe dos olhares curiosos.

Com um pouco de hesitação, ela discou o número de Sheilla. Assim que a ligação foi atendida, Marcela falou rapidamente, explicando a situação de Petra e o estado delicado em que se encontrava.

— Sheilla, é importante que a gente garanta a privacidade da Petra. Ela não precisa de mais atenção do que já está recebendo. Podemos fazer um acordo com a comissão para que a mídia fique afastada por um tempo? – Marcela disse, a preocupação transparecendo em sua voz.

Sheilla ouviu atentamente e, após um breve momento de silêncio, respondeu — Claro, Marcela. Vou falar com Zé e tentar segurar o máximo possível. Não quero que Petra se sinta pressionada por isso. Vamos manter tudo o mais privado possível, fica tranquila, tá?

Com um suspiro de alívio, Marcela agradeceu e desligou. Sabia que tinha feito o que podia para proteger Petra, mesmo que fosse apenas por um breve período. Ao voltar para a sala de espera, viu que Rosa e Julia ainda estavam ao lado de Petra, tentando convencê-la a comer algo. Elas estavam se esforçando, mas Petra parecia alheia, mergulhada em seus próprios pensamentos.

Quando Marcela se aproximou novamente, sentiu o peso da situação no ar. O médico apareceu finalmente, sua expressão cansada, mas com um ar de leveza que indicava algum alívio.

— Conseguimos controlar a hemorragia. – disse ele, fazendo Petra prender a respiração por um momento. — Mas o estado dela ainda é grave. Ela sobreviveu à cirurgia, mas... ainda há risco. Vamos mantê-la sob observação nas próximas horas. Apenas um visitante por vez. Você pode ir vê-la agora.

Petra sentiu suas pernas fraquejarem, o peso da notícia misturado com o medo de ainda perder sua mãe. Ela lançou um olhar para Julia, que assentiu silenciosamente, apertando sua mão em um gesto de apoio. Sem dizer nada, Petra seguiu o médico até o quarto.

Quando entrou, o som monótono dos aparelhos encheu o ambiente. Vera estava deitada na cama, quase parecendo dormir, mas a realidade dos tubos e máquinas que a mantinham viva lembrava Petra da gravidade da situação. O rosto de sua mãe estava machucado, inchado, com hematomas que pareciam gritar a violência do que ela havia enfrentado.

Petra sentiu o coração afundar no peito, o aperto da culpa e do desespero aumentando. Ela se aproximou lentamente, hesitante, como se estivesse com medo de tocar em Vera e quebrá-la ainda mais. Sentou-se ao lado da cama, observando cada detalhe daquele corpo que, apesar de frágil e machucado, ainda era o da mulher que a criou, que viveu uma vida de luta e escolhas erradas.

Seus pensamentos começaram a se atropelar. "Como ela se deixou chegar a esse ponto? Como eu não vi isso antes? Será que, de alguma forma, eu também sou culpada por isso?"

Ela queria entender o que tinha levado sua mãe a estar naquela situação, mas, ao mesmo tempo, não sabia se conseguiria enfrentar todas as respostas que viriam.

20 Anos Atrás

Petra tinha apenas 4 anos, e sua vida era uma batalha constante, mas era uma batalha que ela travava ao lado de sua mãe, Vera. Era só elas duas, enfrentando o mundo juntas, sem nada nem ninguém para aliviar a carga. Porém, a chegada de Carlos parecia ser a resposta para os problemas delas. Vera encontrou nele o que parecia ser a promessa de um futuro melhor.

Carlos era um homem elegante, sempre bem vestido, com um charme que conquistava todos ao seu redor. Para Vera, ele era o príncipe encantado que finalmente havia chegado para salvá-las. Ele tratava Petra com gentileza, o que reforçava ainda mais a imagem de que ele seria um bom pai e marido. O namoro deles foi um conto de fadas, culminando em um pedido de casamento que Vera aceitou com entusiasmo.

Nos primeiros meses de casamento, Vera estava no céu. O amor parecia genuíno, e o futuro parecia promissor. Mas o que começou como um sonho logo se transformou em um pesadelo.

As primeiras marcas vieram de um aperto no braço durante uma discussão por ciúmes. Naquele momento, Vera tentou ignorar a dor, acreditando que era apenas um desentendimento. Mas os eventos se repetiram: um empurrão aqui, uma palavra áspera ali. Carlos sempre acompanhava os atos de violência com pedidos de desculpas, flores e promessas de que jamais aconteceria novamente. "Foi só um acidente", ele dizia. "Eu caí da escada", "Tropecei no tapete", "Foi uma queda no banho". As explicações eram uma série de desculpas vazias, mais fáceis de acreditar do que admitir a verdade: "Meu marido, o homem que eu amo, está me machucando".

Vera estava aprisionada em uma rede de mentiras e desculpas. O medo de expor a verdade a fez se calar, criando um ciclo de violência e desculpas que continuava a crescer. Ela mantinha as marcas escondidas e as palavras silenciosas, perpetuando um ciclo de dor que Petra, na época uma menina pequena, não podia compreender completamente.

A vida de Vera foi marcada por um amor que se transformou em violência, e Petra, mesmo tão jovem, percebeu que o que parecia ser uma família perfeita estava longe de ser real. O trauma se instalou nas vidas delas, moldando quem Vera se tornaria e, de forma dolorosa, influenciando a infância de Petra.

10 anos atrás

Petra, com 14 anos, já havia enfrentado mais do que qualquer criança deveria. Sua mãe, Vera, estava afundada em um ciclo de autodestruição que começara após a saída de Carlos. A vida de Vera se transformou em uma sucessão de noites intermináveis de álcool e relacionamentos agressivos, sempre com novos homens, cada um mais destrutivo que o anterior. As promessas de mudança e os esforços para recomeçar nunca se concretizavam. Em vez disso, as noites fora de casa, bêbada e rodeada por estranhos, se tornaram uma constante, deixando Petra sozinha para enfrentar a realidade.

Petra viu sua mãe se perder em uma espiral de comportamento autodestrutivo. A falta de cuidado e a negligência de Vera fizeram com que Petra passasse muitas noites sozinha, sem saber se a mãe voltaria para casa ou em que estado ela retornaria. A responsabilidade de cuidar de si mesma foi forçada a uma idade precoce, e o ressentimento começou a crescer dentro dela.

Com cada nova bebida que Vera consumia e cada novo homem que entrava e saía de suas vidas, Petra jurava a si mesma que nunca cairia naquela mesma armadilha. Ela observava a mãe com uma mistura de tristeza e raiva, sentindo um abandono profundo e uma crescente sensação de traição. O amor de Petra por Vera estava manchado pela frustração e pela dor, e a visão da mãe afundando-se em escolhas tão destrutivas alimentava uma profunda mágoa.

Petra se perguntava como alguém que uma vez havia prometido amor e estabilidade poderia se perder dessa forma. Ela sentia um peso de julgamento sobre Vera, muitas vezes silencioso e amargo. Esse ressentimento por sentir-se abandonada e traída era uma constante em sua vida, moldando a forma como Petra via não apenas sua mãe, mas também suas próprias decisões e seus relacionamentos futuros.

Prometeu a si mesma que jamais permitiria que sua vida se transformasse naquilo que ela odiava. Essa determinação se tornou um pilar fundamental para Petra, uma força que a impulsionava a buscar algo melhor para si mesma, mesmo que seu caminho estivesse cheio de desafios e escolhas difíceis.

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Também senti que abordar isso vai ajudar no desenvolvimento da relação de Petra e Lorenzo nos próximos capítulo.

2/3

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