32 - A Liberdade do Abandono²
- Jão
Uma noite com a certeza
Que fizemos tudo errado
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30 de Março
Petra respirou fundo enquanto continuava a falar, suas palavras misturadas com as lembranças que ainda a assombravam. Julia, ao seu lado, ouvia em silêncio, tentando absorver cada detalhe, cada nuance da história que Petra nunca havia contado a ninguém.
— Conheci meu pai, Robert, de uma maneira inesperada. – Petra começou, os olhos fixos na paisagem da cidade à sua frente. — Eu sempre cresci acreditando que ele tinha me abandonado, que não se importava comigo. Minha mãe, Vera, sempre repetia isso. Ela dizia que ele nos deixou porque não queria uma filha, que ele era egoísta e desprezível. Eu não sabia muito sobre ele, só que ele tinha nascido nos Estados Unidos e era advogado.
Vera, a mãe de Petra, era uma figura complexa em sua vida. Vera tinha sérios problemas com bebida, e a vida dela era uma sequência de relacionamentos abusivos. A maior parte da infância de Petra foi marcada por esse ciclo vicioso de violência e negligência. Vera frequentemente desaparecia por dias, deixando Petra sozinha no pequeno apartamento em que viviam. Desde muito jovem, Petra aprendeu a se cuidar sozinha, cozinhando suas próprias refeições, estudando sozinha e encontrando consolo apenas no vôlei.
— Quando terminei o ensino médio, eu estava completamente perdida. – Petra continuou, a voz começando a tremer levemente. — Minha mãe não se importava com nada, e eu não tinha ninguém para me guiar. Eu morava praticamente sozinha, aqui nesse mesmo prédio onde estamos agora. Eu estava desesperada, sem saber o que fazer da vida. Mas o vôlei... o vôlei era a única coisa que me fazia sentir viva. Era meu refúgio. Então, eu me joguei de cabeça nisso, treinando até a exaustão, trabalhando para me manter e estudando para conseguir uma bolsa de estudos.
Foi nesse período sombrio que Petra decidiu procurar por Robert. Ela queria confrontá-lo, entender por que ele a havia deixado, por que ele não queria ser parte da vida dela. Mas, ao contrário do que Vera sempre disse, Petra descobriu que Robert nem sabia que ela existia. Quando finalmente o encontrou, a revelação foi um choque para ambos.
— No dia seguinte da formatura na escola, entrei em um ônibus, estava decidida a encontrar Robert, eu fui mais à fundo e descobri que ele morava aqui mesmo no Rio, na Barra da Tijuca. Depois de quase quatro horas de viajem, eu esperava encontrar um homem frio, indiferente, mas o que encontrei foi completamente diferente. – Petra disse, uma leve emoção tingindo sua voz. — Ele ficou tão surpreso quanto eu. Ele não sabia de mim. Quando minha mãe engravidou, ela decidiu esconder isso dele. Ela o odiava por algum motivo que nunca entendi totalmente. Robert ficou devastado ao saber que tinha uma filha de 16 anos que ele nunca conheceu. Ele imediatamente quis compensar o tempo perdido, quis me ajudar a construir um futuro melhor.
Robert Lewis era um advogado renomado no Rio, especializado em direito internacional. Ele tinha construído uma carreira de sucesso com anos de dedicação, mas ao descobrir que tinha uma filha, ele imediatamente mudou suas prioridades. Ele não queria apenas ser uma figura distante na vida de Petra; ele queria estar presente, queria ajudá-la a realizar seus sonhos. Ele se mudou para a Califórnia para ficar mais perto de Petra quando ela foi aceita em Stanford.
— Foi por ele que eu consegui ir para Stanford. – Petra explicou, as lágrimas voltando a se formar em seus olhos. — Robert se tornou meu maior apoiador. Ele acreditava em mim, mais do que qualquer outra pessoa jamais acreditou. Ele me deu a estrutura que eu nunca tive, me mostrou o que era ter alguém que se importava de verdade.
Robert alugou um apartamento maior para os dois em Palo Alto, perto de Stanford, e começou a ajudar Petra em tudo que podia. Ele a levava para os treinos, estava totalmente ansioso para o início dos jogos da NCAA e, nos momentos em que ela se sentia sobrecarregada, ele estava lá para oferecer apoio e palavras de encorajamento.
Mas então, a tragédia aconteceu.
— Na metade do meu primeiro período em Stanford, perdi meu pai. – Petra disse, a voz quebrando. — Foi um acidente, um motorista bêbado... ele estava indo me buscar para passarmos o fim de semana juntos. Ele nunca chegou. Estava tão ansioso para o início da NCAA, mas ele não pôde assistir à nenhum jogo. Ainda me dói pensar que meu tempo com ele foi tão limitado, começou e acabou tão rápido, nossa vida e tudo o que perdemos em tantos anos se resumindo à míseros seis meses.
O choque e a dor de perder Robert tão repentinamente devastaram Petra. Ela tinha acabado de começar a construir um relacionamento com ele, de começar a sentir o que era ser parte de uma família. Perder Robert, logo depois de encontrá-lo, foi um golpe que a deixou emocionalmente desolada.
— Depois disso, eu não fui mais a mesma. – ela confessou, a dor em sua voz evidente. — Minha arrogância, minha obsessão nos treinos, tudo isso era uma forma de me proteger, de me manter focada para não desmoronar. Eu precisava ser a melhor, não só por mim, mas por ele. E também não podia falhar, porque falhar significaria voltar para a vida que eu tinha antes, uma vida que eu sabia que não suportaria.
Julia, ao ouvir tudo isso, sentiu um aperto no peito. Ela finalmente começava a entender a profundidade do que Petra carregava consigo, as razões por trás de sua intensidade e a barreira emocional que ela havia construído. O desejo de proteger Petra, de estar lá por ela, crescia ainda mais dentro de Julia, ela sentiu as lágrimas queimando nos olhos, mas as segurou, sabendo que agora não era o momento para desmoronar. Petra estava se abrindo de uma maneira que ela nunca havia feito antes, e Julia sabia que precisava estar ali para ela.
— Petra... – Julia começou, mas sua voz falhou. Ela respirou fundo, tentando encontrar as palavras certas. — Eu... sinto muito por tudo isso. Sinto muito por ter sido tão cega para o que você estava passando. Eu nunca entendi por que você era tão dura, mas agora eu entendo. Você estava sobrevivendo.
Petra sorriu tristemente, enxugando uma lágrima teimosa que escorreu por seu rosto.
— Eu só... queria ser forte, sabe? Forte o suficiente para não desmoronar, para não perder tudo o que eu tinha conquistado. Mas isso me custou tanto, Julia. Custou minha paz, minha felicidade... e também me fez ser péssima quando nos conhecemos.
Julia deu um passo à frente, colocando a mão sobre a de Petra. — Nós duas cometemos erros, Petra. Mas talvez... talvez seja hora de começarmos de novo. De deixarmos o passado onde ele pertence, e seguirmos em frente.
Petra olhou para Julia, e pela primeira vez, ela se permitiu acreditar que isso poderia ser possível. Talvez, finalmente, ela pudesse deixar o passado para trás e encontrar algo novo, algo verdadeiro.
— Eu gostaria disso, Julia. – Petra sussurrou, os olhos ainda brilhando com a dor, mas agora também com uma nova esperança. — Eu gostaria muito disso.
Naquele instante, algo profundo mudou entre elas. Julia, sempre tão resistente, sempre a guerreira em campo, sentiu uma vulnerabilidade que nunca havia experimentado antes. Ver Petra, normalmente tão forte e indomável, agora à sua frente com os olhos vermelhos e lágrimas escorrendo, fez seu coração afundar de uma maneira inesperada. Era como se todas as barreiras que mantinham Julia afastada do verdadeiro sentimento desmoronassem de uma vez.
Ela se aproximou com cautela, sem querer assustar Petra, mas também incapaz de resistir ao impulso de confortá-la. Suas mãos encontraram o rosto de Petra, e a morena não recuou, aceitando o toque, como se precisasse sentir o calor de Julia, como se o corpo dela implorasse por isso.
Julia enxugou delicadamente as lágrimas que ainda desciam pelo rosto de Petra, e então, com uma suavidade que surpreendeu até a si mesma, ela inclinou-se e deixou um beijo terno na testa de Petra. O gesto foi carregado de carinho, de promessas silenciosas, de um desejo genuíno de curar as feridas que estavam tão expostas.
Quando Julia envolveu Petra pela cintura e a puxou para mais perto, Petra cedeu completamente, afundando o rosto no pescoço de Julia. Era como se todo o peso que Petra carregava finalmente tivesse encontrado um lugar para descansar. Julia sentiu o corpo de Petra relaxar contra o seu, e, nesse momento, ela soube que faria qualquer coisa para protegê-la.
Com a boca próxima ao ouvido de Petra, Julia sussurrou, a voz baixa e carregada de emoção. — Petra, eu quero te conhecer de verdade dessa vez. Eu quero fazer isso direito... Nós duas merecemos uma chance de recomeçar. Deixa eu cuidar de você.
Petra ficou em silêncio por um momento, absorvendo aquelas palavras, sentindo a sinceridade nelas. Havia uma promessa ali, um compromisso que Julia estava disposta a assumir. Petra ergueu o rosto, os olhos ainda brilhando com lágrimas, mas agora havia algo mais ali, uma faísca de esperança, um início de confiança.
— Eu... também quero isso, Julia - respondeu Petra, a voz suave, mas firme. — Eu preciso disso.
As duas ficaram assim por um tempo, apenas sentindo a presença uma da outra, o mundo lá fora esquecido. A cidade abaixo delas continuava a brilhar, mas no terraço, era como se tudo tivesse parado, como se aquele momento pertencesse só a elas. E talvez, pela primeira vez, ambas sentiram que finalmente poderiam começar algo real, algo que, apesar de todos os obstáculos, valeria a pena lutar.
— Quer conhecer o lugar onde passei uma parte da minha vida? – Pergunta Petra, quase como um sussurro com sua voz baixa e abatida. Quando Julia aceitou, Petra segurou sua mão a guiando para o elevador mais uma vez, disposta a mostrar para Julia seu apartamento, aquele lugar onde esteve sozinha por tantas vezes na adolescência, onde chorou e pensou em desistir mais vezes do que poderia contar, mas agora era um lugar que Petra queria tornar seu lar, queria criar lembranças novas para substituírem tudo o que ela não queria mais ter em sua mente.
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eu. tô. chorando.
é isso, um beijo da autora 😘
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