21 - Passado e Conexões

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23 de Março

No quarto, o som da água caindo do chuveiro acompanhava o ritmo das reflexões de Petra, que estava na varanda, imersa em seus pensamentos. O momento de descontração do jogo estava lentamente se dissipando, deixando o peso das preocupações voltar. Com o olhar perdido no horizonte, ela murmurou para si mesma - É como colocar um curativo na ferida que precisa de pontos.

O sentimento de insegurança e a pressão não pareciam ter diminuído, apenas foram temporariamente abafados pela animação do jogo e as brincadeiras pós-jogo.

Julia, saindo do banheiro com um roupão sobre o pijama, notou imediatamente a ausência de Petra no quarto. Conhecendo bem a tendência de Petra de sair sem casaco, especialmente com os cabelos ainda molhados, Julia vestiu um casaco e com outro em mãos foi direto para a varanda. Lá encontrou Petra, tremendo um pouco devido ao frio olhando para o horizonte, perdida em pensamentos.

- Você ainda está aqui fora, sem casaco e com o cabelo molhado? - Julia comentou, passando o moletom de Georgia Tech para Petra que recebeu o moletom e vestiu, notando a logo da universidade. A surpresa ao perceber o detalhe fez uma risada escapulir. - Sabe, espero que você não esteja pensando em pular daqui

- Talvez agora que você me fez vestir um moletom do Georgia Tech eu pense melhor sobre pular mesmo. - disse Petra, com um sorriso leve, embora um pouco forçado. - Só você para me lembrar dos velhos tempos.

Julia deu um pequeno sorriso, aliviada por ver Petra esboçar uma expressão de leveza. Ela se sentou ao lado de Petra, o frio da noite ainda cortante, mas o calor do momento suavizando um pouco.

Ali na varanda, o ar estava mais frio do que Petra esperava. O moletom de Julia já era um conforto familiar para ela, mas mesmo assim, o peso das emoções e das lembranças deixava o ambiente mais gelado. As duas estavam sentadas lado a lado, o silêncio entre elas pesado, mas não desconfortável. Petra olhava para o horizonte, tentando ordenar seus pensamentos, enquanto Julia observava cada movimento dela, como se estivesse esperando a tempestade que sabia que viria.

Petra finalmente quebrou o silêncio.

- Sempre quis saber... - Ela começou, sua voz baixa, quase hesitante. - Por que você me odiava tanto na faculdade? O que eu fiz para você?

Julia demorou alguns segundos para responder, ponderando se deveria ser completamente honesta ou amenizar a história. Optou pela honestidade, mesmo que doesse um pouco.

- Foi no torneio de 2018 - Julia começou, sua voz calma, mas com um tom de lembrança amarga. - Você estava no seu segundo ano em Stanford, e eu no meu segundo na Georgia Tech. Era a primeira vez que íamos nos enfrentar. Eu me lembro de estar animada porque havia outra brasileira se destacando na NCAA naquele ano. Eu pensei... - Ela fez uma pausa, como se tentasse organizar as palavras. - Pensei que poderíamos talvez ser amigas.

Petra olhou para Julia, surpresa por ouvir isso. Aquilo não era o que ela esperava.

- Mas então você entrou em quadra... - Julia continuou, voltando seus olhos para o horizonte agora. - E parecia que não queria saber de mais nada além de ganhar aquela partida. Sua postura... Eu achei você arrogante e prepotente. Como se estivesse acima de todos nós. E quando o jogo começou... Cada ponto que você marcava, você comemorava com tanta intensidade. Eu... - Ela respirou fundo, a memória ainda fresca em sua mente. - Achei que estava me provocando. Bem, na verdade você fazia isso sempre que tinha chance.

Petra ficou em silêncio, absorvendo as palavras de Julia. Ela nunca havia pensado que suas comemorações, algo tão natural para ela, poderiam ter sido interpretadas daquela maneira.

- Eu só queria ganhar - Petra respondeu, sua voz suave. - Para mim, era tudo sobre o jogo, sobre a adrenalina, sobre o trabalho em equipe. Nunca passou pela minha cabeça que você pudesse ver aquilo como algo pessoal.

Julia virou-se para Petra, seus olhos buscando os dela.

- Eu sei disso agora - Julia disse, sua voz mais suave. - Mas na época, parecia que você estava dizendo que eu não era boa o suficiente. Que eu não merecia estar ali. E, com o tempo, esse ressentimento cresceu. Toda vez que nos enfrentávamos, eu me sentia como se estivesse lutando contra você, não apenas jogando vôlei.

Petra abaixou a cabeça, refletindo sobre tudo. Ela nunca imaginou que Julia tivesse sentido tudo isso.

- Eu sempre soube da rivalidade entre Stanford e Georgia, sempre foi tão intensa e quando entrei em Stanford estava animada para jogar contra você. - Petra disse finalmente, sua voz cheia de sinceridade. - Não queria ser melhor que você, Julia. Só queria ser tão boa quanto a ruiva que vestia a camisa de 17 na universidade rival... Também estava empolgada pra te conhecer, mas no final daquele jogo você me olhou como se quisesse me dar um soco.

- É, eu queria mesmo. - Susurra Julia fazendo Petra rir.

- Imaginei que sim. Bem, Queria me destacar tanto quanto você porque eu adorava a ideia de ter duas brasileiras sendo estrelas na NCAA. Além disso, naquela época tinham muitas outras coisas envolvidas e acho que deixei essas coisas me dominarem, do mesmo modo que estou fazendo agora... - Petra balançou a cabeça como se quisesse afastar pensamentos antigos que ameaçavam desmoronar tudo. - Eu nunca quis que você se sentisse assim. Estava tão focada no meu próprio caminho que nunca percebi o que estava fazendo. Se eu soubesse...

Julia interrompeu com um gesto gentil.

- Não é sua culpa, Petra. Eu que interpretei tudo errado. Eu que deixei esse ressentimento crescer e nos afastar. - Ela fez uma pausa, olhando para Petra com um olhar mais suave. - Talvez, se tivéssemos conversado antes, as coisas teriam sido diferentes.

- Talvez - Petra concordou, olhando nos olhos de Julia agora. - Mas acho que tudo isso nos trouxe até aqui, não é? Além disso, Julia, entendo seu ressentimento. Eu não fui a pessoa mais simpática no começo e, tenho que admitir, minha postura realmente era péssima... mas eu era só uma adolescente querendo dar o meu melhor em quadra, acho que deixei isso me dominar. Bom, eu mudei, Julia, espero que tenha percebido.

Julia assentiu, um pequeno sorriso surgindo em seus lábios.

- Sim, eu percebi... E agora temos a chance de fazer as coisas de um jeito diferente.

Petra sorriu de volta, sentindo um peso ser aliviado em seu peito. A tensão entre elas estava se dissolvendo, transformando-se em algo mais leve, mais verdadeiro. A rivalidade que um dia as separou agora parecia uma ponte que as conectava de maneiras que elas nunca imaginaram.

- Então, sem mais brigas por agora? - Petra perguntou, brincando, mas com um toque de sinceridade.

- Sem mais brigas - Julia respondeu, rindo. - Pelo menos, não até o próximo treino.

- Ah, e é bom que ninguém fique sabendo sobre eu estar usando esse moletom horrível. - Diz Petra com uma falsa cara de nojo e um tom brincalhão fazendo Julia gargalhar alto. - Sabe, eu tenho uma reputação a zelar, Bergmann.

- Ah, claro, Lewis! Mas imagina o surto que seria postar uma simples foto desse exato momento.

- Você me deu uma ideia. Vem, cá! - Petra levantou sendo seguida por Julia, ela foi até a pequena cômoda ao da cama e na primeira gaveta tirou uma câmera fotográfica e saiu segurando a mão de Julja a guiando de volta para a varanda. Seu toque fez Julia sentir um leve arrepio, mas ela imaginou que o motivo eram as mãos geladas da morena. - Toma.

- Eu realmente não tenho ideia de como usar isso, Petra.

- Ah, por favor, Julia. Não é tão difícil assim. Olha, tá vendo aqui? - Petra disse, mostrando o visor da câmera. - Você só precisa ajustar o foco com essa rodinha e depois apertar esse botão para tirar a foto. Não é difícil.

Julia observava atentamente, um pouco cética sobre suas habilidades fotográficas.

- Não tenho muito jeito com essas coisas, mas vou tentar - ela murmurou, pegando a câmera das mãos de Petra.

Petra se posicionou perto da grade da varanda, virada de perfil, com as luzes na calçada da praia ao fundo.
Julia ajustou a câmera como Petra havia mostrado e preparou-se para tirar a foto. Antes de apertar o botão, porém, Petra não resistiu a brincar.

- Alguns dias atrás, teria sido mais fácil você me jogar dessa varanda do que tirar fotos minhas aqui - ela disse com um sorriso travesso.

Julia soltou uma risada, sem tirar os olhos do visor da câmera.

- E alguns dias atrás, teria sido mais fácil você queimar minhas roupas do que estar usando meu moletom - Julia retrucou, lançando um olhar para o moletom da Georgia Tech que Petra estava usando. - Do Georgia Tech ainda, veja só.

Petra riu, ajeitando o cabelo e virando-se um pouco mais para a câmera. - Quem diria que acabaríamos aqui, hein? Você me ensinando a lidar melhor com câmeras e eu, usando seu moletom. Acho que estamos em um universo paralelo.

Julia sorriu enquanto ajustava o enquadramento.

- Realmente. E como assim lidar melhor com a câmeras? Você parece ter um dom para isso.

Petra riu de novo, mas antes que pudesse responder, Julia apertou o botão da câmera, capturando o momento. Ela olhou para o visor, satisfeita com o resultado, e depois para Petra, que estava com um sorriso suave no rosto.

- Acho que a foto ficou boa - Julia comentou, mostrando o visor para Petra.

Petra analisou a imagem, e seu sorriso cresceu.

- Ficou ótima, na verdade. Não sabia que você tinha esse talento escondido.

Julia deu de ombros, com um sorriso brincalhão.

- Aprendo rápido, especialmente quando o assunto é você.

Petra balançou a cabeça, ainda sorrindo, e as duas compartilharam um olhar cheio de significados, uma trégua silenciosa que, mesmo cheia de provocações, estava repleta de uma nova compreensão.

Julia sentiu o ar ao redor delas ficar mais denso, mais carregado de algo que ela sabia que não deveria, mas que queria explorar. Os olhos de Petra brilhavam à luz fraca, e por um breve momento, parecia que o mundo ao redor havia desaparecido, deixando apenas as duas ali, no espaço apertado da varanda.

Elas se aproximaram lentamente, seus rostos tão próximos que Julia podia sentir a respiração quente de Petra contra seus lábios. O espaço entre elas diminuiu, os olhos de ambas fixos um no outro, até que Julia não soube mais dizer quem estava se aproximando de quem.

Mas, no exato momento em que seus lábios estavam prestes a se tocar, o celular de Petra tocou, quebrando o feitiço que havia se formado entre elas. Petra piscou, surpresa e um pouco atordoada, recuando rapidamente. Julia, por sua vez, não conseguiu esconder o suspiro frustrado que escapou.

- Desculpa... - Petra murmurou, claramente embaraçada, enquanto pegava o celular do bolso. O nome de Lorenzo brilhava na tela. Julia se afastou um pouco, cruzando os braços para esconder a irritação crescente.

- Não, tudo bem - Julia respondeu, tentando parecer despreocupada, mas a tensão em sua voz era inegável - Atende... eu vou deixar você com sua privacidade.

Ela se virou para sair, mas antes de dar o primeiro passo, ouviu Petra atender a chamada em italiano, o que apenas aumentou a mistura de sentimentos em Julia. Aquele idioma, na voz de Petra, soava estranhamente atraente, mas o fato de que estava sendo usado para falar com Lorenzo, agora, era algo que Julia simplesmente odiava.

- verdammter Italiener... - Susurrou pra si mesma. (Italiano maldito)

Julia saiu da varanda, deixando Petra com sua ligação. Ela caminhou de volta para o quarto, o coração batendo rápido. Tudo o que queria era poder esquecer aquele quase beijo, mas a sensação do momento ficou gravada em sua mente, tornando impossível não pensar em como seria se tivesse acontecido.

Deitada na cama, Julia encarou o teto, o pensamento em Petra e aquele instante na varanda se repetindo em sua cabeça. Ela sabia que era perigoso, que a situação entre elas estava se complicando ainda mais. Mas o fato era que Julia não conseguia tirar Petra da cabeça, e aquele quase algo entre elas continuava a ecoar em sua mente até que finalmente adormeceu, ainda tomada por sentimentos que não conseguia controlar.

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Alguém aí já assistiu aquele filme "os cornos dizem não"???? 👀

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