# 𝐟𝐨𝐮𝐫
Oi, gente!
Então, esse capítulo aqui é extremamente importante e eu realmente preciso do feedback de vocês. Além de retratar assuntos extremamente sensíveis, preciso também que prestem muita atenção. Claro que não precisa ler se deixá-los desconfortáveis, ainda vou tratar desses assuntos de forma resumida nos próximos capítulos, porém aqui tem mais detalhes, óbvio.
Infelizmente, o que será mostrado aqui é algo que realmente acontece na sociedade, a intenção do capítulo é falar mais sobre o Takashi e deixar nítido como ele carrega um lado nada bonito da vida dele.
O capítulo tá enooooorme! Espero que gostem.
Boa leitura! ♡
CW/TW: Menção à prostituição de menor, à dependência química e à violência física, tráfico de drogas, abuso e assédio sexual, tortura e crise psicológica, family issues, negligência.
Takashi
As rodas de minha moto deslizavam pelo asfalto naquela noite fria, o vento abraçando minha pele como se eu acabasse de sair em um mundo congelante no frio que estava, principalmente com os braços de [Nome] envolta de minha cintura para não cair, mesmo que eu não estivesse correndo muito, visto que não estava sozinho. Talvez ela estivesse se lembrando das vezes que até costumava empinar a moto quando ela estava sentada na garupa. Ambos achávamos divertido, contudo, eu não tinha certeza se estava querendo essa adrenalina outra vez.
Sendo bem sincero… Tudo o que eu mais queria agora era sentir tédio.
Diminuí a velocidade aos poucos conforme me aproximava da universidade, a mesma na qual eu também sou matriculado, porém nunca ia às aulas. Além de não me interessar, eu não tinha a vida nem um pouco parada para frequentar as atividades universitárias. De alguma forma, o homem que tinha a ousadia de se intitular meu pai conseguia subornar o reitor para que não retirasse minha matrícula, e por ele ser um homem com tanto dinheiro, principalmente oferecendo para outro homem ganancioso, eu continuava aqui.
Talvez um dia isso servisse como uma vantagem pra mim, mas eu realmente achava inútil aqueles dois me manterem nesse lugar com esperança de que eu participasse.
[Nome] saiu da moto e retirou o capacete, me entregando em seguida, a toalha que a fiz usar foi retirada de seu corpo e colocada em minhas costas. Não protestei, sabendo que ela ficaria aquecida em sua cama daqui a pouco. Seu olhar ainda esbanjava certa reprovação devido a minha teimosia de preferir que ela usasse o capacete. Como eu não sabia que acabaria levando ela pro dormitório, havia trazido somente um, e preferi preservar mais a segurança dela do que a minha.
Ela poderia não gostar de nada do que eu estava fazendo apenas por se preocupar demais, todavia, eu já estava acostumado a me manter em perigo. Não queria que mais uma pessoa importante pra mim fosse vítima de um acidente por minha culpa, nem que ficasse doente devido à madrugada gelada.
— Chegue em casa vivo, por favor — a mais nova pede, deixando um pouco de brincadeira em seu tom, por mais que no fundo aquele pedido fosse sincero.
— Vou chegar inteiro — afirmo, sorrindo de canto, na intenção de tranquilizá-la.
[Nome] sorriu, se aproximando de mim e elevando sua destra ao meu rosto, repousou-a na bochecha antes de se aproximar e deixar um selar lento em meus lábios. Sentiria falta de sua boca macia durante aquelas horas torturantes que precisaria me virar, mas sabia que nem mesmo teria tempo de pensar nisso até que eu conseguisse respirar em paz. Ainda tinha muito a fazer, e talvez eu nem mesmo poderia pregar meus olhos hoje.
Quando se afastou, nossos olhos se encontraram e inundaram-se em um contato visual caloroso, logo seguiu seu rumo até a entrada do campus, continuando a caminhar até o prédio dos dormitórios sem olhar pra trás. Não saí do lugar até que ela sumisse de meu campo de visão, e quando tive certeza que entrou, coloquei o capacete em minha cabeça e firmei o aperto para que não escapasse. Dei partida em uma velocidade maior, conseguindo chegar mais rápido no prédio do apartamento que eu moro, o porteiro permitiu minha entrada quando me viu, sem demora me direcionei ao estacionamento residencial para guardar a moto em uma das vagas disponíveis apenas para moradores.
Finalmente rumei até o elevador, pressionando o botão que indicava a abertura, entrei quando vislumbrei o pequeno espaço pouco iluminado, apertando no número oito, não demorou até que as portas se juntassem, desfazendo a entrada e começando a subida até o andar que ficava meu aposento, chegando em alguns segundos. Me direcionei ao meu apartamento, destrancando com a chave, tendo sucesso ao abri-la, me apressei para entrar e tranquei novamente, retirando a toalha úmida enquanto caminhava até o banheiro, jogando o tecido no cesto de roupa suja. Devolveria para Hakkai outro dia.
O som animado de patas raspando no chão me fez sorrir, sabendo de quem se tratava, e antes que eu pudesse assimilar, um Dobermann pula em cima de mim, quase me fazendo cair graças ao seu peso, estava tão grande que quase passava de meu tamanho, mas isso me deixava feliz. Meu melhor amigo cuidou de meu outro melhor amigo e o manteve saudável para prosseguir seu crescimento com sucesso. Tinha muito a agradecê-lo.
Era evidente como o animal sentia minha falta, talvez seu medo de ficar sozinho novamente estava perturbando-o, visto que todas as vezes que eu saía de casa ele chorava.
Seu latido ecoou pelo apartamento, me fazendo cerrar levemente os olhos, já conseguindo imaginar as reclamações que eu receberia devido ao meu cão agitado toda vez que eu chegava, mas sua hiperatividade era culpa minha. Não só abandonei meus amigos, como meu animal de estimação.
Outro latido foi liberado, seguido de um som choroso enquanto apoiava as patas em meu peitoral, dessa vez tive que fazer um sinal de silêncio enquanto acariciava os pelos freneticamente, caminhando com dificuldade até a entrada do banheiro, continuando meu rumo até o quarto. Liu abanava o rabo a cada movimento meu, já que eu mal parava quieto, mas na situação que eu me encontrava agora, era evidente que eu precisava urgentemente de um banho, o que me levou a entrar nesse cômodo somente para pegar roupas limpas e uma toalha seca.
O som de notificação do meu celular chamou minha atenção, atraindo meu olhar. Poderia ser alguma coisa importante do trabalho, então não pensei duas vezes em largar as coisas na cama para me aproximar da cômoda, pegando o aparelho e checando a barra depois de desbloquear a tela. O alívio dominou meu peito quando visualizei apenas a logo do Instagram, reconhecendo o user de [Nome].
@connell[nome] seguiu você de volta.
Um riso anasalado escapou de mim, passando o dedo pela notificação para que saísse, mas em seguida uma outra chegou. O nome de Luna fez a dose da apreensão aumentar em minha cabeça, senti como se eu fosse deitado em uma cama com pedras afiadas para perfurar minhas costas, imaginando que poderia ter acontecido alguma coisa com ela ou Mana.
Me senti culpado quando o meu retorno causou uma felicidade desesperadora nas duas, soube que ambas tiveram que aguentar tudo de pior nas mãos daquele homem sem minha presença para protegê-las. Ver como minha irmã de quatorze anos estava cada vez mais magra me fez pensar que ela não estivesse sendo alimentada de forma correta. Enquanto a mais nova, Mana, parecia cada vez mais enterrada em uma introversão sem fim, tentando me forçar a não imaginar o que aquele imbecil enfiou na cabeça de uma criança de dez anos.
“Espero que esteja bem.
Sinto saudade!”
Sua mensagem fez com que eu me sentisse um pouco melhor, era capaz disso ser um curativo para as merdas que aconteceriam durante meus dias. Eu não estava totalmente livre e nem podia andar tranquilamente na rua sem me preocupar com a minha família e amigos, querendo ou não, eu me envolvi com coisas nas quais não me orgulho nem um pouco. Se o arrependimento matasse, eu com certeza não estaria aqui.
“Eu prometi ficar bem, lembra?
Pode dormir, Luna, não tem com
o que se preocupar.”
Minha mensagem foi retornada rapidamente, sequer me dando tempo de bloquear a tela.
“Você vai conseguir passar
aqui mais tarde?”
“Prometo, okay?”
“Agora por favor, dorme.
Você tem aula hoje.
Eu te amo.”
Luna reagiu à mensagem com um coração, pude ver o “online” desaparecer abaixo de seu nome, me permitindo largar o aparelho e finalmente poder tomar um banho. Liu tentou entrar no banheiro junto, mas me obedeceu quando pedi para esperar do lado de fora. Durante a minha ducha, meus pensamentos seguiam os trilhos, me lembrando das cenas que presenciei na casa de Hakkai mais cedo. [Nome] interagindo e parecendo cada vez mais animada, como quando era na adolescência, se permitindo rir e zoar junto com os outros. Permitindo que eu a beijasse mesmo que não tivéssemos o melhor histórico juntos.
Sua atitude, podendo ser chamada de previsível devido ao que eu tinha conhecimento sobre suas atitudes nos anos passados, ainda sim me fazendo cair em um mar de surpresas quando ela propositalmente quebrou o clima me jogando na piscina, desfazendo totalmente minhas expectativas. Outra garota teria me deixado beijá-la, eu sei que iria, permitiria até que eu saísse por cima na situação, mas [Nome] sempre tinha uma carta na manga, e isso sempre me fez ter vontade de ficar. Ela conseguia me fazer lembrar o que era sentir o momento.
Molhei meu rosto, fechando meus olhos ao inclinar a cabeça para frente, deixando a água escorregar pelo meu pescoço, enquanto minha mente parecia um furacão, reforçando o rosto de [Nome] várias vezes em meu cérebro, fazendo questão de repetir a cena do beijo naquela sala consideravelmente escura com pouquíssimas luzes acesas nos cantos do cômodo. Seus lábios se encaixaram tão bem com os meus, desde o momento que fizemos isso pela primeira vez.
Assim como ela, eu também não tinha experiência. Nunca havia beijado uma garota antes dela, e nunca havia fodido uma garota antes dela. Tivemos tantas primeiras vezes juntos que era difícil me lembrar de algum momento que tive uma experiência única sozinho, depois que a conheci.
Ambos tivemos atitudes que abominamos atualmente, isso eu acredito. Não acho que ela teve culpa das atitudes e decisões que tomou, mas eu… Eu com certeza podia ser considerado um filho da puta por tudo o que eu fiz. Ela estava tentando sobreviver e eu estragava a vida dela aos poucos, assim como estragava a minha, o que nos levava ao fundo do poço juntos, como um ciclo vicioso que jamais tinha fim.
Por minha culpa, ela levou em consideração apelar com seu próprio corpo. Com outros caras. Só para conseguir droga.
[Nome], com seus dezesseis anos já estava listando homens mais velhos que lhe proporcionaram drogas caras, aquelas que não se consegue facilmente só por dez pratas. Demorei demais para perceber o que estava acontecendo, quando já era tarde demais. Sua bolsa estava repleta de novas seringas e doses mortais, não era uma ou duas… Me lembrava muito bem que passavam de dez.
Lembro da sensação de inutilidade que cresceu dentro de mim, pensando que naquela hora nós dois estávamos fodidos. Caiu minha ficha quando eu acordei e [Nome] estava adormecida ao meu lado, sua veia roxa visível no braço pálido, o corpo cada vez mais magro como se não se alimentasse há dias. E eu estava tão fodido quanto ela. Nós dois estávamos à beira do penhasco com apenas dezesseis anos de idade, e o pior de tudo, aquele não foi o começo e nem o fim. O início de tudo foi com nossos quatorze anos, eu estava perto de fazer quinze, e chegava a ser cômico que também usamos nossa primeira droga juntos. O fim foi quando fui algemado na frente de Hakkai, que desesperadamente implorava aos policiais para que me deixassem em paz, tentando convencê-los de que eu não era o culpado.
No meu aniversário de dezoito anos.
Aquele filho da puta estava esperando que eu atingisse a maioridade especificamente para me mandar ao pior lugar, mesmo que já tivessem provas o suficiente para me mandarem antes disso, mas foi como se o desgraçado esperasse um dia que eu planejava aproveitar junto de meus amigos com mais liberdade, para estragar isso entregando tudo na delegacia. Estragar a minha vida de vez pelos próximos anos.
Mas não foi o ponto crucial que fez eu passar meus dias atrás das grades, porque se fosse só isso, eu jamais teria minha vida transformada em um inferno. Sei bem que é um dos motivos pelo qual [Nome] se culpa, mas definitivamente, não tem como ela ter responsabilidade ou controle disso.
Por mais que sua participação contasse com o motivo infernal.
Desliguei quando me senti limpo, algo assim, deixando o espaço vaporizado e pegando a toalha para me secar, não deixando de fazer o mesmo com minhas madeixas. Vesti a cueca e depois uma calça jeans escura, seguidamente a camiseta preta de mangas curtas, e então, saí do banheiro, fazendo Liu sair do lugar que estava deitado no corredor e me seguir até o quarto. Peguei meu celular novamente, não me surpreendendo quando vi a notificação de Raphael me mandando a lista de substâncias exatas para a venda. É um dos caras que trabalhava para o homem que foi responsável pela minha existência, consequentemente sendo o mesmo que me treinou para entrar nessa merda.
O homem, chamado Javier, casado com minha mãe, o mesmo que engravidou-a e nos teve, mas nunca o considerei pai. Nem meu, nem de minhas irmãs. Esse homem é tudo e mais um pouco, menos nosso pai. Esse indivíduo foi quem me preparou para entrar nesse plano todo, desde meus doze anos de idade, mas mesmo assim, aprendi a diferenciar qual droga poderia causar tal efeito. Aprendi como se usava uma arma e os pontos certos para que pudesse matar uma pessoa. Técnicas de tortura. Como se escondia um corpo e como me livrar de cada rastro.
O mesmo imbecil que mandava em quase tudo que eu trabalhava. Não, não foi graças a ganguezinha de colegial a qual eu tinha participação que me fez entrar para toda essa bagunça, meu pai já estava me criando como se estivesse trabalhando em uma nova máquina para fabricar suas mercadorias obscuras. Um agiota desgraçado que fazia questão de me lembrar o quão otário eu sou, e tinha uma perfeita habilidade de foder com o meu psicológico a cada atitude negligente que tomava com minhas irmãs.
Um verme asqueroso que me dava nojo. Nojo de respirar o mesmo ar, de pensar que um dia suas mãos me pegaram no colo, e até mesmo olhar em seu rosto me causava uma vontade horrenda de vomitar meus órgãos para fora. Não era simples desistir quando esse homem era quem comandava a porra toda, ainda mais juntando com outro filho da puta pra acabar comigo. Caso o contrário, quem eu realmente considerava importante na minha vida pagaria o preço por minha culpa se eu cometesse um mínimo erro que fosse. Precisei forçar a minha cabeça se mantendo fria por anos para não perder o controle, porque eu não era o único a saber que a merda voaria para o ventilador se eu vacilasse.
“Espero que não se atrase,
Trombadinha.”
“Já falei pra não me chamar assim.”
“Chego em quinze.”
“Certo, Trombadinha. É bom mesmo.
Estão com uma gatinha aqui e não quero
perder a oportunidade de enfiar meu pau nela.
Preciso que seja rápido, ou terei que fazer isso
com ela sóbria.”
A repulsa cresceu em meu estômago e subiu à garganta, mas soube que aquilo ficaria entalado. Preferi não responder, eu acabaria falando alguma besteira se ousasse, o que similarmente fez com que eu memorizasse as palavras de [Nome] mais cedo, e agora se repetia como um eco em uma caverna em minha mente.
“Chegue em casa vivo.”
Eu poderia, de fato, chegar vivo. Mas não garantia que voltaria sem hematomas.
Acariciei os pelos de Liu, fixando sua face com os olhos brilhantes, parecendo esperar que eu desse pelo menos um petisco pelo seu bom comportamento, mas eu sabia que se fizesse isso ele acabaria ficando mal acostumado, e acho que essa não era a melhor opção por agora. Me levantei e comecei a procurar rapidamente por meus tênis, conseguindo encontrá-los sem tanta dificuldade, finalmente calçando-os, em seguida peguei meu moletom preto e o vesti por cima da camiseta. Antes de sair, peguei meu celular, carteira, chaves da moto e capacete, guardando boa parte nos bolsos e me retirando do cômodo após.
Troquei a água da vasilha de Liu, enchendo o outro pote com ração para que ele não ficasse faminto, ele se distraiu se empanturrando com a comida devido à fome, o que me fez sentir o peso da culpa por imaginar que ele estava com a barriga roncando durante minha ausência. Acariciei seus pelos mais uma vez antes de seguir até a porta, fazendo o mesmo processo de abrir, trancar e caminhar até o elevador.
Incrível, mal cheguei em casa e já tenho que sair de novo.
Encontrei minha moto no mesmo lugar que estacionei, colocando o capacete antes de montar e ligar o motor, ouvindo-o roncar mais uma vez, e então, segui até a entrada, que foi aberta pelo porteiro, permitindo minha saída. Em alta velocidade, as rodas passavam pelo asfalto liso, o vento me fazia companhia e indicava que a força que batia contra meu rosto exposto através da abertura do capacete era por obra da corrida. Eu não tinha planos de diminuir a velocidade, nunca tive, eu continuei cada vez mais rápido até conseguir chegar ao galpão abandonado, este considerado nosso ponto de encontro fixo na maior parte das vezes.
Raphael trocou um breve olhar comigo quando desliguei a moto e tirei o capacete, deixando-o pendurado no acelerador. Caminhei até o mais velho, que se encontrava sentado na escadaria enquanto fumava um cigarro, e então, jogou um colete lacrado em minha direção, o qual tive que ser rápido para pegar. Eu já estava acostumado com esse tipo de interação e já sabia o que eu teria que fazer depois, então não precisei fazer perguntas.
O moreno apontou com a cabeça em direção a uma entrada afastada de onde estávamos, que não se dava para enxergar nada além das paredes se eu não me atrevesse a ir pra lá de imediato. Decidi me apressar para evitar uma dor de cabeça fodida mais tarde, conseguindo alcançar o local de meu destino, enfim visualizando um grupo desconhecido em frente ao banheiro ligado àquela abertura. Aparentavam ter minha idade. Quatro garotos e uma garota com pele pálida como uma folha de papel, seus fios capilares tingidos de um vermelho desbotado. Estava… Machucada.
Não, machucada não. Seu rosto se encontrava tão arrebentado que nem poderia dizer que estava apenas machucada. Essa garota claramente foi vítima de uma violência física, e pela forma que se encontrava transtornada nesse instante, consegui compreender na hora que foi por obra dos indivíduos presentes que tinham suas caras nítidas de quem não queriam fazer amizade. Ela estava nas mãos deles. Nada do que eu já não tenha presenciado no tráfico.
Infelizmente, essas meninas passavam a depender desses caras quando aceitavam fazer parte das aventuras que eles ofereciam, resultando no vício e abuso. Elas acabavam como essa garota até finalmente atingirem a fatalidade.
E mais uma vez, me sentia um merda por não poder fazer porra nenhuma.
Abri o colete, vislumbrando os pequenos plásticos e as fitas com as dosagens precisas para preparar uma seringa, e então, peguei dois copinhos de 80 ml com o líquido ilícito no kit de 500 e mais quatro ziplocks contendo comprimidos de ecstasy, pó, LSD e vicodin, conseguindo passar tudo com uma só mão para um deles, ao mesmo tempo que me foi passado o dinheiro como se tivéssemos trocado um breve toque amigável.
— Já vimos que leva compromissos à sério — o garoto acastanhado, ao lado da vítima cabisbaixa deles, profere.
— Isso aqui não é brincar de casinha — respondo.
— Ah, sabemos… Não teria tantos clientes se fosse o caso — o que pagou pela mercadoria provoca.
Passos atrás de mim foram audíveis, reconheci ser de Raphael, não só pelo costume, mas pelo odor do cigarro que fumava antes. Ele parou ao meu lado, mas não olhei para ele, meus olhos continuaram fixos naquele grupo. Encarei a pobre garota mais uma vez, seus olhos pareciam pedir socorro, mas ao mesmo tempo eu conseguia ler o medo que eles demonstraram, provavelmente por pensar que eu ousaria falar alguma coisa a respeito. Talvez descontariam nela se eu fizesse isso.
— E então? Trato é trato, não é mesmo? — Raphael comenta.
O cara encostado na parede com seus braços cruzados, que continha madeixas loiras, misto de um tom preto na raiz, faz um gesto com a destra, dando a entender que envolvia a tal garota. O sorriso de meu “aliado” se alargou, e então, se aproximou da garota e se inclinou na direção desta, pegando-a no colo, o que automaticamente faz com que as pernas dela rodeassem a cintura do mais velho. As mãos trêmulas se apoiaram sobre os ombros largos, consegui enxergar os olhos cheios de exaustão brilhantes pelas lágrimas prestes a escorrer pelo seu rosto.
— Vamos lá, princesa, quero ver se consegue chupar um pau tão bem como uma boa vadia obediente — Raphael disse, com um tom carregado de uma malícia suja, desferindo um tapa em uma das nádegas da garota.
Nada saiu da boca dela, como se já esperasse tal coisa. Não consegui ver mais nada quando ele entrou com ela no banheiro, sendo acompanhado pelos outros quatro. Eu queria mesmo impedir que alguma coisa acontecesse, mas eu simplesmente estaria colocando a vida de outras pessoas em risco, pessoas que importam pra mim. Não conhecia a garota, mas ainda sim me senti um imbecil por deixar isso tudo passar.
Um otário por fazer o que os olhos dela estavam me pedindo em um silêncio fatal.
E para piorar, eu seria obrigado a passar minhas próximas horas dessa madrugada aqui, enquanto aquela garota estava sendo explorada sexualmente. Não só precisava esperar o restante dos clientes por ser o ponto de encontro marcado para hoje, mas também para esperar Hakkai aparecer, o que provavelmente demoraria devido ao seu cansaço. Preferia cobri-lo se isso significasse que ele poderia descansar. Ele precisava mais do que eu, isso eu tinha certeza.
Me sentei na escadaria quando me afastei daquela área, retirando meu moletom para colocar o colete sem o plástico atrapalhando desta vez, e então, coloquei o moletom de volta, por cima das drogas que ficavam por minha responsabilidade. Contei exatos trinta minutos para passar o tempo, duração esta que foi o suficiente para o entretenimento de Raphael com aqueles caras. Quase todos ajeitavam seus cintos nas calças, carregando sorrisos doentis em seus rostos; o único que nem se preocupou em andar com a vestimenta desajeitada estava carregando o tronco nu da garota sobre o ombro. Parecia que ele estava levando um saco velho de batatas que arrumou em uma feira, aquele que logo seria descartado quando passasse da data de validade.
Não consegui enxergar o rosto dela, não tive certeza se estava desmaiada, mas ela não se mexia. Talvez estivesse tão drogada que nem tinha forças para isso, mas preferi nem pensar o que aconteceria depois, embora fosse difícil fazer com que meu cérebro desativasse o modo automático das lembranças. Meu peito estava transbordando em angústia quando vi a de cabelos vermelhos ser colocada na parte traseira do carro, em seguida os quatro entraram e fecharam as portas. O veículo sumiu de meu campo de visão após.
Raphael se aproximou, apoiando o antebraço no corrimão, enquanto uma risada amarga saía de seus lábios. Engoli minha própria saliva, sentindo um bile subir à minha garganta, mas segurei para não liberar. Essa cena seria só mais uma das que eu carregaria nas costas como uma culpa gritante, me seguiria como uma sombra até que eu não aguentasse mais e pagasse por isso até chegar ao inferno. Pensar que pessoas como Yuzuha, Luna, Mana… [Nome], poderiam estar passando por isso um dia, realmente era algo que conseguia me pisotear até sangrar.
Eu não acharia ruim se eu fosse espancado agora mesmo, torturado da forma mais dolorosa possível por ter deixado aquela garota ter seu corpo tocado agressivamente, sem qualquer liberdade de impedi-los. Eu merecia tudo de pior que pretendiam fazer comigo, eu nunca deveria ter deixado ela e outras vítimas passarem por isso. Ao mesmo tempo, eu sabia que não podia salvar todo mundo.
É impossível salvar todo mundo.
— Você está cada vez melhor, garoto — a voz irritante de Raphael chicoteia meus tímpanos — Logo será como seu pai.
Não me compare com a merda desse homem.
Segurei a resposta fatal que arranhava internamente em minha garganta como uma faca afiada, enfiando minhas mãos nos bolsos para apertar meus punhos, como se aquilo fosse de fato aliviar a tensão insuportável de meus ombros. Precisava ficar calado e descontar em alguma coisa, precisava socar alguma parede para que a dor tirasse minha concentração dos pensamentos obscuros. Queria quebrar meus ossos e raspá-los, me torturar até que eu sinta que não mereço mais.
Mas é impossível. Eu estava sendo pior do que qualquer vilão acobertando todas as cenas de abuso que presenciei em toda minha vida no tráfico.
Percebi que mordi minha boca tão forte quando senti o gosto do ferro se espalhar por minha língua, mas a dor não se comparava com o latejar de minha cabeça e o ódio fervilhante em meu sangue, que eu sabia que só passaria caso eu sofresse qualquer mínima tortura.
Durante as visitas discretas ao galpão, só abria minha boca para responder às dúvidas dos viciados, tendo até mesmo que detalhar como cada droga funcionava para aqueles que estavam mais desconfiados. Uma das coisas que aprendi durante meus anos trabalhando pra essa merda toda foi ter uma boa lábia, então se eu quisesse enganar uma pessoa, ela realmente seria burra o suficiente de acreditar. Senti que pude respirar em paz quando Raphael teve que sair para resolver outra coisa, que sequer me dei o trabalho de prestar atenção quando este explicou.
Hakkai chegou quando o sol apareceu. O azulado teria que me cobrir nas próximas horas, já que não apareceu nessa madrugada. Sua cara não é diferente da que via com frequência, cada vez mais abatido com olheiras fundas, olhos vermelhos como se tivesse acabado de fumar um baseado, mas deduzi que fosse apenas o sono pela pouca duração. Consegui retirar o colete, por um momento, sentindo um pouco de liberdade.
— Cara, de boa? — o Shiba pergunta, provavelmente percebendo minha inquietação, aparentemente repentina aos seus olhos.
— Não é nada — asseguro.
Ambos estávamos sentados no terceiro degrau da escadaria, ele aguardava minha finalização com o lacramento do colete, entretanto, minhas mãos estavam tão trêmulas que isso estava demorando mais do que gostaríamos. Eu podia sentir os olhos de meu amigo fitando aquilo com um silêncio perturbador.
De repente, meu pulso foi agarrado. A mão fria de Hakkai o envolvia e o apertava com um pouco de força, nada que me machucasse, mas o toque em si é firme o suficiente para me fazer parar de tremer. Nossos olhos se encontraram, trocando um contato visual silencioso, nossas faces carregando uma seriedade tensa. Era evidente que eu não estava em meu melhor dia, porém quando eu estava, na verdade?
Uns tinham o costume de me ver dessa forma, como o cara na minha frente, desde a nossa infância, sua irmã… Pessoas que eu de fato carregava grande confiança, mesmo que eu ainda tentasse esconder boa parte de minhas frustrações.
O mais novo desfez o toque quando eu finalmente parei de tremer, conseguindo lacrar o colete de forma correta para entregá-lo. Ele o pegou e o colocou por baixo da camiseta, com o cós de sua calça firmando contra a pele, mantendo como esconderijo. Decidimos sair o mais rápido possível, agora que clareou não era uma boa ideia ficar por aqui, mesmo que fosse um local abandonado, outras pessoas poderiam ter acesso, entre elas: tiras.
— Você tem que relaxar, cara — o Shiba aconselha, sua expressão demonstrava certa preocupação — Vai pra casa.
— Não — respondo, quase de imediato — Minha casa é o último lugar que eu deveria ir agora.
Hakkai suspirou, compreendendo rapidamente que teria que ver o desgraçado que era responsável por toda essa bomba de nossa equipe em algum momento. Ele sabe que eu estaria diante às portas do inferno, mas logo eu administraria o trono do Diabo. Na cabeça deles, é claro. Eu não queria viver minha vida toda passando droga e assistindo pessoas se foderem na própria chama que os levariam a esfarelar como pó.
— Se cuida — ele pede.
— Confia em mim — respondo, desviando o olhar.
— Em você eu confio. Já no Javier…
Não é como se colocar fé nesse homem fosse a melhor opção. Isso é encrenca na certa e tive que aprender isso desde que comecei a me entender por gente.
O azulado apertou brevemente meu ombro na tentativa de me tranquilizar, mas me deixou seguir meu próprio caminho até a moto, repetindo o processo de pegar o capacete e colocá-lo, novamente me encontrando montado na moto, e então, dei partida ao ligar o motor. De fato não voltei pra casa, as rodas sendo controladas pelo meu próprio ritmo seguiram até o hospital Ronald Reagan UCLA. O mais caro da cidade quando em relação aos tratamentos precisos, além da boa adaptação, conforto e alimentação para os pacientes, não sendo um trabalho a toa pela ligação com o campus da universidade. Soube que valia a pena se fosse para mantê-la bem.
Estacionei em uma das vagas antes de desligar a moto, decidindo levar o capacete comigo enquanto eu me direcionava à entrada do hospital, as portas se abriram automaticamente com a minha entrada, me apressei para ir até a recepção, dando de cara com uma enfermeira atrás do balcão. Ela me reconheceu e deixou transparecer um sorriso gentil. Como eu era um dos estudantes, meu nome passou a ser bem comentado por aqui desde que consegui um acordo para deixá-la sob os cuidados de sua saúde, responsabilizados pelos médicos do local.
A mulher iniciou uma breve conversa no telefone da recepção, provavelmente com o médico responsável pela paciente que eu pretendia ver, e então, confirmando adequadamente, como fazia em todas as vezes, fui autorizado a seguir até o leito exato, precisando pegar um dos elevadores para chegar. Todo o processo pareceu durar infernais minutos demorados, mas o alívio preencheu meu peito quando cheguei no corredor e enxerguei os números exatos e familiarizados no centro da porta branca: 312.
Meus dedos agarraram a maçaneta como se ela fosse a paciente frágil que eu veria na maca, fiz com extremo cuidado até para não fazer um mínimo som, embora eu soubesse que não aconteceria, fechei na mesma lentidão ao entrar, deixando minha visão paralisar na figura deitada na cama. Sua pele enrugada estava cada vez sem cor, como se não estivesse sendo alimentada muito bem, mas eu sabia que o motivo real é que ela simplesmente não consegue mais fazer com que alguma coisa passe pela sua garganta. Os fios curtos e cacheados num tom branco tão lindo que tenho certeza que também estavam macios, além do brilho que realçava perante a luz do sol que batia através da janela sem as persianas atrapalhando. Os olhos azuis-esverdeados não apareciam, as pálpebras cobriam, contudo, soube que era apenas o sono acompanhando-a por ver que ainda respirava.
Direcionei meus passos até Amélie, minha avó materna. Uma doce senhora que, um dia, crescia cheia de vida nos olhos até virar mãe de duas meninas, uma delas se casou com um homem ganancioso e teve três filhos. O garoto é o mais velho, o mais próximo dela. Ele adorava o cheiro de cookies saindo do forno quando criança, mas só os da sua avó. Eles pareciam ter um toque especial, um que ninguém conseguiria chegar.
Daria tudo para construir uma máquina do tempo e me congelar nesses momentos para sempre.
— Existe uma teoria por parte dos historiadores sobre um casal… — iniciei, me sentando na poltrona próxima da maca — Conta que o homem foi obrigado pela a família da futura mulher a se casar com ela. Alguns acreditam ter sido exatamente o contrário, que na verdade, ele a perseguia antes da união ser realizada. A diferença de idade do casal dava o que falar naquela época. Ano de 1582, pelo que eu me lembre — um sorriso de canto se formava em meus lábios, meus olhos contemplavam a idosa desacordada e ligada à uma máquina — O homem em questão estava no auge de seus dezoito anos, enquanto a mulher tinha vinte e seis. Conhece essa, não é mesmo, Amélie? Eu ainda me lembro que eu pedia inúmeras vezes para me contar essa história antes de dormir. E você sempre me contava.
Meus antebraços descansaram nos apoios laterais da poltrona, permiti que minhas costas relaxassem no estofado aconchegante, dessa vez batendo minhas íris ametistas contra a luz quente do sol. O dia estava bonito, ótimo para uma caminhada. Não conseguia escutar as possíveis vozes que enchiam o campus da universidade, mas tinha noção que algumas conversavam alegremente antes de seguirem aos prédios exatos de seus cursos.
Eu poderia estar fazendo parte desse meio se eu quisesse, se eu um dia decidira ir contra as vontades de Javier e fosse mais inteligente do que fui para não enxergar as intenções maliciosas daquele verme, eu estaria bem melhor agora.
— Anne Hathaway se casou grávida de sua primeira filha com William Shakespeare: Susanna. Lembro que me contou com alegria, tão intrigada, como esse fato chocou a sociedade, e eu nunca conseguia evitar sorrir. O casamento rendeu mais filhos, os gêmeos Hamnet e Judith — sigo dando continuidade — Hamnet, repentinamente, faleceu aos onze anos — meu olhar baixou ao chão, fixando o piso liso e esbranquiçado — O espanto das pessoas foi inevitável quando foi revelado no documento, depois da morte do Shakespeare, que Anne foi praticamente excluída. A filha mais velha do poeta teve o maior direito de seus bens. Mas existe um fato curioso que o autor de Romeu e Julieta deixou um objeto peculiar somente pra ela. “Anne deve ficar com a segunda melhor cama”, foi o que ele escreveu. O relato ter sido encontrado pouco depois em um anexo chamou atenção, o motivo é que dava a entender que ele havia se lembrado do desejo depois que terminou de redigir o texto.
Gostava bastante dos detalhes da história, além das teorias interessantes que procurei pesquisar para saber mais sobre, ouvir da boca de minha amável avó Amélie era como melodia aos meus ouvidos. A voz carregada de rouquidão, com um toque de doçura avançando cada frase fazia com que os fatos fossem uma filósofa contando, quando na verdade era apenas uma doce senhora que é tão fã quanto o neto.
A vontade de prosseguir repetindo as citações do poeta ainda estava acesa como uma chama raivosa, mas me contive a respeitar o silêncio da mais velha, que ainda lutava pela sua vida através daquela máquina repetindo os bips, indicando que seu coração ainda batia.
Passaram-se duas horas, o tempo de duração exato para uma visita permanecer ali com seu ente querido, porém, nenhum sinal de que ela despertaria de seu sono. Embora isso me deixasse ansioso, ainda quis que ela prosseguisse em seu descanso. Estava velha demais para aguentar as baboseiras de seu neto traficante. Deixei uma leve carícia em seus fios esbranquiçados e brilhantes ao me levantar, em seguida me inclinei para deixar um selar delicado em sua testa, hesitando seguir meu rumo até a porta quando me afastei.
Meu caminho foi o mesmo até a recepção, em passos silenciosos eu já estava longe da entrada do local, avistando o campus da universidade. Imediatamente pensei que [Nome] poderia estar em aula agora, talvez até mesmo com aquela saia curta de líder de torcida disponibilizando a visão de suas pernas para qualquer cara. Pensar nisso me arrancou um sorriso desconfortável, deixando um suspiro pesado escapar ao pegar o capacete e colocá-lo em minha cabeça.
Eu teria que enfrentar outro pesadelo hoje à noite.
Por este motivo, não fui direto pra casa, passei em uma adega da cidade para comprar um vinho decente ao evento combinado. Os vinhos do local costumavam ser da região da França, por causa disso as bebidas costumavam ser extremamente caras. Peguei a mais barata, ainda sim tendo um preço amargo. Não me importava em ser tão refinado se fosse para enfrentar o inferno daqui algumas horas, contudo, eu pelo menos teria que levar algum vinho.
Domaine Dujac Chambertin Grand Cru, na moeda da França: 2,178 euros, mas convertendo em dólar: 2,397,104. Nem um pouco sutil.
Minha vontade era de espatifar aquela bebida inteira no chão, visto que com aquele dinheiro eu poderia estar fazendo algo extremamente útil do que comparecer àquela merda, mas claro, eu não tinha direito a escolher nada quando a pessoa quem planejou esse momento tão bonito em família é meu patrão, ou seja, o merda que eu nunca chamaria de pai. Simplesmente me recusava a dar esse título a ele.
Ainda são nove da manhã. Tinha tempo para conseguir descansar ou fazer qualquer coisa mais interessante do que me pressionar com o que aconteceria hoje a noite. Eu não conseguia relaxar depois das ondas de emoções e adrenalina que meu cérebro sofreu, mas eu precisava comer alguma coisa… Qualquer coisa que fosse capaz de encher meu estômago. Passei as próximas horas pensando nisso enquanto dirigia a moto, alcançando meu prédio.
Depois de estacionar em qualquer vaga, pegar minhas coisas e seguir meu caminho ao elevador, para enfim chegar em meu apartamento, pude sentir que o ar voltou, principalmente com a alegria de Liu ao me ver novamente.
Meu apartamento estava um pouco desorganizado, mas eu não tinha tempo para me preocupar com isso, me esforcei mais em descongelar a carne no micro-ondas e encher o pote de comida de Liu mais uma vez, do que pensar em colocar tudo em seu devido lugar agora. Com o dinheiro que eu ganhava, eu poderia até mesmo contratar alguém que pudesse limpar e arrumar tudo pra mim, mas preferia fazer isso sozinho. Não era nem um pouco seguro pra mim uma pessoa desconhecida mexer em minhas coisas.
Além de que a probabilidade de eu não encontrar algumas coisas que escondi fosse maior.
Deixei a carne fora do eletrodoméstico depois de esquentar um pouco para não cozinhar tanto, tratando de tomar um banho mais demorado desta vez, agora com a água fria. Me sentia mais sujo do que o normal, precisei do meu próprio tempo para conseguir me sentir, pelo menos, um pouco limpo, embora eu soubesse que a sujeira sempre estaria grudada em minha pele como uma marca de nascença. Coloquei uma roupa mais confortável depois de me secar. Tive certeza de que fiquei naquele chuveiro por mais de uma hora, pensando repetidas vezes no que aconteceu mais cedo.
No que aconteceu na maioria das vezes.
Me sentei no acolchoado, os lençóis ainda bagunçados por eu nem mesmo ter me preocupado em arrumá-los. O que eu pensava agora era na minha tamanha covardia. Eu não posso salvar todo mundo? É claro que não posso! Mas que merda eu conseguia fazer, afinal? O que eu de fato tinha participação além de foder com os outros? Tantos pensamentos enchia minha cabeça e um som irritante de uma chaleira quente em meio às vozes de minha cabeça, em base de todas as cenas aterrorizantes de minha vida inteira.
Não me segurei em dar um tapa na lateral da minha própria cabeça, um fraco, contudo o outro lado recebeu mais um, bem mais forte. A força foi aumentando a cada agressão, se transformando em socos que realmente podiam me machucar em um ponto preocupante, mas ainda não é o suficiente. Nunca é.
Me levantei com o sangue fervilhando, desferindo alguns socos na porta, isso fez com que Liu latisse, provavelmente pelo barulho infernal da madeira, todavia eu não parei, continuei a esmurrar aquela porta como se fosse uma pessoa que havia feito eu passar por toda a angústia que passei, e ainda estava passando, até hoje. Fiz isso até que minhas mãos sangrassem, deixando uma rachadura horrorosa na madeira, finalizando com a minha testa batendo, propositalmente, bem no centro da rachadura.
Uma dor alivia a outra. Mas milhares delas nos fazem esquecer do motivo que nos levou a nos forçar a esquecer a principal delas.
Eu estava fodido, e agora, sujo mais uma vez. Mas não importava. Com as mãos e a testa doendo, decidi sair do quarto, dando de cara com meu cão. Ele não tinha nem mesmo noção para perceber o que estava acontecendo, embora percebi que ao me farejar, estranhou o sangue que escorria de meus punhos.
Terminei de cozinhar a carne com o arroz, não tardando em me alimentar, ignorando a temperatura fervente da comida. Eu precisava sentir todo tipo de dor por ter deixado aquela garota ser usada como quisessem, por nunca estar perto de minhas irmãs quando elas precisam, por deixar minha mãe ser manipulada pelo marido dela como ele bem quer e entende, e por não conseguir ajudar meu melhor amigo a sair do que ele estava enfrentando desde minha partida.
Quase vomitei tudo, mas eu me forcei a não fazer isso. A dor em meu estômago seria merecida.
Lavei a louça quando terminei, guardando as sobras na geladeira, e mais uma vez entrei no chuveiro, a temperatura da água morna agora. Por consequência, minhas feridas arderam, mas me senti bem com isso, me senti bem sabendo que isso me causou incômodo. Não era questão de masoquismo, na verdade, eu odiava sentir dor. Contudo, eu queria sentir qualquer tortura possível para que eu pagasse pelas merdas que eu fiz.
Eu não mereço paz.
Com a toalha envolta de meu quadril, ignorando meus fios molhados, me joguei de costas no colchão, deixando minha vista fixa no teto. Liu tentou mexer comigo, interromper meu silêncio para brincar, mas permaneci imóvel, assistindo a cor branca do teto, fazendo com que alguns desenhos imaginários surgissem. Meu cachorro só descansou depois de alguns minutos, ouvi o choramingo deste quando deitou a cabeça em minha barriga.
Minhas forças não estavam mais aqui para que eu pudesse dar atenção ao meu companheiro.
Tive que me forçar a levantar quando percebi que o tempo passou, pareceu tão rápido, mas eu não queria mais me ocupar com essa merda. Precisava me arrumar logo. Peguei uma calça jeans preta e uma camisa social com mangas na altura dos cotovelos, poderia disponibilizar a visão do meu peitoral tatuado se eu deixasse os botões abertos, mas não o faria. Vesti primeiramente a cueca, depois o resto, calçando meus tênis e ajeitando meu cabelo até que ele se encontrasse com uma aparência razoável.
Espirrei um pouco do perfume Ferrari Black nas laterais de meu pescoço e camisa, guardando-o de volta no lugar. Retornei ao banheiro apenas para escovar meus dentes, não esquecendo de fazer um gargarejo com o enxaguante bucal para fixar o bom hálito. Acariciei os pelos de Liu antes de pegar tudo o que eu precisava, conseguindo sentir a pontada infernal em meu peito.
Não demorei para sair do prédio com minha moto, a velocidade passando do limite como o comum. Já estava escurecendo, o que não me surpreendeu, o monstro gostava de reuniões mais cedo para poder descansar ou resolver as próprias bizarrices com mais chances de acabar rápido demais. Em frente à mansão, os portões foram abertos quando os seguranças viram que era eu, não enrolei para entrar e estacionar na garagem vasta.
Me direcionei à entrada, novamente me deparando com outro segurança, nem mesmo me deixando abrir a porta por conta própria, antes que eu passasse da pequena quantidade de degraus, a entrada foi liberada. Meus olhos se encontraram com o hall, ouvindo a porta se fechar novamente, e então, prossegui meu caminho, batendo meus olhos na decoração impecável da sala, tudo mergulhado em ouro, fora os móveis.
Parei de analisar qualquer coisa quando minha visão encontrou Mana. Ela estava de pé no meio do cômodo, seu vestido amarelo com alças alcançavam os tornozelos, mostrando as pequenas sapatilhas da mesma cor que a vestimenta. Os cabelos loiros estavam soltos, mas a tiara com pérolas era perceptível. As mãos da mais nova estavam para trás, o sorriso doce ainda dançava em seus lábios com uma alegria radiante nos olhos, que brilhavam diante de sua inocência.
Não consegui evitar sorrir.
Agachei e deixei o vinho ao meu lado no chão, abrindo os braços quando percebi que ela estava prestes a correr em minha direção, finalmente me alcançando e envolvendo seus braços pequenos envolta de meu pescoço, enquanto os meus faziam o mesmo com o tronco desta. Fechei meus olhos, sentindo toda aquela angústia ir embora só com esse contato, e agora desejava não desfazê-lo nunca mais.
Infelizmente tive que fazê-lo, deixando minhas mãos segurarem delicadamente os braços finos de minha irmã, enquanto eu fixava seu rosto tão lindo.
— Você tá crescendo rápido — comento, fazendo-a alargar seu sorriso.
Foi realmente um choque ver como minhas irmãs cresceram tão rápido quando retornei, o que foi difícil para aceitar no começo, principalmente em relação à Luna. Ela estava atingindo a adolescência, isso me assustava um pouco.
— Você veio jantar com a gente? — ela pergunta, esperançosa.
— Eu vim, sim. Por quê? Quer que eu vá embora? — brinco, fazendo-a arregalar os olhos, sacudindo a cabeça em negação freneticamente — Ah, bom… Eu já tava ficando triste.
Liberamos um riso fraco, não hesitei em mexer nos cabelos da garota antes de pegar o vinho e me levantar. Ela levou os olhos até a escadaria central, o que me fez olhar na mesma direção, encontrando Luna descendo os degraus com a destra no corrimão. Os fios rosados estavam presos em um rabo de cavalo com duas mechas soltas dos lados, o conjunto branco caiu perfeitamente bem nela, uma blusa de manga curta e uma saia rodada, calçando botas de coturnos amarronzados com salto.
Ela estava tão linda.
Seus olhos, repletos de cansaço, tomaram um brilho de repente, continuando seu caminho parando em minha frente, seus braços envolveram minha cintura, eu rapidamente retribuí o abraço, encostando a cabeça da garota abaixo de meu peitoral. Tive vontade de erguê-la do chão e abraçá-la mais forte.
— Espera, me deixa olhar pro seu rosto — peço, afastando-a um pouco de mim e repousando meu polegar e indicador em seu queixo.
Luna sorriu gentilmente, ela parecia estar um pouco emocionada devido aos olhos brilhantes, mostrando que queria se derramar em lágrimas por ver que eu realmente cumpri minha promessa. Eu nunca iria deixá-las na mão, ainda mais em uma casa como esta, uma na qual qualquer um imploraria por socorro.
— Como cês tão lindas… Nem parece que nos vimos há uma semana atrás — comento — Ainda vejo duas garotinhas pequenininhas.
— Eu já vou fazer onze anos! — Mana repreende, cruzando seus braços enquanto faz bico.
— Ah, sim… É verdade, você cresceu bastante — respondo, levando minha destra até o pescoço da pequena para distribuir cócegas, resultando em uma risada gostosa dela — Ele tá na cozinha? — pergunto à Luna, ela assente — Certo… E a mamãe?
— No quarto — ela responde.
— Okay, eu vou lá pra cima ver como ela tá. Pode colocar na mesa pra mim? — pergunto, estendendo a garrafa.
Luna pegou sem hesitar, seguidamente segurando a mão de Mana para ir com ela. Ambas sumiram de meu campo de visão sem demora, eu tratei de me apressar para subir as escadas, encontrando o corredor. Me direcionei à porta, já sendo costumeiro me deparar com o quarto que a mais velha dividia com aquele imbecil, pelos anos que vivi dentro desse inferno.
Me deparei com a mulher sentada em frente à sua escrivaninha, penteando suas mechas loiras repetidas vezes enquanto fixava seu reflexo no espelho. Sua expressão estava impassível, como se de fato seu corpo não estivesse em sã consciência, mas julguei que fosse pelos remédios que era forçada a tomar. Não bastava dizer que ela não precisava das pílulas, se seu marido dizia que ela estava com algum problema de saúde, ela acreditaria apenas na palavra dele, como se fosse um tipo de médico para diagnosticá-lo.
Estava tão cega que nem obedecia os próprios sentidos.
— Mãe — eu a chamo, mas ela não responde.
Meus pés automaticamente rumaram em direção da mulher, ao chegar ao lado dela, meu toque alcança seu ombro, apertando delicadamente a região, sendo o suficiente para fazê-la parar com seus movimentos monótonos, finalmente colocando os olhos sem vida em mim. Sua mão deixou a escova no móvel, levantando-se e segurando suavemente meu rosto.
— Oh, meu filho… Você chegou — sua voz vazia preenche o grande cômodo, acariciando minha pele com o polegar — É bom te ver, querido.
— Você tá linda, mãe.
Ela de fato estava. O vestido preto e decotado cobria as pernas, não me deixando ver o que calçava, mas a vestimenta em si é impecável. O tom preto e as alças prateadas deixava a pele pálida parecer mais realçada, tendo uma abertura em formato V nas costas, consegui visualizá-lo graças ao vasto espelho atrás dela. As madeixas loiras e longas estavam soltas, com um brilho e odor absurdo de tão cheirosas e bem cuidadas que estavam. A maquiagem não mostrava exageros, estava no ponto perfeito para deixá-la ainda mais bonita.
O único problema é a falta de esperança em suas íris azuis como o céu.
— Vamos descer, seu pai nos espera.
— Ele não é meu pai — retiro suas mãos — Nunca mais repete isso.
— Meu filho… Ele o fez, e o criou. Javier é apenas-
— Não vamos entrar nesse assunto — imediatamente a interrompo — Eu quero que você se lembre que tô aqui por você e por elas.
Nossos olhos se encontraram, tenho certeza que ambos conseguimos ver o nítido cansaço contra a fúria em um caminho cruzado. Não era culpa dela, sabia que ela só se recusava a ver a verdadeira imagem do homem com quem é casada. Mas eu nunca vou aceitar nada disso. Eu sei exatamente quem ele é.
Segui meu caminho de volta ao andar de baixo, avançando meus passos até a cozinha, contemplando o homem cruel sentado na ponta da mesa, seus dedos digitavam freneticamente no celular. O olhar pesado do mais velho pairou sobre mim, me analisando de cima a baixo. A postura continuava ereta na cadeira confortável e luxuosa que estava sentado, vestido com o terno caro que fazia parte de sua coleção.
Não liberei qualquer palavra antes de me sentar, sabendo que tínhamos que esperar minha mãe chegar para iniciarmos a refeição. Tudo o que eu tinha que fazer era comer, responder suas perguntas hostis e depois me despedir de minhas irmãs. Isso teria uma boa duração até a sobremesa, visto que as duas mais novas eram obrigadas a dormir cedo graças às milhares de aulas que Javier as forçava a fazer. Tinha certeza que, mais tarde, precisaria fumar pelo menos dois cigarros para desestressar.
O perfume doce da mais velha foi reconhecível assim que ela entrou, tratando de sentar na outra ponta da mesa com sua postura elegante. A energia pareceu cada vez mais pesada agora que estávamos todos presentes naquela mesa. Minhas irmãs mais novas do lado esquerdo, uma ao lado da outra, enquanto eu, estava de frente para elas.
A mesa estava preenchida com alimentos como: peixe banhado a um molho suculento, acompanhado de legumes salteados, sopa de tomate com salada de couve e maçã, caviar, etc. Um verdadeiro banquete, eu diria, embora não fosse meu estilo, o cheiro não estava ruim.
Uma das governantas começou a servir nos pratos, mas deixei claro que eu poderia fazer isso sozinho. Era irritante como os ricos pareciam depender de seus empregados para fazer qualquer coisa. Não é como se eu não soubesse organizar meu prato do jeito que eu quero. O dono dessa mansão não escondia que adorava abusar de seu dinheiro, ele queria sempre mostrar que podia tudo.
— Está impecável, meu amor — Javier comenta, bebericando o vinho da taça, o mesmo comprado por mim.
Minha mãe assentiu como um agradecimento silencioso, não dizendo qualquer palavra e continuando sua refeição tranquilamente. A mulher não precisava falar alguma coisa, Javier sabia que ela realmente se importava com, especificamente, seus elogios direcionados à ela. Não era necessário se esforçar para ver como ela é uma mulher extremamente linda, tanto que parecia ser irreal. Por mais que eu odiasse admitir, Javier também não tinha uma aparência grotesca. Na verdade, nós dois somos extremamente parecidos. Desde o cabelo aos olhos. Odiava me olhar no espelho exatamente por este motivo, sempre iria me lembrar como eu sou parecido com esse homem perverso.
Anastásia Mitsuya ganhou o sobrenome de Javier quando se casou com ele aos dezessete anos, enquanto ele já havia alcançado seus vinte e sete na época. Um homem com tamanha experiência casando-se com uma garota que mal conhecia a vida direito. Engravidou cedo, e para a sorte do mais velho, nasceu um menino. Um menino era o suficiente para servir como herdeiro, mas em busca de mais homens para comandar tudo o que ele tem, um dia, acabou engravidando-a mais uma vez, não tendo sucesso em seu planejamento, visto que nasceram duas meninas.
Javier não ficou tão feliz, principalmente quando as próximas tentativas falharam, causando uma série de abortos espontâneos. Foi descoberto depois que minha mãe não poderia mais ter filhos devido a um enfraquecimento repentino no colo do útero.
Desde então, a responsabilidade foi toda pra mim, bem cedo.
— Como está indo a dieta, Luna? — ele segue com as perguntas.
— Estou me saindo bem, papai — ela responde, sua voz saindo levemente trêmula.
Está se saindo bem? Luna estava tão magra desde a última vez que a vi, o prato dela, atualmente, quase não tinha nada de comida. Ela realmente seguia seus dias recebendo tão pouco? Tudo o que eu conseguia pensar é que esse miserável estava destruindo o corpo da minha irmã.
— É bom que continue assim — o tom soa cruel — E a aula de violino, Mana?
— Eu estou… Aprendendo coisas novas.
— Aprendendo? — ele arqueia uma sobrancelha, encarando a mais nova, fazendo-a encolher levemente os ombros — O certo seria já ter aprendido. Está devagar demais, sua irmã já estava com um potencial altíssimo na sua idade.
Minha vontade de jogar meu prato na cara daquele idiota foi tão extrema, mas tive que me segurar, me forçar a tensionar meu corpo naquela cadeira maldita e permanecer, aparentemente, calmo. Mana ficou cabisbaixa com a resposta do mais velho, meu peito ardeu com sua expressão repleta de decepção. Era muito para uma criança sentir isso de si mesma, a sensação de inutilidade acabaria com ela. Sei disso porque aconteceu comigo e estava acontecendo com Luna.
— Ela só tem dez anos — ouso responder — Ela tem muito tempo pra aprender.
— E que tempo demorado — seu tom continua rude, deixando uma expressão enojada tomar conta de seu rosto — De qualquer forma, tem que melhorar, Mana. Já não basta eu ter recebido uma reclamação sua da escola.
— E-eu… É que… Eu não tinha dormido muito bem, papai. E-eu estava tentando-
— E é sempre a mesma justificativa. Está crescidinha demais pra isso — ele a interrompe, friamente.
Os olhos da mais nova se encheram de lágrimas, tive que respirar fundo para continuar mantendo uma imagem de irmão mais velho amoroso e cabeça fria em frente àquelas duas, visto que eu tinha certeza que elas se assustariam se eu arrebentasse a cara do desgraçado nessa mesa. E minha mãe… Só saberia chorar enquanto assistiria a cena.
Por culpa dele, Anastásia não é a melhor mãe, até porque ela falaria alguma coisa para defender sua filha, se fosse o caso.
Luna levou a mão até o ombro da mais nova, acariciando gentilmente a região, mas Mana não reagiu. As palavras duras de meu pai a fizeram desanimar completamente, eu odiava vê-la assim porque um homem cruel não enxergava seu esforço, um no qual uma criança de sua idade jamais tivesse que se preocupar em ter. Eu daria tudo para que as preocupações dela se transformassem em brincadeiras na lama e que meu maior medo fosse somente que ela pegasse alguma bactéria que a deixasse doente.
Entretanto, o buraco é bem mais embaixo.
— Não se preocupe, Mana, na sua idade eu nem tive oportunidade de aprender todas as coisas que você já sabe — tento tranquilizá-la, atraindo seu olhar triste — Você é bem mais inteligente que eu.
Por sorte, consegui fazer com que isso causasse um doce sorriso nos lábios pequenos, retribuí na mesma intensidade para que ela se sentisse melhor.
O gesto se desfez quando encarei o mais velho novamente, que não parecia feliz com minha atitude, mas eu pouco me importava. Ele não iria desmanchar as esperanças de minha irmã bem na minha frente, eu jamais permitiria isso. Ele também evitou me encarar pelos próximos minutos que o jantar seguiu, e como eu já esperava, ele não me fez perguntas na frente delas. Melhor assim, prefiro que elas não tenham noção de meu trabalho repugnante.
A sobremesa foi servida quando terminamos a refeição, sendo estas trufas gourmet de chocolate branco. Comi apenas uma para não fazer desfeita do bom trabalho da cozinheira responsável, e só depois disso, minha mãe decidiu sair com minhas irmãs, comunicando que daria uma volta com ambas pelo jardim.
Arrastei a cadeira para trás, não tendo tanta vontade de olhar para Javier quando me levantei. Decidi seguir até as escadarias, tendo que subir mais algumas para chegar ao local que eu queria da mansão. Desde que saí, perdi um pouco o costume, mas nada que fosse impossível. Consegui alcançar o terraço, este continha um corrimão dourado, dando visibilidade das luzes de Los Angeles. Uma visão incrível que dava benefício a quem mora aqui.
Vinha muito pra cá quando criança, nas vezes que eu queria me acalmar.
Vasculhei meus bolsos, conseguindo encontrar meu maço de cigarro, pegando um e colocando-o entre meus lábios, não demorando para acendê-lo, dando uma tragada após. inclinei meu corpo e deixei meus cotovelos apoiados no corrimão da sacada, expulsando a baforada de fumaça para o ar.
— Não é muito respeitoso dar as costas ao seu pai.
A voz irritante me faz tragar a fumaça com mais força, liberando-a com irritação em seguida. O lugar que eu vim justamente para manter a calma tomou um ar mais sufocante com o filho da puta presente agora. Não me dei o trabalho de responder, eu não queria alimentar qualquer assunto. Se possível, cortaria o quanto antes.
— Não me contou como as vendas se saíram hoje — ele disse, parando ao meu lado.
— Nada fora do comum. O Hakkai me cobriu por não ter aparecido antes — respondo, sem interesse — Não tem nada pra conversar.
— Na verdade, meu filho, temos muito o que conversar.
— Você pouco se fodeu quando fui preso — lembro-o — Assim como todas as vezes que me meti em problemas por falta de informações suas. Eu sou útil pra você até que eu esteja na saia justa.
— Está dizendo que precisa de mim para seguir com sua vida? — seu tom arrogante consegue me cansar ainda mais.
— Eu tô dizendo que tudo o que eu precisava todo esse tempo era de um pai — rebato — E pode ter certeza que você nunca vai ser isso pra mim.
As íris purpúreas me encaram em silêncio, sem qualquer expressão de remorso pelo o que eu disse. Ele tem tanto ódio por mim quanto eu tenho por ele, isso nem de longe dava para negar. Além disso, tudo o que eu sou para ele é uma máquina, até que eu me enferruje completamente e ele me jogue fora como uma peça estragada e inútil.
— Não se atrase amanhã. Temos uma reunião sobre um assunto importante a tratar — profere, como se eu mal tivesse dito alguma coisa antes — Esteja pronto.
E então, se afastou, sumindo de meu campo de visão.
Um suspiro exausto é liberado de minha boca, puxando a fumaça mais uma vez, repetindo o processo de soprá-la após. Tudo o que eu pensei foi em pegar meu celular e desbloqueá-lo, abrindo o aplicativo do Instagram e imediatamente indo no perfil desejado para enviar uma mensagem.
“Posso te ver?”
Me agachei em seguida, bloqueando a tela e guardando o aparelho de volta no bolso, já que não tenho certeza se demoraria para receber uma resposta de volta. Ainda tragando a fumaça e empurrando-a repetidas vezes, deixei meus dedos mergulharem em meus fios, enquanto fixava o piso marmorizado.
Eu precisava relaxar.
E aí, gente, tudo bem? O que acharam?
Sinceramente, esse foi o capítulo mais cansativo e agonizante que escrevi, até agora. Demorei uns quatro dias pra de fato finalizar ele, além de revisar, por isso ele também tá sendo publicado tão tarde.
Nosso Takashi infelizmente sofre não só com as próprias frustrações, mas pela mãe e irmãs. Além disso, perceberam como ninguém dessa fic chama ele de Mitsuya, né? O motivo disso, tenho certeza que não é difícil pra vocês descobrirem ;).
O gif set acima foi feito pela inukwa, e tá tão perfeitinho que tive que usar ele também! É incrível como a cada capítulo a organização aumenta em questão de estética KSKSKSK.
Enfim, espero que tenham gostado, peço perdão se houve algum erro que eu não tenha visto.
Até o próximo capítulo!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top