─ 𝐓𝐇𝐑𝐄𝐄
A salva de palmas, as notas aos seus pés, as declarações soltas ao vento em todo final de apresentação eram definitivamente a sinfonia mais prazerosa que tivera oportunidade de escutar. Angel era vangloriada por cada um naquele maldito estabelecimento, sua apresentação fora impecável em todos os aspectos, outras garotas entraram para compor a coreografia em uma sintonia sensual e harmoniosa mas nada se comparava a ela.
Ofegante entrou no camarim, sendo recebida pelas garotas com sorrisos alegres e gentis, parabenizando-a pelo espetáculo, não vira Kyo outra vez desde aquela hora e para falar a verdade não se importava.
A sensação era indescritível, se sentia livre e completa cada vez que se apresentava, nada no mundo poderia trazer aquelas borboletas no estômago e sensação de preenchimento no peito. Seus olhos estavam fixados ao espelho, observando as gotas de suor deslizarem por suas têmporas, até a falta de ar que invadia seus pulmões era motivo de euforia.
Com tanto êxtase não pôde parar para pensar que o pior estava batendo a porta.
Seu trabalho não era divertido e muito menos fácil, depois do show principal, era hora das apresentações privadas. Onde todas eram submetidas a entrarem em um quarto com um completo desconhecido e dançar para ele, essa era a pior parte. Às vezes gostava de romantizar as coisas ruins de sua vida, as tornavam menos dolorosas e mais fáceis de engolir, mas quando as coisas eram ruins por completo, era difícil de ver o lado bom.
Rapidamente colocou-se para tirar a maquiagem e refazê-la, trocar o figurino por algo que mostrasse seus peitos e pernas ainda mais, se perfumar e tomar coragem para realizar as malditas danças privadas.
Vestiu seu hobby e sentou-se em uma das poltronas do camarim, o chão do local era infestado de roupas e coisas perdidas, a penteadeira vivia um caos e as garotas entravam e saíam, vestindo a temática da noite, servindo como garçonetes ou entrando nas salas privadas, ninguém parava para conversar ou repensar, tudo era uma correria sem fim para garotas que não tiveram a mesma sorte de outras.
Se deliciava com a água sabor limão que Haruo deixou a sua disposição como uma mera recompensa pelo show que rendeu milhares de dólares, aquele homem deveria agradecer de joelhos pelos serviços de Yuki mas a mesma sabia que as coisas não funcionavam assim. Esperava pacientemente Chizu voltar com a lista em mãos, com os lances mais altos para receberem uma dança privada da estrela da casa, e Yuki aprendeu uma coisa com essa lista, quanto maior o lance, mais asqueroso é o homem.
Por Yuki ser muito requisitada apenas aceitava os três primeiros no topo da lista, Haruo permitiu está regalia a ela por conta do lucro extremamente alto que os shows dela rendiam a ele, mas as outras não tinham a mesma sorte, porque além de terem que ficar trancadas com um homem desconhecido, tinham que aceitar uma comissão baixa como recompensa.
— Voilà! - Chizu apareceu com a maldita caderneta em mãos — Por que está cara? Até parece que não fez isso centenas de outras vezes.
— Eu sei... - Yuki tirou a caderneta das mãos dela e começou a ler, não tinham nomes, apenas o número da sala e o horário marcado — Só estou meio sensível. Problemas na escola, só isso.
Pode perceber a mulher observando-a cautelosamente, era um inferno isso. Chizu a conhecia tão bem que sabia quando estava mentindo sem ao menos precisar de palavras concretas. Mas não era hora de admirar a capacidade de percepção da amiga, era hora de trabalhar.
Saiu do camarim sem se despedir, subindo os lances privados de escadas até chegar a uma suite no quarto e último andar, Yuki poderia pegar o elevador e diminuir a caminhada, mas precisava da paz que os corredores silenciosos traziam-na.
Era uma vida conturbada, de diversas perspectivas, poderia estar trabalhando com a dança, aquilo que tanto amava mas não era para uma platéia apreciadora de ballet para qual se apresentava, era para homens sujos e imundos que apreciavam apenas seu corpo e a viam como um objeto, todavia, esses sentimentos jaziam em um passado distante, já se fora o tempo em que ela chorava por ter visto a merda e o quão dissimulada se tornou suas noites, não doía do mesmo jeito ser objetificada.
Sua dor já não era um fardo. Se tornou uma companheira.
Ser forte nunca fez parte de seu amadurecimento natural, ser forte foi um instinto de sobrevivência, e a dor, a dor a lembrava que ainda estava viva, sentindo cada segundo de dias miseráveis acompanhados por noites dolorosas. A dor era sua força, o único ávido e constante sentimento que erguia uma estrela de brilho fajuto.
O barulho dos saltos ressoava a cada degrau que se encontrava, a música abafada vindo de dentro das outras salas privadas não era um problema, sons como aquele evitavam a súbita fuga da realidade.
Não tinha o direito de escapar de sua dolorosa verdade, cada ruído ao fundo trazia uma sensação de solidão. Estava sozinha, tinha Chizu, mas nunca poderia contar à mulher o quão a sua solidão era profunda, era rodeada por pessoas, admirada e invejada por muitas, mas não era o suficiente para preencher o vazio em seu peito.
A máscara de glamour e confiança foi colocada em sua face tão facilmente quanto uma luva de seda, quantas vezes já esteve naquela mesma situação? Centenas, e todas as vezes, se saiu vitoriosa com sua atuação.
Girou a maceta da porta preta lisa, nunca precisava bater pois quem esperava não gostava de enrolação, e ao adentrar no mesmo quarto pode ver o pole dance preso ao pequeno palco, nada comparável ao principal, a luz avermelhada, a cama, destinada a outro tipo de serviço, que felizmente, ainda não foi submetida a fazer, havia um o mini bar recheado de bebidas caras, um sofá em L de couro branco sendo agraciado com a visão privilegiada da dançarina no pole. A suíte com a hidromassagem, e a vista do distrito sendo a paisagem através das janelas de vidro enormes.
Yuki, com seu sorriso viperino e com as mãos desamarrando o laço do hobby, se aproximava do homem de costas para ela, enchendo um copo de whisky no bar, não se preocupando com a presença que já tinha ciência. Arrogância? Oh, céus. Com quem ele pensava que estava lidando?!
Mas ao se aproximar cada vez mais sua expressão foi desmanchando, se tornando uma mistura confusa de tristeza, raiva e surpresa.
— Yuki, querida. - o homem se virou para ela, já com três botões da camisa social branca desabotoados, usando aqueles malditos óculos e aquele infernal sorriso tatuando seu rosto. Apoiou-se na bancada do bar, balançando lentamente o copo de whisky — Senti sua falta.
- O que quer aqui, Gojo? - A mulher fechou o próprio roupão com força, quase dando um nó — Pensei que tivesse sido clara quando disse que não queria mais ver a sua cara.
As unhas longas quase rasgaram as palmas de sua mão, Yuki as apertava tanto que temia racha-las com a força. Seu corpo tremia ao vê-lo, maldita saudade infeliz que dominava seu corpo. Ela esperou, ela quis que ele voltasse desde o início, mas ainda estava com tanta raiva. Mas ele estava... Ali, na frente dela.
Idai que tivesse corpo e rosto de mulher? O coração estúpido continuava como o de uma adolescente.
— Sei que ficou assustada nesse tempo em que estive fora... - Gojo tirou os maldito óculos escuros, revelando as orbes azuis feito cristais, que com tanta maestria, mexiam com o coração de Yuki — Eu estou de volta, por você.
Maldito manipulador infeliz.
— Deveria voltar para sua esposa. - fria e imbatível retrucou o homem que não não foi nem um pouco afetado pela fala — Qual foi a desculpa para vir aqui hoje?
— Sabe que não preciso de desculpas, faço o que eu quero. - tremendo ladino sorriso, Gojo era tão bonito e forte, Yuki se derretia em lembranças ao olhá-lo... — Não me importo com ela.
Mas não poderia conciliar com traição.
— Se não precisa de desculpas por que saiu no jornal que sua esposa foi agraciada com uma viagem para a Grécia de presente? Que seu maravilhoso marido a deu. - A mulher dele era famosa no meio da moda, postava praticamente tudo nas redes sociais menos, obviamente, o fato de seu marido ser um criminoso infiel — Se não se importa por que se esforça tanto para mentir, já que esconde isso há anos?
— Temos que manter as aparências. Não só você vive tendo uma dupla, querida.- a fala cínica enojava a mulher.
— Para com isso! - Yuki gritou para quem quer que passasse nos corredores escutasse — Você mentiu para mim e para ela, Satoru! Você enganou nós duas com falsas promessas e me fez continuar mesmo sabendo que eu poderia descobrira qualquer momento e que ela pode foder com a minha vida no segundo seguinte ao descobrir sobre a minha existência. - o fôlego lhe escapava os pulmões ao tentar se recompor — Mentiu e escondeu isso por cinco anos! Você sempre soube que eu não aceitaria ficar com você se eu soubesse desde o início que era casado...
Desgraçado egoísta, como pôde conscientemente destruir a vida de duas mulheres para seu próprio prazer?
A mulher tinha uma profissão vulgar, tinha conhecimento disso, mas sempre manteve o mínimo de dignidade e honra, mas Satoru tirou os últimos resquícios disso quando a enganou feito uma adolescente imbecil, quando usufruiu de seu corpo enquanto soltava promessas vazias como se fossem simples cumprimentos. Mentiras deslizavam pela língua dele do mesmo jeito que veneno na bifurcação de uma serpente.
Ele se aproximava em passos lentos, com aqueles olhos sentidos e arrependidos, a face perfeita de um homem com o coração partido e mãos trêmulas em arrependimento. Yuki temia a quebra daquele silêncio perturbador.
— Eu amo você... Você sabe que sou completamente louco por você, Yuki. - Satoru apertou de leve os braços dela, segurando-a ali mas não forçando-a a ficar — Eu abri mão de muitas coisas para poder ver você, acha que se eu não te amasse faria isso?
O som cortante das três palavras transformaram o quarto imenso em um cubículo apertado e claustrofóbico. O ar se esvaiu de seus pulmões, seu coração palpitava feito um terremoto e não conseguia mais encará-lo com ódio.
As orbes avelãs da mulher fixaram-se nas do homem a sua frente, olhava-o de baixo, sempre foi encantada pela diferença de altura era atraente no início, mas agora era uma distância de oceanos até poder finalmente encará-lo com sinceridade.
Era a mais crua expressão de desapontamento e desprezo, tristeza e surpresa. O limbo entre todos os sentimentos fez Yuki se tornar a parte da realidade, como se por um mísero segundo o mundo só fosse composto por céu, terra, água e eles.
Mas era mentira, tudo que saia da boca daquele homem era mentira.
Um homem como ele nunca poderia amar uma mulher como ela.
Ela sentiu os braços dele rodearem sua cintura em um abraço sôfrego e carinhoso, sentiu as mãos dele a segurarem feito uma jóia preciosa, acreditando fielmente que conseguira ela de volta. A mulher retribui o abraço e com a voz embargada sussurrou em seu ouvido.
— Você não me ama. Você nunca me amou porque é incapaz de amar alguém. - Yuki se afastou encarando o rosto perdido de Satoru — Eu conheço você e posso dizer com todas as palavras que nunca vai amar alguém tanto quanto ama a si mesmo. - ela se desvencilhou das mãos dele, se afastando aos poucos em passos para trás — E eu sei que se orgulhava de transar com a puta mais cobiçada de Tóquio, como você adorava dizer para seus amigos, me exibindo como se eu fosse a porra de um troféu...
O homem não tinha reação, era um caos vê-lo daquele jeito, sem palavras. Sem uma desculpa esfarrapada para dar.
— Eu inflei seu ego por tempo demais. - Yuki abriu a porta, não fazendo questão de olhar uma última vez — Adeus, Satoru.
Yuki era uma mulher que usava golpes baixos para escapar de diversas situações, uma língua afiada e bons argumentos sempre foram suas maiores armas e não se importava em utilizar quaisquer características ou fatos que soubesse que machucaria o outro, gostava de calar as pessoas na base da grosseria e do cinismo, mas aquela foi a primeira vez que conseguiu calar alguém gritando o que seu coração mandava.
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