─ 𝐅𝐎𝐔𝐑
Alerta de gatilho: automutilação e ameaça de estupro!
observação: Vou usar dólares como sistema monetário na fic porque eu não sei direito como funciona o iene!
Se os deuses escolhessem uma alma solitária para fazer de brinquedo de tortura, com certeza Yuki seria esta alma.
A noite foi um pesadelo total, Satoru e suas palavras carregadas de mentiras ainda ecoavam recente em sua mente, como se o homem estivesse sussurrando os malditos verbetes a cada passo da mulher, servindo como um fardo apregado em suas costas.
Um parasita maligno que nutria-se das débeis forças de Yuki.
A cada dança privada que teve de realizar nessa noite um pedaço do bom-humor e autopreservação dela morria, cada olhar sensual e luxuoso vindo dela tornava-se frio e casto, sem a paixão que ela encenava constantemente. Os toques deferidos em sua derme eram como agulhas mergulhadas em fogo, rasgando cada pedaço e queimando sua carne, tortuoso era sentir as mãos calejadas entrenhar em seus cabelos, deslizar finoriamente por suas curvas que deveriam ser intocáveis.
As vezes seu amor pela dança não era o suficiente para sustentar o sentimento de ser maculada em todas as noites de sua miserável e solitária existência.
Já era madrugada, o relógio despontava três da manhã e seus ombros cansados encolhidos por dor e por humilhação acompanhavam seus pés em um caminhar delongado para dentro do apartamento escuro.
Yuki trancou a porta com o restante de força que possuía, acendendo a luz branca que agridiu seus olhos fazendo-a tampá-los rapidamente com o braço, resmungando algo que nem ela sabe discernir. O cheiro incômodo ainda estava lá, porém, mais ameno do que de manhã e agora era uma dor de cabeça a menos.
Sem muita enrolação largou os saltos vermelhos de qualquer jeito na entrada, dirigindo-se a pequena cozinha a sua esquerda pousando a bolsa de couro na mesa de café da manhã, e em uma única virada já dava de cara com o armário de madeira, o pequeno compartimento que chamava de despensa. Tirou de lá um pacote de macarrão instantâneo, não era a opção mais saudável e muito menos a mais gostosa, só que não tinha sobrado muito dinheiro no mês passado para fazer uma compra decente então para não dormir de barriga vazia optou pelo pior mal da humanidade temperado.
Todos os movimentos eram automáticos, não precisava pensar para achar a panela de inox muito bem areada, enchê-la de água, colocá-la sobre o fogão, ligar e despejar a massa crua na água fervendo, fazia tudo na maestria sem nenhum erro, mal precisava pensar para ter noção, seus olhos divagavam entre os objetos e sua mente desligava de vez. Só queria um banho, uma comida quente e cama, era só isso que precisava para contemplar a sua mediocridade.
Estava sentada em frente a mesa retrátil da cozinha, comendo seu macarrão enquanto bebericava um suco de frutas cítricas, geralmente fazia esse processo assistindo alguma coisa no celular mas hoje estava tão deprimida que nem uma novela poderia aumentar os ânimos.
Amanhã já era o último dia do mês e suas articulações já ameaçavam ranger de tensão, dia de pagar suas dividas eram sempre os piores. Não suportava ter de olhar para aquele homem, vendo-o lamber os lábios inferiores numa áurea quase doentia, rezando para qualquer deus que o escutasse fazê-la não ter o dinheiro e obrigá-la a pagar com o corpo.
Dois mil dólares todo mês. Seu dinheiro suado e cansado era entregue nas mãos de um homem que provavelmente o usava para limpar a própria bunda já que a riqueza que ele possuía era imensa. Ele só tinha prazer em atormentar a vida de Yuki e fazê-la se humilhar com a miséria que sobrava para ela.
Ela poderia escolher não pagar sua dívida, fugir para longe e tomar um rumo desconhecido, mas era impossível fugir de Sukuna Ryomen, ele tinha olhos e ouvidos em todos os lugares, um capanga a cada esquina e traria o inferno em terra se Yuki ousasse sair de Tóquio.
Ela era dele enquanto não quitasse a dívida.
Um fardo pesado que estraçalha seus ossos cansados, um pesar que não era seu, não foi ela que pediu por isso e muito menos quem deu início a essa bola de neve que parecia se concretizar ainda mais com o passar dos anos.
Yuki desejava que ela estivesse ali.
Tudo ficaria mais fácil com seus braços grandiosos protegendo-a de qualquer ameaça.
Sentia falta de ser criança e sentia ainda mais falta de sua irmã.
Dois toques suaves na porta de madeira velha a arrancou do olhar fixo e doentio ao macarrão, de pensamentos sórdidos que felizmente tiravam-na da realidade.
Sem muito ânimo arrastou os pés até a porta, com o uniforme que colocara de manhã ainda no corpo e a maquiagem forte do Santo Pecado ainda ressaltando seus traços, quem quer que estivesse batendo teria que lidar com roupa amassada rímel borrado e base craqueada.
Puxou a correntinha do trinco para trás deslizando sua mão até a chave presa na fechadura girando duas vezes pelo lado contrário para destrancar a porta e dar de cara um homem careca com óculos de leitura velhos.
— Boa noite, Yuki. - o síndico disso com a voz rouca pelo uso constante do cigarro arranhando seus ouvidos sensíveis.
— Senhor, são três da manhã... - ela poupou os cumprimentos e qualquer resquício de educação que tinha.
— Desculpe-me pelo o horário tardio, mas sinto que esse era o único em que poderia conversar apropriadamente com a senhorita.
Yuki não escondeu seu descontentamento ao respirar fundo encostando no batente da porta — Por favor, seja breve.
O senhor vestia uma camisa daquelas desgastadas, listrada por branco e magenta em um tecido que imita o social, com botões abertos e um cheiro fortíssimo de colônia barata invadia as narinas de Yuki com o cheiro exageradamente amadeirado.
Ele tosse para disfarçar a vergonha e algo semelhante a uma tentativa de engrossar a voz faz a mulher encará-lo com curiosidade.
— Bom, você não tem pagado o aluguel... Já faz três meses que não vejo seu dinheiro, então pensei que-
— Amanhã eu lhe pago os três meses que devo mais o quarto com antecedência - Yuki massageou suas têmporas e sua dignidade foi se esvaindo aos poucos — Sinto muito pelo incoveniente, prometo que isso não vai se repetir.
Ela não tinha esse dinheiro, talvez tivesse que pedir um empréstimo para seu chefe mais uma vez mas pagaria essa merda de dívida com esse homem insuportável.
— Não se incomode em pagar! - Yuki franziu o cenho, de repente não gostando nada do tom desesperado na voz do homem — Sei das suas dificuldades e sei também do seu trabalho noturno...
— Desculpe, o que quis dizer mencionando meu trabalho? Não vejo a relevância dele nessa conversa - Yuki ajeitou a postura, cruzando os braços fitando-o de cima, esperando o velho abrir a boca mais uma vez.
— Ora Yuki, não é novidade para ninguém o que você faz e como recebe para viver - O tom tímido mudou substituído por um vago tom de superioridade irônica, aquela que ela arrancaria dele se ele ousasse completar o pensamento imbecil — Pensei que ficaria mais tranquila se pudesse me pagar de outro jeito... Se é que você me entende.
As paredes do pútrido apartamento foram gradativamente apertando-se em torno de si como placas pesadas de aço que roubavam seu ar, transformando o oxigênio em algo venenoso e ardente, mas não era o apartamento que estava tornando-se implacavelmente quente e furioso, era ela. Seus pulmões se contraiam pela respiração entrecortada e seu coração batia feito um tambor, ela queria arrancar os olhos esbugalhados dele com as unhas, cortar a garganta daquele imundo com o vidro dos próprios óculos.
Yuki cerrou os punhos observando-o com uma calma assassina, mas ela não fez nada, não partiu seu rosto em dois com as próprias mãos, ela sorriu, segurando as lágrimas irritantes que insistiam em querer descer.
— Um instante, senhor. - Yuki entrou no apartamento, fechando a porta com força o suficiente para fazer as paredes de gesso do apartamento tremerem pelo impacto.
Ofegante ela correu em passos pesados no apartamento, empurrando tudo que estava em sua frente, desmanchando sua cama ao empurrar o colchão para cima e debaixo dele tirar uma caixinha coberta por flores. A raiva florescia cada vez mais ávida e certa de que iria eclodir, mas Yuki segurava-se ao máximo ao pegar os míseros dólares que haviam naquela caixa de economias.
Economias para um concerto de ballet que ela tanto queria ir. Um concerto imbecil que com tanto afinco ela economizou para tentar ir e agora tinha que dar o dinheiro para aquele infeliz, ela poderia apenas dizer não e entregar a ele o dinheiro do empréstimo no dia seguinte, mas sua honra não permitiria aquele homem insultá-la de tal maneira e sair sem aquilo que ele quis dela desde o início.
Ela pegou o dinheiro, amassando algumas notas no processo mas não demorou a voltar até a porta, abri-la e empurrar todas as notas no peito do homem, fazendo-o cambalear para trás pela força do empurrão.
— Quero que vá para o inferno! Engula a porra do dinheiro e engasgue com ele! - Ela não segurou a voz, gritou para todo o andar escutar, que se foda o que pensassem depois — Nem se pagasse a puta mais barata que existe ela aceitaria dormir com um velho tão fodido como você.
E assim Yuki fechou a porta na cara do velho, o barulho estrondoso da madeira fechando-se foi estendido por muito tempo como o único som que Yuki escutara.
Por minutos a fio tudo ficou quieto e Yuki apreciou o tempo que o mundo lhe deu para respirar, o turbilhão de emoções teria de ser contido, ela precisava ficar calma, precisava esquecer se quisesse seguir em frente.
Mas sua paz foi roubada de si quando um toque irritante na porta interrompeu seu silêncio.
Aquele velho ainda não desistiu?
— Vai se fuder! - Ela berrou raivosa, esperando que a dispensa delicada fosse o suficiente, mas não, ele continuou a bater.
Foda-se, aquela era a gota d'água. Yuki foi até a porta abrindo-a em um puxão nervoso, mas o que viu não foi o velho baixinho careca, e sim, uma imensidão em formato de homem.
Com tatuagens no rosto.
— Acho que não é uma ideia inteligente xingar aquele que você deve. - Sukuna disse com aquele sorriso ladino malicioso que causava arrepios por todo o corpo de Yuki.
E não de um jeito bom.
— Sukuna, o que está fazendo aqui? - sua mão tremia na maçaneta e suas pernas ameaçavam vacilar pelo medo irracional que instalou-se pelo seu corpo.
— Ora, para que mais eu viria a não ser para falar sobre o meu dinheiro? - O homem deu um passo a frente, forçando-a a entrar mais ainda dentro da casa, ele iria encurralá-la ali dentro.
— Você sabe que eu só lhe entrego a noite, no clube. - Yuki juntou o máximo de coragem que tinha para tentar ser firme na fala.
— Ah mas eu não vim aqui receber, sei que não tem nada agora. - Sukuna fechou a porta atrás de si e uma escuridão anormal tomou conta da sala — Vim falar sobre algumas mudanças... Consideráveis, podemos assim dizer.
Seu tom condescendente a irritou, ela queria fincar as unhas nele mas pensou direito ao ver a arma presa no coldre da calça.
— Bom, o preço vai mudar.
— Como assim o preço vai mudar?! - Yuki desesperou-se por um momento, alucinada com o que iria fazer — Você tinha dito que as parcelas da dívida eram fixas!
— Corrigindo - ele sorriu mais ainda ao vê-la ofegar — Eu disse que as parcelas de juros eram fixas.
Seus olhos arregalaram, tensão tomou o ar e suas mãos trêmulas suavam frio. Ela não conseguiria pagar mais de cinco mil por mês, ela já dava tudo o que tinha todo mês, não tinha de onde tirar mais.
— Ora Yuki, seu pai morreu quando você tinha nove anos e você só começou a pagar quando fez 18, foram nove anos de juros a pagar. No último mês você encerrou esses nove anos de juros e agora está na hora de pagar a divida sólida, amor. Achou que seu pai iria roubar de mim e sairia barato? Não seja ingênua.
— Eu não tenho como pagar... - as palavras soaram atravessadas e confusas, um sussurro em formato de suplica — Eu não tenho dinheiro, Sukuna!
— Então nós sabemos o que vai acontecer - o homem aproximou-se dela o suficiente para que Yuki conseguisse sentir seu hálito quente roçar em sua pele — Quando você não tem o dinheiro do mês você paga com o que tem. - Sukuna levou a boca até o ouvido dela e sussurrou com prazer — E você tem muito a dar, minha Yuki.
Lágrimas sofrêgas escorregaram de seus olhos e sua espinha tremia, tudo era frio, gélido feito a morte. Ela estava com tanto medo.
— Por favor, não...
— Sabe que um "não" não irá me impedir de pegar o que é meu - ele agarrou a cintura dela com força o bastante para um grito abafado sair de sua garganta
— Que tal nós adiantarmos? Sabe que não irá conseguir até o final do dia.
Yuki o empurrou e afastou-se dele o máximo que conseguira. Ela ferozmente limpou as lágrimas e o encarou fixamente — Não encoste em mim!
— Quer bancar a corajosa? - ele a olhou com desdém e sua grave voz tornou-se soberana no pequeno apartamento — Se me empurrar de novo eu enterro uma bala na sua cabeça.
— Vá adiante. Diferente de você não tenho nada a perder com minha morte. - a coragem que enrolou-se nas palavras dela era fraca mentiros, mas não se drixaria fraquejar sem antes lutar.
Sukuna, cheio de raiva, a encarou por segundos infinitamente perigosos, ela pensou que ele realmente faria. Tirar a arma do coldre e matá-la era tão simples como respirar naquele momento.
Mas ele não o fez. Apenas caminhou pesadamente em sua direção, agarrando seu rosto com brutalidade, trazendo-a para si apertando cada vez mais — Tem até a meia noite para me dar cinquenta mil dólares e quitar a dívida a metade da dívida, caso contrário, eu a faço esquecer a porra do seu nome. - Sukuna sussurrou, gutural e com a ameaça verdadeira pairando no ar.
Ele a jogou no chão com força, fazendo-a cair inultimente, se ele quisesse, poderia destroça-la ali mesmo, mas ele apenas virou-se e se foi, deixando-a lá plantada com uma dívida que nem sua alma poderia pagar chacoalhando seu peito ao bater a porta com força.
As palavras dele ainda ressoavam em sua mente, engalfinhando seu interior, sua dignidade, seu sonhos, tudo...
A garotinha que sonhava em ser bailarina foi resumida a uma mulher que oferece o corpo em troca de aluguel.
A jovem que quis estudar pedagogia para ajudar crianças foi deixada de lado quando o que pagava mais era dançar no colo de um estranho.
E a mulher que um dia sonhou em ser iria ser violentada caso não pagasse o que não tem.
Sentia-se suja, maculada tantas vezes que seu coração em frangalhos não conseguira se reconstruir, não importava quanto tempo passasse, o quanto da esperança de ter uma vida melhor ela nutrisse, no final sempre seria assim. Alguém com uma vida tão imunda não pode se lavar do dia para a noite, todas a viam como uma puta.
Como uma mulher desesperada para sobreviver.
E o que mais doía era que todos estavam certos.
Yuki gritou aos plenos pulmões, com tudo que tinha enquanto destruía absolutamente tudo na sua frente, os copos de vidro amarelado, os poucos pratos que tinha, a mesa barata foi virada de cabeça para baixo, sua cama, perfumes, maquiagens, tudo. As coisas tão simples que dera um duro danado para comprar foram resumidas a destroços em questão de minutos. Suas lágrimas não eram bem-vindas, porém acompanhavam a saga de destruição, de autodestruição para falar verdade, porque quando não restou mais nada para quebrar ela deferiu tapas e murros desleixados em si mesma.
Em meio ao caos ela sentou-se em um canto do apartamento destruído, seus soluços era desregulados e sua garganta ardia, mas nada aplacava sua dor, gritar não ajudou, destruir não resolveu, nada a ajudaria. Não eram suas coisas que mereciam a punição.
Com força o suficiente para tirar sangue ela enfiou sua unha pontiaguda no próprio pulso, e foi descendo, criando uma trilha irregular por sua pele alva e cálida, manchando a palidez com o vermelho sangue.
Yuki repetiu isso até que estivesse calma ou algo semelhante ao alívio aplacar seu corpo por ter descontado o inferno de sua vida em si mesma, até porquê, a culpa era inteiramente dela.
A lucidez a invadiu depois de alguns minutos após a tempestade, e a culpa por tudo o que fez, por tudo que destruiu a fez querer se matar.
Agora ela havia destruído praticamente tudo que tinha, fez uma dívida de 50 mil dólares, xingou seu síndico, brigou com o único que poderia lhe arrumar esse dinheiro temporiamente e ainda estava com fome.
Yuki queria desistir.
[...]
No dia seguinte Yuki acordou com uma ordem de despejo presa na frente de sua porta.
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