09 | torture.

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── ATO UM

Este capítulo contém cenas de tortura física. Se for sensível, recomendo não ler.

06/01/2011

Os saltos continuavam ecoando pelos corredores vazios, cada batida ressoando com uma força que parecia se espalhar pelo ambiente impessoal e desolado. O som dos meus passos, altos e inconfundíveis, reverberava pelas paredes brancas e frias como um grito silencioso, aumentando a sensação de claustrofobia que envolvia o espaço. As paredes, pintadas de um branco clínico e uniforme, pareciam se fechar ao meu redor, contribuindo para um sentimento de aperto e confinamento que só se intensificava com cada passo. As luzes fluorescentes no teto lançavam um brilho inócuo e implacável, criando um ambiente onde sombras estranhas e inquietantes se projetavam e dançavam nas superfícies brancas, intensificando a sensação de desorientação.

Os guardas ao longo do caminho eram como sentinelas impassíveis, suas presenças formidáveis e suas expressões frias e calculistas me seguiam com uma intensidade quase palpável. Cada movimento meu era meticulosamente observado, seus olhos como se fossem lasers, examinando cada detalhe da minha postura e expressão. Essa sensação de estar sob um escrutínio constante era profundamente perturbadora, uma pressão psicológica que fazia meu coração bater mais rápido e meu corpo se contrair. A ansiedade que sentia estava se manifestando fisicamente, o suor escorrendo pelas palmas das minhas mãos e a sensação de frio na espinha, enquanto eu tentava manter a compostura.

Como planejado, Finnick estava posicionado exatamente onde havíamos combinado, na sala de arquivos. Ele estava vestido com uma das roupas de guarda, sua silhueta perfeitamente ajustada ao traje militar, que conferia uma postura rigidamente formal. As cores frias do uniforme se misturavam com o ambiente clínico, criando uma impressão de autoridade impessoal e fria. O capacete metálico que ele usava reluzia sob a luz intensa dos tubos fluorescentes que iluminavam o teto, projetando uma aura de impessoalidade. Seus movimentos eram imaculadamente calculados, como se ele estivesse imerso em um papel de ator em um drama altamente ensaiado.

Quando me aproximei, a necessidade de levantar o olhar para encontrar o visor escuro do capacete foi um lembrete da distância que se havia criado entre nós. Seus olhos, ocultos pelo visor escuro, brilhavam com uma centelha de diversão que contrastava com o cenário sombrio ao nosso redor. O sorriso leve que desenhava em seus lábios era um reflexo de humor, um lampejo de diversão em meio à seriedade da missão.

— Eu juro que se você der mole, eu te mato — murmurei com uma voz que era um sussurro de aço, carregada com a gravidade de uma ameaça calculada. Cada palavra era medida para assegurar que somente ele pudesse ouvi-las, o tom seco e mordaz exalava uma ameaça implícita.

Finnick pareceu achar minha advertência mais uma observação curiosa do que uma verdadeira ameaça. Ele soltou um riso breve, um tremor quase imperceptível de diversão que passou rapidamente. A leveza do seu riso era um contraste flagrante com a tensão que permeava o ambiente. Em um piscar de olhos, sua expressão voltou a ser inexpressiva, a fachada de guarda impassível restaurada com precisão.

Com uma destreza quase artística, Finnick retirou um cartão de acesso do bolso interno do uniforme. O cartão, pequeno e simples, era o passaporte para o próximo estágio da missão. Ele o manuseava com um cuidado quase reverente, seus olhos se movendo com uma vigilância constante para garantir que o ambiente permanecesse seguro. As câmeras de segurança, que eu havia desativado há poucos minutos, eram monitoradas de perto por ele, a necessidade de atenção aos detalhes era um reflexo da complexidade da operação.

Ele deslizou o cartão pelo leitor com uma precisão que parecia coreografada, o som do mecanismo de desbloqueio ecoando suavemente no corredor silencioso. A luz verde que piscou como um sinal de aprovação parecia um farol de esperança, uma confirmação de que a missão estava avançando como planejado. Finnick fez um gesto quase imperceptível, um sinal de que era seguro seguir em frente. Sua presença constante e calculada era uma garantia de que, apesar dos riscos, o plano estava se desenrolando com sucesso.

Entrando na sala, a visão dos arquivos se estendia diante de mim em uma vastidão de prateleiras organizadas com meticulosa precisão. As estantes, carregadas com pastas e documentos empilhados até o teto, criavam um labirinto de papel e informação. A impressão de estar cercada por uma muralha de informações era avassaladora, quase claustrofóbica. O choque inicial de ver a imensidão da sala fez meus olhos se arregalarem de surpresa; era um cenário que eu jamais havia enfrentado, e a sensação de estar perdida entre aquelas pilhas de papel quase me fez desejar ter mais tempo para explorar. A sorte estava do meu lado, e agradecia imensamente a organização pelas informações, pois eu já sabia exatamente onde procurar e havia me preparado para isso por um longo período.

Com um gesto rápido, sinalizei para Finnick que era hora de fechar a porta. Ele compreendeu imediatamente e, com a precisão de um maquinário bem ajustado, executou a tarefa. A porta pesada se fechou com um estrondo seco, o som ecoando pela sala e marcando o encerramento de nossa entrada discreta. Antes que o barulho pudesse morrer completamente, Finnick fez uma última observação com seu tom de alerta:

— Não se esqueça, logo logo irão perceber que as câmeras foram desligadas. Os guardas começarão a rondar por todo o prédio, então se apresse. — Suas palavras estavam carregadas de um aviso urgente, um lembrete frio da pressão que enfrentávamos. Com isso, a porta se fechou com um estrondo final, abafando qualquer som adicional e isolando-me no interior da sala de arquivos.

Com um senso de urgência, me dirigi rapidamente para a prateleira 35, a localização exata do arquivo que eu precisava. O espaço entre as prateleiras era apertado, e eu me movia com a agilidade de alguém que sabia que cada segundo contava. As pastas eram organizadas meticulosamente, cada uma rotulada com uma precisão fria, mas eu não me deixei distrair pelos detalhes aparentemente perfeitos. Meu foco estava fixo na prateleira designada, e meu coração batia no ritmo frenético da missão.

Finalmente, alcancei a prateleira 35, que se destacava com uma etiqueta prateada que refletia a luz artificial da sala. A mão tremia levemente ao tocar a prateleira, e a sensação de metal frio sob os dedos era um lembrete constante da seriedade da situação. Com cuidado, puxei a pasta que parecia corresponder à descrição que eu procurava. O som de papéis deslizando de dentro da pasta foi como uma sinfonia de esperança e desespero, cada movimento carregado com a promessa de respostas que poderiam mudar o curso da missão.

Com rapidez me sentei no chão, folheando a primeira página do arquivo, sentindo uma onda de felicidade começar a surgir ao ver o que eu precisava para os dias seguintes.

— Vamos ver o que temos aqui. — murmuro para mim mesma, a voz quase um sussurro no silêncio pesado da sala. A primeira página revela a estrutura do Labirinto, e algumas informações.

Folha um.

O Labirinto constitui uma estrutura altamente complexa, subdividida em 8 seções distintas. Cada seção é interligada por corredores e portas que se reconfiguram periodicamente. A configuração das seções e a dinâmica do Labirinto são meticulosamente projetadas para maximizar a dificuldade de navegação e a resistência dos indivíduos.

Folha dois.

Abertura: O Labirinto é ativado às 06h00 diariamente.
Fechamento: O Labirinto é desativado às 18h00 diariamente. Durante este intervalo, as portas dos corredores são mecanicamente seladas, impedindo qualquer tentativa de entrada ou saída. Os indivíduos devem estar cientes de que qualquer exploração após o fechamento pode resultar em sua permanência indefinida dentro do Labirinto.

Folha três.

Cobertura: O Labirinto e a Clareira são monitorados de forma ininterrupta por sistemas de câmeras e dispositivos de vigilância de alta tecnologia.
Propósito: A vigilância contínua visa assegurar a conformidade dos indivíduos com as diretrizes estabelecidas e registrar suas atividades para análise detalhada. Qualquer comportamento anômalo é imediatamente detectado e avaliado.

Folha quatro.

Processo de Navegação:
Os indivíduos devem empreender uma exploração sistemática das seções do Labirinto e realizar um mapeamento preciso das rotas.
A saída está estrategicamente posicionada na Área 7, especificamente na seção noroeste, atrás da zona onde os Grievers estão alocados.
Exploração e Mapeamento: É imperativo realizar um esforço coordenado para mapear as seções e identificar a combinação exata de portas e caminhos.
Interação com os Grievers: Os Grievers representam uma ameaça substancial e entram em atividade a partir das 18h00. A capacidade dos indivíduos de evitar ou neutralizar essas entidades é crucial para a sua sobrevivência e sucesso na missão.

Folha cinco.

Reconfiguração: As paredes do Labirinto são ajustadas diariamente, seguindo um padrão cíclico que se repete mensalmente. Esta reconfiguração sistemática é uma característica projetada para impedir a formação de rotas permanentes e desafiar continuamente os indivíduos.

Folha seis.

Objetivo do Experimento: O Labirinto é concebido como um campo de testes para avaliar as capacidades de sobrevivência, adaptabilidade e resolução de problemas dos indivíduos.
Exigências:
Os indivíduos devem demonstrar habilidades avançadas em mapeamento, estratégias de navegação, e resistência tanto física quanto mental.
O desafio final reside na habilidade de localizar e acessar a saída na Área 7, superando os obstáculos impostos pela estrutura do Labirinto e pela presença dos Grievers.

A folha final estava um pouco amassada, como se tivesse sido consultada e manuseada repetidamente. Os olhos correram pelo texto, e o peso das palavras que encontrei parecia quase esmagador. O que estava escrito ali revelava a crueldade por trás do Labirinto e a verdadeira natureza dos testes realizados.

"A CRUEL não se limita a apenas monitorar e testar aqueles que demonstram alguma forma de imunidade ou resistência. Cada indivíduo, seja ele imune ou não, é colocado sob o mesmo nível de escrutínio e desafio. A abordagem não é apenas para descobrir quem é capaz de sobreviver, mas também para garantir que todos os envolvidos enfrentem os mesmos testes rigorosos."

A sensação de desesperança começou a se acumular em mim, sabendo que cada detalhe das informações que eu lia revelava uma realidade ainda mais sombria.

"Indivíduos que não mostram sinais de resistência ou que não conseguem cumprir os desafios impostos são frequentemente utilizados como experimentos para testar novas variáveis. Caso não se encaixem nos parâmetros esperados ou não alcancem os objetivos estabelecidos, há uma prática impiedosa: esses indivíduos são eliminados ou deixados para morrer dentro do Labirinto. Esta abordagem brutal assegura que somente os mais adequados, conforme definido pela CRUEL, permaneçam."

Ao refletir sobre as informações que acabara de ler, meu coração se contraiu em um aperto doloroso. A descoberta de que alguns dos jovens no Labirinto podem ser imunes às ameaças externas, mas que ainda estão condenados a enfrentar um destino sombrio, seja dentro das paredes do Labirinto ou devido ao vírus lá fora, era um golpe devastador. O pensamento de que sua resistência, longe de ser uma vantagem, poderia se transformar em uma sentença de morte me atingiu com uma clareza angustiante.

Contudo, a necessidade de manter o disfarce de Finnick e o meu era primordial. Cada movimento tinha que ser meticulosamente calculado para evitar qualquer indício de nossa presença não autorizada. Com um misto de pressa e precisão, coloquei o arquivo de volta na prateleira, certificando-me de que a pasta estivesse exatamente na posição onde a havia encontrado. A etiqueta prata da prateleira refletia uma luz fria, e eu quase sentia a pressão de cada segundo se esgotando enquanto ajustava o arquivo. O metal da prateleira parecia pesar mais do que o habitual, como se estivesse carregando o peso das informações e da nossa missão.

Com o arquivo reposicionado e a sala organizada novamente, meu coração estava acelerado. A sensação de que algo estava prestes a dar errado pairava no ar. Sem perder tempo, me dirigi rapidamente para a porta, meus passos ecoando suavemente sobre o chão de cimento enquanto a respiração se acelerava. Bati três vezes, de forma ritmada e firme, na porta pesada e metálica, aguardando com ansiedade a resposta de Finnick.

No entanto, no exato momento em que esperava a resposta, um som abafado chamou minha atenção. Era o murmúrio de vozes que chegavam de fora da sala. As portas grossas não impediam completamente o som, e eu consegui distinguir fragmentos de palavras e tons inquietantes. A voz estava carregada de urgência e preocupação, e meu estômago se revirou ao tentar compreender o que estava acontecendo.

De repente, o som de passos apressados se aproximou, e uma das vozes se tornou mais clara. Um dos guardas estava se aproximando, e eu senti uma onda de pânico crescendo dentro de mim. Havia pouco tempo antes que nossa presença fosse descoberta.

A porta estava prestes a se abrir, e o nervosismo me envolveu. Finnick, sempre tão calmo e calculista, rapidamente se posicionou perto da entrada. Ele ajeitou sua postura para parecer completamente no controle, e uma expressão de seriedade se formou em seu rosto. Com um movimento ágil e quase imperceptível, ele se inclinou para ajustar a posição da chave de identificação que pendia do seu pescoço, garantindo que estava visível e parecia inabalável.

Quando o guarda chegou perto da sala, Finnick respirou fundo e deu um rápido passo à frente, colocando uma expressão de autoridade e determinação em seu rosto. Ele puxou o cartão de acesso de forma dramática e inseriu-o no leitor próximo à porta, que estava temporariamente fora de serviço para que o acesso fosse negado. Com um gesto preciso e uma confiança imperturbável, Finnick começou a conversar com o guarda.

— O que está acontecendo? — Finnick perguntou, sua voz assumindo um tom de comando que não deixava espaço para questionamentos. — Por que você está aqui? Não foi reportado nenhum problema?

O guarda parecia confuso por um momento, mas a presença de Finnick, a forma como ele manuseava o cartão e o tom autoritário de sua voz o desarmaram momentaneamente. Ele hesitou, olhando para a porta com desconfiança, e então respondeu, sua voz carregada de frustração e confusão.

— Estamos verificando uma falha no sistema de câmeras. Recebemos um alerta de que algo estava fora do lugar. Preciso verificar a sala de arquivos para garantir que nada foi comprometido.

Finnick, sem perder a compostura, fez um gesto para o guarda entrar. O olhar calculista e a maneira como mantinha o controle da situação deram a impressão de que ele tinha tudo sob controle. Entretanto, os olhos de Finnick não deixavam a entrada da sala, e ele se posicionou estrategicamente para bloquear a visão completa do interior.

— Pode verificar, mas preciso lembrá-lo de que a sala está em processo de reorganização. Se houver algum problema, pode ser apenas uma falha temporária.

O guarda, aparentemente convencido pela postura e palavras de Finnick, entrou na sala de forma cautelosa, e com pressa me esforcei para me esconder atrás de uma das prateleiras ali perto. Enquanto ele dava uma rápida olhada ao redor, Finnick se manteve atento, os olhos avaliando cada movimento do guarda e qualquer sinal de suspeita. Com cada passo que o guarda dava, Finnick se movia para garantir que a sala parecia o mais normal possível e que não houvesse nada que pudesse levantar dúvidas, olhando para onde eu estava escondida discretamente.

Enquanto o guarda se movia de um lado para o outro, Finnick se posicionava de maneira a bloquear a visão direta da sala. Ele fazia perguntas rápidas e assertivas, sua voz carregada de uma autoridade que parecia desarmar o guarda momentaneamente. A tensão no ar era palpável, e eu via o guarda hesitar, sua expressão misturando confusão e frustração.

— Não vejo nada fora do lugar aqui. — O guarda murmurou, sua voz carregada de desconfiança. — Precisamos realmente estar aqui?

Finnick manteve o olhar fixo e uma postura firme, acenando com a cabeça. — A sala está em processo de reestruturação. Pode haver alguma anomalia temporária. Se não encontrar nada, é melhor que volte para o seu posto.

O guarda, parecendo relutante, fez uma última inspeção rápida antes de se retirar da sala. Eu observei com alívio enquanto ele saía, a porta se fechando com um pesado clique que soou como uma sinfonia de alívio para mim. A tensão na sala era palpável, e o ambiente estava finalmente calmo novamente.

Com extrema cautela, levantei-me, minha mente focada apenas na necessidade de não fazer barulho. Cada movimento meu era calculado e deliberado, o corpo tenso e os músculos contraídos como se estivessem em um fio de linha. O chão sob meus pés parecia ainda mais silencioso do que o habitual, e eu me esforçava para não fazer nem mesmo o menor estalo. O ambiente ao meu redor estava envolto em uma penumbra que parecia amplificar cada pequeno som.

Quando comecei a me mover em direção à porta, cada passo era dado com a máxima precaução, tentando evitar até mesmo o leve som de meu calçado tocando o piso.

Chegando à porta a vi se abrir com um rangido baixo. Finnick estava ali, com seu capacete de guarda cobrindo a maior parte de seu rosto. O visor escuro permitia que eu visse apenas seus olhos castanhos, que brilhavam com uma intensidade que denunciava a urgência da situação. Ele fez um gesto apressado, abanando as mãos de um jeito que era ao mesmo tempo imperceptível e frenético. Seu olhar estava fixo no meu, e a comunicação entre nós foi silenciosa, mas clara.

— Vá, rápido! — sussurrou Finnick, sua voz carregada de uma urgência que transmitia a gravidade do momento. O som de sua voz era abafado pelo capacete, mas o tom sério e a pressão nas palavras deixavam claro que o tempo era essencial.

Com a adrenalina correndo em minhas veias, saí da sala com rapidez, meus movimentos agora mais rápidos e decisivos. As portas metálicas se fecharam com um som surdo atrás de mim, e aguardei Finnick, tentando manter a calma enquanto o perigo parecia se dissipar.

— Venha. — sussurrou ele, a voz baixa e urgentemente controlada. — Precisamos encontrar um lugar seguro para discutir o que você encontrou.

Nos movemos com rapidez e discrição para um pequeno depósito de faxina nas proximidades. A sala era compacta e simples, com um cheiro característico de produtos de limpeza e um ambiente geralmente negligenciado. As prateleiras estavam repletas de baldes, esfregonas e frascos de produtos de limpeza, e a iluminação era fraca e esparsa, criando sombras em todos os cantos.

Assim que entramos, Finnick fechou a porta com cuidado, garantindo que ninguém pudesse ouvir nossa conversa. Ele removeu o capacete com um movimento cuidadoso, revelando seu rosto completo pela primeira vez. Seus cabelos loiros eram curtos e levemente desalinhados, destacando-se com um brilho que contrastava com a palidez da luz. Seus olhos castanhos eram profundos e expressivos, transmitindo uma mistura de preocupação e alívio. O maxilar bem definido e o nariz pontudo completavam um rosto que exibia uma combinação de severidade e um certo charme inegável.

— Precisamos conversar sobre o que você encontrou. — disse Finnick, a seriedade em sua voz agora mais aparente. — Esse é um material crucial.

Sentei-me em uma pequena caixa de armazenamento, enquanto Finnick se acomodava em um balde de limpeza, usando-o como improvisado assento. Olhei para ele com uma mistura de curiosidade e apreensão.

— Olha, eu achei muita coisa importante, mas algumas informações foram mais impactantes do que eu esperava. — comecei, tentando organizar meus pensamentos enquanto a sensação de alívio começava a se misturar com o peso das novas descobertas.

— Sério? — Finnick perguntou, arqueando uma sobrancelha enquanto tentava manter um tom leve. — E o que foi tão impressionante assim? Alguma novidade sobre o labirinto que você não esperava?

— Bem, além das informações óbvias sobre a estrutura e os horários, eu descobri algo que pode mudar tudo. — disse, meus olhos encontrando os dele com intensidade. — A saída está na Área 7, mas a situação é ainda mais complexa do que imaginávamos. As paredes se reconfiguram diariamente e os Grievers são um perigo real. E tem mais: aqueles que não são imunes são enviados aqui para testar suas habilidades, e muitos acabam sendo eliminados ou morrem de qualquer maneira.

Finnick ouvia atentamente, a expressão dele alternando entre compreensão e frustração. Seus olhos castanhos estavam fixos em mim, e o maxilar dele se contraiu ligeiramente enquanto absorvia a informação.

— Então, basicamente, eles estão jogando com as vidas dos jovens, manipulando-os e observando como eles se saem, mesmo sabendo que muitos não têm chance. — disse Finnick, a amargura na voz evidente. — E a saída está em uma área onde os Grievers estão por perto. Maravilha.

— Sim, exatamente. — concordei, sentindo um peso no peito. — E isso só aumenta a necessidade de agirmos rapidamente. Precisamos montar um plano.

Finnick soltou um suspiro profundo, o rosto dele mostrando um misto de cansaço e determinação. Ele ajustou os ombros, os olhos observando-me com uma seriedade renovada.

— Então vamos fazer isso. — afirmou, sua voz carregada de uma nova resolução. — Mas precisamos ser cuidadosos e estratégicos. Nada de erros, nada de improviso.

— Concordo. — respondi, sentindo um aumento de confiança à medida que as palavras saíam. — Vamos revisar o plano e ver como podemos usar essas informações a nosso favor. É nossa única chance de mudar as coisas e garantir que todos saiam com vida. Outra coisa, mande tudo isso para a organização, eles precisam estar por dentro disso; é essencial.

Finnick assentiu com seriedade, o gesto acompanhando a gravidade do que acabamos de discutir. O silêncio caiu sobre nós, pesado e palpável, preenchendo o espaço com uma sensação de urgência e ponderação. Ambos estávamos imersos em pensamentos, tentando encontrar as palavras certas para dar forma ao caos em que estávamos imersos.

— Thomas está desconfiando, Rora. — Finnick quebrou o silêncio com uma voz mais calma, mas que ainda carregava uma ponta de ansiedade. Seus olhos se encontraram com os meus, como se procurassem um sinal de que eu entendia a profundidade da situação. — Precisamos fazê-lo acreditar que somos apenas funcionários.

Assenti, passando a mão pelo rosto em um gesto de frustração e cansaço. O peso das palavras e a realidade da situação me atingiram com força.

— Acho que preciso descansar. Ainda bem que Ava me deu hoje como dia livre. — comentei, tentando aliviar a tensão com um tom debochado. Finnick abriu um sorriso breve, que parecia reconhecer a tentativa de humor como um alívio para a pressão crescente.

— Mas amanhã será o pior. — Ele disse, a urgência em sua voz tornando-se ainda mais pronunciada. — Alby será enviado, e precisamos arranjar um plano o mais rápido possível.

— Foi por isso que escolhi ele. — respondi, levantando-me com um novo senso de determinação. — Ele é o mais velho e mais forte de todos os jovens aqui, e confio no potencial dele. Se alguém pode enfrentar o Labirinto e sobreviver, é ele.

Finnick observou-me com um olhar que misturava admiração e preocupação. A luz fraca do depósito de faxina realçava as linhas de cansaço em seu rosto, mas também destacava o brilho determinado em seus olhos. Cada ruga e expressão em seu rosto contava uma história de desafios enfrentados e de um espírito inquebrantável, que agora parecia se focar em mim com uma intensidade palpável.

— Vou descansar, até logo. — falei, tentando infundir uma leveza em minha voz para contrastar com a tensão do momento. Meu tom revelava um desejo de normalidade, uma tentativa de me afastar um pouco do peso da situação.

Ele se levantou de maneira deliberada, movendo-se com uma precisão que só reforçava sua confiança e propósito. Finnick se aproximou de mim, e a proximidade criou uma sensação quase palpável de calor e intensidade. Quando parou diretamente na minha frente, senti a necessidade de elevar meu olhar para encontrá-lo. Sua altura e a seriedade de seu olhar conferiam um peso especial ao momento.

Com um gesto surpreendentemente suave e carregado de cuidado, Finnick inclinou-se e tocou minha testa com um selo. O toque foi quase etéreo, como se fosse uma combinação de firmeza e ternura. O selo, quente e com uma leve pressão, fez meu coração acelerar ligeiramente.

A sensação em minha pele causou um sorriso espontâneo em meus lábios. Esse simples gesto de afeto ofereceu um breve alívio em meio ao tumulto emocional e físico que estávamos enfrentando.

— Até logo, Aurora.

Eu estava mergulhada em um sono profundo, cercada pela suavidade do meu colchão e pela escuridão reconfortante do meu dormitório. A noite parecia ser um abraço cálido e tranquilo, sem qualquer sombra de preocupação. Mas esse refúgio foi abruptamente desfeito quando um estrondo inesperado cortou o silêncio. A porta do meu quarto se chocou violentamente contra a parede, o som reverberando como um trovão no silêncio da madrugada, um barulho que me arrancou do sono com um sobressalto. Meus olhos se abriram instantaneamente, o susto e o desorientamento fazendo com que meu corpo se erguesse de um salto, o coração batendo acelerado em meu peito.

Antes que eu pudesse processar a situação, uma horda de guardas invadiu o quarto, e o ambiente sereno transformou-se num cenário de tensão palpável. Suas mãos ásperas se fecharam ao redor dos meus braços e pernas, e o simples contato me levou de volta a memórias que havia lutado para enterrar. O choque do toque, frio e implacável, despertou algo antigo dentro de mim, uma vulnerabilidade que eu não queria confrontar. Era como se a criança dentro de mim, aquela que havia conhecido o medo, retornasse com toda a força, incapaz de lidar com o que estava acontecendo.

Por um momento, tudo ao meu redor desapareceu. A sensação de impotência tomou conta, uma lembrança dolorosa que queimava minha pele a cada toque, trazendo à tona um pânico visceral. O tempo parecia se distorcer, e por um breve instante, eu já não estava ali — estava de volta ao lugar onde o controle havia sido arrancado de mim.

Minha reação foi imediata, mas inútil. Meu corpo se contraiu em resposta, um frenesi de movimentos desordenados que não levavam a lugar algum. A pressão dos dedos dos guardas contra minha pele era insuportável, como se cada toque reacendesse feridas que nunca haviam cicatrizado por completo. Minha respiração se tornou irregular, e eu me debatia, o desespero crescendo dentro de mim, tornando cada segundo mais angustiante.

— Não... me soltem... — sussurrei, a voz falhando, quase inaudível. O peso do pânico se espalhava pelo meu corpo, paralisando meus pensamentos, transformando cada esforço de resistência em uma lembrança amarga de impotência.

Fui arrastada pelo corredor escuro, o som das botas dos guardas ecoando, amplificando a sensação de claustrofobia. Mesmo com o coração acelerado e a mente em um turbilhão, um toque de raiva descontrolada surgiu quando a voz fria de Ava Paige rompeu o silêncio.

— Achou que não íamos descobrir, Mavie? — A voz dela era carregada de desprezo, mas, diferente dos guardas, sua presença não me causava medo. Pelo contrário, o desconforto extremo que o toque dos guardas me trazia parecia alimentar uma resposta completamente diferente em relação a ela. Ava Paige não tinha esse tipo de poder sobre mim.

— Francamente, Ava — murmurei, mantendo o tom firme, mesmo que meu corpo tremesse. — Tudo isso só para me impressionar? Você pode fazer melhor.

Minha voz soou mais forte do que eu esperava, apesar do caos que reinava dentro de mim. O toque dos guardas ainda queimava na minha pele, cada dedo áspero uma lembrança vívida de algo que eu queria esquecer. O pavor corria por minhas veias, me mantendo em alerta constante, mas Ava... ela não me causava o mesmo medo. Sua voz carregada de desdém e sua postura controlada pareciam insignificantes comparadas ao terror que os guardas haviam despertado. Por dentro, eu ainda lutava contra o pânico, mas o deboche era a única coisa que me restava. Era a única forma de não me deixar quebrar completamente diante dela.

— O que te levaria a isso, querida? — Ela fez uma pausa, como se ponderasse a situação. — Era minha preferida, sabia?

A voz dela era irritante, carregada de um desprezo que só aumentava minha fúria. Cada palavra parecia uma provocação, e a necessidade de gritar em resposta crescia dentro de mim. Sabia que não podia ceder à tentação de reagir. Apesar de toda a minha formação e das habilidades que havia cultivado, uma tentativa de fuga agora poderia arruinar todo o motivo pelo qual estava aqui.

Foi então que avistei Finnick aparecendo em uma das curvas do corredor. Ele estava correndo, a expressão de desespero estampada em seu rosto. Seus olhos encontraram os meus, e a dor em seu olhar se intensificou ao perceber a gravidade da situação. Ele avançou em nossa direção, mas ao ver a força dos guardas segurando-me e o sinal de negação que fiz com a cabeça, parou abruptamente.

A expressão de Finnick era uma mistura de preocupação e fúria contida. Ele sabia exatamente o que aquele toque representava para mim, e a impotência dele era palpável, uma sensação pesada que pairava no ar. O desejo de ajudar era evidente, mas a realidade da situação o paralisava, fazendo seu coração pesar ainda mais.

Com um último olhar de dor e frustração, Finnick se afastou lentamente, seus olhos mantendo-se fixos nos meus em um momento silencioso de compreensão. Era uma troca que dizia tudo: ele sabia do meu desespero, conhecia as memórias que aqueles guardas evocavam. Enquanto ele se afastava, o peso da sua frustração e a determinação de fazer algo ecoavam em minha mente. E mesmo que ele não pudesse agir, a presença dele era um pequeno consolo em meio ao caos.

Antes mesmo que eu pudesse vociferar algo, uma agulha penetrou minha pele, seu impacto abrupto enviando uma onda de entorpecimento pelo meu corpo. A sensação foi como um choque elétrico que se espalhou rapidamente, fazendo com que minha mente ficasse turva e confusa. O pânico e a adrenalina deram lugar a um estado de sonolência crescente, e eu lutava contra a sensação de perda de controle que se instalava sobre mim.

Com cada respiração se tornando mais lenta e pesada, minha visão começou a se embaçar. Os guardas, ainda em movimento, continuavam a me arrastar, seus passos pesados ecoando pelo corredor. A última coisa que eu consegui distinguir antes que o efeito da droga me dominasse foi a imagem distorcida do corredor que se estendia diante de mim. As paredes pareciam se desvanecer em um borrão, e o som do ambiente se misturava em um zumbido distante.

A visão de uma sala desconhecida, com paredes de metal e uma iluminação fria, começou a se formar em minha mente, mas logo desapareceu conforme a escuridão começava a me engolir. A sensação de impotência e desespero foi substituída pela anestesia gradual, e eu me vi sendo levada para um lugar que parecia mais um pesadelo do que um ambiente real. O último pensamento consciente que consegui formular foi um desejo desesperado de que Finnick encontrasse uma maneira de nos salvar, mas logo isso também se desfez na névoa da inconsciência que começava a tomar conta de mim.

DIA UM

A dor começou a se infiltrar em meu corpo como uma maré implacável, crescendo a cada segundo. O metal frio da cadeira onde eu estava amarrada pressionava minha pele, exatamente como antes. A superfície áspera me arranhava, e o aperto das cordas... aquilo trazia de volta lembranças que eu sempre tentava enterrar, mas que agora subiam à superfície como uma onda gigantesca, me afogando sem piedade.

O som da minha respiração ofegante e dos meus gemidos de dor preenchia o espaço, ecoando de maneira terrível, fazendo-me lembrar de outra sala, de outro lugar, onde eu também estava imobilizada, indefesa. As cordas, os nós... era como reviver o passado em um ciclo torturante.

As paredes ao meu redor emanavam um silêncio perturbador. Feitas de concreto bruto, estavam tão desgastadas quanto meu espírito naquele momento. As luzes fluorescentes piscavam, lançando sombras que dançavam desajeitadas, criando um espetáculo macabro nas paredes. O cheiro metálico de sangue misturado ao suor enchia o ambiente, uma lembrança constante do sofrimento que habitava naquele lugar. Tudo parecia ser projetado para amplificar a sensação de isolamento. A opressão não vinha apenas das paredes frias ou do ambiente sombrio, mas da certeza inescapável de que não havia fuga. A única saída seria a dor que me aguardava, silenciosa e implacável.

Os guardas entraram com passos calculados, cada um deles uma lembrança cruel de que eu não estava no controle. As máscaras negras ocultavam seus rostos, deixando apenas o terror absoluto de seus gestos frios. O passado voltou com força quando vi os instrumentos de tortura em suas mãos – o metal reluzente era um espelho do abuso que já tinha sofrido. Lembranças dos dedos gélidos que me aprisionavam, dos olhares cheios de malícia, passaram diante dos meus olhos. Eu sabia o que viria. O terror se entranhava no meu peito, sufocando qualquer esperança de resistência. Estava ali novamente, uma prisioneira não apenas dos guardas, mas do meu próprio trauma. Minhas mãos tremiam, o pânico correndo por minhas veias enquanto minha voz fraca implorava por uma trégua que eu sabia que nunca viria.

— Não, por favor... não faça isso... — Minha voz falhou, presa entre soluços e o pânico que me sufocava. A dor física que viria não era a única que me apavorava, mas o medo de perder o controle, de ser reduzida a um estado de puro sofrimento. Meu corpo lutava instintivamente contra as amarras, um movimento inútil, mas o desespero era incontrolável. A simples ideia de ser tocada por aqueles instrumentos me enchia de horror, o tipo de medo que se enraíza fundo na mente e faz o coração bater tão rápido que parece que vai parar.

Quando o dispositivo de metal tocou minha pele, eu senti um choque de dor que atravessou meu corpo como uma onda elétrica. Mas não era só a dor física. Era a dor de reviver aquilo, de estar presa naquele ciclo sem fim. O grito que saiu da minha boca foi o mesmo de antes, desesperado, uma súplica por algo que eu sabia que não viria: misericórdia. Cada toque, cada movimento daquela ferramenta me fazia voltar para aquela noite, quando ele fez o mesmo. As agulhas que penetravam minha carne agora eram as mãos que me destruíram antes, a sensação de queimação era a mesma, e eu não conseguia mais separar o presente do passado. Eu estava vivendo tudo de novo, sendo ferida de novo, e não havia escapatória.

As lágrimas vieram sem controle, misturando-se com o suor que cobria meu rosto. Cada lágrima era uma lembrança amarga, uma emoção reprimida que agora vinha à tona com força total. O sangue escorria pelas feridas abertas, e eu sentia o gosto metálico na boca, como se até o próprio ar estivesse saturado de dor. Meu corpo tremia incontrolavelmente, os soluços misturados aos gritos desesperados. Eu queria desaparecer, apagar cada memória, cada segundo de sofrimento. Mas o passado continuava se arrastando, me segurando firme, enquanto a tortura física me mantinha consciente. Era um ciclo interminável de dor – física e emocional –, e tudo o que eu conseguia fazer era implorar por alívio.

— Por favor, parem! — tentei mais uma vez, a voz saindo fraca, desprovida de qualquer convicção. Sabia que minhas palavras não tinham peso ali. Minha mente começava a vacilar, tropeçando no meio da dor insuportável. O tempo parecia ter parado, cada segundo estendido em uma eternidade de sofrimento. Eu sabia que aquilo não acabaria tão cedo, mas meu corpo já estava chegando ao limite. Sentia-me como se estivesse sendo sugada para um abismo sem fundo, um lugar onde o tempo e a dor se misturavam até que nada mais restasse além de uma sombra do que eu já fui.

Meu corpo começou a ceder, não havia mais resistência, apenas um colapso silencioso. A escuridão começou a se aproximar, lenta e implacável, como um véu que se fechava sobre mim. A dor ainda estava ali, mas tornava-se cada vez mais distante, como se meu corpo estivesse desistindo de senti-la. Meu coração batia de forma irregular, meu corpo tremia, e a visão periférica começava a se desfazer em sombras. Não havia mais gritos, apenas um silêncio inquietante enquanto eu era sugada para o vazio.

DIA CINCO

O quinto dia começou com uma familiaridade cruel que me corroía por dentro. A sensação de estar presa àquela sala era sufocante, e o espaço, antes apenas frio e opressor, agora parecia vivo, pulsando com a mesma dor que me envolvia. Cada canto do ambiente refletia a brutalidade da minha realidade, das paredes de concreto nu que absorviam o som dos meus gritos, ao chão áspero que raspava contra meus pés descalços e feridos. A luz fluorescente era impiedosa, lançando sombras afiadas que pareciam rir do meu sofrimento, enquanto o ar carregava o cheiro metálico de sangue, suor e desespero, me cercando como uma névoa densa e irrespirável.

Eu já não era mais uma pessoa. Meus gritos haviam perdido a força, transformados em gemidos roucos que mal saíam dos meus lábios. Não sabia se era o cansaço que tomava conta de mim ou se simplesmente minha alma estava se apagando aos poucos. A dor já não era algo que eu experimentava em momentos isolados – era minha companheira constante, moldando meus pensamentos e ações. Meus braços e pernas estavam presos de forma tão cruel que eu sentia o latejar incessante em cada músculo, cada osso forçado contra as amarras. A pele sob as cordas estava rasgada, o sangue seco formando crostas doloridas que pareciam estar sendo arrancadas a cada mínimo movimento. A dor de antes, que eu acreditava insuportável, agora parecia um eco distante em comparação ao que meu corpo suportava naquele momento.

Estava deitada sobre uma mesa de metal, seu frio implacável sugando o calor do meu corpo. A superfície áspera parecia destinada a aumentar meu desconforto, se agarrando à minha pele suada como uma lembrança constante de onde eu estava. Cada respiração era um esforço, e o ar entrava e saía dos meus pulmões com dificuldade, como se meu corpo estivesse desistindo de suas funções básicas. As correntes ao redor dos meus pulsos e tornozelos não permitiam movimento, e eu me sentia tão pequena e vulnerável quanto uma presa, encurralada e sem esperança. Não havia para onde fugir, e isso doía tanto quanto os cortes em minha pele. Era como se cada parte da minha existência estivesse sendo lentamente apagada, e eu estava impotente para impedir.

Quando os guardas apareceram, suas botas ecoando no chão como batidas de um tambor de guerra, eu mal levantei a cabeça. Meu corpo inteiro parecia um campo de batalha destruído, e a ideia de resistir, de lutar contra o que vinha a seguir, era um conceito distante e impossível. Eu já sabia o que me esperava – as descargas elétricas, as agulhas perfurando minha pele, a dor inimaginável que faria meus ossos gritarem por misericórdia. Mas dessa vez, eu não conseguia me preparar, não havia espaço dentro de mim para tentar resistir.

O primeiro choque elétrico percorreu meu corpo como fogo líquido. Meus músculos se contraíram com uma violência que eu não tinha como controlar, e o grito que escapou de minha garganta foi apenas um som seco, rouco, como se meu corpo já não conseguisse mais expressar todo o horror que sentia. A dor era uma corrente contínua que atravessava cada célula, queimando e corroendo como ácido. O dispositivo que eles usavam parecia feito sob medida para extrair o máximo de agonia possível, e cada intervalo entre as descargas era um novo tipo de tortura. O silêncio entre os pulsos elétricos era preenchido apenas pelo som dos meus soluços, meus olhos ardendo com lágrimas que nunca paravam de cair. A eletricidade invadia meu corpo em ondas, e eu não sabia dizer quanto tempo aquilo havia durado – segundos, minutos ou horas. Tudo se fundia em uma dor sem fim.

Quando eles trocaram o dispositivo pelas agulhas, meu corpo já estava trêmulo, cada músculo clamando por descanso, mas não havia descanso. As agulhas finas perfuravam minha pele de forma quase metódica, cada picada enviando uma nova onda de dor que se espalhava lentamente. Elas entravam em minha carne como espinhos incandescentes, e a sensação era tão insuportável que meu cérebro tentava se desligar, como se meu corpo estivesse à beira de um colapso, tentando me proteger de algo pior. Mas eu não desmaiava, e isso parecia a parte mais terrível de tudo – ser forçada a permanecer consciente, a sentir cada segundo daquele inferno.

O cheiro de sangue fresco encheu o ar à medida que mais agulhas eram inseridas. Eu podia sentir o líquido quente escorrendo por minha pele, misturado ao suor frio que me cobria. Meus dedos se contraiam involuntariamente, as correntes rangendo enquanto eu lutava contra os espasmos involuntários do meu corpo. Cada nova agulha era como uma punhalada, mas, ao mesmo tempo, eu já estava tão acostumada com a dor que parecia que meu corpo estava começando a se apagar. A mente ainda queria lutar, mas o corpo já havia desistido há muito tempo.

Os guardas continuavam com seu trabalho impassíveis, suas máscaras ocultando qualquer traço de humanidade. Eram máquinas, nada mais. Para eles, eu era apenas um objeto de tortura, uma ferramenta a ser manipulada. Meus olhos, turvos de lágrimas e dor, mal podiam focar em seus rostos, mas eu sabia que não importava. Não havia compaixão ali, e cada um de seus movimentos era preciso e calculado, como se estivessem apenas cumprindo uma rotina que haviam praticado muitas vezes antes.

Finalmente, quando o último pedaço de dor se acomodou em meu corpo, eu comecei a sentir algo novo. Um tipo de vazio. Não era alívio, mas uma sensação de estar completamente quebrada. Eu não sentia mais raiva, nem medo. As memórias do passado que antes vinham à tona nos momentos de dor agora estavam distantes, como se até mesmo meus traumas tivessem sido esmagados sob o peso do presente. Estava vazia. Cada lágrima, cada grito, tudo parecia irrelevante.

Eu olhei para o teto sem realmente vê-lo, sentindo que o tempo havia se tornado irrelevante. Não importava mais o que aconteceria a seguir.

DIA QUINZE

O décimo quinto dia não começou com o zumbido costumeiro das máquinas ou o eco de passos que eu sempre antecipava. Talvez já houvesse começado, talvez não. O tempo era uma ilusão naquele lugar. Minutos, horas, dias... nada mais fazia sentido. Eu era apenas um corpo em meio à dor, como uma máquina quebrada que não para de funcionar, mesmo quando não há mais propósito. Estava amarrada àquela mesa de aço, o frio penetrante contra a pele ferida. Não tentei me mover. Não havia porquê. Resistir era inútil.

As lâminas da máquina deslizavam sobre mim com uma precisão metódica, mas desta vez eu não gritei. A dor estava lá, como sempre esteve, mas parecia distante, como se eu estivesse observando de fora. Meu corpo se contorcia por reflexo, mas minha mente... já não lutava. Eu havia sido quebrada muito antes daquele décimo quinto dia. Não tinha mais força para gritar, para implorar, ou até mesmo para desejar o fim. Agora, eu era apenas um recipiente vazio, uma casca oca suportando o peso de uma tortura sem fim.

Eu me arrependia. Havia aceitado aquela missão, acreditando ser forte o suficiente para enfrentá-la, para suportar tudo. Mas estava errada. A pior parte não era a dor física ou os cortes, era perceber que eu havia me perdido completamente. Já não reconhecia quem eu era, nem o porquê de estar ali. Não restava nada da pessoa que um dia pensei ser. Cada nova ferida, cada grito sufocado, era um lembrete cruel do quanto eu havia falhado, não apenas na missão, mas comigo mesma.

O corte das lâminas era profundo, mas eu não me importava. O sangue escorria lentamente pelas minhas pernas e braços, pingando no chão de metal com um som oco, quase ritmado. Senti o líquido quente manchar minha pele, mas já não me assustava. Era como se tudo fosse parte de uma rotina. O sangue, a dor, as correntes apertadas, o zumbido da máquina... Tudo fazia parte do mesmo ciclo. Tudo fazia parte do nada.

Meus olhos estavam entreabertos, mas não focavam em nada. As luzes ofuscantes não importavam. O som ensurdecedor da máquina não importava. Nem mesmo o frio metálico que rasgava cada centímetro da minha carne importava mais. Eu estava lá, presa, mas minha mente já havia ido embora há muito tempo. Estava perdida em algum lugar entre a lucidez e o delírio, onde a dor era uma companhia silenciosa, não mais inimiga, apenas uma presença inevitável.

Pensei, vagamente, que talvez fosse assim que tudo acabaria. Não com um grito de resistência ou uma luta desesperada pela sobrevivência. Mas com a aceitação. A aceitação de que eu era apenas um corpo, uma coisa que podiam quebrar e manipular como quisessem. Não restava mais nada de mim. Eu sabia disso, sentia isso em cada corte que não fazia mais minha mente explodir de terror. Era apenas o esperado, o inevitável. Cada nova lâmina, cada nova cicatriz, era apenas mais uma marca em uma existência que havia deixado de importar.

As lágrimas já não vinham. Não havia espaço para chorar, nem energia para gastar com isso. Minha voz, que antes pedia por clemência, agora estava em silêncio. Não imploraria. Não adiantava. Eu era uma coisa quebrada, e coisas quebradas não pedem, não suplicam. Elas apenas existem, até que não existam mais.

Eu senti o metal rasgar novamente, mas a dor, embora aguda, já não conseguia penetrar meu torpor. Talvez fosse assim que eu acabaria – anestesiada pela dor, consumida pela falta de vontade. Render-me não era uma escolha, era simplesmente o caminho que meu corpo e minha mente seguiram. Era cansativo demais lutar. Era inútil demais ter esperança.

E no silêncio dentro de mim, na escuridão que lentamente invadia meus pensamentos, restava apenas uma certeza:

Isso nunca acabaria.

Eu não acabaria.

E talvez isso fosse a pior parte de todas.

Os sussurros das vozes pareciam distantes, e a névoa que envolvia meus sentidos tornava tudo uma confusão densa. Forcei meus olhos a se abrirem, apenas para serem recebidos por uma escuridão e uma visão embaçada.

Tentei reconhecer o lugar ao meu redor, mas foi em vão. Ao olhar para o lado, deparei-me com um borrão que se assemelhava a um corpo deitado em uma maca, observando-me. Forcei minha visão, mas a sensação de sono persistia, me impedindo de ver claramente. Um espasmo pelo susto saiu pela minha boca quando uma mão segurou a minha, e ao olhar para o lado oposto, deparei-me com uma figura alta diante de mim. Vestia uma touca e uma máscara, tornando difícil identificá-lo. Vi-o se aproximar, parando junto ao meu ouvido.

— Mavie, sou eu. Por favor, sobreviva. — Suplicou, sua voz carregada de urgência e meu coração acelerou ao reconhecê-lo.
Uma onda de alívio misturada com medo percorreu meu corpo enquanto suas palavras ecoavam em minha mente.

— Eu vou ficar bem. — Tentei oferecer um sorriso reconfortante, mas minha voz vacilou, mostrando a insegurança que sentia.

Antes que eu pudesse articular mais alguma coisa, uma agulha penetrou minha pele, enviando uma onda de dor lancinante por todo o meu ser. Um grito rasgou o ar, mas logo se transformou em um gemido abafado, sufocado pela intensidade da dor que me consumia.

A consciência escorregou de minhas mãos como areia, deixando-me à mercê de um estado de entorpecimento. A última coisa que percebi foi minha mão deslizando da maca e encontrando a da figura ao meu lado, uma presença desconhecida, mas estranhamente familiar.

OLÁ, MEUS AMORES!

Antes de mais nada, eu preciso agradecer por cada uma das 5K leituras que conquistamos. Isso significa muito para mim! Sério, de coração, muito obrigada por cada comentário, cada curtida, e por embarcarem comigo nessa história.

Agora, vamos falar das memórias da May, não é? Muita coisa foi revelada nesse capítulo, e acredito que vocês devem estar cheios de perguntas. Fiquem tranquilos, porque eu prometo que ainda tem muito mais por vir – os segredos estão só começando a se desenrolar!

Aliás, preparem-se para o momento em que ela acorda. Posso garantir que nada será como antes. Essas lembranças? A pior da vida dela. Ou será que não?

Não esqueçam de curtir e comentar bastante!
Sei que é tentador apenas ler e seguir em frente, mas quero saber se vocês estão gostando, se estão satisfeitos com o rumo da história, e o que mais gostariam de ver.

Um beijo gigante,
Liss.

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