𝐎𝟏; 𝐅ugα
A lua e as estrelas, qual suaves lanternas na noite, iluminavam o céu sombrio após a partida do sol, evidenciando que mais um dia se esvaíra para mim. Mais um dia em que permanecia naquele quarto, mais um dia confinada e restringida dentro daquela casa.
Havia uma meticulosidade gélida enquanto me vestia: desenrolando as finas alças, ajustando-as aos meus ombros delgados, e depois ajeitando as mechas douradas que ocultavam a textura dos meus olhos azulados. Apertava, com demasiada firmeza, os dentes contra os lábios até sentir o ardor costumeiro, então notava, mais uma noite: eu sou tão semelhante a minha mãe. Talvez fosse essa a razão do ódio pulsante que escorria sobre mim como veneno - não meu próprio ódio, pois poucas foram as chances de experimentá-lo - mas o de meu pai. Eu via-a em mim, e ele, ainda mais, via. Em meus olhos, discernia o futuro que jamais teria, e eu sabia que em meu semblante, notava os traços da mulher que cruelmente o abandonara.
Agora, no auge dos meus 22 anos, ainda me questionava sobre as razões da partida precoce de minha mãe. Teria sido culpa minha? Nossa culpa? A minha e a de meu pai? Não éramos suficientes? Por vezes, ponderava tanto sobre isso que minha mente parecia prestes a explodir. Era impossível não refletir, pois meu pai não cessava de relembrar o ocorrido a cada dia, não com palavras, evidentemente, mas com seus gestos e o olhar que já não mais conhecia a gentileza.
Às vezes, era impossível não ser consumida por um ódio palpável, que logo se transformava em um profundo episódio de tristeza. Afinal, fui eu quem a viu morta, a primeira a sentir o odor penetrante da perda e o toque gélido de uma pele sem vida. A dor da ausência, acompanhada pela visão cruel de tê-la visto pendurada por uma corda.
Meus sonhos me foram negados, arrancados de minha posse com a mesma rapidez com que a perda se abateu sobre mim.
Como filha de um homem influente e amplamente elogiado pela mídia, sentia a pressão de manter a imagem impecável que ele havia cultivado com tanto zelo. Era visto como um pai protetor que cuidou de mim após a morte de minha mãe, e essa imagem apenas aumentava seu número de seguidores e apoiadores na política.
Após o primeiro tapa, tentei escapar da mansão, mas sem êxito. Afinal, meu pai era o presidente do país, e quem acreditaria em uma criança desorientada, machucada e traumatizada, quando ele era apresentado como o protetor ideal? As autoridades, conhecendo o respeito que ele inspirava, jamais prestariam atenção em calúnias.
Meu mundo deixou de ser um conto de fadas no instante em que retornei para casa.
Retirada de meus pensamentos, olhei para a porta, de onde vinham batidas suaves. Contendo as lágrimas que ameaçavam escapar, recompus-me e murmurei para que a pessoa entrasse.
- Senhorita - chamou a empregada, abrindo uma fresta na porta. - Seu pai está à espera lá embaixo.
Forçando um sorriso mínimo, ainda com os lábios apertados, acenei para a jovem moça.
- Obrigada, Layla - respondi, com um tom de voz que procurava ser sereno.
A mulher me lançou um olhar triste, que apertava meu coração. Eu sabia que todos sentiam pena de mim, e isso era excruciante. Quando me tornei isso? Um alvo de pena?
- Já conhece o sinal, senhorita - sussurrou Layla com um sorriso bondoso. - Estamos todos aqui por você.
Suspirei e assenti, esforçando-me para manter a compostura. Um sorriso perfeito se desenhou em meus lábios rosados, e minhas bochechas magras afundaram, revelando minhas adoráveis covinhas. No entanto, a empregada via a dor que se escondia por trás desse sorriso.
Não era difícil para alguns empregados da mansão perceberem o estado em que me encontrava: abatida e abandonada entre os muros da propriedade. No entanto, o que poderiam fazer? Eram simples mortais, buscando seu sustento diário. Por mais que meu pai fosse reprovável em suas ações, ele era quem sustentava muitas famílias com suas riquezas. A única ajuda que podiam oferecer era um apoio silencioso, mas ainda assim, era um auxílio.
A empregada fechou a porta, deixando-me de novo sozinha com meus pensamentos. Não poderia me demorar; era necessário ser pontual para evitar a ira de meu pai e, com ela, o perigo de sofrer suas punições uma vez mais.
Puxando o pequeno furão de pelos esbranquiçados que saltava e mordia uma almofada, aproximei-o de meu rosto. Sorria para o furão, cujos olhos azul-claro me observavam com atenção. Era um bichinho temperamental e muito ativo, visivelmente ansioso para ser solto e retomar sua bagunça habitual.
- Estou saindo - murmurei, tocando seu nariz rosado. - Não destrua o quarto, Milk.
O animal se contorceu em minhas mãos, rosnando baixinho enquanto tentava saltar novamente para o chão. Soltei-o e o observei voltar a pular e morder, como se fosse sua atividade predileta.
Respirei fundo e abri a porta, descendo as escadas para enfrentar meu pesadelo.
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Assim que desci o último degrau, equilibrando-me com graciosidade sobre meus finos saltos, contorci as mãos ao longo do corpo e lentamente levantei a cabeça para encarar meu pai. E quando finalmente meus olhos azulados encontraram o mesmo tom que ele ostentava no rosto, meu coração disparou de temor: ele estava calmo, sorridente e exalava uma falsa gentileza, especialmente ao estar acompanhado de uma bela dama sorridente.
- Eis que ela chega! - exclamou ele com uma animação forçada. - Meu raio de sol.
Eu o observei aproximar-se, afastando minhas mechas loiras e beijando minha testa antes de apertar exageradamente meus braços.
- Seu pai falava tanto de você, Esmeray - disse a mulher com voz suave.
Eu a encarei, incapaz de articular uma palavra, enquanto minha mente se afundava em perguntas incessantes.
- Não seja mal-educada, Esme - disse ele, abraçando meus ombros estreitos. - Cumprimente minha namorada.
Namorada... Namorada... Namorada... Essas palavras ecoavam em minha mente, trazendo um pavor absoluto.
- Esme - falei, engolindo em seco. - Me chame de Esme.
Meu pai deu um sorriso um tanto repulsivo ao meu lado, ao menos era assim que eu o via, conhecendo-o como conhecia. Para a mulher e namorada, porém, parecia simplesmente encantador.
- Vou para a cozinha ver como nosso jantar está - avisou - Leve Catrina para se assentar, querida, para que possam se conhecer melhor.
Assenti, sentindo meu coração apertado.
Meu pensamento vagou para as mulheres que ele já havia trazido para esta casa. Nenhuma delas era assumida como sua consorte, apenas aventuras passageiras, mas era repugnante ver como saíam com pequenos hematomas. Já me perguntei como meu pai ainda não havia sido incriminado por essas evidências e cheguei à conclusão de que, sendo um homem poderoso e rico, ninguém acreditaria em uma mulher, afinal.
Ele olhou por cima dos ombros antes de entrar totalmente na cozinha, lançando-me um olhar que eu conhecia bem - um aviso aterrador para que eu tomasse cuidado com as palavras que saíssem de minha boca.
Assim que ele desapareceu de vista, não consegui me conter, ignorando os avisos da minha mente.
- Fuja - sussurrei, desejando gritar. - Fuja antes que seja tarde.
A mulher se assustou com o tom de súplica em minha voz.
- Ele vai matar você, Catrina, por favor, eu imploro para que saia daqui.
- Do que está falando, menina?
- Meu pai... Ele vai te machucar, destruir você. Se deseja continuar a viver, acredite em mim e fuja, corra o mais rápido que puder.
Era uma ideia insensata, eu sabia que traria graves consequências, mas estava exausta de assistir tudo acontecer diante dos meus olhos. Precisava ter coragem.
- Venha comigo - disse a mulher mais velha.
Ao ver o desespero total em seus olhos, ela percebeu que eu falava a verdade. E se não fosse verdade, ela simplesmente não arriscaria.
- Não posso - sussurrei. - Ele sempre me encontra. Eu o segurarei o máximo que puder.
- Venha comigo, menina - implorou a mulher.
- Vá agora e não tente chamar a polícia - eu disse. - São todos homens pagos por meu pai. Não se preocupe comigo.
A mulher assentiu, ainda assustada, com as mãos trêmulas, e correu para fora da sala, fechando a porta rapidamente atrás de si, desesperada por escapar. Eu observei sua corrida, com o coração apertado, enquanto o ar ao meu redor parecia carregar o peso da melancolia em suaves lufadas. Era como olhar para um reflexo distante de mim mesma, vendo naquele ato a personificação do meu desejo mais profundo - o anseio de ser aquela mulher e escapar, finalmente livre.
Meu coração acelerou ao ouvir o som dos sapatos de meu pai ecoando no corredor atrás de mim.
- O que você fez? - perguntou ele, sua voz suave e controlada.
Eu sabia que aquele tom só significava desgraça.
- Nada - respondi, sentindo meu corpo tremer.
Ele sorriu, passando suas mãos grandes pelos cabelos grisalhos com uma calma aterradora.
- Você a mandou embora, pequena Esme? - Ele deu um passo em minha direção. - Sabe o que isso significa, não é? As consequências de suas ações?
O pavor tomou conta de mim, e sem pensar, corri em direção às escadas. Meus saltos finos eram inúteis, mas eu precisava tentar. Antes que pudesse alcançar o topo, mãos fortes agarraram meu tornozelo, me fazendo tropeçar e cair com o rosto no degrau frio de mármore. Um gosto metálico encheu minha boca quando o impacto me deixou atordoada.
Desesperada, virei meu corpo, lutando com todas as forças para me livrar do aperto firme que envolvia minhas pernas. Soltei gritos de raiva e gemidos de dor enquanto tentava me libertar. Num ímpeto de desespero, ergui a perna e consegui desferir um único golpe com o salto do meu sapato, acertando o olho de meu pai. Ele recuou, atordoado pela dor que rasgava sua bochecha, me dando tempo suficiente para me levantar e correr.
Agarrando a saia de seda com uma das mãos, corri o mais rápido que pude, mancando de dor, mas sem ousar parar.
Entrei em meu quarto com o peito apertado, o pânico a consumir-me por completo. Tranquei a porta com a maior rapidez que pude, enquanto o desespero me tomava os sentidos. Corri até a cama, onde guardava uma pequena mochila nas sombras, sempre preparada para o que não poderia evitar.
- Abra essa maldita porta, Esme! - ouvi a voz cortante, o som dos punhos batendo contra a madeira com força, reverberando por todo o cômodo.
Tremi, os olhos fixos nas lascas de madeira que se soltavam, caindo ao chão com o peso de cada golpe. Sentia a porta ceder a cada novo impacto. Não demoraria até que ela não fosse mais capaz de resistir. Eu sabia disso.
O pequeno furão, tão assustado pelos sons do estrondo, correu até minhas pernas, arranhando minha pele em busca do consolo de meu toque. Abaixei-me, apertando-o com urgência, e em seguida, corri sem olhar para trás quando a porta cedeu de vez, despedaçando-se com um estrondo.
Os olhos azuis, outrora suaves, agora estavam tomados por um ódio profundo, vermelhos como chamas em um campo devastado. Aquele olhar cortou-me como lâminas gélidas.
Com o coração a martelar em meu peito, empurrei a estante de livros com todas as minhas forças, ouvindo-a cair pesadamente ao chão, os instrumentos de música quebrando em um som de cacos se espalhando. Mas nada disso me importava. Eu precisava escapar.
Corri até a varanda sem hesitar, sem tempo para reconsiderar as memórias que me haviam arrancado da escuridão da minha solidão.
Eu precisava viver. Fugir. Esquecer. Lutar contra a captura e restaurar tudo o que se esvaiu de minhas mãos.
Felizmente, meu quarto não ficava nos andares mais altos, mas, ao saltar, a queda me deixou sem ar, quase fazendo-me perder os sentidos. Mas eu não podia parar. Não podia. Minha vida não terminaria ali. Ergui-me, correndo pelo campo, a mochila pesada nas costas e o furão firme contra meu peito. O corpo fatigado, mas a mente impelindo-me a seguir.
Nenhum guarda da propriedade moveu-se rápido o suficiente para impedir minha fuga. Todos estavam mais aliviados por verem-me escapar.
Soluços abafados rasgavam minha garganta, minha respiração ofegante, como se o peso do mundo repousasse sobre meu peito.
- Por favor... - implorei, minha voz fraca e quebrada, perdida no vazio da noite. - Se ainda cuidas de mim... Me ajuda.
Salve-me, salve-me, salve-me. Era o único pensamento que ecoava em minha mente.
Voltei os olhos para as estrelas, como minha mãe sempre me dizia, e desejei - "Olha para as estrelas e deseja, meu pedaço do sol."
Então, desejei. A luz intensa cegou-me por um instante, o corpo vacilando com o peso que se acumulava sobre meus ombros. Tentei me manter em equilíbrio, mas não consegui. Cai, rolando pela montanha, como uma folha ao vento.
Antes que meu corpo fosse esmagado contra o solo, soltei o furão, que correu para longe de mim, parando ao meu lado quando a queda finalmente cessou.
Tudo ficou escuro, e meus olhos não mais enxergaram nada, salvo pela presença alada que se aproximou de mim, pousando com suavidade ao meu lado.
E então, a escuridão me consumiu, e eu desmaiei.
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Gostaria de convidá-los a ler minha história original que estou publicando aos poucos aqui na plataforma wattpad, significaria muito para mim que a obra O Amuleto de Neva pudesse receber o mesmo amor das minhas outras fanfics. Obrigada !
𝗰ontınuα...
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