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Reino de Lumaria – 1520

Castelo dos Lancaster - Século XVI

A luz da manhã entrava pelas altas janelas do quarto real, banhando as tapeçarias em tons dourados e carmesim, enquanto três criadas rodeavam Agnes Lancaster, princesa de Lumaria. Os dedos das servas trabalhavam habilmente, ajeitando as dobras de um vestido que ela jamais escolheria por conta própria. O tecido de veludo era pesado, sufocante, e a cor, um azul-celeste, contrastava fortemente com sua predileção por tons sombrios.

Agnes, no entanto, mal prestava atenção à agitação ao seu redor. Seus pensamentos estavam distantes, já antecipando o fardo que seria imposto a ela naquele dia. Seu pai, o rei, estava decidido a arranjar um casamento para sua filha rebelde, e, mais uma vez, pretendentes iriam comparecer ao castelo. Todos, inevitavelmente, fugiriam de sua personalidade incansável, mas a pressão do rei era mais intensa a cada nova tentativa fracassada.

— Vossa Alteza deveria estar mais animada — disse uma das criadas, tentando, sem sucesso, esconder seu nervosismo.

Agnes suspirou, os olhos verdes revirando-se discretamente ao ouvir o comentário.

— Não me importo com o que "deveria" sentir — respondeu ela com frieza, sem se importar com a etiqueta que era esperada de uma princesa. — Este vestido é um insulto à minha liberdade. Azul-celeste? Por Deus, seria mais apropriado que me vestissem para um funeral.

A criada engoliu em seco, mas não ousou responder. Em seguida, a porta abriu-se silenciosamente, e Yanna, a criada favorita de Agnes, entrou no quarto com uma escova nas mãos. Ao ver o estado de espírito da princesa, Yanna suspirou suavemente, sabendo que outra tempestade emocional estava a caminho.

— Acalme-se, Vossa Alteza — murmurou Yanna, começando a escovar os longos cabelos negros de Agnes com delicadeza. — Sei o motivo de sua frustração, mas seu pai só deseja o melhor para vós.

— O melhor? — Agnes virou-se ligeiramente, lançando a Yanna um olhar impaciente pelo espelho. — O "melhor" seria deixar-me viver minha vida sem a constante ameaça de um marido. Mas parece que, para o rei, um contrato matrimonial vale mais que o bem-estar de sua filha.

Yanna sorriu levemente, mantendo o tom respeitoso, mas havia cumplicidade em sua expressão.

— Podeis recusar quantos pretendentes desejardes, mas Vossa Majestade, o rei, não desistirá. Ele acredita que um casamento fortalecerá o reino. E, se me permitis falar livremente... — Yanna hesitou, mas prosseguiu ao ver o incentivo silencioso de Agnes — ... não podeis recusar para sempre.

Agnes bufou, cruzando os braços sob o tecido pesado do vestido.

— Pois eu recuso-me a ser vendida como um mero trunfo político. Se quisesse um marido, já o teria escolhido — respondeu, sua voz carregada de amargura. — Mas estes homens... Todos me tratam como um troféu, uma conquista que servirá apenas para encher-lhes os cofres ou suas camas. Não, Yanna, eu não serei domada como uma égua de sangue nobre.

Agnes definitivamente não era uma mulher comum, sua determinação em irritar seu pai era invejável a qualquer um, mas a jovem não ligava para as fofocas que faziam sobre sua "etiqueta" ou como se vestia.

Agnes levantou-se abruptamente, girando em direção ao espelho enquanto Yanna fazia um último ajuste no vestido. A princesa cruzou os braços, o rosto endurecido pela frustração que latejava dentro de si. Ela então lançou um olhar cúmplice à sua criada e melhor amiga.

— Jamais me casarei, Yanna — declarou Agnes com uma firmeza quase desafiadora. — Não sou uma ovelha a ser levada ao altar para selar alianças políticas. Serei livre, nem que precise lutar contra cada imposição desta corte. Meu pai pode tentar me domar, mas... bem, será mais um fiasco como os anteriores.

Yanna, sempre discreta e cuidadosa, não pôde evitar uma risada contida ao ver o brilho de travessura no olhar da princesa.

— Sabes que ele não desistirá, minha princesa. Vossa Alteza tem o espírito de uma guerreira, mas o rei... ele tem a persistência de um monarca.

Agnes sorriu largamente, um sorriso que raramente demonstrava na corte. Havia uma faísca de pura diversão por trás do desdém.

— Bem, deixemos que ele tente, então. Mais uma tentativa patética de me aprisionar em seus planos medíocres. E enquanto isso... farei o que faço de melhor: escapar.

Antes que Yanna pudesse responder, Agnes moveu-se com rapidez, os passos silenciosos e ágeis como se estivesse prestes a cometer uma travessura. Ela jogou os cabelos negros sobre os ombros, seu coração batendo acelerado com a antecipação de sua pequena fuga. Já estava acostumada a escapar das obrigações, mas algo na situação de hoje parecia ainda mais... libertador.

Ao chegar ao grande corredor que levava ao saguão principal, seus olhos fixaram-se nas escadarias de mármore que desciam elegantemente até o andar inferior, onde os nobres já começavam a chegar para mais uma cerimônia inútil. O vestido pesado impedia seus movimentos com elegância, mas ela sorriu, ignorando por completo o traje. Agnes nunca fora de seguir as regras, muito menos as de etiqueta.

Sem hesitar, ela agarrou o corrimão de madeira polida e, com a graça de uma criança travessa, lançou-se sobre ele. Deslizou pelo corrimão como se fosse a coisa mais natural do mundo, o vestido volumoso balançando descontroladamente ao seu redor. O vento batia em seu rosto, seus cabelos soltos esvoaçando, e por um instante, ela sentiu o sabor de liberdade que tanto ansiava.

Quando chegou ao fim do corrimão, ainda sorrindo pelo ato imprudente, Agnes pousou os pés no chão com um salto. No entanto, antes que pudesse se recompor, deparou-se com uma visão que imediatamente apagou seu sorriso: seu pai, o rei Alexander Lancaster, a encarava, braços cruzados, a expressão severa e rígida como pedra.

O salão, que momentos antes estivera em movimento com a chegada de nobres e servos, agora parecia ter congelado no tempo. Todos ao redor pararam, observando a cena com o fôlego preso, esperando o desfecho do confronto entre pai e filha.

— Agnes. — A voz de Alexander ecoou com firmeza, um trovão controlado. — O que, em nome de todos os deuses, pensas que estás fazendo?

Agnes endireitou-se, os olhos verdes brilhando de desafio. Seu rosto, contudo, mostrava um sorriso travesso, sem a menor sombra de arrependimento.

— Apenas... me divertindo um pouco, Vossa Majestade — respondeu ela, inclinando a cabeça com uma falsa reverência. — Algo que, aparentemente, é escasso neste castelo ultimamente.

O rei a olhou fixamente por um momento, e o silêncio entre eles era quase palpável. Agnes sabia que tinha cruzado uma linha perigosa, mas, ao mesmo tempo, ela não podia ignorar a verdade em suas palavras. Ela não seria uma peça no jogo de seu pai. Jamais.

— Este será o último aviso, Agnes — disse Alexander, a voz mais baixa, mas com uma intensidade que cortava o ar. — Vossa liberdade tem limites. E tu, como princesa, tens responsabilidades. Vossa mãe não está mais aqui para te proteger das consequências de teus atos.

Agnes sentiu uma pontada ao ouvir a menção de sua mãe falecida, mas manteve-se firme, sua expressão inabalável.

— Responsabilidades? — respondeu ela, com uma risada suave, quase amarga. — O que significa ser princesa, se não uma prisão com joias e vestidos. Mas se queres me prender, vais ter que tentar mais, pai. — Ela se inclinou ligeiramente, o sorriso irônico reaparecendo em seus lábios. — Vais descobrir que eu sou um pássaro difícil de capturar.

Antes que a tensão entre Agnes e o rei pudesse explodir em um embate verbal, uma terceira presença fez-se notar no salão. Hilda Girard, a madrasta que Agnes desprezava, deslizou suavemente pelo salão, os passos graciosos e calculados. Seu vestido adornado com rendas e joias cintilava à luz das tochas, e seu sorriso era tão falso quanto os elogios que ela costumava distribuir pela corte.

— Meu querido marido — disse Hilda, aproximando-se de Alexander e plantando um beijo suave em sua bochecha, seu gesto repleto de uma intimidade que fazia Agnes revirar os olhos. — Espero que tudo esteja indo bem. Os lordes estão ansiosos para conhecer a bela princesa.

Agnes, que já se sentia desconfortável ao redor de seu pai, ficou ainda mais rígida ao ver a madrasta se colocar ao lado dele. Hilda sempre trazia uma aura de fingimento, uma doçura excessiva que camuflava suas verdadeiras intenções. Agnes sabia muito bem que Hilda tinha seus próprios planos, planos que certamente não incluíam seu bem-estar.

— Princesa Agnes — disse Hilda com sua voz melosa, virando-se para a jovem. — Como estás encantadora esta manhã! Mal posso esperar para ver como tu deslumbrarás nossos convidados. Tua graça e beleza certamente os cativarão.

Agnes estreitou os olhos, mal escondendo a aversão que sentia. A maneira como Hilda falava era sempre uma peça de teatro, como se estivesse representando o papel de uma madrasta amorosa e dedicada, enquanto, no fundo, ela tramava para que sua própria filha, Cordelia, assumisse o lugar de Agnes. Felizmente, Cordelia não estava presente. Duas cobras no mesmo espaço eram demais para a paciência de qualquer um, até mesmo para a ousada princesa.

— Oh, sim, como não poderia? — Agnes respondeu, com um sorriso irônico nos lábios. — Estou certa de que meus pretendentes ficarão... muito impressionados com minha disposição esta manhã. — A ironia em sua voz era impossível de ignorar, e Hilda percebeu, embora continuasse com sua máscara inabalável de doçura.

O rei Alexander, ainda impaciente, olhou de Hilda para Agnes, a tensão entre ele e a filha evidente. Mas a presença de sua esposa suavizou um pouco sua postura. Hilda tinha o dom de apaziguar o rei quando necessário, mas Agnes sabia que aquilo era mais uma de suas manobras calculadas.

— Agnes, querida — continuou Hilda, fingindo preocupação —, sabes que teu pai apenas deseja o melhor para ti. Os lordes presentes hoje vêm de famílias influentes. Qualquer um deles seria uma excelente escolha. — Ela lançou um olhar rápido a Alexander antes de completar com uma voz ainda mais gentil: — Seria uma grande alegria para todos nós se pudesses... reconsiderar tua postura.

Agnes manteve o sorriso, mas sua paciência estava se esgotando. Seu olhar fixou-se nos de Hilda, desafiador, enquanto falava com uma calma ensaiada.

— Agradeço a tua preocupação, minha senhora. — Agnes enfatizou, a "minha senhora", com um toque de sarcasmo. — Mas, como bem sabes, não sou do tipo que se submete facilmente. — Ela olhou de relance para o pai, ainda mantendo o sorriso irônico. — Talvez, ao invés de lordes, precisem de um encantador de serpentes. Parece mais adequado para a ocasião.

Hilda manteve o sorriso, mas havia uma faísca de irritação oculta em seus olhos. A princesa tinha habilidade em disfarçar seu desdém com palavras doces, algo que Hilda ainda não conseguira controlar completamente.

— Agnes! — Alexander disse, exasperado, sua paciência claramente no limite.

Antes que ele pudesse dar sequência a sua repreensão, Agnes fez uma breve reverência, sua expressão agora tão impecável quanto a de uma perfeita dama da corte.

— Com vossa licença, Majestades. — Ela se levantou e encarou o pai e a madrasta. — Vou... providenciar minha entrada triunfal para esses pretendentes. Não podemos deixar que eles se sintam desprezados, afinal.

Sem olhar para trás, ela seguiu em direção à ala menos vigiada do castelo, sua mente já fervilhando com o próximo passo de sua escapada.

Agnes vestiu sua capa de veludo, puxando o capuz sobre os cabelos negros antes de sair pela cozinha do castelo. O aroma de especiarias e carne assada permeava o ar, mas ela mal prestava atenção enquanto atravessava o espaço que, ao longo dos anos, se tornara seu atalho favorito para fugir das formalidades sufocantes. Ninguém ousava dizer nada. Todos conheciam sua fama — pavio curto e um tanto áspera ao lidar com os outros. Porém, Agnes não era tirana como seu pai, o rei Alexander, apenas... impaciente. E, por vezes, um tanto rústica.

Assim que deixou os portões do castelo para trás, sentiu o frescor da brisa tocar seu rosto, trazendo-lhe a liberdade que tanto ansiava. O coração da cidade de Lumaria pulsava logo à frente, com suas ruas sinuosas, aromas de pães frescos e as delícias que faziam os sentidos de Agnes vibrarem de prazer. Nada no castelo, com toda a sua pompa e cerimônia, se comparava à vida vibrante das ruas. No castelo, tudo era regrado, monótono. Aqui, a vida acontecia de forma imprevisível, exatamente como ela gostava.

Ela se embrenhou pelas vielas de Lumaria, mantendo-se longe dos olhares atentos dos guardas que rondavam a cidade, sempre vigilantes. Movia-se com habilidade, evitando os pontos mais movimentados, mas ainda assim sentia a energia vibrante do mercado próximo — o cheiro inebriante dos pães fresquinhos, as frutas exóticas, as vozes que ecoavam pela praça central. Era essa vida que Agnes amava, aquela que lhe era negada por sua posição.

No entanto, sua tranquilidade logo foi interrompida. De repente, ela ouviu gritos e, ao virar a esquina de uma das vielas mais estreitas, a cena inusitada se desdobrou diante de seus olhos.

Um homem quase desnudo corria em sua direção, carregando parte das roupas debaixo do braço, um sorriso largo e despreocupado estampado no rosto. Atrás dele, outro homem, enraivecido, o perseguia, berrando ameaças:

— Desgraçado! Eu vou te matar! Covarde!

E, para completar a cena, uma mulher enrolada em um lençol apareceu na janela, seus olhos arregalados em aflição, observando o caos se desdobrar.

Agnes observou, surpresa a princípio, mas logo um sorriso sarcástico se formou em seus lábios. Não demorou muito para que reconhecesse o homem seminu com o sorriso despreocupado. Era ninguém menos que Ryder Beaufort, o infame duque devasso de quem tantas histórias circulavam. Ele vivia para correr riscos e se envolver com mulheres casadas — principalmente viúvas, o que o fazia ter uma certa fama, boa e ruim é claro.

Ryder, sempre o mestre das fugas improváveis, parecia despreocupado enquanto escapava da fúria do homem traído. Ele corria com uma agilidade notável, mal se importando com os gritos ou com a cena escandalosa que estava causando.

Agnes cruzou os braços, apoiando-se em uma parede próxima, escondida pelas sombras. Não era a primeira vez que presenciava um dos "feitos" do duque, mas certamente essa era uma das cenas mais ridículas que já testemunhara. Havia algo de fascinante na forma como ele parecia se divertir com o perigo, como se o escândalo fosse apenas mais um dia comum para ele. Algo que jamais poderia ser feito por ela.

Agnes suspirou, revirando os olhos com a cena patética que se desenrolava à sua frente. Ryder, sempre tão previsível. Sem perder tempo, ela discretamente colocou o pé à frente no momento exato em que o homem traído passava correndo, ainda furioso e sem fôlego, a raiva cegando sua percepção. O resultado foi inevitável — ele tropeçou desajeitadamente, caindo ao chão como um saco de batatas, murmurando impropérios enquanto tentava recuperar o fôlego.

Agnes, fingindo a maior inocência, deixou escapar um suspiro exagerado e se aproximou, estendendo a mão como se fosse uma alma caridosa.

— Meu senhor, que infortúnio! — disse ela, com uma voz doce e melódica que contrastava com seu verdadeiro humor. — Deixe-me ajudá-lo a levantar.

O homem, ainda enfurecido e agora coberto de poeira, aceitou a mão da jovem princesa, sem perceber que ela fora a responsável por sua queda. Com grande esforço, levantou-se, murmurando com ódio sobre como queria estrangular Ryder.

— Aquele desgraçado... eu vou... vou matá-lo! — ele vociferou, ajustando suas roupas com raiva.

Agnes manteve seu semblante sereno, sem deixar transparecer o sarcasmo que fervilhava dentro dela.

— Ora, meu bom senhor — começou ela, com um olhar simpático. — Não seria mais sensato ajustar-se com sua esposa? Afinal, o cavalheiro que o enfureceu apenas aproveitou de uma situação que, infelizmente, já estava destinada a ocorrer.

O homem parou, ainda respirando com dificuldade, mas as palavras de Agnes começaram a penetrar sua mente perturbada. Ele piscou, confuso, antes de finalmente perceber o quão ridículo estava sendo ao correr atrás de Ryder e não confrontar sua própria esposa.

— Se me permite — continuou Agnes, com um sorriso discreto —, talvez o melhor seria discutir isso com sua esposa, não com o homem que... bem, "forneceu-lhe" tal embaraço.

Relutante e claramente envergonhado, o homem assentiu, embora ainda resmungasse algo entre dentes. Ele lançou um último olhar de ódio ao beco de onde Ryder havia desaparecido e, com os ombros tensos, marchou de volta para sua casa, presumivelmente para resolver seus problemas conjugais.

Assim que o traído virou a esquina e sumiu de vista, Agnes cruzou os braços e olhou para o beco escuro ao lado.

— Pode sair agora, Beaufort. — Sua voz era fria, mas havia uma leve diversão em seu tom.

Após um breve momento de silêncio, Ryder emergiu das sombras, ajeitando as roupas que havia conseguido recolher às pressas. Ele sorriu, aquele sorriso despreocupado que parecia dizer que o mundo era apenas uma grande piada.

— A princesa salvando-me de novo? Estou começando a pensar que aprecia essas minhas escapadas, Lancaster — provocou ele, ainda tentando ajeitar suas calças.

Agnes arqueou uma sobrancelha, sem humor para as provocações.

— Não se engane, Ryder. Fiz isso porque a cena já estava me entediando. Além disso, vê-lo sendo espancado não teria sido tão divertido quanto sua fuga patética.

Ryder deu uma risada baixa, passando a mão pelos cabelos bagunçados.

— Sempre um prazer, princesa — disse ele, com um tom de charme despreocupado. — Suponho que devo agradecê-la.

— Suponho que deva parar de se meter em confusões — retrucou Agnes com um leve sorriso irônico. — Mas quem estou tentando enganar? Você nunca vai aprender.

Ryder inclinou-se ligeiramente, como se estivesse prestes a fazer uma reverência exagerada.

— Ah, mas onde estaria a diversão, querida Agnes, se eu deixasse de ser eu mesmo?

Ryder Beaufort, com sua estatura imponente, cabelos castanhos ondulados e olhos cor de mel que sempre pareciam brilhar com um toque de malícia, tinha o tipo de beleza que fazia muitas cabeças virarem — e sabia disso. Seu sorriso branco e carismático era o complemento perfeito para seu jeito despreocupado de viver, sempre buscando diversão fora dos padrões convencionais. Ele e Agnes se conheciam desde crianças, pois o falecido pai de Ryder, o duque Osvald Beaufort, fora um grande amigo do rei Alexander Lancaster, o que garantiu a Ryder um lugar permanente na corte. Mas agora, com o pai falecido, Ryder era uma constante dor de cabeça para seu tio Heróclito, que se desesperava com o comportamento libertino do sobrinho, preocupado em manter o nome dos Beaufort intacto — uma tarefa quase impossível.

Ryder adorava provocar Agnes, o que geralmente terminava em um dos dois cenários: ele recebia uma surra ou era xingado pela princesa. Mas naquele dia, algo parecia diferente. Ele estava verdadeiramente surpreso ao vê-la perambulando pela cidade, sem escolta alguma — algo que jamais aconteceria em circunstâncias normais. Agnes não era uma dama comum, mas até mesmo ela tinha suas limitações impostas pela corte. Era incomum, para dizer o mínimo.

— Bem, bem... O que temos aqui? — Ryder arqueou uma sobrancelha, ajustando o restante das roupas, com aquele sorriso de sempre brincando nos lábios. — A princesa Lancaster em sua grande fuga... Sem escolta, sem guardas, apenas passeando pela cidade como uma plebeia? Diga-me, Agnes, o que o bom rei diria disso?

Agnes lançou um olhar afiado para ele, sem parar de caminhar. Ryder, claro, era uma irritação constante em sua vida, mas de algum jeito ele sempre conseguia trazer um leve sorriso à tona — ainda que de puro desgosto.

— O que ele diria é irrelevante, Beaufort. — Agnes continuou a andar sem olhar para trás, seu tom carregado de sarcasmo. — E você, com suas "escapadas" infames, não está exatamente em posição de me julgar, ou está?

Ryder riu alto, ajeitando a camisa enquanto a seguia. Ele sabia que seu estilo de vida era tudo, menos exemplar, mas para ele, a vida era para ser vivida com intensidade — e com um toque de caos.

— Ah, minha querida, mas eu não estou julgando. Na verdade, estou impressionado. A rebelde princesa fora dos muros do castelo, sem nenhuma armadura de formalidade? Parece que há mais de você que seus pretendentes jamais descobrirão. Que desperdício! — provocou ele, enquanto seus olhos escanearam a capa de veludo que ela usava.

Agnes parou abruptamente, virou-se e, sem aviso, pisou com força no pé de Ryder. O duque soltou um gemido de dor, saltando para trás.

— Ai! Por que sempre essa violência? — ele resmungou, enquanto se equilibrava.

— Porque você merece — respondeu Agnes, com um sorriso frio. — E não estou nem um pouco interessada no que você pensa de mim. Agora, se me der licença, tenho planos que não envolvem um certo devasso falido.

Ryder riu, mesmo enquanto esfregava o pé dolorido. Ela sempre tinha esse efeito sobre ele — tornava a dor quase divertida.

— Eu deveria ficar ofendido... mas de alguma forma, aprecio sua companhia, mesmo quando ela envolve meus pés sendo esmagados. — Ele deu um passo à frente, ajeitando o colarinho da camisa com um movimento gracioso. — O que será que você está aprontando pela cidade, princesa? Não vai me dizer que veio apenas para ver o mercado de pães frescos?

Agnes lançou-lhe um olhar severo.

— Não é da sua conta, Ryder. Mas sinta-se à vontade para me seguir... se conseguir acompanhar.

Antes que ele pudesse responder, ela se afastou rapidamente, misturando-se à multidão, movendo-se com a agilidade e confiança de quem conhecia bem as ruas da cidade. Ryder, com o típico sorriso travesso ainda nos lábios, terminou de se arrumar e, como esperado, não resistiu à tentação de segui-la.

— Bem, parece que meu dia acaba de ficar interessante — murmurou para si mesmo enquanto a seguia, intrigado para descobrir qual seria a próxima aventura que a princesa Lancaster traria para ele.

No entanto, enquanto Agnes e Ryder seguiam seu caminho pelas agitadas ruas de Lumaria, alguém os observava das sombras. Oculto nas vielas estreitas e escuras da cidade, um par de olhos atentos seguia cada movimento dos dois, sem ser notado. O observador, envolto em uma capa simples e discreta, se misturava à multidão, tão imperceptível quanto o vento que soprava pelas ruas de paralelepípedos.

Essa figura misteriosa não estava ali por acaso. Os passos de Agnes e Ryder eram acompanhados com uma precisão inquietante, como se cada ação dos dois estivesse sendo cuidadosamente analisada. O observador parecia planejar algo grande — algo que envolvia a princesa e o duque.

Por um breve momento, a sombra se deteve, estudando a interação entre Agnes e Ryder com mais interesse do que curiosidade. Havia algo mais em jogo, algo que ia além dos flertes provocativos e das escapadas atrevidas.

Mas, assim como apareceu, a figura desapareceu nas vielas tortuosas de Lumaria, deslizando silenciosamente pelas esquinas sombrias, determinada a conseguir o que quer que fosse. Um plano estava em movimento, e Agnes e Ryder mal sabiam que eram peças fundamentais nesse jogo perigoso que se desenrolava nas sombras da grande cidade.

Enquanto o dia continuava, a brisa suave de Lumaria carregava consigo mais do que o cheiro dos pães frescos e especiarias... Carregava o sussurro de algo sombrio que estava prestes a começar.

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