Parte 1 - Um Clichê Bem Intencionado

Chapter ½
2000 words

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O cameraman ajustou o ângulo da filmadora, fazendo com que o vídeo ficasse bem enquadrado. Segurei alguns papeis, aonde havia escrito alguns assuntos-chave para o material ficar do jeito que precisávamos.

     Suspirei fundo ao ver a claquete batendo, em frente ao senhor que iria ser entrevistado por mim.

     – Cevert; A life in all speed ahead. Cortes com Sir Jackie Stewart, tomada 1.

     O homem ajeitou sua boina xadrez, se concentrando no que iria falar. François Cevert era um de seu melhores amigos, e ainda doía lembrar sua perda mais de 50 anos depois.

     Conversar sobre meu ex-namorado ainda me fazia sentir um sentimento agridoce, algo entre sofrimento e a ternura da gratidão que sentia por todo o tempo que havíamos passado juntos.

     Eu ainda o amava... amava lembrá-lo em sua mais pura essência, de me recordar de seus trejeitos e manias. De quando eu passava a mão por seus cabelos levemente cacheados ou encarava seus maravilhosos olhos azuis, que eram de um tom tão intenso quanto a sua personalidade e presença.

     Aquela ferida, de tantos e tantos anos atrás, ainda estava lá, mas já cicatrizada. Mesmo assim, quando eu a tocava, via o quanto havia sofrido e a vontade de chorar logo aparecia... mas não eram lágrimas de uma tristeza inconsolável.

     Quando sentia vontade de chorar por François, eu sorria. Pensava no quanto aquele rapaz me tocava e ficava grata por ele ainda significar muito para mim depois de tantos anos sem ele ao meu lado.

     – Presumo que já podemos começar, não? – Jackie disse, soltando uma risadinha no fim.

     Dei um joínha, assentindo.

     – Finja que não estou aqui.

     – Relaxe, eu já sou especialista em gravar documentários... principalmente os dirigidos por você.

     Abri um sorriso.

     – Okey, tópico 1: “Como o conheceu?”

     Enquanto escutava a resposta bem humorada do piloto aposentado, mergulhei em minhas próprias memórias.

     O ano era 1970. Eu estava em Clemond Ferrant apenas por diversão. Não queria ver o GP da França por causa dos pilotos ou pela emoção das corridas, mas sim apenas para conhecer um lugar diferente. Ter uma aventura, diga-se de passagem.

     Meu irmão havia acabado de me alfinetar horrores depois daquele grande prêmio. O motivo? Eu teimava quando o assunto da vez era os rapazes a mim ofertados, pois não queria me casar por conveniência. Era o que meus pais desejavam, mas...

     Minha vontade não era a de aprender a amar alguém aos poucos, mas sim sentir uma chama se acender em meu coração toda vez que visse meu amado.

     Bem, se ele queria que eu me sentisse mal, havia conseguido. E, vendo que eu não suportaria olhar em seu rosto tão cedo, decidi dar uma fugidinha após a corrida.

     Como uma garota independente, saí pelo saguão do hotel, desconfiando de tudo e todos, antes de finalmente sentir a liberdade bater em meu rosto, na forma de uma brisa suave e gelada.

     Enquanto andava pelas ruas daquele lugar, vi um movimento animado em um bar. Alguns cantavam em inglês, outros em francês, e até mesmo um em alemão. Logo fiquei curiosa para saber o que estava acontecendo.

     Quando entrei no estabelecimento, a sineta da porta logo sinalizou minha presença de um jeito escandaloso. Apesar disso, as pessoas continuavam entoando suas músicas desajeitadas à todo volume, como se eu não estivesse ali.

     Naquele momento, vários rapazes comemoravam, com a maior animação do mundo. Entre aqueles que estavam em um dos cantos do bar, um homem virava uma caneca de cerveja como se não houvesse amanhã. Seu nariz achatado e o andado levemente manco eram inconfundíveis, indicando que tal sujeito havia sido o campeão daquela corrida.

     Jochen Rindt.

     – No que posso ajudar? – Falou, dando um sorrisinho de lado. – Fo... autógrafo, auto... quer uma fotografia?

     O austríaco estava para lá de Bagdá, com certeza. Mesmo assim, era até que respeitoso, coisa que me surpreendeu bastante quando soube de seu histórico como um Bad Boy indomável.

     Parar para pensar que ele morreria 2 meses depois daquele dia me entristece até hoje.

     Peguei sua assinatura em um guardanapo, junto com a de mais alguns pilotos. Porém, quando chegou a vez do quinto...

     – Uma belezinha como você não deveria estar na rua à essa hora, não acha? – Se aproximou, me deixando desconfortável. – Mas, se quiser, posso te levar para casa amanhã, bem cedinho.

     – Sinto dizer que não compartilhamos da mesma opinião, senhor. Obrigada pelo convite, mas posso me virar sozinha.

     Seu semblante ficou confuso, me encarando com raiva e decepção pouquíssimos milésimos de segundo depois.

     – Ah? E quem acha que é, garota!? Ninguém nunca me deu um fora.

     – Ótimo – Gesticulei, já pensando em uma rota para escapar dali. –, mas sugiro que tente com outra moça.

     Antes que ele sequer tivesse a chance de reagir, um homem pegou em seu ombro.

     – Relaxe – Falou, em um tom manso. – Se ela não te quer, há mil que o desejam.

     O piloto mal encarado o fitou, logo cedendo e nos dando as costas para se juntar aos demais.

     – Me perdoe por ele, senhorita – Me cumprimentou, levando sua mão à boina. – Ás vezes, as pessoas esquecem que não são donas de tudo.

     Encantada com a atitude cortês dele, abri um sorriso.

     – Pois é. Infelizmente, vim parar aqui logo por causa disso.

     – Espero que consiga resolver sua situação, senhorita. De verdade – Deu um aceno com a cabeça.

     Vendo que ele iria embora, falei, numa tentativa esfarrapada de puxar algum papo:

     – Meu nome é Madeleine, mas ainda não sei o do cavalheiro.

     – Jackie – Se voltou para mim. –, mas saiba bem que sou casado.

     Dei de ombros.

     – Para mim, não é problema. Homens não servem apenas para nos apaixonarmos. Se fosse o caso, eu com certeza já teria tido um caso com o meu professor de violino. E nossa, ele é a cara do James Dean.

     O escocês soltou uma breve gargalhada, antes de ficar um pouco sério.

     – Bem, talvez você esteja certa. Mas olhe, é uma boa conversa que está à procura, não?

     – Eu saí hoje para espairecer, então sim. Estou em busca de um bom papo, novas amizades ou, pelo menos, diversão com responsabilidade.

     Ele olhou para o lado, me indicando algo com a cabeça.

     – Está vendo aquele garoto, o que está vestindo um casaco vinho? Ou berinjela, sei lá. Uma cor meio roxa.

    Olhei para o elemento em questão. Ele estava de costas, seus cabelos negros e longos se misturando um pouco com a tonalidade misteriosa de seu suéter. Me parecia um tanto quanto monótono, mas havia algo me puxando para perto dele, e eu sabia bem o que era:

    Curiosidade.

     – Meu amigo está meio triste depois da corrida de hoje. Todos os franceses torcendo e, no fim, ficou em 11°. Talvez vocês dois estejam precisando da mesma coisa. A diferença é que você está procurando por isso, já este mocinho aí...

     Pensei duas vezes e, mesmo assim, agradeci Jackie e fui em direção ao rapaz. Com delicadeza, puxei o banco ao seu lado e me sentei, usando meus dotes nada sofisticados como atriz para pedir o que deveria ser um drink totalmente descompromissado.

     Quando ele se voltou para mim, senti faíscas fortes me percorrerem violentamente por todo o meu corpo. Aqueles olhos azuis intensos me fitaram com uma sutileza anormal, um quê de sarcasmo brilhando neles. Porém, consegui sentir uma aura diferenciada ao redor de seu ser, apesar dele ter desviado sua atenção para o barista ao me notar.

     – Se procura alguém para pagar sua bebida, veja isso com o Chris Amon – Falou, mas sem soar muito grosso. Parecia apenas me defender de falsas expectativas.

     – E se eu quiser bancar a minha e a de mais alguém? O que faço?

     O moço fitou o balcão, escondendo um sorrisinho.

     – Bom, aí não posso dizer – Deu uma balançada em seu copo de whisky, logo tomando um gole.

     Se formou um silêncio sufocante entre nós dois, mas resolvi tomar coragem.

     – Meu nome é...

     – Madeleine – Gesticulou com uma mão. – Vocês dois conversaram alto demais.

     Me senti corar, percebendo que havia perdido uma boa parte do controle da situação.

     – Eu...

     Ele me encarou, com um sorriso travesso no rosto. Em seguida, ofereceu um aperto de mãos amistoso.

     – Sou Albert, porém todos me chamam de François.

     – Me perdoe a pergunta, mas tem algum motivo para isso? Se apresentou de um jeito, no mínimo, interessante.

     O moço pôs os cotovelos no balcão e olhou para cima, ponderando. Quando menos estava esperando uma resposta, ele se aproximou, sussurrando:

     – Albert François Cevert Goldenberg. É muito judeu, não acha?

     O fitei, perplexa.

     – Você é...

     – Não, mas meu pai era – Explicou. – Como nasci numa Paris ainda ocupada pelos nazistas, tive de usar o sobrenome da minha mãe para não ser pego por eles.

     O bartender pôs um drink no balcão, o mesmo fazendo um leve ruído ao tocar a madeira. Quase não consegui agradece-lo de tão imersa que estava no assunto.

     – Tem algum problema com isso, mademoiselle? – François levantou as sobrancelhas, irônico.

     – Nenhum. Realmente, não me importo... bem, a menos se tiver alguma história interessante desses tempos de guerra. Aí sim, adoraria escutá-la.

     O rapaz riu, de forma adorável.

     – Eu era um bebé na época, então só fiquei sabendo as coisas pelo boca-a-boca de minha família. E, mesmo assim, de interessante aqui só há você.

     Conversamos durante bastante tempo, mais ou menos até Jochen Rindt apagar por conta do álcool. François me levou de volta para o meu hotel, insistindo para que eu usasse seu sobretudo por causa do vento frio da madrugada. Ainda no bar, percebi que sentia algo por ele... e isso era algo mais que óbvio para mim.

     O que mais me preocupava era se nos veríamos novamente. Não sabia se aquele moço havia processado os acontecimentos daquela noite da mesma forma que eu.

     – Meu irmão vai me matar – Dei uma gargalhada. – Mas, quer saber? Eu me viro.

     – Quer que eu te leve até o quarto? Te dar uma cobertura?

     – Não acho que seja necessário – Cortei o contato visual, envergonhada.

     Ele olhou para os lados, o semblante levemente chateado marcando presença. Cevert era dono de uma beleza rústica, seu rosto quadrado e olhos profundos soando bem marcantes. Um moço encantador, para se dizer o mínimo.

     – Se assim diz, tudo bem.

     Decidi perguntar a coisa que mais cutucava minha garganta naquelas últimas horas. Poderia ser uma manobra arriscada ou não... e seu nível de periculosidade só ia depender da reação dele.

     – Quando você vai embora, François?

     – Eu planejava ir amanhã, mas isso depende de outros fatores agora.

     Senti um frio na barriga, junto da sensação de um potrinho estar brincando em meu estômago. Não eram borboletas, mas sim um cavalo puro-sangue bem agitado mesmo.

     – Também acho que irei ficar mais, provavelmente pelo mesmo motivo.

     Ele soltou uma gargalhada.

     – Entendi agora – Sorriu. – Bom saber, de verdade. Mas bem... quando poderei te ver de novo?

     Abri um sorriso enorme, sentindo uma ternura sem tamanho fluir por mim.

     – Amanhã, que tal?

     – Perfeito – Cruzou os braços, se aquecendo. – E o lugar?

     – Vai mesmo me deixar escolher o ponto de encontro?

     – Não sendo em um botequinho de esquina como foi hoje, tudo bem. O que acha de irmos a um parque?

     Olhei para o chão, me sentindo corar. Aquilo tudo não parecia real de tão certo que estava dando.

     – Gosto muito da natureza, devo admitir – Ri. – Às duas da tarde?

     – Claro – Assentiu, bem humorado. – Já estou ansioso.

     Quando nos despedimos, demos um beijo nas bochechas um do outro, como é tradição na França. Porém, antes que eu sequer pensasse em dizer “tchau”, ele decidiu agir.

     – Posso te confessar uma coisa? – Falou, num tom misto de provocação e ternura.

     – E o que seria?

     – Talvez, apenas talvez, eu esteja com vontade de extrapolar um pouco o nível aceitável de clichês. Você me permitiria... Maddie?

     Quis rir.

     – E o que tem em mente?

     – Um beijo de boa noite, o que acha?

     Nem consegui acreditar que havia escutado tais palavras. Concordei de imediato, logo diminuindo a distância entre nós dois de forma considerável.

     François se aproximou, devagar. Quando nossos lábios enfim se tocaram, senti que aquilo seria diferente de tudo o que havia vivido em minha vida.

     E eu tinha razão. Ele era mesmo um rapaz mais que especial.

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Fran e as florzinhas ❤️
(Homens são criaturas simples às vezes, como é visível KKKKKK. Até o Jean-Pierre Jarier achou graça)

Parte 1/3 no ar e bem... é. Já sacaram um pouco da premissa. É aquele tipo de livro que você sabe que vai ser trágico e, mesmo assim, fica triste ao ler. Porém, eu tentei dar uma arrematada no final, mas não prometo nada.

Não há muito o que dizer aqui, então espero que tenham curtido esse comecinho :)

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