Capítulo Extra - Tempo Perdido
Extra Chapter
1500 words
(Obs.: Se veio aqui à procura da mesma angústia de antes, não considere esta parte, apenas as duas primeiras)
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“Incrível, simplesmente um espetáculo”, “Um documentário emotivo que humaniza a imagem de um grande homem”, “Com uma pegada intimista, a diretora consegue sintetizar a persona de Cevert com maestria e sensibilidade”.
Aquelas críticas haviam sido feitas por Jody Scheckter, Jean-Pierre Jarier e Martin Scorsese, respectivamente. Quando as escutei, logo após a pré-estreia no Festival de Cinema de Cannes, olhei para o céu e agradeci muito a Deus.
– Realmente, mãe – Catherine, minha filha mais velha, me abraçou. –, ficou perfeito. Sério, o Martin aplaudiu de pé durante tipo... uns cinco minutos?
Antonella, a do meio, logo disputou por minha atenção.
– Estou sem palavras. Isso foi fora do sério. Eu amei!
– Obrigada, minhas lindas – Beijei ambas.
– Nosso pai com certeza ficaria com ciúmes – Catt brincou. –, mesmo vocês estando separados há mais de 20 anos... principalmente depois que visse esse seu colar. François realmente sabia qual era o seu gosto.
Soltei uma gargalhada.
– Quando o Etienne ler sobre isso no jornal, vai olhar bem na cara da nova esposa e dizer: “Ops, ela fez de novo”.
Senti alguém me agarrar por trás e tomei um leve susto.
– Francis! – Eu ri. – Esqueceu que tenho problema de coração?
– Me perdoe – Meu filho caçula disse. – Ainda estou me acostumando com isso.
– É perceptível – Antonella debochou, de forma bem humorada.
Em minha primeira gestação, expressei meu desejo de batizar meu filho em homenagem à François. Bem, acabei tendo uma garota, e em seguida, outra. Elas foram bem planejadas, mas quando menos estava esperando, descobri que havia engravidado mais uma vez.
No momento em que a obstetra falou “É um menino!”, soube imediatamente o que fazer.
– Mas, sério... – Ele disse, gesticulando. – essa com certeza é a sua magnus opus, mãe. A gente se emocionou do começo ao fim, e o único filme que me tocou dessa forma foi “Em Busca da Felicidade” e Spirit, o do cavalinho. Sabe a magnitude disso?
– Fico feliz, meu bem – Lhe dei um beijo na bochecha. – O último trabalho tinha de ser especial.
No momento em que dei uma olhadinha ao redor, vi Jackie, andando em minha direção. Sorrindo, fui de encontro com ele.
Conversamos enquanto dávamos voltas e mais voltas pelo festival. Tivemos um papo muito reconfortante, falando sobre o passado, o presente e, talvez, o futuro.
Eu já tinha 79 anos nas costas, ele 85. Não poderíamos esperar muito do que viria, mas aproveitar o “agora” era essencial. Havia aprendido tal filosofia há muito tempo.
Enquanto saíamos pela porta da frente, depois de todas as festividades do dia terem sido encerradas, senti uma leve pontada. Como havia acabado de brincar com meus netos no tapete vermelho, deixei este pequeno detalhe passar.
O diminuto incômodo aumentou aos poucos, e quando menos percebi, já estava me sentindo realmente mal.
No momento em que entendi o que estava acontecendo, o enfarte veio, como um trem batendo em meu peito. Acabei por desfalecer, levando a mão em meu coração. Jackie exclamou por socorro, me segurando para que eu não caísse diretamente no chão. Todos ao meu redor tentaram me ajudar, os paramédicos logo chegando. Além da dor, senti algo me puxando para cima, para os lados, para tudo o que é canto.
Quando o destino chama, é inevitável. Simplesmente não havia mais o que ser feito. Conclui isso ao abrir os olhos alguns minutos depois, notando que não estava mais em Cannes.
Eu não continuei desesperada como a poucos segundos antes. Não sentia medo, desolação ou pavor. Apenas uma paz de espírito enorme ao ver que tudo aquilo havia passado.
Percebi que me encontrava sentada em um banco de madeira, no meio de um parque extremamente familiar. Não sabia bem aonde era, só que havia tido boas lembranças ali.
Notei que estava mais leve, mas não de uma forma estranha. Tinha a impressão de havia ficado mais jovem, como se estivesse voltado à minha mocidade.
Fechei os olhos e suspirei fundo, sentindo o ar fresco e límpido entrar em meus pulmões como há muitos anos não fazia sem notar o peso da idade. Ele havia desaparecido por completo, deixando somente as memórias adquiridas ao longo do tempo.
Me recordei de toda a minha vida... os acertos, erros, arrependimentos, orgulhos, felicidades, altos e baixos. Fazendo um balanço completo do que ela havia sido, percebi uma coisa interessantíssima sobre tudo aquilo e me senti muita grata.
Eu havia sido feliz. Tinha vivido, me divertido horrores, chorado e sofrido também... mas fazia parte. A vida é assim: inconstante como uma montanha-russa tortuosa. Porém, o veredito final de nossas histórias é algo decidido por nós, independentemente do ponto inicial em que começamos.
Escutei um leve toque amadeirado, percebendo-o vibrar no encosto do banco. Algo me tocou no ombro esquerdo, mas quando olhei naquela direção, não vi nada. Em seguida, senti que alguém se sentava ao meu lado.
No momento em que fui ver de quem se tratava, fiquei em choque. Não acreditava que aquilo estava mesmo acontecendo.
E ali estava ele, o meu verdadeiro amor.
– Você veio rápido – Falou, com um sorriso. – Esperei por uns... nossa, eu nem sei dizer. Fiquei conversando com o Ronnie e o Lole Reutemann quando eles chegaram por essas bandas, e aí perdi a noção do tempo.
Lhe dei um abraço bem apertado. Ao contrário do que imaginei durante muito tempo, não escorreu uma lágrima sequer por meu rosto quando o reencontrei.
– Senti muito a sua falta, mesmo.
– Digo o mesmo, mon cherie.
François estava usando um blazer xadrez preto e branco, deixando em evidencia que aquela era uma de suas estampas favoritas. Por baixo, vestia o mesmo suéter bordô de quando havíamos nos visto pela primeira vez, ainda naquele barzinho barulhento de esquina.
– Admito que estou curioso para saber as boas novas – Gesticulou, energético. – E aí? O que aconteceu?
– Eu diria que foi ótimo, sabe? Ainda fiquei...
– E os filhos? – Me atropelou.
– Espere! Você continua tão apressado quanto eu me lembrava.
– Okey, okey – Colocou as mãos para cima, se rendendo. – Vou parar com isso.
Contei tudo o que tinha vivido para ele, colocando a cabeça em seu ombro e matando a saudade que senti durante todo o tempo que passei sem sua presença. O perfume, de aroma amadeirado e marcante, era exatamente do jeito que eu me lembrava. Diria a mesma coisa da maciez de seus cachos negros como carvão e de suas carícias.
– Se lembra de que lugar é esse? – Perguntou.
– Estamos naquele parque em Watkins Glen, não? Que tinha alguns barcos, umas árvores bem grandonas...
– Exatamente, Maddie – Se levantou. – Quer dar uma volta? Como naquele dia que viemos?
Fomos andando pelos arredores do lago Seneka de mãos dadas, como se nunca tivéssemos ficado um dia sequer sem nos encontrarmos. Ver seu sorriso pela primeira vez em mais de 50 anos foi uma das coisas mais reconfortantes que já tive o prazer de vivenciar. Era como, finalmente, estar em casa.
Paramos em frente ao deck. O sol poente fazia com que as águas adquirissem uma tonalidade maravilhosa, e o jeito que ele iluminava o semblante de François me fazia querer soltar um suspiro.
– Lugar bonito, não acha? – Perguntou, terno.
– É perfeito.
– Mas, quer saber de uma coisa?
Acariciei sua mão com o polegar enquanto assentia, de forma delicada.
– Quanto a beleza desta visão, a sua é bem mais sublime.
– Ah, não me diga – Ri.
Ele amava repetir aquilo sempre que tinha oportunidade.
François beijou minha testa, logo me aninhando em seus braços.
– Eu daria de um tudo para poder ter me casado com você – Falei, olhando para o horizonte.
– Ah?
Fiz uma pausa.
– Desde que o vi pela primeira vez, sabia que havia algo diferente acontecendo entre nós dois. Os três anos que passamos juntos só provaram que isso era verdade.
– Sei que era seu sonho – Me abraçou mais forte. –, e sinto muito que eu não tenha compartilhado ele contigo. Já estava planejando algo, mas aí veio aquele acidente e...
Suspirei.
– Em quase todos os dias de minha vida, pensei em você, no nosso final feliz. Não fique triste por ele não ter acontecido.
– Mas, olhe bem – Falou, se afastando um pouco. – E quem disse que ainda não dá para consertar isso?
François começou a mexer em seus bolsos, tirando de lá uma embalagem preta, envolta de veludo. Quando entendi o que estava acontecendo, me emocionei.
– Eu acho que isso é seu – Abriu a caixinha, me mostrando o anel de diamante dentro dela.
– Mas, isso não é cer...
– Eu já deixei combinado, Maddie. Pedi autorização para o Carinha Lá de Cima e a resposta positiva foi imediata – Riu. – Ficaríamos juntos de qualquer jeito se eu não tivesse falecido, sabia dessa?
Me senti inquieta, mas de um jeito bom. Uma enorme onda de felicidade fluiu por meu ser no momento em que coloquei o solitário em meu anelar e o beijei, como nunca havíamos feito antes.
Naquela hora, consegui entender o que significava aquela frase que sempre escutava nos casamentos. Por não ter chegado neste momento do jeito que eu desejava, sempre a achei surreal para os tempos modernos em que vivemos. Mas, havia ali um fundo de verdade.
“O que Deus uniu, o homem não separa.”
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Bom, e é isso. Uma dose de cafonice após duas bem administradas de depressão e melancolia 🫶🏼. Avisar que o fim poderia ser meio nhé e previsível, eu avisei.
Vou admitir que foi muito legal escrever este conto, de verdade. François foi um dos primeiros pilotos que tive a curiosidade de pesquisar "sem compromisso". Então, eu adorei ter de aprender ainda mais sobre ele.
Gostaria também de avisar que comecei a escrever uma coletânea de Imagines, nesta mesma vibe vintage do conto! Tanto que este era para ser o primeiro, mas como ficou bem maior do que eu esperava, publiquei separadamente. Já postei um do René Arnoux, tenho um já escrito do Niki Lauda e planos para um do Ronnie Peterson e um do James Hunt.
Então... eu diria que foi isso. Espero que tenham curtido o conto, e que eu tenha conseguido cumprir com as expectativas que teve ao clicar em "Ler". Saiba que o seu feedback, seja ele de qualquer natureza, é muito bem vindo.
Bem, não tenho certeza de que irei fazer uma sessão de agradecimentos, mas desde já gostaria de expressar minha gratidão à isautora12, que foi uma das primeiras pessoas a fazer com que eu me sentisse acolhida neste App. Sinceramente, você é uma das garotas mais iluminadas que já conheci em minha vida, e fico muito feliz em ter o grande privilégio de poder te chamar de amiga ❤️
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