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𖣔ㅤㅤ "BORN OF FIRE AND SEA " [001]ㅤׅㅤノ
﹙ contagem de palavras: 5638﹚ | 29/01/2025.
❛ a tormenta de um futuro entre fogo e sangue. ❜
🕊. THE HEIR'S DELIGHT, BY ROMANOVAKEZWOF
─── CAPÍTULO DOIS, nascido do fogo e do mar.
DRAGONSTONE
📍129 d.c
[ . . . ]
O vento frio passava pelas janelas do castelo através de pequenas brechas, fazendo uivos ecoarem pelos aposentos arejados de Rhaenyra. A herdeira do Trono de Ferro repousava em sua cama, envolta por almofadas de seda carmesim, segurando um livro antigo com capa de couro desbotada. Era um presente de sua mãe, Aemma Arryn, que havia falecido há muitos anos, deixando para trás lembranças calorosas e conselhos que Rhaenyra agora buscava entre as páginas envelhecidas.
Com a mão repousando sobre seu ventre arredondado, Rhaenyra sentia os movimentos leves de sua sexta criança ainda em formação. Era um consolo nos momentos de solidão, um lembrete de que a vida continuava, mesmo em meio às sombras que sempre pareciam pairar sobre sua família. Toda palavra lida, parecia que Aemma estava ali, ao seu lado, sussurrando as frases de sabedoria que a ajudaram a enfrentar a dureza da vida.
A cama de parto é o nosso campo de batalha, devemos aprender a encará-lo com firmeza.
Os olhos violetas de Rhaenyra cintilaram com lágrimas contidas enquanto os dedos acariciavam o colar de rubis que pertencera à mãe. Era impossível não sentir o peso da ausência de Aemma, mas também a força que suas palavras ainda lhe conferiam.
Ela soltou um suspiro, permitindo que uma única lágrima caísse, antes de enxugá-la.
O leve mexer do bebê em seu ventre trouxe um sorriso à sua face. Era como se a criança, mesmo não nascida, pudesse sentir a montanha de emoções que tomava sua mãe naquele instante. Rhaenyra deixou uma risada suave escapar antes de voltar a se concentrar no livro, mas foi interrompida por um som distinto.
O baque insistente contra o vidro atraiu sua atenção.
Ela ergueu o olhar, franzindo o cenho ao perceber uma figura escura batendo com desespero contra a janela. Era um corvo, suas asas negras golpeando o vidro com ferocidade, como se lutasse contra o próprio vento que o trazera.
Rhaenyra sentiu um arrepio na espinha. Desde criança, ouvira histórias que associavam os corvos a presságios sombrios. Algo dentro dela dizia que aquela visita era mais do que um simples acaso. Com esforço, a princesa deixou o conforto de sua cama. O peso do ventre e o frio que invadia o quarto tornaram cada passo uma luta, mas ela se aproximou da janela, abrindo-a com cuidado. O vento cortante invadiu o aposento, fazendo suas tranças prateadas dançarem ao redor de seu rosto.
O corvo não resistiu enquanto Rhaenyra o segurava cuidadosamente, desenrolando a corda que mantinha o pergaminho preso. Seus dedos, geralmente firmes, tremiam ao romper o selo e desdobrar a carta. Antes mesmo de ler, algo em seu íntimo a alertava para o peso da mensagem. O coração de Rhaenyra apertou. Algo estava errado.
Era de Baela Targaryen.
O texto era direto, mas as palavras pareciam carregar o peso de um mundo desmoronando. Baela relatava, com uma formalidade apressada, que o velho Serpente Marinha, Lorde Corlys, havia sofrido um ferimento grave em batalha contra a Triarquia. Embora ainda estivesse vivo, sua condição era precária. Mais preocupante ainda era o fato de Vaemond Velaryon, irmão mais novo de Corlys, estar a caminho de Porto Real para questionar a legitimidade de Lucerys como herdeiro de Driftmark, almejando o título para si.
As palavras feriam como lâminas afiadas.
Rhaenyra deixou o pergaminho cair sobre a mesa próxima, os olhos perdidos nas sombras do quarto. Ela não precisava ler novamente; cada palavra já estava gravada em sua mente.
Vaemond Velaryon. Alicent Hightower. Driftmark. Lucerys. Reinado.
Tudo parecia colidir ao mesmo tempo.
Ela respirou fundo, mas o som que escapou de seus lábios foi mais um suspiro de derrota do que um alívio. Sabia que aquilo não seria apenas uma questão de herança. Vaemond era um homem astuto, perigoso, e se aproveitaria de cada fraqueza aparente.
A suspeita sobre a paternidade de seus filhos seria a arma principal dele, e Rhaenyra sabia que, com Alicent no trono como rainha consorte, seria impossível esperar um julgamento justo.
Ela e Alicent.
Um vínculo outrora forte, como aço forjado, agora destruído e corroído pelo tempo e pelas intrigas. Houve um tempo, distante e quase esquecido, em que Alicent era mais que uma madrasta; era uma amiga, uma confidente. Mas isso mudou no dia em que Alicent casou-se com Viserys, mudou no dia que Rhaenyra decidiu mentir para Alicent e fazê-la de tola.
Desde então, os laços de amizade deram lugar a espinhos de desconfiança e rancor.
Os corredores da Fortaleza Vermelha se tornaram campos de batalha silenciosos. Alicent, com sua cortesia afiada como uma lâmina, não perdia uma oportunidade de lançar acusações veladas contra a princesa. E quando Jacaerys nasceu, com cabelos castanhos em vez dos prateados característicos dos valirianos, as suspeitas explodiram como um incêndio incontrolável. Alicent havia encontrado sua munição perfeita, e Rhaenyra, sua maior ameaça, estava constantemente na mira.
Mas isso não importava agora.
Rhaenyra ergueu a cabeça, os olhos cheios de determinação. Vaemond não teria sucesso. Alicent não triunfaria. Não enquanto ela tivesse forças para lutar.
Driftmark não era apenas o legado de Lucerys, era a fundação de tudo o que Rhaenyra havia construído, tudo o que ela havia suportado para alcançar. Perder Driftmark seria abrir caminho para que os verdes - os Hightowers e seus meio-irmãos - desestabilizassem ainda mais o reino.
Ela apanhou o pergaminho novamente, enrolando-o com cuidado. Precisava compartilhar as notícias com seus filhos.
Os passos de Rhaenyra ecoavam com maior frequência pelos corredores de Dragonstone, como tambores ritmados que marcavam a urgência de sua alma. O ar ao seu redor parecia denso, carregado com a tensão que crescia a cada batida de seu coração. As tochas, fixadas nas paredes de pedra, lançavam sombras oscilantes que dançavam ao sabor de uma brisa quase inexistente. As chamas iluminavam brevemente seu rosto, revelando a tempestade interna que rugia sob sua fachada controlada. Preocupação, raiva e determinação se entrelaçavam em seus pensamentos, enquanto seus passos se tornavam mais firmes.
A carta de Lady Baela, com suas palavras escassas, mas impregnadas de alarme, girava em sua mente como um corvo negro de mau agouro.
Embora os detalhes fossem limitados, a mensagem fora clara: algo estava por vir.
Mas agora, naquele momento, ao se aproximar da porta onde o riso e a conversa em alto-valiriano ecoavam, Rhaenyra sentiu uma necessidade urgente de resguardar sua família da escuridão que ameaçava engoli-los.
Ela hesitou por um instante diante da porta de madeira maciça, suas mãos descansando sobre o anel frio que adornava a maçaneta. As vozes do outro lado estavam cheias de vida e calor. O som infantil e despreocupado de Joffrey, Aegon e Viserys se misturava com o diálogo animado em valiriano entre Jacaerys, Lucerys e Rhaena. No fundo, a voz de Daemon - grave e acolhedora como o rugido de um dragão "domesticado" - surgia ocasionalmente, oferecendo conselhos ou incentivando os jovens. Um sorriso involuntário se formou nos lábios de Rhaenyra, breve, mas genuíno, antes de ser suprimido pela realidade que ainda a pressionava.
Com delicadeza, ela empurrou a porta, que rangeu levemente ao se abrir. A cena diante dela era quase idealizada: Joffrey, Aegon e Viserys estavam sentados no chão, cercados por brinquedos esculpidos em madeira e pergaminhos desenhados com rabiscos infantis de dragões e cavaleiros.
Jacaerys, Lucerys e Rhaena estavam reunidos em um círculo próximo, suas vozes se elevando em valiriano enquanto tentavam corrigir a pronúncia hesitante de Jace.
E ali, sentado em uma cadeira próxima, estava Daemon. Seus olhos percorriam o ambiente com uma expressão de pura satisfação, um sorriso sutil tocando seus lábios.
Rhaenyra parou à entrada, permitindo que a visão a envolvesse por um momento. Apesar das turbulências externas, ali estava o porto seguro que ela havia construído. A mulher que outrora se rebelara contra os papéis impostos a ela agora era a guardiã feroz de uma família que amava acima de tudo. Havia, no entanto, um amargor em sua realização. O fardo de proteger aquela felicidade pesava sobre seus ombros, e a ameaça constante de que algo - ou alguém - pudesse destruí-la nunca a abandonava.
Seus olhos pousaram em Jacaerys, o mais velho, cujos ombros já carregavam um peso que parecia além de sua idade.
Desde criança, ele havia demonstrado uma determinação feroz de provar seu valor, como se precisasse justificar sua existência diante daqueles que questionavam sua legitimidade. Rhaenyra sempre tentara aliviar essa carga, mas sabia que, no fundo, era algo que ele precisava enfrentar sozinho.
Jacaerys foi o primeiro a notar sua presença. Seus olhos encontraram os da mãe, e por um breve instante, ele pareceu hesitar, como se tentasse decifrar a preocupação que emanava de sua expressão.
Ele se levantou, deixando de lado a conversa com Lucerys e Rhaena, e aproximou-se com passos rápidos, mas cautelosos. Seu olhar era questionador, preocupado, e sua postura refletia uma maturidade que, embora admirável, era quase dolorosa de se testemunhar.
Rhaenyra tentou mascarar sua inquietação, mas era uma tarefa impossível diante de seu filho.
Ele havia herdado não apenas sua inteligência e sua "rebeldia", mas também sua percepção aguçada.
Sem dizer uma palavra, Jacaerys se colocou diante dela, observando cada nuance de seu rosto.
O príncipe estava acostumado a interpretar as expressões da mãe, a ler nos olhos dela o que suas palavras por vezes ocultavam. Seu rosto carregava uma seriedade quase impenetrável, e isso fez seu coração se apertar com um prenúncio ruim.
─ Há algo a incomodando, mãe? A senhora parece preocupada. ─ Jace perguntou com cautela, sua voz carregada de respeito e inquietação.
Rhaenyra, que segurava o pergaminho em suas mãos, ergueu o olhar e o fixou no filho mais velho. Seus olhos violetas, tão parecidos com os de sua mãe, estavam sombrios, como se pesassem com o fardo de notícias que preferiria não dar.
─ Recebi uma carta de Baela... ─ Ela começou, sua voz firme, mas com um fundo de hesitação. Engoliu em seco antes de continuar. ─ O avô de vocês, Lorde Corlys, foi gravemente ferido em batalha, e Sor Vaemond aproveitou-se da situação para desafiar os desejos do próprio irmão. Ele está a caminho de King's Landing para se colocar à frente de Luke como o futuro Senhor das Marés.
O impacto de suas palavras ressoou no aposento como uma onda quebrando contra as pedras afiadas de Pedra do Dragão. A leveza da conversa anterior desvaneceu-se no ar, substituída por um peso quase palpável. Lucerys empalideceu ligeiramente, sentindo um nó se formar em sua garganta.
Daemon, que escutava atentamente com os cotovelos apoiados nos braços da cadeira, inclinou-se para frente, absorvendo a gravidade da situação com um olhar afiado.
Seus dedos bateram contra a madeira por um breve momento antes que ele endireitasse a postura, sua mente já traçando caminhos possíveis.
─ A questão da sucessão de Driftmark precisa ser resolvida imediatamente. ─ Disse ele, sua voz cortante e sem rodeios. ─ Isso nos afeta diretamente. Corlys estava preparando Lucerys para ser seu herdeiro antes de partir para a guerra contra a Triarquia, mas com ele incapacitado, os verdes não perderão a oportunidade de contestar essa decisão. ─ Havia algo na maneira como Daemon falava que fazia parecer que um prenúncio de guerra rondava a família como um espectro inevitável.
─ E... e se contestarem? ─ Lucerys engoliu em seco, seus olhos arregalados refletindo o medo que se instalava silenciosamente em seu peito.
Rhaenyra desviou o olhar para o filho e, por um breve momento, a expressão dela suavizou-se.
─ Se contestarem, teremos que lutar pelo seu direito, meu doce menino.
Havia um peso enorme nessas palavras, um aviso disfarçado de promessa. Lucerys sentiu um arrepio subir por sua espinha, mas manteve o olhar fixo na mãe, como se buscasse nela a firmeza que temia não possuir.
Rhaenyra suspirou pesadamente e sentou-se na beira da cama, permitindo que seus filhos se aproximassem dela.
Daemon, impaciente com os rumos daquela conversa, bufou e recostou-se na cadeira, passando uma mão pelos cabelos platinados. Seu semblante era pétreo, mas seus olhos ardiam com uma fúria contida.
─ Driftmark é uma posição estratégica. ─ Daemon resmungou, sua voz carregava um toque de ameaça e irritação. ─ Nossa família não pode se dar ao luxo de perder esse controle. Não agora que aquela vagabunda da Alicent Hightower e o filho da puta do pai dela estão agindo em nome de meu irmão... ─ Rhaenyra lançou-lhe um olhar repreensivo. Embora compartilhasse do desprezo do marido pelos verdes, detestava que ele falasse daquela maneira na frente dos filhos. ─ Precisamos nos preparar. ─ Ele levantou-se da cadeira e cruzou o aposento, parando ao lado da esposa. Sua mão pousou sobre o ombro de Rhaenyra, um gesto sutil, mas carregado de significado.
Ele a apoiava, como sempre fizera.
Jacaerys ergueu o queixo, sua determinação evidente nos olhos escuros. Ele já não era mais um menino. A infância havia se dissipado cedo demais para ele e seu irmão, e agora não havia espaço para dúvidas ou hesitação.
─ Estamos prontos para fazer o que for necessário, mãe. ─ Jace disse, sua voz firme, olhando alternadamente para Rhaenyra e Daemon.
Rhaena assentiu, um pequeno sorriso despontando em seus lábios. Sua mão encontrou a de Rhaenyra, e ela apertou os dedos da madrasta num gesto de apoio silencioso.
─ Driftmark será nossa, como o vovô desejava. ─ Afirmou a jovem Targaryen, seu tom carregado de convicção.
Rhaenyra olhou para os filhos com um orgulho que aqueceu seu coração, apesar da preocupação que ainda lhe pesava sobre os ombros. Seus olhos vagaram até Joffrey, que, até então, permanecera calado, absorvendo cada palavra dita. O pequeno se aproximou dela e ajoelhou-se diante da mãe, segurando-se na saia de seu vestido com suas pequenas mãos.
─ Vamos com você, mamãe? ─ Sua voz era doce e inocente, um som quase doloroso em meio àquela conversa carregada de tensão.
─ Sim, meu amor. Todos nós iremos para King's Landing. É importante que nossa família esteja unida e forte. Precisamos estar lá para apoiar Luke... ─ Rhaenyra sorriu, um sorriso breve, mas sincero, e passou a mão pelos cabelos cacheados do caçula, afastando uma mecha castanha de sua testa.
Daemon, ao seu lado, já se adiantava, assumindo a postura de um guerreiro prestes a partir para a batalha.
─ Mandarei prepararem o navio imediatamente. Partiremos ao amanhecer. Estejam prontos.
Seu tom não admitia questionamentos. Ele lançou um olhar severo para Jacaerys, que acenou afirmativamente com a cabeça, e logo depois se retirou do ambiente com uma expressão calculada.
Rhaenyra olhou para seus filhos uma última vez antes de se levantar, vendo a mistura de medo e determinação em seus rostos jovens. E então, dando um beijo carinhoso na testa de cada um de seus filhos, ela se retirou do ambiente para acompanhar seu marido, deixando para trás os jovens, que apesar da idade, compreendiam muito bem a importância do que estava por vir.
Lucerys estava quase explodindo de tanto nervosismo.
Assim que sua mãe e o príncipe Daemon se retiraram do quarto ele começou a andar de um lado para o outro, sem parar pelas seguintes duas horas.
Jace pensou em amarrar o irmão na cadeira algumas vezes, mas Rhaena sempre o impedia dizendo que aquilo era questão de tempo até que o menino se acalmasse. Joffrey, Viserys e Aegon foram levados pelas amas para os seus devidos aposentos, deixando os mais velhos sozinhos para pensar melhor no que fariam para deixar os lordes do reino a favor de sua causa.
Jacaerys havia tentado se aproximar dos lordes Baratheon e Lannister para os trazer ao lado de sua mãe, mas nenhum deles desejava dialogar com o príncipe algo que não fosse a beleza formidável de suas filhas, mesmo que ele já estivesse noivo de lady Baela desde seu oitavo dia do nome. Ser o futuro Rei dos Sete Reinos parecia ser algo que todos desejavam, apenas porque não sabiam o fardo e os sacrifícios daquela posição. Desde o acidente em Driftmark, o príncipe treinava diariamente suas habilidades com espadas e adagas, ele não desejava estar despreparado caso a guerra pelo trono começasse, afinal seu avô estava adoecendo a cada lua que passava e não havia como impedir os verdes de planejarem a usurpação de sua mãe enquanto estavam isolados do resto reino em Dragonstone.
Após passar horas ao lado de Luke e Rhaena, o primogênito da herdeira finalmente decidiu ir até seus aposentos e descansar para a jornada até Porto Real.
A noite seria longa, cheia de preparativos e decisões difíceis, mas ele estava disposto a lutar pela herança do irmão a qualquer custo, poderia enfrentar qualquer desafio apenas para garantir a segurança de sua família e a estabilidade do reino, pois no final das contas essas eram as únicas coisas que importavam para Jacaerys.
Os aposentos dp príncipe em Dragonstone eram vastos e imponentes, com paredes de pedra negra que absorviam a pouca luz que as velas projetavam. O teto alto, decorado com intricados entalhes que representavam dragões e cenas de batalhas antigas, um imenso tapete de lã de Dorne cobria o chão frio, aquecendo os pés descalços de Jace enquanto ele se movimentava pelo ambiente.
Ele estava vestido com uma túnica de linho simples, que contrastava com a habitual riqueza de suas exuberantes vestes diurnas de tons vermelho e negro. As bordas da túnica, bordadas com fios de dourado, refletiam a luz trêmula das velas, criando um jogo de sombras dançantes nas paredes de pedra.
Seus cabelos escuros estavam ligeiramente despenteados e úmidos do banho, seus olhos castanhos mostravam seu cansaço.
O príncipe se aproximou de sua mesa de carvalho maciço, uma peça antiga que já havia servido a muitos príncipes Targaryen antes dele.
O móvel estava coberto de pergaminhos, livros e mapas, um testemunho de suas intensas sessões de estudo e planejamento. Pergaminhos com registros de linhagens, tratados de guerra, relatórios de espionagem, todos amontoados de maneira caótica, mas havia um objeto em especial que capturava a atenção de Jacaerys naquela noite: um livro grosso e envelhecido sobre o dialeto Valíriano.
O livro estava enterrado sob uma pilha de documentos, e Jacaerys precisou empurrar cuidadosamente vários pergaminhos para alcançá-lo.
As páginas amareladas, repletas de anotações em uma escrita minúscula e densa, pareciam quase intimidadoras, até mesmo mais do que ter de duelar com Daemon. No entanto, ele sabia que dominar o Valíriano era crucial para entender os segredos de sua família que poderiam ser vitais para o seu futuro reinado, talvez se ele soubesse os costumes valírianos sua herança não seria frequentemente questionada pelos lordes do Pequeno Conselho e pela rainha Alicent.
Jacaerys se acomodou em uma cadeira robusta ao lado da mesa, puxando uma vela mais próxima para iluminar melhor as páginas. A pequena chama projetava uma luz suave, mas suficiente para que ele pudesse decifrar as palavras antigas e enigmáticas.
Ele passava a ponta dos dedos sobre as letras intricadas, tentando absorver não apenas o significado literal, mas também o espírito dos antigos valírianos.
A pronúncia e a estrutura gramatical do Valíriano eram desafios constantes, exigindo uma concentração intensa e uma memória afiada.
Conforme ele lia, murmurava as palavras para si mesmo, tentando capturar a musicalidade e a cadência da língua.
Cada frase aprendida era uma pequena vitória, mas ele sabia que o caminho para a fluência seria longo e árduo. A noite avançava, e os sons de Dragonstone se tornavam cada vez mais distantes, o estalar das chamas na lareira e o a luz da vela eram os únicos companheiros de Jacaerys naquela noite fria.
O silêncio dos aposentos do príncipe era quebrado apenas pelo ocasional som suave das páginas sendo viradas, sua persistência em aprender valíriano era inabalável, apesar da exaustão que começava a pesar sobre seus ombros. Ao virar mais uma página, ele se deparou com uma passagem particularmente difícil, cheia de termos arcaicos e conjugações complexas que somente alguém fluente no dialeto poderia pronunciar de forma correta.
Frustrado e sem esperanças, o Velaryon deixou escapar um suspiro pesado dentre seus lábios e recostou-se na cadeira soltando o livro emcima dos pergaminhos, passando uma mão pelo rosto em um gesto de cansaço.
A vela que antes iluminava o quarto escuro havia derretido até o fim, instalando um tremor na escuridão dos aposentos de Jacaerys, o qual decidiu dar uma breve pausa para caminhar até a janela e observar a lua cheia iluminando o mar agitado.
O céu estava escuro, apenas as estrelas e a lua para iluminar Dragonstone com suas torres sombrias e ameias imponentes, de fato era uma fortaleza indomável.
De repente sua mente voltou para King's Landing anos atrás, na noite que Sor Harwin Strong havia partido para Riverlands e nunca mais retornou como havia prometido para ele. Rhaenyra poderia negar aos lordes e até mesmo perante os olhos dos deuses que seus filhos com o falecido marido não eram bastardos do primogênito de Harrenhal, mas Jacaerys sempre soube e sentia aquilo, que era filho de um pecado e pagaria por isso mais cedo ou mais tarde.
Ele e Sor Harwin possuíam um laço inquebrável, um laço forte que somente o Estranho poderia quebrá-lo, e assim o fez.
O príncipe era apenas uma criança quando sua mãe se ajoelhou perante ele com os olhos avermelhados e voz falhada para lhe contar que o Strong não retornaria, ele se lembrava com exatidão da dor que teve de suportar em silêncio por ser um bastardo.
Uma lágrima solitária rolou pelo rosto do garoto, mas logo firmou sua postura não se permitindo sentir falta do homem que havia sido tão cuidadoso e atencioso com ele.
Jacaerys quase nunca chorava, ele acreditava que lamentar pelos mortos era algo que um futuro rei não poderia perder tempo com.
Após alguns momentos, ele voltou à mesa e pegou o livro novamente, se dirigindo até a frente da lareira determinado a não ser vencido pelo cansaço. Jacaerys se ajustou para uma melhor iluminação e retomou a leitura, mergulhando cada vez mais profundamente nas complexidades do Valíriano. Havia algo quase hipnótico na estrutura da língua, algo que o fazia sentir-se conectado com seus ancestrais e com os dragões que tanto significavam para sua família. Enquanto ele repetia frases em voz baixa, tentando aperfeiçoar sua pronúncia, uma suave batida na porta interrompeu sua concentração.
O príncipe levantou os olhos do livro que segurava, sua testa se franzindo em um gesto de leve surpresa ao ouvir o som dos passos do lado de fora. A hora avançada tornava qualquer visita incomum, especialmente em um momento de calmaria tão raro.
Seu olhar permaneceu fixo na porta, como se esperasse uma explicação antes mesmo de qualquer palavra ser dita.
─ Entre. ─ Sua voz firme preencheu o quarto silencioso, e a madeira rangeu enquanto a porta se abria devagar, revelando sua mãe.
Rhaenyra adentrou o aposento, a figura suavizada pelo manto negro que a envolvia, como uma sombra acolhedora. Seus olhos estavam gentis, mas a preocupação cintilava neles como brasas sob cinzas, denunciando que sua presença não era meramente casual.
─ Jacaerys, o que está fazendo acordado? Está muito tarde. ─ Sua voz era um murmúrio tranquilo, mas a leve exasperação denunciava a responsabilidade que carregava como mãe. ─ Teremos uma longa e cansativa viagem amanhã. ─ Ela caminhou até ele com a graça de quem estava acostumada a ser observada, embora naquele momento sua atenção estivesse voltada exclusivamente para o primogênito.
Jace estava sentado próximo à lareira, o rosto iluminado pelo brilho laranja que dançava sobre suas feições. O livro grosso repousava em suas mãos, os dedos marcando a página aberta enquanto ele se levantava para recebê-la.
─ Estou estudando, mãe. Preciso aprender o Alto Valiriano, é muito importante. ─ Ele respondeu com sinceridade, um sorriso pequeno e afetuoso suavizando sua seriedade. Seus olhos encontraram os dela, procurando aprovação como sempre fazia, ainda que sem perceber.
A princesa o estudou por um momento, o olhar percorrendo os livros empilhados em sua mesa, os pergaminhos espalhados, as notas rabiscadas às pressas. Ela suspirou, os ombros relaxando ligeiramente enquanto balançava a cabeça, um misto de orgulho e preocupação evidente em seu rosto.
─ Tenho noção de que é importante para você, meu filho, mas você também precisa descansar. ─ A voz de Rhaenyra carregava a firmeza de uma mãe e a sabedoria de uma princesa acostumada com o peso das expectativas, um equilíbrio que ela parecia dominar com naturalidade. ─ Um líder sábio conhece seus limites.
Os olhos de Rhaenyra pousaram novamente sobre ele, observando-o como quem vê um reflexo distorcido de si mesma, uma alma jovem lutando para provar seu valor.
Aproximando-se, ela colocou a mão suavemente em seu rosto, o toque quente contrastando com o frescor da noite.
─ Eu sei, mãe. ─ Jace suspirou, mas havia uma convicção inflexível em sua voz. ─ Mas sinto que estou tão perto de entender algo que eu já deveria ter aprendido, algo que pode fazer uma grande diferença no futuro...
─ Você tem o sangue do dragão, Jace. Entendo que se sinta na obrigação de saber absolutamente tudo a respeito de nossa ancestralidade. ─ Os lábios de Rhaenyra se curvaram em um sorriso melancólico. Ela o compreendia, mais do que ele imaginava. ─ E fico verdadeiramente encantada ao olhar para você e ver o homem que está se tornando, o homem honrado e bom que tanto sinto orgulho. Mas lembre-se, até mesmo dragões precisam descansar.
A mão dela deslizou de seu rosto, pousando brevemente em seu ombro antes de se afastar. O olhar de Jacaerys era suave, mas havia um toque de teimosia ali, um traço inconfundível dos Targaryen.
─ A senhora me honra, mãe. Suas palavras são sempre tão... gentis e calorosas. ─ Ele falou com uma sinceridade que fez Rhaenyra sorrir, o orgulho irradiando dela como uma chama que se recusava a ser apagada. Inclinando-se, ela deixou um beijo delicado em sua testa, um gesto simples, mas carregado de afeto.
─ Meistre Gerardys irá conosco para King's Landing amanhã. Você terá tempo de sobra para aprender o Alto Valíriano. ─ A suavidade de sua voz deu lugar a uma firmeza carinhosa. ─ O conhecimento é uma jornada, não uma corrida. ─ Seus olhos encontraram os dele mais uma vez, segurando seu olhar até que ele assentisse, mesmo que relutante.
─ Sim, mãe. ─ Sua voz estava mais baixa agora, resignada, mas não sem uma pitada de determinação silenciosa.
Rhaenyra sorriu novamente, satisfeito com a resposta, antes de se virar em direção à porta.
─ Durma bem, meu filho. ─ Sua despedida era uma ordem envolta em carinho, e ela o observou com um último olhar antes de sair, a sombra do manto se esvaindo com ela. Jace permaneceu parado por alguns momentos, sentindo o calor que ela deixara para trás antes de finalmente se dirigir à sua cama, ainda pensativo.
Finalmente, o príncipe permitiu que o cansaço o vencesse e logo seus olhos se fecharam, caindo em um sono profundo enquanto o crepitarda lareira tomava conta do local. A porta de carvalho escuro foi fechada suavemente pela leve brisa, deixando o príncipe entregue à tranquilidade da noite.
Então, anoite avançou silenciosamente, o castelo imerso na escuridão e na quietude que só a madrugada pode proporcionar.
No entanto, a calma não duraria. Lá fora, o céu, outrora limpo, começou a se transformar. Nuvens espessas cobriam as estrelas, e o vento trazia consigo um presságio de tempestade. Gotas de chuva começaram a bater nas torres de Pedra do Dragão, transformando-se rapidamente em uma torrente. Trovões reverberavam à distância, parecendo ressoar nas próprias fundações do castelo. O rugido das ondas contra as rochas abaixo era quase ensurdecedor, um som que parecia ecoar o tumulto que estava prestes a se desenrolar.
No meio daquela escuridão tempestuosa, algo quebrou o silêncio do quarto de Jacaerys.
Um som distante, quase indistinto, mas insistente, chamou seu nome. Ele acordou com um sobressalto, os sentidos entorpecidos pela transição abrupta entre o sono e a vigília. Por um momento, pensou ter imaginado o som, mas então as vozes voltaram, agora mais altas e desesperadas.
A tensão tomou conta de seu corpo.
Ele afastou o lençol, sentindo o ar frio da noite contra sua pele, e se levantou, os músculos rígidos pela apreensão.
Jace caminhou até a porta com passos cautelosos, cada movimento marcado pela hesitação. Sua respiração era audível no quarto, misturando-se ao som da chuva lá fora. Ao estender a mão para a maçaneta, uma onda de calor percorreu seu corpo, um pressentimento que ele não conseguia ignorar.
Quando finalmente girou a maçaneta e abriu a porta, foi como se tivesse cruzado para outro mundo.
O corredor diante dele estava imerso em sombras profundas, iluminado apenas pelos relâmpagos ocasionais que atravessavam as janelas. A cada clarão, formas indistintas eram reveladas, movendo-se apressadamente pelas passagens. O som de passos ecoava em todas as direções, misturando-se a gritos distantes e o rugido ameaçador de algo inumano. Jacaerys avançou hesitante, mas um grito agudo que ele reconheceu imediatamente o fez congelar no lugar. Seu irmão, o pequeno príncipe Aegon. Sem pensar duas vezes, ele disparou pelo corredor, os pés descalços batendo contra o chão frio de pedra.
Seu coração batia tão rápido que ele mal conseguia ouvir seus próprios pensamentos. Toda curva, as sombras pareciam se fechar ao seu redor, mas ele não parava. A voz de seu irmão mais novo era um guia, uma corda fina que o puxava através do pesadelo.
Quando finalmente chegou ao fim do corredor, ele não estava mais em Dragonstone.
Ele alcançou o pátio principal da Fortaleza Vermelha, a cena que se desenrolou diante de seus olhos roubou seu fôlego. Sob a chuva torrencial, iluminado por relâmpagos, estava Sunfyre, o dragão dourado de Aegon II. A criatura deformada rugia furiosamente, suas escamas reluzindo mesmo sob a tempestade, como se fossem feitas de ouro líquido. À frente dele, completamente desarmada, estava Rhaenyra, enfrentando a morte com uma postura que era tanto desafiadora quanto trágica.
Jacaerys gritou por sua mãe, mas suas palavras foram tragadas pelo rugido do dragão e o som da tempestade. Ele tentou correr em sua direção, mas seus pés pareciam presos ao chão. Seus olhos captaram o movimento de um homem segurando Aegon, o mais jovem, enquanto o pequeno príncipe lutava inutilmente para se soltar, mas sua força era insignificante perto do homem de idade e barbudo.
Mais além, sentado em uma cadeira real improvisada, estava Aegon II. Seu rosto desfigurado pelas queimaduras era quase irreconhecível, mas o sorriso cruel que ele ostentava era inconfundível.
Era um sorriso de triunfo, de vitória amarga.
Os olhos de Jacaerys se fixaram em sua mãe novamente. Ele viu o momento em que ela ergueu o queixo, encarando o dragão de seu irmão usurpador com uma mistura de ódio e resignação. Rhaenyra não implorou. Não gritou. Ela simplesmente o encarou, como uma rainha enfrentando seu carrasco.
E então, a Rainha Rhaenyra Targaryen, a Cruel, a Rainha Dragão, Primeira de Seu Nome, Rainha dos Ândalos, dos Roinares e dos Primeiros Homens, Lady dos Sete Reinos e Protetora do Reino, teve tempo o suficiente para insultar seu meio-irmão uma última vez. A lâmina apareceu. Uma adaga brilhou por um instante sob a luz de um relâmpago antes de ser cravada em seu peito.
O grito de Jacaerys ecoou pelo pátio, mas ele era impotente para impedir o que acontecia.
Sunfyre avançou ao sentir o odor metálico do sangue da rainha, suas mandíbulas se abrindo para lançar um jato de chamas que envolveu o corpo de Rhaenyra. As chamas iluminaram a cena, transformando a chuva em vapor. Jacaerys caiu de joelhos, o corpo tremendo enquanto assistia, incapaz de desviar o olhar. A criatura rugiu novamente antes de abocanhar o corpo em chamas, uma, duas, três vezes... Cada mordida arrancava um pedaço de carne, até que restava apenas um membro carbonizado.
Jacaerys gritou, sua voz carregada de desespero e fúria.
Ele sentiu sua alma ser esmagada pela culpa e pelo fracasso, se questionando como ele poderia ser um bom governante quando sequer conseguia proteger sua própria mãe.
O príncipe se levantou, o corpo tremendo de raiva e dor, e lançou um olhar assassino para Aegon II. Ele queria correr até ele, arrancá-lo da cadeira e fazê-lo pagar por cada segundo daquele horror, mas suas pernas não o obedeciam. Ao invés disso, ele caiu novamente, seus punhos batendo contra o chão molhado. A chuva misturava-se às lágrimas que escorriam pelo seu rosto, e ele sentia como se estivesse se afogando na própria impotência.
Um trovão estrondoso o arrancou daquele tormento. Jacaerys acordou em um sobressalto, ofegante e coberto de suor frio.
A última coisa que ele presenciou antes de voltar aos seus aposentos foi o olhar de triunfo no rosto de Aegon. Ele havia vencido Rhaenyra Targaryen, havia matado sua maior inimiga e dado um fim a Dança dos Dragões, deixando para trás apenas destruição.
Ele olhou ao redor, confuso, mas o calor reconfortante da lareira e o som distante da tempestade real o trouxeram de volta à realidade.
Ainda assim, o peso do sonho permanecia sobre ele, como uma sombra impossível de dissipar. O jovem príncipe sabia que o que havia visto não era apenas um pesadelo.
Os Targaryens eram amaldiçoados, e seus sonhos frequentemente prenunciavam tragédias...
❪ 001𖣔. ❫ Eu amo ver a Rhaenyra feliz ao lado da família. Escrever esses momentos aquece meu coração, especialmente sabendo que dessa vez teremos um final feliz para todos💗
❪ 002𖣔. ❫ Esse capítulo tem um ritmo mais lento, porque quero desenvolver com profundidade a relação entre os personagens antes de introduzir qualquer romance. Então, não esperem um hot no próximo capítulo! Quero que a dinâmica entre Naerys e Jace seja construída de forma envolvente, ainda mais considerando que eles "se odeiam" bastante até o reencontro (próximo capítulo).
❪ 003𖣔. ❫ Espero que tenham gostado! Não se esqueçam de votar, comentar e compartilhar. Um beijo para todos vocês, meus amores! Nos vemos no próximo capítulo!
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