1 🍁 A Cor Subestimada

     1º Dia.

     Dedos ágeis.

     A intuição desesperada da garota, que a frente do notebook transcrevia algumas das meras ideias que surgiam, parecia coisa de novela. A diferença é que novelas não eram reais.

     Ela estava entusiasmada espiritualmente, mas aquele cabelo desleixado e short que sambava em suas pernas, não demonstravam o mesmo.

     O estado de seu quarto, sobretudo a casa inteira, era lamentável. Há dias a moça não se preocupava com o bem estar social, moral e principalmente higiênico.

     O chuveiro já não recebia seu corpo nu a miseráveis 35 horas.

     Ao lado da mesa de trabalho uma quantidade considerável de pacotes de biscoitos de sal jogado sobre as migalhas do mesmo. A água na garrafa havia acabado, mas estava ocupada demais para ir buscar outra na geladeira.

     Sua postura desleixada na cadeira, com a perna esquerda agachada sobre o busto, descalça.

Nada importava, aquilo ao redor era apenas sem cor. Aquilo que dava seu melhor no computador era laranja.

A laranja era tudo o que precisava.

— ACABEI — gritou, após mais 3 horas digitando letra por letra sem parar.

     Gritou naquele quarto oco, por mais que objetos havia, tornavam-se nada. Gritou para quem quisesse ouvir. O vazio talvez? Talvez.

     Vivia sozinha. Ela e seu sonho laranja de conseguir publicar o livro que dedicou nove meses de sua vida.

     Nove meses era pouco para a moça. Nove meses de trabalho duro era o mesmo que ir à uma lanchonete sutil tomar um café na época da primavera, mas não era primavera.

     Quando se faz algo que gosta, o tempo é seu inimigo, amigo, irmão ou namorado. Mas o tempo nunca é entediante.

    Às vezes um pouco azedo-amarelo, mas era o tempo. Tempo mal-educado que não espera por ninguém. Mesmo assim, não era um inimigo tão cruel.

A crueldade corroía a alma de dentro para fora, até que não sobrasse qualquer gota da pureza.

     Do pouco de socialização que ganhara como seu bom senso, a janela estava ao menos aberta para correr ar puro. Aquela janela tinha um nome, seu notebook tinha um nome, a cadeira que sentava há dias, também pusera um nome. Ela gostava de nomear coisas.

     Bom, já o seu nome não importa muito. Isso não mudaria em nada. Ela era "a garota da história" já que para as pessoas, é importante diferenciar uma das outras desta maneira.

     LEVANTOU-SE NUM PULO e correu até o banheiro, deixando atribuir o desalijo de sua "bexiga" prestes a explodir. O papel nem lá tinha mais, os segundos que se correram foram passados de pressa.

    Sentou-se novamente na cadeira, que de alguma forma a negava, ─ talvez por passar muito tempo nela ─, com o botão direito do mouse, selecionou e copiou todo o texto do programa. Mas umas duas vezes para ter certeza. Em seguida, deixou sua história salva no arquivo, sendo passado em milésimos para o celular que iria transportá-lo.

    Tudo correu muito rápido, ela estava entusiasmada.

{...}

     21º DIA.

    AQUELA ERA UMA praça. Havia pessoas. Era outono. O laranja denuncia aquela estação.

    A casaca marrom mesclava com o silêncio do laranja mas seus sapatos eram azuis, seu grande pólo oposto.

     A mão no bolso ─ já disse que estava entusiasmada? ─ atravessou a longa praça, mas de algum modo sentia que algo aconteceria. E não foi de pensar muito, mas sempre que andavam rapidamente, suas canelas ficaram doloridas.

     Parou por um instante e curvou-se para acariciá-las. Um pouco sem altruísmo, olhou para sua direita. Havia um banco de praça um pouco velho, ''marrom, cor amadeirada, mas era de ferro''. E um rapaz sentado lhe encarando.

     Tinha os olhos fixos nos olhos da menina. A cabeça pouco curvada para baixo, ele a encarava profundamente sem se importar de como fazia aquilo.

Não era "sério".

Não era "preocupado".

Nem ao menos "inexpressivo".

Era um olhar antagônico.

     Não hesitou, ela continuou o trajeto sem parecer importar-se muito mas teve medo.

     ÀS PRESSAS ELA ia andando na calçada. Um pé atrás do outro. Um a frente do outro. Um e outro.

     O celular no bolso, várias vezes tocado pela garota para ter certeza de que ainda estava lá.

     Já pensou na hipótese do contrário?

     Ela entrou figurativamente saltitante, na pequena porta da rua. Aquela porta, meio perdida entre os dois estabelecimentos importantes dos dois lados, havia uma escada no único corredor levando para o andar de cima.

     E lá foi ela, subiu correndo as escadas dando vista a outro corredor. A frente mais umas 4 portas, e na primeira foi adentrada.

     Aquele estabelecimento era de fato uma franquia mal investida. A suposta "editora" que na qual deu seu melhor para tentar lançar seu livro, estava caindo aos pedaços. Entretanto, era boa. Os orçamentos investidos nos livros, materiais, os trabalhadores envolvidos no processo... tudo... menos o local que mais parecia um boteco escondido da civilização.

     Lamentável, mas era o que a garota podia pagar.

     Havia um escritório, com várias mesas misturadas, com pessoas trabalhando em diferentes funções. Ela então ansiava pela presença de alguém em específico. Aquele homem alto e raquítico que vinha em sua direção.

     Mas ele não se importava com a presença dela, pelo contrário, ele nem a percebera lá. O mais velho só queria tomar o seu bom e velho café da cafeteira que estava ao lado da moça.

— BonHwa sshi! ─ ela o chamou delicadamente, mas seu coração pedia-lhe para esfregar sua cara naquele chão de cimento inacabado.

     Com o copo na boca, BonHwa direcionou-lhe o olhar.

— Ya, S/N...?! ─ ele direcionou o copo da boca à mesa. Causou impressão de um quase engasgo. ─ O-o que faz aqui?

— Eu vim entregar o arquivo do livro ─ sorriu verdadeiramente retirando do bolso da casaca seu celular.

— Oh, então já terminou? ─ ele parecia nervoso, mas tentava demonstrar de fato interesse.

— Sim, senhor! Trabalhei nele durante os nove meses ─ ela curvou-se um pouco segurando o aparelho com as duas mãos na frente da barriga.

— Mas por que não me mandou por e-mail? ─ ele perguntou. Desta vez, o desprezo mostrou-lhe presente, e voltou a atenção à cafeteira.

— Eu mandei ─ ela olhou-lhe de rabo, como se dissesse o óbvio.

— Oh, então eu não li... ou talvez não tenha chegado ainda.

— Mas... isso já faz três semanas ─ ela olhou preocupada e decepcionada.

     Não era novidade. Já era o 5º livro que escrevia. Todos rejeitados, pois não passavam de romances inóspitos de garotas pobres-coitadas e oppas brutos. Bunhwa estava cansado daquilo, nem perdia mais tempo com S/N que insistia em um romance fútil.

     Bunhwa bebia seu café olhando para um ponto fixo ao lado da menina. Agora, ela só ouvia o som de pessoas conversando, teclados de computadores sendo teclados, cliques de mouses, papéis sendo folheados, telefones tocando.

     Aquilo a estressou, mas estressou de forma laranja-cinábrio.

     Devolveu o celular ao bolso e retirou-se da sala. Desceu as escadas sem olhar para trás, estava agora estressada, com ''empatia''.

     Parou na calçada após sair na pequena porta que entrara antes. Estava ventando calmamente, uma brisa gelada o suficiente para sua respiração estancar. Seus lábios estavam tão ressecados, as entranhas do nariz já até criaram uma casca que iniciava um futuro resfriado.

     Apoiou-se num canto e por lá ficou tempo demais, mas logo suspirou fundo e começou a caminhar para seu lado esquerdo. Fazendo todo o retorno do caminho.

     Passou pela loja de cosméticos, a floricultura, o estacionamento de uma igreja, a igreja e logo mais à frente da praça. Ela parou na calçada do outro lado da rua, olhando para a entrada da praça. Analisou aquelas árvores semi-secas, aquele alaranjado tão irreal das folhas de outono, como dito, denunciado pelo laranja.

     Seria bom, ao menos, se S/N percebesse aquilo tudo. Digo... as cores. Ela percebia sim, de fato, mas não como deveria. Afinal, ninguém dá valor a tudo. Se ao menos, ela parasse para ver como um simples laranja lhe podia mudar a vida, não estaria tão decepcionada agora.

     Suas mãos estavam congeladas. Pensava se entrava na praça ou não, se ia pelo caminho mais curto, ou contornava o quarteirão inteiro para ir para casa. O caminho mais curto era necessário, passar por dentro da praça era a primeira opção se não estivesse temerosa. "Será que aquele 'cara ainda está lá?" pensou.

     Suspirou pela segunda vez e atravessou a rua correndo, já que naquele país, ou você corre para atravessar a rua, ou você mora na calçada e nunca atravessa. Caminhou, e mais uma vez, olhou para a entrada da praça.

     Entrou tão devagar quanto imaginaria entrar, olhando para os lados como se estivesse sendo perseguida.

     Mas sabemos que o único que lhe perseguia era o seu próprio medo.

O medo não é preto, nem cinza, nem prata, nem marrom, nem nada escuro. O medo não está presente no ruim, no confiável, no seguro, nem no otimismo. Ele é Cinza-Vermelho, porque é maleável, e não há nada de mais em ter medo.

     Ela viu que no banco de praça ''um pouco velho, marrom de cor amadeirada, mas era de ferro'', onde viu o rapaz que lhe "secou" com o olhar, estava vazio. Aliviou-se, não sabem o quão amedrontada era com aquelas coisas. Vendo a quantidade de tragédias que aconteciam no país com "meninas" e "estranhos", a deixava paranoica e qualquer estranho lhe era suspeito.

     Resolveu por intuito sentar lá mesmo.

     Fechou os olhos e pela terceira vez suspirou profundo; acalmou-se um pouco, tentando esquecer as desavenças das horas passadas.

     Tudo estava marrom-tabaco ao fechar os olhos. Mas ela não sabia que era marrom-tabaco, porque como disse, ela não se importava com essas coisas.

     Ouviu passos, calçados pisando em folhas secas. Achou ela que fossem mais pessoas indo e voltando, mas em específico, aqueles passos pararam ao seu lado.

     Abriu os olhos lentamente. Viu de rabo de olho, alguém em pé, ao seu lado esquerdo.

     Virou lentamente sua cabeça para sua esquerda superior.

     Era aquele rapaz.

     O rapaz com o olhar antagônico.

≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣≣

Este capítulo foi betado e revisado por isnandss no blog WonderfulDesigns agradeço muito eu to sorrindo feito uma tonta.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top