하나 ( 𝑢𝑚 )

Forks havia amanhecido chuvosa, o que, de fato, não era uma surpresa para nenhum dos moradores. Mas Eun Ji suspirou, assim que viu os pingos molharem a janela de seu quarto.

Jee Hye estava na varanda, olhando os pingos caírem enquanto em suas mãos havia um copo, cheio de um líquido âmbar e que, ocasionalmente, a Goblin levava aos lábios.

Com a imortalidade, era difícil que não houvessem dias como aquele na longa vida de Kim Jee Hye. Eram muitas perdas, muitas pessoas queridas que se foram e que, agora, não passavam de uma mera lembrança. Jee Hye se sentia nostálgica e melancólica, eram sentimentos presentes em todos os seus dias.

A porta de seu quarto foi aberta pela jovem Eun Ji, e Jee Hye sorriu minimamente, escondendo os lábios enquanto sorvia mais um gole da bebida.

— Ahjumma, foi por isso que quis se mudar para cá? — A voz desanimada soou, enquanto a garota mais nova se sentava no pequeno sofá que havia no quarto de Jee Hye. — De tanto eu te ameaçar com a NASA vindo pesquisar as mudanças drásticas do clima, você resolveu enfim vir para uma cidade chuvosa e se afundar na tristeza sem culpa?

Jee Hye apenas deu de ombros, virando-se para a garota enquanto colocava o copo na mesinha que havia ali.

— Chove porque tem que chover, Eun Ji. A dor precisa ser extravasada de alguma forma, mas que culpa tenho eu se a minha interfere no clima?

A jovem garota apenas suspirou, já haviam travado aquele tipo de conversa milhares de vezes, desde que a Goblin se tornara sua responsável legal após seus pais morrerem. A família Kim era ligada diretamente com Kim Jee Hye, desde os primeiros anos de imortalidade da Goblin. Serviam desde os primórdios, e eram leais a jovem deusa que, acima de tudo, apenas precisava de companhia.

— Você já está pronta para a Escola? — Jee Hye mudou o assunto, olhando o modo displicente que Eun Ji estava vestida. Calça jeans, camiseta e um casaco por cima.

A garota sorriu animada, fazendo que sim com a cabeça.

— Aqui eles não exigem uniforme. Isso não é maravilhoso?!

— Se você diz. — A Goblin deu de ombros. — Pegue sua mochila. Vou te deixar na escola antes de ir para o hospital.

Assim como em toda cidade pequena, a escola ficava perto da rodovia. Era um amontoado de prédios cinzas, com estudantes de todos os lados. Jee Hye acenou para Eun Ji, que dava seus primeiros passos em direção à sua nova escola. Porém, a Goblin não se demorou ali. Trocou a marcha do carro e manobrou o veículo para a rua novamente, saindo do estacionamento estudantil e tomando o caminho para o hospital que ficava no centro da cidade.

Quando chegou no lugar, Jee Hye olhou a estrutura simples com um sentimento novo. Sempre era assim. Começar uma nova vida, onde quer que fosse, trazia um misto de sensações para ela. Mas, dessa vez, junto aos sentimentos que já conhecia, havia uma certa inquietação.

Ignorando aquela sensação, Jee Hye apenas saiu do carro com seu guarda-chuva para evitar que os pingos molhassem seu sobretudo. Assim que adentrou o hospital e desarmou o guarda-chuva, caminhou até a recepção.

— Olá. Eu sou a Dra. Kim Jee Hye, pode me informar onde fica a direção do hospital?

A recepcionista era alta e magra, de cabelos escuros e tinha uma aparência suave e bondosa, apesar de cansada. Em seu crachá, o nome Olivia Wilson já estava desbotando.

— Oh, olá Dra. Kim. Já me deixaram a par de sua contratação, só um minuto que irei acompanhá-la até a direção. — Ela sorriu, parecendo muito solícita.

Olivia apenas sorriu, indo até a outra moça da recepção e trocando algumas palavras enquanto pegava um amontoado de papéis. Deu a volta no balcão e saiu de trás da mureta branca, indo para o lado de Jee Hye. Com um aceno de cabeça, a mulher mostrou o caminho para a Goblin enquanto ia entregando prontuários e documentos aos médicos que, ocasionalmente, cruzavam seu caminho.

— Eu já teria que fazer isso de qualquer jeito, então aproveitei a oportunidade. — Olivia disse, dando de ombros enquanto elas subiam as escadas para o andar superior. Mais algumas portas e, finalmente, Olivia apontou para uma no final do corredor. — Chegamos, Dra. Kim. Eu estarei na sala do Dr. Cullen pegando alguns documentos com ele, caso queira fazer um tour pelo hospital. — Olivia sorriu, soando calorosa. — Seja bem-vinda a Forks, doutora, e boa sorte aqui.

A reunião com os diretores foi longa, onde eles repassaram todos os pormenores da contratação de Jee Hye no hospital. Ao final, Jee Hye já usava o jaleco que recebeu da diretoria e segurava seu sobretudo nos braços, enquanto agradecia aos seus superiores e saía da sala.

O dia hoje seria apenas para adaptação. Conheceria os seus colegas de serviço, o modo de trabalho e aprenderia por cima como as coisas funcionavam ali. Amanhã começaria oficialmente a atender.

Trabalhar em um hospital era ao mesmo tempo gratificante e penoso, ainda mais para a Goblin. Perder um paciente era triste, mas ouvir suas preces e não poder salvar a todos era, no mínimo, doloroso. Um Goblin era um tipo de deus de menor importância, mas poderoso o bastante, afinal, menor ou não, era um deus. E ouvir as preces dos mais desesperados fazia parte do que era ser um Goblin.

Andou pelos corredores brancos, olhando tudo ao seu redor enquanto se distraía com o vai e vem do hospital. Estava tão dispersa, pensando na primeira vez que esteve curando alguém - ela tinha cerca quinhentos e dezenove anos e estava junto das aias de cura durante conflitos no interior da Coréia -, que não viu a pessoa em seu caminho e foi de encontro com ela.

Foi como bater em uma parede: fria, dura e inquebrável. Os olhos de Jee Hye subiram enquanto ela se afastava um passo para trás, surpresa e dolorida. Apesar de ser uma Goblin, ainda sentia a dor do corpo humano se machucando, mesmo que se curasse rapidamente.

— Me desculpe. — Pediu rapidamente, os olhos piscando para voltar ao presente e se focar no que estava a sua frente. — Estava distraída. Não...

— Está tudo bem. — A voz doce e suave, mas masculina, foi recebida de bom grado por seus ouvidos. — Eu é quem peço desculpas.

Os olhos finalmente haviam focado na pessoa que cruzara seu caminho. Talvez aquele fosse um dos homens mais bonitos que já tenha visto em sua vida, mesmo ela sendo tão longa. A pele pálida, os olhos dourados e os cabelos loiros... Parecia a face do anjo preferido de Deus.

Não demorou muito para que Jee Hye saísse do transe e percebesse que, aquela face perfeita, pertencia a um vampiro. Um vampiro que fora muito belo na vida humana mas que, com o veneno correndo em seu sangue, agora chegava à face da perfeição.

Jee Hye sorriu pequeno, um pouco sem graça por ter sido pega desprevenida. Não sabia que havia vampiros residindo em Forks... Teria de falar para Eun Ji se cuidar.

— Eu sou a doutora Kim. Começarei amanhã. — Estendeu a mão para o homem.

Ele a pegou, aceitando o cumprimento.

O choque de temperatura a pegou desprevenida, mesmo que esperasse pela pele fria feito gelo. Talvez fosse pelo fato de que ela mesma tinha a pele tão quente, ou pela corrente elétrica e lhe subiu pelo braço, como se aquele fosse um contato diferente de todos que já tivera.

— Carlisle Cullen. Olivia comentou comigo sobre a nova adição ao nosso hospital. Fico contente por isso, é sempre bom ter boas pessoas dispostas a salvar vidas.

Salvar vidas... Jee Hye o olhou, um pouco confusa e divertida. Vampiros não faziam justamente o contrário para se alimentar? Mas, os olhos dourados eram diferentes de qualquer vampiro que ela já tenha cruzado ao longo dos anos. Normalmente, aquelas criaturas tinham olhos vermelhos tal qual o sangue que usavam para se alimentar.

A Goblin apenas sorriu, assentindo.

— Ah, doutora. Vejo que já conheceu o Dr. Cullen. — Olivia apareceu justo nesse momento, cortando aquela aura esquecida que pairou sobre os dois. — Aqui estão os papéis que pediu, doutor. — Entregou uma pasta verde para o vampiro. — Logo estarei dando pastas para você, doutora.

A recepcionista brincou, dando uma batidinha camarada no braço de Jee Hye e logo indo pelo corredor e continuando a entregar pastas à outros médicos.

Jee Hye sorriu. Olhou o relógio em seu pulso, vendo que a reunião lhe tomara mais tempo que o necessário.

— Preciso ir. Tenho que buscar minha irmã mais nova na escola.

— Ah, entendo. Até amanhã doutora. — O homem-anjo sorriu, simpático.

— Até amanhã, doutor Cullen.

E deu as costas à ele, seguindo seu caminho se perguntando por que ela estava no futuro próximo de Carlisle Cullen.

Goblins conseguiam ver alguns anos no futuro das pessoas, isso era comum para Jee Hye. Mas ela nunca, em todos os seus anos de vida, tinha se visto nos anos futuros de um desconhecido.

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