Capítulo 24
A Rainha das Sombras e o Rei do Amor
O céu se fechou em nuvens negras e opressoras, sufocando qualquer vestígio de luz. No cemitério abandonado, o cântico ressoava, não como uma melodia, mas como um lamento distorcido, penetrando a terra e o coração dos vivos. A cada verso, o vento ganhava força, sussurrando promessas de morte e desespero.
O solo começou a rachar ao redor das lápides antigas, exalando um cheiro pútrido de decomposição. Um trovão ribombou ao longe, anunciando a chegada de uma chuva pesada. Quando as primeiras gotas começaram a cair, o chão cedeu com um estrondo úmido. Mãos apodrecidas e deformadas emergiram, arranhando a superfície, enquanto fragmentos de asas rasgadas surgiam logo atrás, brilhando com uma luz mórbida.
Zaieva gargalhava triufante enquanto ela voava em direção a Nεrάιδα com seu exército de fada sombrias e seu exército de mortos vivos se juntando ao seu redor prontos a obedecerem as suas ordens.
As fadas mortas se erguiam lentamente, os corpos frágeis movendo-se de forma antinatural, como marionetes em fios invisíveis. Suas faces, consumidas pela morte, eram uma mistura de ossos expostos e pele murcha, os olhos negros e sem alma irradiando puro ódio. A chuva começou a desabar com violência, transformando o cemitério em um pântano lamacento, enquanto as criaturas saíam dos túmulos aos montes, trazendo com elas o cheiro enjoativo da terra molhada e da carne antiga e em decomposição.
Longe dali, em Νεrάιδα, o mesmo terror se desenrolava. Túmulos ancestrais se despedaçavam sob o peso de uma força sombria. As fadas de Νεrάιδα erguiam-se como sombras vivas, suas asas esqueléticas pareciam absorver a luz ao invés de refleti-la. A chuva caía como lâminas afiadas, desenhando rios de água suja e sangue ao longo das pedras.
O cântico, agora ensurdecedor, parecia ecoar dentro das cabeças de quem ousava escutá-lo. As fadas mortas abriram suas bocas em um grito silencioso, mas o terror que emanava delas era palpável. Suas sombras alongavam-se nas pedras, como espectros famintos, enquanto marchavam, unidas, trazendo consigo a promessa de um pesadelo sem fim.
Agave e seu exército de Nεrάιδα ficaram em choque por poucos segundos ao ver os mortos saindo do vale Aurora Lúgubre e se juntarem ao maciço exército de Zaieva, que conforme avançava por Nεrάιδα deixava um rastro negro de trevas, indicando que a magia estava sendo toda sugada por eles.
A voz da rainha dourada magicamente ampliada gritou, ao mesmo tempo que um raio atingiu o solo atrás dela, a voz de Agave se sobressaiu no trovão:
-POR ΝΕRÁIDΑ E POR NOSSA HONRA! PROTEJAM NOSSO LAR, ATAQUEM ESSAS ABERRAÇÕES!
Assim se iniciou mais uma batalha. Os vivos lutando contra os mortos. Zaieva ria e as suas fadas sombrias matavam vários guardas e começavam a praticar canibalismo.
Mas algo aconteceu, Agave, que lutava bravamente, de repente parou abismada com o que via. Ela sentiu os seus joelhos fraquejarem.
A chuva já batia forte contra o solo, criando uma cortina de água que escondia a cena de desolação diante de Agave. A rainha caiu de joelhos, o olhar perdido na visão de seu amado, o rei Fergas, agora um espectro do que fora. Ele avançava lentamente em sua direção, uma monstruosidade de ossos quebrados e carne ressecada.
As asas, outrora imponentes e prateadas, agora eram uma visão de puro pesadelo, reduzidas a retalhos distorcidos de um material mágico que parecia pulsar com uma malícia própria. O brilho celestial que um dia as iluminou havia sido devorado por uma escuridão nauseante, dando lugar a uma aparência de carne apodrecida misturada a sombras líquidas que escorriam como sangue negro. Sua superfície estava corroída, retorcida e coberta por algo que parecia vivo — filamentos grotescos, semelhantes a teias de aranha encharcadas, pendiam em feixes pesados, ondulando como se respirassem.
Essas asas macabras não pairavam mais no ar, mas arrastavam-se pelo chão lamacento, deixando rastros de podridão onde tocavam. Cada movimento delas era acompanhado por um som pavoroso, como o eco de gritos sufocados ou o estalar de algo prestes a se romper, amplificando a sensação de que aquelas estruturas não deveriam existir. O peso da corrupção que nelas habitava parecia dobrar o próprio espaço ao redor, transformando a presença do rei morto em algo que drenava a vida e o calor do mundo ao seu redor.
O corpo de Fergas estava irreconhecível. Suas vestes reais estavam rasgadas e ensanguentadas, o peito marcado por cortes profundos e hemorragias que percorriam sua pele pálida e enegrecida. O rosto, que Agave havia amado, estava distorcido pela morte. Seus olhos, antes vivos e cheios de amor, estavam agora vazios e opacos, sem expressão alguma, como dois buracos negros que engoliam a luz ao redor. A pele, pálida e seca, estava esticada sobre os ossos, e seu sorriso — aquele sorriso que Agave sempre admirara — agora parecia uma careta macabra, revelando dentes manchados de sangue seco.
Ele parou a poucos passos dela, os músculos do pescoço tensos, como se a própria morte ainda não tivesse completado seu trabalho. Sua cabeça se inclinava de maneira antinatural, e, por um breve momento, Agave quase sentiu um reflexo do homem que ele fora — um último vestígio da alma de Fergas. Mas logo essa chama se apagou, e o rei, agora um cadáver ambulante, avançou com uma força brutal, mãos desfiguradas estendidas para ela, como se a amasse em sua última loucura, ou talvez a destruísse. O grito que emanou dele foi mais um rosnado selvagem do que um som pudesse ser emitido por qualquer fada , refletindo a batalha interna entre o amor que ele um dia sentira e a monstruosidade que a morte havia o forçado a se tornar.
***
Amarilis voava mais rápido do que nunca, ela olhou para trás e viu que já estava longe de Nεrάιδα, Então parou por um tempo pousando e respirando um pouco.
Não sabia onde estava e nem como encontrar helianthos. Mas de algo ela sabia com certeza: ela estava em um deserto.
Por um momento ela se esqueceu de Helianthos enquanto observava as plantas que lá havia.
Amarílis caminhava pelo terreno seco sob a luz prateada da lua cheia, que dominava o céu, rodeada por um manto de estrelas. Seus olhos brilhavam ao observar os pares de estrelas que pareciam dançar lado a lado, como casais apaixonados eternamente presos no firmamento. Suas asas lilases refletiam a luminosidade suave da noite, criando pequenos reflexos cintilantes no chão arenoso.
As plantas ao redor, ainda mais mágicas sob o luar, pareciam ter ganhado vida própria. Os caules retorcidos emitiam um brilho mais intenso, como se estivessem absorvendo a luz da lua, e as folhas, sensíveis ao vento noturno, balançavam levemente, criando sombras delicadas que dançavam ao ritmo da brisa.
Amarílis caminhou até um arbusto de folhas opacas e deslizou os dedos por sua superfície. Ela riu ao sentir o formigamento que percorreu seu corpo, a energia parecia profunda, como se o próprio deserto noturno quisesse compartilhar seus segredos com a fada. Ela sorriu suavemente e levantou o olhar para os casais de Huranés que voavam pelo céu noturno. Suas asas translúcidas brilhavam como vidro sob a luz lunar, enquanto deslizavam com leveza, desaparecendo e reaparecendo como reflexos de um sonho.
Mais adiante, os Thylors moviam-se entre as rochas e cactos, suas pelagens azuladas e lilases resplandecendo à medida que se aproximavam uns dos outros. As longas caudas se entrelaçavam com delicadeza, formando laços de energia mágica que pulsavam ao ritmo do ambiente. Amarílis observou os pares de criaturas, encantada com a harmonia de seus movimentos e a paz que emanavam.
Por entre as raízes das plantas retorcidas, ela viu as Vérrus, que se deslizavam silenciosamente pelo solo arenoso. Seus corpos delgados brilhavam com as cores da aurora boreal, ainda mais vivas sob o céu estrelado. Elas também andavam em duplas, movendo-se como se fossem guiadas por uma música inaudível que apenas elas podiam ouvir.
Amarilis sentiu um aperto em seu coração ao olhar para o céu e para todos esses animais em conjunto A maioria em pares como se fosse casais. Ela queria encontrar Helianthos
Finalmente, Amarílis se aproximou de um Fyllare, suas longas folhas espinhosas brilhando suavemente. Com um toque delicado, ela fez a planta cantar. Uma melodia suave e cristalina preencheu o silêncio da noite, misturando-se com o sussurro do vento. Amarílis fechou os olhos e sentiu-se parte da música, uma nota a mais na sinfonia mágica que unia o céu, as plantas e as criaturas ao seu redor.
A fada deixou seus dedos tocarem novamente as folhas, permitindo que a melodia se repetisse, e olhou para o céu estrelado. Os pares de estrelas continuavam a brilhar, como testemunhas silenciosas da beleza daquele instante. Ela sabia que aquele lugar, tão único e vivo, era mais do que um refúgio: era um pedaço da magia pura que conectava todas as coisas.
***
Helianthos sentia a amargura por não ter a sua amada junto de si e também se arrependia por não ter dito o plano de Zaieva antes.
Ele estava voando assim como os casais de Huranés quando a viu.
Ela estava de costas para ele, suas asas lilases abrindo e fechando de forma mágica, os cabelos castanhos ondulavam atrás de si. A princípio ele achou que fosse uma miragem, afinal não seria a primeira vez que ele pensou ter visto Amarílis em sua frente. Mas ela se virou sorrindo, e não era miragem, era real.
Amarilis, que gostara da música que a planta emanava, sentiu um estranho formigamento, aqueles que a gente sempre sente quando tem alguém nos observando. Então ela se virou e sorriu ainda mais ao ver Helianthos. Ela voou depressa para seu amado e o abraçou forte .
-Helianthos!
- Amarilis... Você é real?
Ela sorriu ainda mais e ficou muito mais bonita. Helianthos ficou a admirando.
- Só tem um jeito de descobrir.
Amarílis sentiu o calor do momento crescer como uma chama dentro de si. Sob o brilho suave da lua cheia, ela se aproximou dele, os olhos lilases fixos nos dele, como se toda a magia ao redor os envolvesse em um casulo de pura conexão.
Sem dizer mais nada, ela deixou seus lábios encontrarem os dele. O beijo foi intenso, cheio de desejo, e ele respondeu com a mesma paixão, envolvendo-a com os braços. Suas asas lilases tremularam levemente, enquanto os dedos dele se entrelaçavam nos cabelos castanhos dela.
O mundo ao redor pareceu desaparecer. As estrelas, os casais de criaturas, o som da melodia do Fyllare — tudo parecia agora compor a trilha daquele momento, único e íntimo. Ele a segurou com firmeza, mas com delicadeza, deixando-se levar pela proximidade de seus corpos e pelo calor compartilhado.
Amarilis tirou seu vestido, Helianthos observou a peça azul marinho cair ao chão revelando a pele palida de sua amada.
Amarilis se aproximou mais de Helianthos e tirou a sua camisa .
- Lis... eu...
Helianthos ia dizer algo mas Amarílis o calou com mais um beijo. Helianthos sentiu os seios de Amarílis em seu peito nu e suas asas negras tremeram de excitação.
A magia do ambiente parecia intensificar o que sentiam, como se o deserto fosse um palco preparado para aquela união. Sob a lua cheia, eles se entregaram um ao outro, com a intensidade de quem sabe que o instante é eterno enquanto dura. E quando finalmente se afastaram, seus olhares diziam tudo: amor, conexão e promessa.
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