único
notas:
essa one foi escrita em dezembro de 2018, mas nunca chegou a ser postada no wattpad. escrevi para um projeto que fiz parte no spirit, que acabou tendo seu fim. após um ano e alguns meses, lembrei da sua existência e decidi postar. foi inspirada em "annabelle's homework" do alec Benjamin (segunda mídia). espero que gostem.
único.
Minhas bochechas ficaram vermelhas quando seu olhar encontrou o meu e ele sorriu. Envergonhado, virei-me diretamente para o quadro e arrastei o giz branco sobre a superfície do quadro negro que, cá entre nós, de negro só o nome. Continuei a equação atento, tendo o cuidado de caprichar na caligrafia para que assim Chenle visse o quão bonita era e, talvez, até elogiasse. Mas ele não notou, não admirou e tampouco elogiou. Ele apenas copiou a resposta em seu caderno enquanto a professora me dispensava do quadro e pedia-me para que sentasse na respectiva carteira. Eu sentava logo à frente, perto da mesa da professora e isso impedia-me de ter os olhos sobre Zhong e seu modo fofo de observar o quadro como se aquilo fosse coisa de outro mundo. Trigonometria era, sim, coisa de outro mundo. Era coisa do meu mundo.
Honestamente, sempre tive orgulho de mim mesmo por não passar o final do ano letivo a base de medicamentos para suprir a ansiedade e desespero pelos resultados finais. Notas nunca foram um problema para mim, nunca foram minha dor de cabeça e motivo para estar desesperado ou choroso. E eu sabia que a primeira matéria a qual eu sempre passava de ano era, com toda a certeza, trigonometria.
— Jisung Park! — meu coração parou por alguns instantes quando escutei a voz de LeLe me chamar com tanta urgência, no final daquela mesma aula.
Calmamente caminhei até a sua carteira, um tanto hesitante quanto ao chamado repentino e nervoso demais para trocar-lhe algumas palavras.
— Sim, hyung? — nem sei como ele pôde escutar essas palavras de tão baixas que foram ditas.
— Essa atividade que a professora acabou de passar será cobrada amanhã? — Chenle me perguntou, ao passo que arrumava seus materiais na sua mochila branca da Nike.
— Sim — aquiesci e passei a admirar a cor esverdeada do seu cabelo. Estava lindo, assim como ele.
— Você vai estar ocupado hoje? — seu olhar enlaçou o meu e seus lábios inchadinhos foram esticados para um leve beicinho dramático.
— Não, não, hyung. Pode falar o que quiser, eu faço! — pensei que tinha parado com essa mania estúpida de jogar os outros na minha frente, de tirar-me o protagonismo e privilégios. Contudo, era Chenle quem estava pedindo algo e talvez (só talvez) ele pudesse finalmente notar meus sentimentos por ele. Eu iria tratá-lo bem e agradá-lo.
Ele abriu um sorriso ladrão dos fragmentos mais pequeninos do meu coração que mais parecia os tambores do Olodum, de tanto que estava a bater freneticamente como uma arritmia cardíaca do bem.
— Você pode fazer a atividade para mim? — Zhong Chenle, mais conhecido como o amor da minha vida, empurrou-me o seu caderno de Hotwheels e grudou-o ao meu peito.
— Posso, sim, hyung — apertei-o contra o meu peito.
— Ah, sabe como é, Jisung... Hoje eu tenho um jogo muito importante do time e não poderei fazer a atividade. Estou precisando de pontos na matéria e acho que você pode me ajudar nisso, certo? Irei recompensar! — sua mão pesada deitou no meu ombro esquerdo e, animado, balançou-me levemente. Eu nunca iria saber que ele estava me manipulando.
— Eu entendo, hyung. Pessoas importantes como você sempre estão ocupadas. Talvez eu esteja no jogo hoje... Eu faço a atividade rapidinho, ok?! — eu praticamente saltitei de alegria.
— Ótimo! Eu vou me preparar para ele. E, se até lá você fizer essa atividade, eu dedico uma cesta a você — Chenle jogou a mochila nas costas e atirou-me uma piscadela ilegalmente fofa, para então afastar-se e deixar a sala ao lado do seu amigo Haechan.
Eu estava prestes a explodir de felicidade e não conseguia encontrar nenhum meme na internet que descrevesse minuciosamente o que eu estava sentindo naquele momento. Avisei a minha mãe que iria assistir o jogo e enfiei todo o meu almoço pela garganta. Enquanto os meninos do time de basquete faziam um último treino para o jogo, eu fui rapidamente fazendo o dever de casa de Chenle. Cuidadosamente escrevi o nome dele no canto da folha, fazendo parecer que era ele o tempo todo. Pus seu caderno bonito na minha mochila e bebi meu leite fermentado, finalmente dando-me conta que levei tempo demais naquelas anotações e cálculos, pois o jogo logo ia começar.
Eu estava animado naquele momento, talvez pelo fato de Chenle ter mencionado dedicar-me uma cesta ou eu finalmente pensar que ele havia me notado. Mas não foi bem assim que as coisas se desenvolveram, o que na verdade é uma lástima.
O suor escorria pela minha testa e banhava as sardas herdadas do meu pai que há décadas veio, por casualidade, parar na Coréia e conhecer minha mãe. Aliás, não quero mencioná-lo com tanta exatidão, não quero tornar tudo mais triste. A forma mais sucinta de citá-lo é falar que era estrangeiro, amava a família e faleceu após uma doença crônica quando eu apenas tinha meia década de vida.
Enfim, eu estava totalmente exausto de gritar, torcer e insultar o time adversário como se soubesse cada regrinha daquele esporte, como se pelo menos entendesse como funcionava. E mesmo que eu tivesse tênis de basquete, camisa de um time e uma mãe que vive a recomendar-me praticar o esporte, eu não tinha a mínima ideia de como funcionava aquele negócio. A única coisa que sei é que eu praticamente vesti uma saia e balancei dois pompons gritando pelo meu amado.
Mas isso só foi o primeiro tópico da listinha das coisas que não valiam a pena em relação a Zhong Chenle. Eu pulei, gritei, me acabei, praticamente chorei e soltei tantos palavrões que, se minha mãe soubesse, minha tez ia ficar deformada de tanto que eu iria apanhar. Porém, ela nunca soube. E quando perguntou-me, assim que cheguei em casa, como foi o jogo e qual time ganhou, eu apenas abaixei a cabeça e suspirei lamentavelmente.
— Foi o nosso, mamãe, foi o nosso — contei com uma falsa animação, mesmo sabendo que nunca conseguiria enganar minha própria mãe.
— Mas o que houve para você ficar assim? — sua indagação estava, em parte, equivocada.
A real pergunta deveria ser: Mas o que não houve para você ficar assim?
— Nada, mamãe — estiquei minhas meias de futebol e subi as escadas da casa.
E a real resposta deveria ser: O que não houve, mamãe, foi a dedicação da cesta que Chenle prometeu fazer a mim. E ele fez tantas...
{•••}
Eu caminhava cabisbaixo de volta para a classe, no dia seguinte. Entreguei a minha atividade, entreguei o caderno para Chenle. Ele sorriu e agradeceu... Agradeceu pela trigonometria, somente. Porque era o que eu significava para ele. Apenas números.
— Jisung-ah — sua pele de leite encostou a minha quando o chinês ousou sentar-se ao meu lado naquele dia — Está meio triste?
— Eu estava no jogo ontem, hyung, e nada da minha cesta — evitei fazer contato visual com ele.
— Mas todas as cestas foram para você, Sungie — ele segurou o meu braço e acariciou-o. Eu senti meu estômago dobrar de agonia.
— De verdade?
— Sim! — Chenle abriu aquele sorriso e... Ah, meu Deus, eu amo esse sorriso! — Você vai estar muito ocupado nesse feriado?
Eu tinha de arrumar o meu quarto, organizar a minha casa na árvore e fazer compras com mamãe. No entanto, como num passe de mágica, tudo isso sumiu e eu me senti o maior desocupado do mundo.
— Claro que não, pode pedir o que quiser! — eu sorri encantadoramente.
— Vi no ranking que você é bom em geografia, e eu meio que preciso de ajuda nessa matéria... — ele articulou uma péssima expressão de pena que, infelizmente, caí de bom grado.
— Oh... Você quer aulas particulares? — por que raios eu vim propor aquilo?
— Não vai dar, Sungie, tenho que sair com meus pais para comprarem um novo tênis para mim e irei visitar a minha avó na China. Talvez fique para a próxima, não sei. O que preciso nesse momento é que você faça as minhas atividades pendentes — ele tirou do colo o livro de Geografia e o pôs sobre a minha mesa.
— Sem problemas, hyung — tentei não demonstrar o nervosismo na voz — Quais páginas são?
— Todas as atividades entre as páginas 15 e 45 — tamborilou os dedos na capa do livro e esperou a minha resposta ou qualquer reação.
— Posso fazer, sim — balancei a cabeça.
— Sabia que podia contar com você! — E então me deixou sozinho ali, com o livro em mãos e finalmente dando-me conta de que entre as páginas 15 e 40, 15 delas somente eram de atividades.
Eu pensei que só seria aquela vez, pois nada indicava que iríamos ter uma espécie de relacionamento a base de atividades escolares e respostas dadas. Passei o feriado inteiro respondendo aquelas páginas e, ainda que tenham levado muito do meu tempo e trouxe-me um cansaço mental, eu estava feliz em poder fazer as coisas por Chenle. Talvez depois daquela atividade ele poderia me chamar para sair, não sei. Era o que eu esperava, de verdade.
Também, não queria jogar fora todas aquelas horas preso naquela casa na árvore que empenhei-me tanto para construir quando menor. Era o meu lugar sagrado e ninguém tinha acesso àquele lugar, nem mesmo mamãe. E, ao invés de eu estar assistindo algum drama em ascensão do momento, ou talvez uma série americana, eu estava lá gastando a ponta do meu lápis favorito para escrever sobre PIB, Densidade Demográfica e Nova Ordem Mundial. Eu estava de saco cheio, mas só em imaginar o rostinho de Lele numa expressão de tristeza por eu não ter feito o dever... Céus, eu desmantelava inteiro de pena e dor!
Por isso fiquei aliviado em vê-lo após o feriado, brincando de basquete com Jeno, que também era do time. O sol estava bem forte na quadra externa, então meus olhos pareceram pequenos quando eu apertava-os por conta da claridade que ousava machucar-me. Foi então que percebi uma coisa.
Chenle era como o sol: iluminava o meu dia, mas queimava a minha pele.
— Chen hyung — acenei para ele com um sorriso no rosto.
— Hey, Jisung, sai da quadra! Estamos gravando! — Escutei a voz de Jaemin vindo da arquibancada e, quando virei-me para olhá-lo, ele estava com o celular em nossa direção.
— Oh, desculpa, hyung — curvei-me atrapalhado e afastei-me dos dois, caminhando rapidamente para o banco onde o Na estava sentado. — Como você está, hyung?
— Aish, Jisung, você está atrapalhando o áudio! — Jaemin reclamou e então eu fiquei caladinho, com as pernas cruzadas e apertando o livro de Chenle contra o meu colo.
Quando o Na terminou a gravação e pareceu estar editando alguma coisa, eu pensei que já podia descer e falar com Chenle. Mas ele continuava jogando com Jeno e eu não queria atrapalhar mais. Também não gostava daquele silêncio mortal naquela arquibancada.
— O que é isso que você tenho segura? — Jaemin indagou, sem tirar os olhos da tela do celular e claramente se referindo ao livro de Zhong.
— Ah, é uma atividade... — ajeitei a minha franja ruiva e apertei os lábios. Eu sentia falta de Jaemin. — Estou quebrando um galho para Chenle.
— Sério? — ele finalmente olhou para o meu rosto — Agora deu de fazer favorzinho pro mimadinho Zhong?
Meu rosto ficou vermelho de vergonha e raiva.
— Não! Mas o que você está fazendo, afinal? Pelo o que eu saiba, gravar ele também é considerado favor!
Jaemin riu com o que eu disse.
— Eu estou gravando o Jeno — e então apontou para o Lee que tinha acabado de fazer uma cesta de 3 pontos e gritava para o Na não parar de gravar nem por um segundo.
— De todo modo, só estou sendo legal — dei de ombros e me levantei — Você não deveria se importar muito com o que eu faço.
— É verdade. Eu ainda me importo... — Jaemin ergueu o celular e retomou a filmagem.
Com passos firmes, desci cada degrau e invadi a quadra com as reclamações do Na perfurando os meus tímpanos. Chenle parou de correr atrás de Jeno e os dois jogaram suas atenções para mim.
— Chenle, aqui está — rntreguei o livro e ajustei a alça da minha mochila — Tentei fazer com que a letra parecesse com a sua. Foi um pouco difícil...
— Obrigado pela geografia, Jisung — Ele sorriu para mim, mas logo curvou-se para pegar a bola e voltar ao jogo com Jeno.
Sobre o ombro do chinês eu vi um Jaemin visivelmente decepcionado, abanando a cabeça lentamente e, em seguida, revirando os olhos. Eu não compreendia o porquê daquilo. Chenle estava me pedindo um favor e, como sou bondoso, somente fiz o que tinha pedido. Além disso, eu tinha certeza de que Chenle poderia gostar de mim ao saber que eu era tão bom para ele e fazia as coisas com carinho.
Então deve ser por esse motivo que, na semana seguinte, ele veio com um risinho frouxo e um jeitinho de quem estava carinhoso demais para uma segunda-feira, pegando na minha mão, acariciando e chamando-me de Sungie para que eu passasse as respostas do teste de trigonometria para ele.
— Eu não faço isso, eu tenho medo de me pegarem... — me sentei na minha cadeira e engoli em seco.
— Mas, Sungie... — Zhong aproximou-se mais de mim e apertou-me as bochechas. Eu detesto quando fazem isso comigo — Por favorzinho...
— Eu não sei se consigo — estava tentando uma desculpa para fugir daquela situação.
— Consegue, sim! — o sorriso dele era como colírio para os meus olhos — É só se inclinar para o lado, Sungie!
— De verdade?
— Sim!
— Certo, então...
— Obrigado, obrigado! — Chenle praticamente se jogou em cima de mim, me abraçando sem parar com tanta animação que chegou a ser sufocante.
Mas, de acordo com artigos na internet, depois do abraço vem o beijo na bochecha, e depois do beijo na bochecha vem o beijinho na boca. E eu já estava vermelhinho de tanto delirar a respeito de como seria ser beijado por Chenle.
Como pedido, virei de ladinho várias vezes durante a prova, com o pensamento de que Chenle iria me dar um beijinho como recompensa. Eu não me importava se estava me iludindo ou pensando demais em algo utópico, eu só queria que tudo ocorresse bem entre nós dois. Quando eu sentia seu tapinha nas costas, sabia que ele estava pedindo a resposta e eu praticamente desenhava setas, fazia círculos, pintava bem forte só para ele enxergar a alternativa correta.
— Ai, Jisungie, você salvou a pátria! — alegrou-me a sua alegria após o teste.
Eu sorri sem graça e deixei-o ir embora com Haechan. Eles conversavam e riam bastante, também sussurravam coisas e eu ficava me perguntando se estavam a falar de mim. Na calada da noite, quietinho na minha cama, eu gostava de pensar se Chenle estava pensando em mim. Eram essas coisas pequenas que alimentavam meu romance irreal. Porque toda vez que ele vinha com aquele olhar pidão, aquelas bochechinhas avantajadas, os lábios inchadinhos sussurrando súplicas, eu não conseguia dizer não.
Era sempre a mesma coisa, as mesmas histórias, os mesmos papos sobre o time de basquete, as mesmas desculpas sobre estar ocupado e etc. E ele nunca falava de outra coisa, aliás. Eu encontrava-o com Haechan, mas ele se afastava do Lee quando este começava a reclamar sobre sua miopia e pedia que Chen comentasse a respeito da sua nova armação de óculos. E então ele ia falar com Jeno, o qual vivia com sua calça larga com tiras neon e era carregado com gírias de hétero — ou melhor, foi isso o que Jaemin certa vez me disse, quando eu encontrei-o no banheiro e perguntei sobre suas novas amizades.
Gostaria de voltar no tempo, quando eu tinha amigos e Jaemin vivia comigo na minha casa na árvore. Brincávamos de tudo e vivíamos com os joelhos ralados de tanto que corríamos pelo meu quintal imenso. As tardes eram gostosas, frescas e divertidas. Era um tempo bonito aquele. Eu sinto falta...
— Ei, por que raios você vive com um caderno ou um livro na mão? Você é inteligente, garoto, não precisa se acabar todo com essas atividades — Na Jaemin apareceu do nada quando eu estava na biblioteca, enfurnado como um presidiário e rodeado de livros de química.
— Vê se não se mete! — fui rude porque eu estava cansado de todas as vezes que Jaemin vinha trocar duas palavrinhas comigo e depois sumia, me tornando a sua amizade de corredor e apagando toda a nossa história anterior. Eu nem sei porque ele se afastou de mim de repente.
— Ui, nossa! Que perigoso ele... — sua ironia fez-me revirar os olhos e então Jaemin arrastou um dos livros até ele — Está precisando de nota em química? Que dia é hoje? Trinta de fevereiro?
— É para um amigo — decidi contar logo, mas não parei de responder a atividade de Chenle.
— Zhong Chenle?
— Bem, não importa.
— Você tá ligado que você só é mais um que faz as atividades dele, né? — as palavras do Na me despertaram por um segundo, então larguei o lápis e levantei o olhar.
— Chenle vai gostar de mim quando eu terminar essa atividade — esfreguei meus dedos nos fios ruivos do meu cabelo, separando algumas madeixas.
— A última vez que te falei sobre isso, Jisung, foi há duas semanas atrás. É sério que você está fazendo as atividades dele por esse tempo todo?
— Hyung, sinto muito, mas você está interpretando errado. Eu estou fazendo porque eu gosto, eu realmente quero ajudar.
— Sim, mas e você? Eu sei que não somos tão próximos como antes, mas não quer dizer que eu não importe mais com você. Fiquei sabendo por Jeno que você não tem entregue suas atividades em dia, é verdade? — seu olhar intenso iria arrancar toda a verdade sobre eu não aguentar mais me esforçar tanto por exatamente nada. Mas eu tinha que manter minhas ilusões intactas.
— Sim, é — abaixei a cabeça.
Era difícil concordar com aquilo. Era difícil admitir que estava jogando Chenle na minha frente, dando prioridade às suas atividades e esquecendo das minhas. E se isso não bastasse, meu corpo estava exausto de tanto tempo que eu gastava sentado no chão da minha casinha, minhas mãos estavam doendo de tanto que eu forçava-as com o intuito de forjar a sua letra. Também tinha a minha cobrança interna, com medo de que Chenle desgostasse de mim e se decepcionasse por eu não fazer o que pediu. Ele estava contando comigo. E eu sequer sabia se, no mínimo, ele me considerava um amigo.
— Para com isso, Jisung, é sério — a mão de Jaemin massajou as minhas costas e sua voz aveludou-se com o seu pedido — Você tem que pensar em você. Chenle está te usando...
— Barbiezinha! — alguém chamou NaNa por um dos seus apelidos do momento, uma vez que seu cabelo estava rosa e ele ficava todo meigo — Seu Ken Renjun está aqui! — era Jeno quem gritava.
— Só porque Ken é loiro, não quer dizer que Renjun é o meu — Jaemin levantou-se do meu lado e foi se encontrar com seus amigos.
Os três saíram rindo alto. Eu saí pensando alto. Alto porque meus pensamentos sapateavam na minha cabeça e eu já não sabia em quem acreditar. Uma hora eu achava que Chenle gostava de mim, outra hora eu não achava. E eu já estava triste demais quando fui caminhando para a classe. Entreguei sua atividade e ele sorriu. Não me alegrava tanto quanto antes. Parece que tudo tinha ficado desbotado.
— Obrigado pela química! — sua mão alcançou minha orelha, fez carinho e veio percorrer o meu rostinho — Ah, Sungie, suas sardas são as coisas mais lindas do mundo!
Mas era só ele vir com aquele tom gostoso, aquela apertadinha nos olhos e aquele Sungie embargado que eu já me derretia inteiro feito sorvetinho debaixo do sol.
— Obrigadinho! — eu sorri mostrando meus dentinhos e quis esconder meu rosto vermelho de vergonha.
— Vem cá, Sungie — ele me segurou pela mão e me levou até a rampa da escola onde muitas pessoas aproveitavam para trocarem beijos escondidos no cantinho, no ponto cego da câmera de segurança.
— Sim, hyung? — pisquei os olhos várias vezes só para saber se aquilo era real. Eu nunca tinha parado ali, só aparecia de passagem.
— Eu queria te recompensar por ser tão bonzinho... — sua mãozinha ajeitou minha franja e, de repente, ele se aproximou demais de mim que meu coração bateu tão acelerado! Eu pensei que ia morrer!
Antes mesmo de eu sequer pensar no que ia acontecer, os lábios e Chenle grudaram-se aos meus e afastaram-se tão rápidos quanto chegaram. Ele sorriu para mim e foi andando pela rampa abaixo, me deixando com meus sentimentos bagunçados e em total euforia. Eu não sei de ria, gritava ou pulava. Estava tão feliz!
Contei para mamãe sobre meu primeiro beijinho e ela me escutou atentamente. Ao final da narração, disse que estava feliz por eu estar feliz, mas que eu me assegurasse que Chenle realmente gostava de mim e que queria estar comigo, zelando por mim e cuidando de mim. Ela me deu permissão para namorar e eu estava me sentindo tão radiante que não me importei com a redação que ele me pediu para fazer sobre a legalização das drogas. Me esforcei para igualar a minha ortografia à dele e, mais uma vez, escrevi seu nome no canto da página. Tracei aquele "Z" pela milésima vez e fiz com que tudo parecesse dele.
Mas eu deveria saber que meus esforços nunca seriam o suficiente para conseguir o coração de Zhong Chenle. Tudo seria jogado no ralo, de qualquer jeito. E aquele beijo estúpido só foi uma das besteiras que arranjei tanto significado fútil que eu mesmo acabei por construir o meu caixão e colher as flores para meu funeral. Porque, por mais que Chenle ficasse feliz com as atividades feitas, eu não era nada para ele. A prova disso veio no dia seguinte, assim que seus amigos perguntaram sobre a prova do dia posterior e ele simplesmente respondeu que não precisava estudar, uma vez que me tinha como fonte de exatamente tudo.
— Bem que eu achei essa proximidade de vocês dois estranha... — Haechan não falava nem um pouquinho baixo quando estava entre as prateleiras da biblioteca.
— Aish, seu bobão! É claro que eu preciso de notas em trigonometria! Por que mais eu iria falar com ele? — Chenle também não falava baixo. Eu desejei não ter escutado.
— Eu sei lá, Chenle! Você é todo esquisito! — Haechan riu e, em seguida, um som de um tapa correu o ambiente — Meu Deus, que violento.
— Você deveria fazer isso também, Haechan. Melhor do que se acabar fazendo essas atividades irritantes. Você já é bonito, então não precisa de mais nada...
Eu deixei a biblioteca antes de escutar mais alguma coisa desagradável. Me senti machucado, porém acreditei que Chenle tinha falado aquilo somente porque Haechan não entenderia os sentimentos dele. Acreditei nisso e foi o que me manteu em pé por uma semana inteira de mais atividades, mais equações, mais "X" para descobrir e mais ângulos para identificar. Mais uma semana sendo ignorado por Chenle, apenas recebendo seu sorriso formado, seu "obrigado pela trigonometria" e logo em seguida sua virada de costas.
Meu calendário estava cheio de traços e eu contei cada marcação feita: 20 dias e 19 noites resolvendo equações para Zhong Chenle. E valia a pena, afinal de contas? Eu virava a noite, me internava na biblioteca e deixava de comer e beber água somente para receber um "obrigado pela trigonometria." Eu não conseguia entender o porquê das coisas serem daquele jeito comigo. Eu só queria ser amado por Chenle. Eu não sabia o que mais precisava fazer para tê-lo.
E Jaemin sempre vinha me alertar que estava sendo usado, que não valia a pena fazer aquilo e que era para eu deixar de lado. Eu não queria machucar Chenle, não queria desapontá-lo. Eu só queria poder amá-lo e ser amado, não era um problema.
— Ei, Sungie! Estude bastante, ok? E não esqueça que eu preciso entregar as dez questões feitas até amanhã, certo? — Zhong apareceu para falar comigo no final da aula.
— Hyung, eu não estou me sentindo bem... Acho que não tenho me alimentado direito, estou me sentindo fraco. Hoje eu vou descansar um pouquinho, não quero passar mal — expliquei-me com cuidado, esperando que ele entendesse o que estava se passando comigo.
Seu sorriso caiu, mas ele não estava triste por mim. Não verdadeiramente.
— Ah, mas são só dez questões! Você faz isso rapidinho, eu sei que faz... — puxou-me a manga do casaco.
— Você pode tentar fazer essas, não? Eu realmente não estou muito bem... — afastei-me dele, hesitante.
— Não, Sungie. Eu preciso de você! — eu não vi lamento nos seus olhos — Você quer outro beijinho?
— Mas eu não estou bem, Chenle... Por que acha que vai me convencer assim? — abracei a mim mesmo e esperei que ele mudasse de postura. Ele queria me comprar.
— É porque até agora tinha funcionado — seu dar de ombros me trouxe à realidade e eu pude perceber que, de fato, estava funcionando até aquele momento. — Se você não quiser fazer, tudo bem. Eu já estou acostumado com as pessoas virando as costas para mim...
Ele estava se vitimando somente para ter o que queria. Eu estava me vendendo. Ou melhor, dando-me de bandeja para aquele chinês que, infelizmente, tinha o meu coração e todo o meu tempo que eu poderia estar fazendo algo para mim. E então eu me vi ansioso, cansado e triste demais para perceber que foi Chenle quem havia causado isso em mim, usando o meu amor para conseguir suas notas ridículas.
— Tudo bem, hyung. Eu faço — cedi. Ele apenas sorriu.
Assim que cheguei em casa, deixei minha mochila perto da porta, tirei dos pés meu tênis cheio de lama da recente chuva e deitei-me no colo de mamãe como uma criança que havia acabado de cair da bicicleta e não conseguia parar de chorar. Mas nem chorar eu pude direito, mesmo que mamãe não parasse de perguntar o que houve. Quanto mais eu chorava, menos tempo eu tinha para fazer a atividade de Chenle. Aquilo estava me matando.
— Mamãe, por que é tão difícil alguém me amar? — Perguntei quando já estava mais calmo. Mamãe fazia carinho na minha cabeça e círculos na minha maçã do rosto cheia de pintinhas. — Por que só a senhora parece me amar? Por que eu não tenho amigos? Será que há algo de errado comigo?
— Não há nada de errado com você, Jisung. O problema está nas pessoas.
— Mas em todas, mamãe? Por que todas somem, de uma hora para outra. Jaemin só fala comigo três vezes por mês e olhe lá! Chenle só me quer porque faço suas atividades de trigonometria e... Bem, só tem eles.
— Porque você está tão desesperado que acaba por não ser você, Jisung. Para de tentar agradar as pessoas.
Mamãe pediu para eu parar de agradar as pessoas e eu fiquei com aquilo em mente enquanto resolvia aquelas equações do caderno de Chenle. Acordei com os olhos inchados pelo tanto que chorei na noite anterior. Faltava a última questão, mas eu iria fazê-la de última hora na escola. Ao encontrar Chenle no corredor, avisei que ainda precisava terminar.
— Vê se termina logo — ele mandou.
Chenle passou direto e não sorriu para mim. Chenle não estava com a voz melosa, sequer me chamou de Sungie. Chenle não apertou os olhinhos, tampouco minhas bochechas. Será que meu doce e querido Chenle tinha mudado de um dia para o outro? Não. Chenle teve tudo o que precisava ter de mim, sugou tudo o que queria e usou-me pelo tempo que necessitava. Não precisava mais fingir. Não tinha porquê.
Com seu caderno de Hotwheels contra o peito, enfiei-me numa cabine do banheiro e decidi logo terminar aquela porcaria. Chequei meu calendário: 22 dias e 21 noites traçando cada "T" só para agradá-lo, e no final apenas para descobrir não valia a pena fazer o dever de casa do Zhong. A folha do caderno estava embaçada pelas lágrimas que escorriam dos meus olhos. Mesmo assim, eu consegui terminar. Pus o caderno na minha mochila e calmamente fui andando até a classe.
— Obrigado pela trigonometria — Ele não sorriu.
Cuidadosamente eu fui me afastando, assim ele não podia ver no meu rosto como eu estava tão mal. Eu me decepcionei. Me decepcionei porque estava desesperado para ser amado. Pensei em ir chorar no banheiro outra vez, então coloquei meu gorro preto na cabeça e fui saindo antes mesmo da professora aparecer. Contudo, choquei-me no corredor com Jaemin e ele notou as lágrimas no meu rosto.
— O que houve, Jisung? — seus dedos capturaram as lágrimas rolantes na minha pele.
— Nada, eu vou ao banheiro — apressei-me para ir ao banheiro e só me dei conta de que NaNa tinha me seguido quando ele acabou por entrar comigo na cabine e me abraçar forte assim que sentei-me no chão e passei a chorar.
Eu deveria saber que o amor não é para venda. Minha mãe tinha me educado muito melhor do que aquilo e, se soubesse minuciosamente do que eu tinha feito, eu também teria de ver uma expressão de decepção no seu rosto. Era pra eu saber desde o início que Chenle não iria me notar. Ele só queria a maldita trigonometria, não o meu amor. Pelo seu olhar impassível, tive certeza de que eu era só mais um que tinha se machucado fazendo o dever de casa do Zhong.
Pelo menos eu tinha Jaemin ali comigo, me fazendo carinho e me abraçando. Ele sabia que eu iria me machucar e tentou me alertar. Porém, estive cego pela minha paixão utópica que só existia na minha cabeça. Joguei todo o meu tempo no lixo.
Não importa quantas folhas eu escrevesse, o quão minha letra parecesse com a sua, quantos "T" fossem traçados, quantos "Z" fossem desenhados. Não importa. O resultado da equação nunca seria eu e Chenle. E eu deveria ter percebido isso antes.
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