FINAL - YURI MARTEL - PARTE 02



No quarto dia de festa, logo cedo, recebemos a pior de todas as notícias que eu poderia ter recebido em 11 meses de montanha. O corpo da pequena Cora chegou na montanha, dentro de um pequeno caixão branco, em uma charrete grande, puxada a boi, lotada de flores. O Cael pediu a todos os moradores que formassem um corredor de gente e, por aonde ela passasse, flores fossem jogadas aos seus pés. Um touro forte, robusto, levava a carroagenzinha, em cima o Cael, inconsolável. Tão inconsolável que eu o deixei fazer todo o trajeto sozinho junto a mãe. Aquele dia mal nos falamos por ele estar em luto. Chovia bem fraquinho naquela tardezinha fria. Eu acompanhei a todos abraçados a Yara que também estava muito emocionada, ainda mais estando grávida.

- Cael vai precisa de muito apoio Yuri – disse ela enquanto meu amor colocava o pequeno caixão dentro de uma vala, embaixo a uma árvore linda que ficava a beira da represa.

Um coro de vozes cantavam "Segura na mão de Deus!".

- Será um presságio? – perguntei no ouvido da Yara.

- Do que está falando?

- Amanhã é meu aniversário, digo, daqui algumas horas. Amanhã será o último dia de festas e de Poti.

- Não pense assim. Pense em vocês e tudo o que será daqui para frente. Hoje será o começo de tudo.

Ficamos embaixo da árvore até todos irem embora. Cael mandou os argentinos levarem a mãe da Cora até a cidade.

- Eu tinha uma ligação tão forte com essa garotinha. Eu sabia que ela ia embora, mas logo hoje? Eu fiquei tão cego pela festa que não pude dar ela 01 minuto da nossa festa.

- Ela recebeu a melhor de todas as festas, você deu a ela suas últimas alegrias. Olhe o que fizestes há uma semana?

- e mesmo assim não pude dar o meu último adeus. Ela era tão pequena, tão frágil, tão cheia de vida!

- Voce deu a ela o que ninguém pode dar... seja grato por isso. Viva isso e seja o que a Cora te tornou.

Ele ficou sentado por mais uma meia hora em cima do monte de terra que significava um túmulo.

- Está na hora de irmos. Está na hora de sermos o que nós criamos.

- Vamos ficar em casa, meu amor!

- Terá um tempo que chorarei pela Cora, mas não hoje. Ela me deu mais forças para continuar - disse ele mostrando o antebraço completamente roxo. Roxo pelas montarias.

Nos aprontamos e logo fomos para arena lotada. Já não conseguíamos entrar pela porta da frente, com tanta gente na cidade. O Cael pediu durante as orações, 01 minuto de silêncio pela garotinha que tanto nos encheu de alegria e nos encorajou a tomar uma vida diferente. E mais uma vez o Cael fora campeão da noite, na soma de pontos, o Cael já era imbatível, consagrando assim, o Campeão Nacional de Rodeios de 2016. A próxima noite, seria apenas uma montaria simbólica para entrega do prêmio. Chegamos na montanha já passavam das 08 da manhã. Paramos a lancha na beirada da represa.

- Vamos pular? – perguntei apontando a represa com a cabeça.

- Jura?

- É meu aniversário! – disse fazendo-o rir.

Arrancamos nossa roupa, ficando apenas de cueca e pulamos na água cristalina e gelada.

- Ah filha da puta, vai tomar no seu cu, vai se foder! Que friaaaaaaaaaa!

Eu sentia a mesma coisa, mas aquela água gelala me trazia muito mais que xingamentos, meus músculos agradeciam pelo momento.

- 36 anos Yuri Martel e já sabe o que quer de presente? – perguntou ele cuspindo água na minha cara.

- Comer você, com essa roupa de peão e essa cueca preta, o dia inteiro, lá em casa e com força.

Ele começou a rir que não se aguentava. Ria tanto que saia água pelo nariz.

- Você, definitivamente, não presta!

- Você só fica rindo ainda, mas não me respondeu nada! Pode falar a verdade, vai me dar esse presentão ou não?

Ele ficou me encarando e rindo que nem tonto, abriu a boca umas 04 vezes para dizer algo, mas nada saíra.

- Com força mesmo? – perguntou ele rindo, com o queixo tremendo de frio.

- Muita, muita mesmo!

- E eu faço o que depois pra andar, montar no touro, porque hoje é a premiação?

- Isso é problema seu, o cu não é meu! Quer dizer, é! Por isso vou fazer o que quiser.

- Vamos pra casa, então?

- O que? Não. Não pode ser! Jura?

- É seu aniversário garoto, lembre-se que ano que vem é minha vez de fazer pedidos assim!

- Não acredito! Não acredito mesmo no que estás dizendo.

E não é que ele cumprira a promessa dele. Caralho, nunca tinha visto o CAel se entregar tanto na cama como naquele dia. Passei o dia de Rei. Só fazendo amor (com força, logico!), comendo muito churrasco, bebendo cerveja, tomando banho e repetindo tudo e tudo de novo.

"Desculpe leitores se vos deixei constrangidos, desconsertados, com vergonha do nosso amigo, mas amor é isso. Amor é brincadeira, é papo sério, é descontração, é brigas, sexo, sexo com romance, sexo selvagem, mas o importante é que sempre que amar, faça algo entre vocês dois e tudo que fizerem será apenas o momento de vocês. Amor é companheirismo e troca de experiências entre vocês, acima de tudo, entender e respeitar as diferenças."

Ficamos admirando a cidade cheia ao alto da montanha naquele finalzinho de tarde. O publico deveria passar dos 100 mil, com toda certeza. Se havia ônibus ao pé da montanha (que fica 20 kilometros da cidade) imagina os que ainda estavam chegando.

- Você definitivamente é a coisa mais espetacular que a vida fez Yuri Martel. Todos os amores possíveis e imagináveis que eu pude sonhar, nada chega aos pés disso tudo que me dá. Você chegou aqui há um ano, completamente tonto, me mudou nesse tempo e me transformou no ser mais passivo de amor do mundo. Eu não entendo como eu necessito tanto de você. Eu não entendo como meu corpo faz parte do seu. Eu não entendo como meu coração não bate para mim. Eu não entendo como o ar que respiro não vai para meus pulmões. Tudo isso aqui é seu. – dizia ele em meio as lagrimas.

- Nossa, que lindo! – disse chorando.

- Você já experimentou de tudo nessa vida. Todas as substancias, mas queria saber se alguma se comparava a isso que sentimos?

- Nenhuma droga se compara a isso, meu amor. Nada feito pelo homem chega nesse nível.

- Então eu sou a única droga que podes consumir, entendeu?

- De todas que já experimentei, nada se compara a você. Então, não há motivos para buscar outras no mundo.

- Eu acredito em você Yuri. Acredito nesse homem que você me mostrou. Então vai lá, monte o Zebu e mostre ao mundo quem é voce.

Apenas concordei com um beijo gostoso. Nos trocamos e fomos para o recinto. Agradeço muito por ter aquela lancha, pois demoraríamos uns 5 anos para chegar a arena, caso fossemos de carro. Paramos a lancha no meio da cidade e pedimos ao Tião leva-la de volta. Voltaríamos com o Camaro amarelo que – com muito esforço da organização – nos premiaria. Ao todo foram 04 camionetes para o Cael e mais um Camaro. Andamos pelas ruas de Poti, aonde os peões eram recebidos como verdadeiros heróis. Quando chegou a vez de anunciar os campões, tocaram "Camaro Amarelo" do Munhoz e Mariano. Assim, arena toda explodia quando o carrão entrara no recinto.

- Quero agradecer, de coração, as milhares de pessoas aqui. Quero agradecer aos touros que me deixaram vivos – disse ele arrancando gargalhadas - Quero agradecer ao Yuri Martel por toda essa ideia maluca. Quero pedir a todos que cantem parabéns a ele, pois hoje é seu 36º aniversário.

Era imensurável o barulho que milhares de vozes, palmas e assovios faziam naquele momento. Primeira vez na vida eu ganhava algo por mérito próprio. Quero dizer, não precisei me vender, fazer vídeos na internet, bater fotos de sunga, cueca, semi nu, deixar um vídeo meu fazendo sexo "cair na net". Porque hoje, há centenas de pessoas que deixavam as fotos "vazar" "sem querer" na internet, mas o que a maioria não sabe, que isso é autopromoção. Não, hoje era eu com meu potencial. Todos que viram a minha queda, iriam ver eu ressurgindo. Como de esperado, após o imenso "Parabéns a você", todos entraram na arena junto aos touros para o estouro da boiada.

- ÉS A ULTIMA CHANCE PARA QUALQUER UM AQUI. POR ENQUANTO, YURI MARTEL É O CAMPEÃO DA COMPETIÇÃO, FICANDO INVICTO POR MESES. SERÁ QUE O TÍTULO CONTINUARÁ DEPOIS DE HOJE?

Disse o locutor para milhares de pessoas gritarem e pisotearem a arena ao ponto de tudo tremer.

- ZEBU, ZEBU, ZEBU, ZEBU, ZEBU, ZEBU, ZEBU!

Eles berravam para o touro, mas eu sabia que era meu nome que eles queriam ver. Vieram quilômetros de distância para fazer o maior touro brasileiro, deitar-se como um gato.

- UM SALVA DE PALMAS AO CAEL QUE IRA FAZER ESSES ANIMAIS CORREREM HOJE.

E lá estava o Campeão dos Campões, todo trajado de negro e com seus facões. A multidão berrada e pisoteava a cidade toda. O chão tremia tanto que meu coração parecia sair pela boca. Os animais começaram a correr em círculos, como de costume. Deveria haver umas 500 pessoas na arena, além dos animais. E lá estava o Zebu, parado, intacto, me encarando. Estranhei seu comportamento comparado aos demais. Todos giravam naquele círculo, fazendo poeira subir, mas o Zebu ficou parado num canto. Machucado, pensei comigo? Talvez! Mas eun não ia descobrir

- ESTÁ VALENDO! – berrou o locutor com as milhares de pessoas o acompanhando.

De repente, sem o menor aviso, um estouro como trovão e um tremor fez de gritos de alegria para gritos de susto. Era um som diferente, um som que eu já tinha ouvido antes, mas num lugares estupidamente diferente.

"'Há anos atrás fui visitar as geleiras da Antartida, lá, o gelo se partia em variados sons, um deles, me lembrava esse que eu ouvi agora. O trovão que começara na cidade, ia caminhando devagar rumo a montanha."

Os touros da arena, que antes corriam em círculos, agora já estavam cego e se atirando contra as pessoas.

- O QUE ESTÁ ACONTECENDO? – Berrei ao Tomé que estava poucos metros – O QUE FOI ISSO?

- SE ESQUIVE DOS ANIMAIS, APENAS! - berrou ele saindo por uma cabeçada de touro - EU E OS DEMAIS VAMOS TIRAR TODOS DAQUI. VAI EMBORA.

- NADA DE PÂNICO, VAMOS TODOS FICARMOS CALMOS. PARTICIPANTES SAIAM DA ARENA. PARTICIPANTES, SAIAM DA ARENA.

- Cael? – chamei o rapaz que trajava negro e tinha o semblante sério – Cael?

- NADA DE PÂNICO, VAMOS TODOS FICARMOS CALMOS – repetia voz vinda dos auto falantes.

- Todos caminhem até as tábuas e com calma!

- NADA DE PÂNICO, VAMOS TODOS FICARMOS CALMOS.

Os animais iam saindo da arena com tanta facilidade que chegava a me assustar. Até pareciam que estavam colaborando com a gente. Caminhei calmamente até a beirada, assim como o Cael pedira, para eu mesmo ser um exemplo.

- Não precisam se assustar – disse o meu noivo.

E como uma rocha que despenca, sem freios, de uma barranco, o touro negro acertou o Cael por trás. Seu chifre atravessou da sua bunda, saindo no meio das coxas. Ele foi arremessado para o alto, com uma facilidade absurda, como se fosse feito de pano, caindo já em estado fetal. O coro de vozes berrando "hullllll" foi assustador. E como acontecera comigo, o touro voltou ataca-lo. Sem pensar, corri até aonde estava o Cael e parei bem na frente do touro.

- WOWWWWWWWWWWWWW PARE – berrei para o imenso animal.

Ele soltou um barulho, tipo mugido, mas bem grave e ameaçadoR. Então, fechei os meus olhos e procurei focar sua respiração, acertando aminha com a dele. Então, abri novamente os olhos e lá estava ele com a cabeça baixa, me encarando. Não ouvia-se nenhum barulho na arena. Milhares de pessoas paradas, estáticas, sem respirar assistiam a cena. Não sabia ao certo se ele ia ou não me atacar, apenas fiz o que meu coração disse. Aos poucos, como da primeira vez, ele veio caminhando de forma desengonçada, cheirou minha mão, depois a lambeu, depois chegou mais perto e mais perto, lambeu toda minha cara. Apenas algumas pessoas manifestaram em vozes de nojo aquela cena, então, como um imenso cão, ele deitou de barriga para cima. A multidão explodiu em gritos. Me levantei, contornei seus chifres e acaricie sua barriga.

- Consegue se levantar? – perguntei ao Cael que estava estirado ao chão, babando de tanta dor – Eu não consigo.

- Não cheguem perto – disse aos meninos que vinham apanhar o Cael – o touro não é confiável. Cael, você precisa levantar e vir até mim.

Nem eu sabia o que estava pedindo, apenas era algo que vinha dentro do meu coração. Uma urgência em sair dali. Se havia uma força me pedindo para sair, havia outra que fez o impossível acontecer. O Cael ficou de quatro e depois veio pulando em um pé só Até chegar no touro. Passei mão no coro macio e quente do animal que ficou agachado a minha frente. Ajudei o Cael a subir na montanha e logo depois eu me joguei em cima do zebu. Duas palmadinhas fizeram o animal ficar de pé. Coloquei a outra mão na perna do Cael que estava ensopada de sangue. Não demos moral para os gritos eufóricos das pessoas. O Zebu saiu apressado da arena e logo ficamos em meio ao mar de gente que lotava a cidade. Todos paravam para tirar fotos e sorrir, gritar, rodar chapéu por onde passávamos.

- NADA DE PÂNICO! TODOS DEVEM PERMANECER PARADOS! – dizia a voz vinda dos rádios.

- Tem uma ambulância logo ali em cima!

- NÃO! NADA DE AMBULANCIA – berrou o Cael apertando a sua perna – PRECISO DO VETERINÁRIO.

- NADA DE PÂNICO! TODOS DEVEM PERMANECER PARADOS! - NADA DE PÂNICO! TODOS DEVEM PERMANECER PARADOS! - NADA DE PÂNICO! TODOS DEVEM PERMANECER PARADOS!

- E como eu o acho?

- CINCO QUADRASS ACIMA – berrou ele de novo.

- NADA DE PÂNICO! TODOS DEVEM PERMANECER PARADOS! - NADA DE PÂNICO! TODOS DEVEM PERMANECER PARADOS! - NADA DE PÂNICO! TODOS DEVEM PERMANECER PARADOS!

- Por favor, não grite, não sei como o Zebu vai agir. Ele está nervoso demais!

- Yuri, estou morrendo de dor, não consigo mais – disse ele me abraçando pelas costas.

- Me agarre por trás e segure-se, meu amor. Me segure forte pelas costas e tudo ficará bem!

- É muito longe Yuri!

- É muito perto Cael, e você vai aguentar PORRA! Aguentamos tudo até agora pra você ficar de conversa mole!
Entendi bem que o Cael, com dor, não ao durar muito. Peguei o rádio em minhas vestes e solicitei que os rapazes localizasse o veterinário. Chegamos na clínica quase vinte minutos após saímos da arena. 20 minutos para andar 5 quarteirões. Assim que chegamos a entrada da clínica, joguei todo o meu peso na frente do animal para ele se ajoelhar perante a mim.

- NADA DE PÂNICO! TODOS DEVEM PERMANECER PARADOS! – dizia a voz incansavelmente.

Desci e agarrei o Cael que berrou e me socou de tanta dor. Abri a porta da e coloquei o Cael deitado no chão. Dezenas de cachorros latiam dentro da clínica. Era tão irritante que mal conseguia ficar na entrada. Haviam uma multidão ao redor do Zebu lá fora. Arrumei um banco aonde pudesse colocar o rapaz deitado e o agarrei novamente e o pus em cima.

- NADA DE PÂNICO! TODOS DEVEM PERMANECER PARADOS!

- Isso mesmo, me esmurre, me bata, arranca minha pele mas fica comigo. Cael o que faço com Zebu? Ele está assustado com os cachorros e os cachorros com ele.

Antes que eles respondesse, o touro saiu correndo pela cidade, desgovernado. As pessoas ali pareciam saber o que estava acontecendo, tanto que iam abrindo caminho para o touro. Agora que minha ficha caiu, ela já estavam assim, pois os demais touros correram pra cidade.

- PUTA MERDA! EU MATEI MIL PESSOAS AGORA – disse ao ver aquele monstro descendo rumo a arena.

- O QUE ACONTECEU COM O ANIMAL? QUEM O SOLTOU? – berrou a policia – QUEM FEZ ESSA IDIOTICE? SABIA QUE VOCE ACABOU DE SENTENCIAR O ZEBU A MORTE.

- O Zebu não vai fazer nada a ninguém – disse uma voz familiar, era o veterinário que vestia roupas de festa – Ele está fugindo, assim como os demais.

Dentro da clinica estavam eu, cael, o veterinário e mais 03 policiais.

- Feche a porta – mandou o veterinário.

- ANIMAIS SOLTOS NAS RUAS, ANIMAIS SOLTOS NAS RUA, PRECISO DE REFORÇOS AQUI NO FINAL DA CIDADE – disse uma voz ao rádio.

Mas um animal de uma tonelada, fugindo, é como se fosse uma locomotiva desenfreada.

- Vocês amantes de animais, fique sabendo que esse dia ficará pra história.

- Cala a boca! – disse o doutor abrindo a maleta de medicamentos.

"Amo cidade pequena! Aqui todos se conhecem e todos sabem o que cada um representa."

- Desculpe Doutor?

- Meu problema aqui Policial, é o Cael.

Ele fungou alto e apontou seu dedo para mim.

- Ele não fez nada! – disse o Cael em fúria ao policial – você é idiota, não viu nada do que aconteceu?

- Conseguem fazer esses cachorros pararem de latir? – pediu um dos policiais todo irritado.

- Com monte de gente nas ruas, fogos, gritos e berros, podem até tentar, mas eu dúvido! – retrucou ele enfiando a mão na maleta e arrancando uma seringa com uma ampola.

- Doutor, você disse que eles estão fugindo, certo? – perguntou o policial.

- Sim! – respondeu ele enfiando a agulha com força na bunda do Cael e injetando o liquido.

- ANIMAIS SOLTOS NAS RUAS, ANIMAIS SOLTOS NAS RUA, PRECISO DE REFORÇOS AQUI NO FINAL DA CIDADE – chamou a voz novamente.

- Consegue desligar esse rádio? – disse o doutor ironicamente.

- Vamos abaixar, mas desligar a gente não pode!

Os cachorros ainda latiam ao fundo. Se eu estava irritado com aquela monte de latidos, imaginem o Cael que estava machucado.

- Fugindo do que, você poderia nos dizer?

Ele arrancou toda calça do Cael deixando-o nu sob a mesa. Peguei uma toalha, amarei num nó e coloquei na sua boca.

- Não vai precisar mais, logo a perna dele estará dormente! Estão fugindo da multidão, dos fogos como eu disse ou daquele barulho monstruoso que ouvimos.

- O que foi aquele barulho? – perguntei aos rapazes.

Todos se entreolharam, achando que haveria alguma resposta, mas nada!

- Quero saber se há alguma resposta para o que nós ouvimos na praça? – perguntei mais uma vez, mas todos deram de ombros. !

- Yuri, o doutor vai me medicar e já vamos consertar isso!

- Não Cael, não há nós! Há você e o Yuri. Se você sair desse consultório, eu irei embora dessa cidade. Já o droguei bastante para ter ideia do que estás fazendo.

- Quer dizer doutor, que estás nos abandonando, é isso?! – perguntou o Cael vestindo as calças.

- Você é o Rei de tudo isso! Se há alguma coisa a ser feito é contigo meu amigo. Eu vou lhe drogar e lhe dar drogas suficiente para esvaziar Poti. Mais que isso seria homicídio – disse o doutor enfiando uma bolsa no pescoço do Cael – Ele já está costurado Yuri. O corte dele foi feito no couro da pele. Dói mais que um corte interno. Então, se ele quiser cicatrizar interno do coxa, ele deve procurar ficar deitado. Caso contrário, ele estará sucessivo a perder a perna.

- Eu perderei minha perna por Poti – disse ele todo sorridente. Era a morfina agindo.

- Claro que vai, mas antes, irá esvaziar tudo isso comigo – disse arrancando outro sorriso dele.

Ouviu-se primeiro uma sirene forte. Uma sirene que eu sabia ser da montanha. Uma sirene das represas. Coloquei a mão nos meu ouvidos, pois elas me deixavam louco. Ouviu-se a segunda sirene. Entre nós, surgiu uma camionete gigante retirando todos os morados dali. "SAIAM DAQUI! SAIAM DAQUI SAIAM DAQUI – era única coisa que a sirene gritava. Então uma terceira buzina tocou. Nunca ouviu-se nada tão fantasmagórico que três sirenes de represa ao mesmo tempo. Era tão forte e continuo que chegava a me cegar.

- Venha meu amor – disse o Cael me puxando entre a multidão.

E, quando eu não pude mais caminhar, pois o barulho da sirene me deixava louco, agachei no chão e abracei meus joelhos. Abracei tão forte que senti meu corpo adormecer. Logo depois, eu estava sentado diante de não mais que uns 20 garotos. Eu estava novamente dentro do centro de reabilitação. Aquele centro que saí há 12 meses. As palavras saiam da minha boca como se eu houvesse vivido antes.

- Cael, Caeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeel? Cael? Cael? Amorrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr? Cael? Caeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeel? – berrava e logo tudo se modificavam em minha frente.

- Yuri – perguntou a Tati psicóloga – estás bem?

- Cadê o Cael? Cadê todos de Poti e por que estou na rehab?

- E o que tem a falar sobre o dia de hoje? Qual seu sonho daqui a diante? – perguntou a Tati me encarando com ar de "caso perdido".

- Hoje é o centésimo octogésimo sexto dia aqui no Instituto. São cento e oitenta e seis dias "limpo" das drogas. São cento e oitenta dias que não sei o que se passa lá fora. Conto nos dedos o dia para sair daqui. Mas hoje, quando chegou o tão esperado dia, não sinto-me entusiasmado. Continuo com o mesmo medo que entrei. Continuo com a mesma sensação que posso recair assim que sair daquela porta. Cael, preciso saber do Cael – gritou meu cérebro.

Todos estavam me encarando naquele momento. Todos que tinham esperanças queriam que eu dissesse o contrario, mas não. Não poderia dizer aquilo que estava dentro de mim. A única certeza de todas. Não há cura.

- O que você quer dizer? – perguntou o Luca quase sem voz.

- Desculpe minguar a fé de vocês em vocês mesmos. Mas é isso que eu aprendi nesses 186 dias. Não estou pronto. Não há como voltar à vida que tinha antes de tudo isso acontecer. Sinto que serei prisioneiro de mim mesmo para o resto da vida.

- Não será! – disse a Tati quebrando o clima que eu havia provocado em todos – Há esperança para você. Mesmo que não acredite. Você continuará o tratamento fora daqui.

"o que eu estava fazendo comigo mesmo?;"

- Mas estarei nas ruas novamente! – disse sentindo a garganta apertar, pois eu já conhecia esse diálogo.

- Não queria passar toda sua vida trancado aqui dentro, não é Yuri? – disse ela sorrindo.

"É, tenho que admitir que esse sorriso trazia me um certo conforto."

- Não aguentaríamos você por mais 01 dos seus 186 dias – disse ela arrancando uma gargalhada de todos.

- É, seria uma dose a mais de Yuri Martel para todos – disse rindo. Porém, ninguém retribuiu minha ironia.

- Yuri Martel, desejamos a você toda força que necessita para continuar limpo – disse a Tati abrindo um sorriso.

- Boa sorte Yuri! – desejou o coro de vinte vozes.

- Tá! – respondi automaticamente.

Tudo que acabara de sair da minha boca, era como se tivesse se repetindo e se repetindo toda hora. Eu lembro que da outra vez eu me levantaria e iria até o meu quarto, mas não continuei sentado ao chão. Queria que aquela seção passasse logo. Ficamos eu, a Tati dentro da sala de conversas. Eu estava, definitivamente, dentro da sala de NA de 01 ano atrás. Com todos aqueles moleques me avaliando. Seria isso? Eu estava acordando de um pesadelo? Eu nunca vivi o que vi até agora?

- Não vai querer ir embora Yuri ?– perguntou a Tati.

- Tati, eu não sei o que está acontecendo, mas preciso saber aonde está o Cael? – perguntei sem olha-la nos olhos.

- Cael... o seu primo do relato? Yuri, receio não ser a melhor pessoa pra contar sobre ti.

- Tati, por Cristo, cadê o Cael? Eu preciso do Cael, ele tem 1,70, barbas feitas e cabelos espetados. Tati, cadê o Cael?

- Yuri, você só nos contou uma história. Uma história linda de amor. Estás indo embora hoje e, logo, poderá encontrar qualquer pessoa. Já sabe quem vai lhe...

- Meu pai de BMW preta, estará na recepção. Mas quero saber do Cael.

- Não quer ir ate seu quarto enquanto seu pai arruma suas coisas e fazemos a festa?

- Não! minhas malas já foram feitas e eu ficarei com raiva por não terem nem esperado me despedir dos demais garotos. Ficarei com raiva e lhe procurarei por isso. Depois o salão ficará vazio, pois ninguém gosta de mim. Preciso falar com Cael.

- Mas você é o Yuri...-

- E todos me odeia. Você vai me colocar numa sala com a Lara Purguese e nós vamos discutir. Depois irei até o Salão sozinho, aonde ela tocara o sino 03 veze pra me humilhar diante todos os funcionários. Tati, preciso do Cael.

Ela me acompanhou até meu quarto aonde estava o rapaz que eu mais curtia dentro da clinica.

- Você sabe de quem estou falando Luca? – perguntei ao rapaz que dividia quarto comigo.

Não era mais a psicóloga, era meu parceiro de quarto,

- Meu nome é Lucas e não Luca. Pena que você surtou de novo grandão. Olhe suas malas já estão...

- prontas para o novo morador. Eu vou brigar porque não acredito que há outro a minha altura para ocupar os quartos.

- Você surtou de novo! Que bosta! – repetiu ele pulando em sua cama.

- Não pelo contrário. Eu estou lúcido. Preciso sair daqui para encontrar o....

- Cael, seu primo foda?

- Meu noivo...!

- Seu noivo de novo? Tô fora – disse o Lucas saindo do quarto e deixando minhas malas pra trás.

Sai do quarto o mais rápido que pude e entrei na sala da Lara.

- Cadê meu pai Lara? E me desculpe eu lhe acho muito foda! Linda, corpo lindo e foda! Não sou o mesmo Yuri!

- Iriamos lhe passar o que deverá seguir...

- Como assim sabe quem vai lhe buscar? – perguntou a Lara – você deveria ficar recluso.

- E estou, mas Tati hoje é meu último dia. Preciso sair daqui e ir a Poti. – disse as mulheres que se entreolharam.

- Poti, Poti, PO-TI? – perguntou a Tati desviando o olhar dos meus. – Essa não é aquela cidade fantasma?

- Cidade fantasma?! – perguntei com sorriso largo - Essa mesma!

- Yuri, essa cidade nem existe. Há, apenas um lago lá.

- Preciso ir embora daqui e reencontrar Poti. Preciso sair da clínica. Que horas meu pai vem

- Ele já está n portaria, mas antes não vai querer a festa?

- Festa? Peça que distribua os doces entre todos e eu vou ficar sem. Quero ir a Poti, lucido.

Ficamos no hall esperando tudo aquilo que eu premeditava. Lara veio mas foi embora no segundo seguinte quando eu beijei sua mão. Os garotos desceram pra dar o tchau, mas logo foram embora. Quando vi meu pai na entrada, acenei para que o mesmo não fugisse.

- Olá Yuri. Quero bater uma papo antes de sair – disse o Psiquiatra todo trajado de branco.

- Você Dr. Cass? Poderiam ser mais criativos., mas eu já estou livre e preciso ir embora.

- Yuri, somos ex namorado, não precisa me tratar como cliente!

- Se eu o pago, sou seu cliente. Agora me diga o que houve?

Ele me levou até a sua sala e me pediu para sentar, mas me recusei.

- Você precisa descansar lindão!

- Vai tomar no cu. Preciso do Cael...

- Cael... – repetiu ele revirando os olhos – cadê o Cael?

- Cadê ele? Preciso de tudo que sabe antes de sair daqui, preciso saber por que estou aqui?

- Sabe Yuri, não o considero meu cliente há anos.

- E nem o considero meu namorado,

- Ex-namorado, mas vamos aos detalhes.

- Até porque, seu eu paguei, ainda sou seu cliente. Lhe pagou esse mês, sou o Yuri e pronto. Cadê o Cael?

- Yuri, quer pelo caminho mais dolorido? Então vai: esse Yuri Martel, estavas preso dentro da mente dele, dentro do que ele diz mundo, no caso dele Poti,

Eu apenas conseguia rir.

- Ele ferrou tanto a sua cabeça que mal consegue viver longe dela. Sua cabeça virou sua prisão. Tudo está dentro de ti, mas você não consegue sair.

- Como?

- Isso que estas ouvindo, você criou um mundo aonde cabe somente sua perfeição.

- MENTIRA – BRAVEJEI.

-MENTIRA O QUE YURI MARTEL? – disse ele se levantando e vindo até mim – NÃO SOU HOMEM DE MENTIRAS. AGORA, VIVA COM AQUILO QUE CRIOU.

- Cass, por favor?

- Seu pai está a espera. Posso lhe dar um tranquilizante como posso lhe dar vida.

- Escolho Cael! - Respondi sem olha-lo nos olhos.

- Yuri, nem sei como lhe dizer isso. Você está preso dentro de ti. Tudo que você cria, é.. como se fosse um papel de parede.

- Papel de parede o que fiz agora? Mas me conte sobre Cael...

- Não há Cael. Há apenas Yuri que deseja um Cael na montanha.

- É o suficiente! Quero esse Cael, me leve até ele – pedi ao rapaz loiro.

O Cass tirou seu jaleco e fungou alto.

- Vocês querem nos matar, nos paralisar ou sei lá o que?

- Eu não sou seu doutor há anos, mas poso lhe dizer o que está acontecendo: - você está preso dentro da sua cabeça. Dentro desse Yuri que ninguém controla mais. Acredite, você foi a última opção.

- Impossível!

- Yuri, quero que você viva fora daqui. Parar de viver um universo criado por você só...

- Não cala a boca, como eu poderia criar algo tão grandioso, tão perfeito que seja contado apenas em histórias? Sem falar no amor que sinto pelo Cael.

- Quando perguntamos do que mais temia, você respondeu: voltar às ruas, por não saber se controlar. Qual o melhor lugar do mundo para ficar, se não uma montanha, longe de tudo e todos. Longe, inclusive, da tecnologia? Essa montanha com subsetores e impossível de escapar? Seria um lugar perfeito para um ex drogado!

- Você pode ficar falando e falando que nada vai mudar o que sinto! Vou sair daqui e ir direto para lá!

- Yuri, és tão perfeccionista em detalhes que todos os moradores dessa sua Poti tens uma singularidade.

- qual seria?

- Vamos lá me relembre todos os nomes que conseguir.

- Cael, Tomé. Nina, Aldo, Juan, Alan, Tião, Igor, José, João, Eron, Cauê, Caio, Anna, Cora...

Eu já tinha entendido aonde ele queria chegar, agora sim me sentia mais perdido.

- O que há em comum em todos eles?

- Todos nomes tens 04 letras apenas!

- Assim como chamas ao Lucas de Luca e eu, Cassiano de Cass. Tatiana de Tati.. a Lara você acertou. Mas tudo você transforma em 04 letras. Euu vou lhe mostrar o que está acontecendo contigo. Lembra o que acontece quando usa-se ketamina? Que nós vamos para diversas viagens ouvindo música. Que, cada universo recria-se quando trocamos de música ou ambiente. É o que acontece contigo! Você recria e recria, diversos ambientes, com diversas pessoas, repetidamente. Você pula de universo a outro assim como usamos a key e pulamos de universos quando trocamos de músicas. Só que no seu caso, não há ketamina. E, infelizmente, você não volta a realidade por muito tempo. Veja agora, estás consciente, mas assim que sair daqui voltará ao seu universo e logo voltará pra cá. Yuri, não é a primeira vez que estás aqui, discutindo isso comigo.

Meu cérebro agora estava definitivamente mais confuso que antes.

- Estás sendo vingativo pelo que fiz contigo.

- Yuri, sou contratado da clinica. Ter me formado em psiquiatria não foi por sua causa e não vim aqui, principalmente, porque existe você. Sabe, tento te ajudar e voce só me dá patadas.

- Desculpe-me! Mas tudo está confuso.

- Tudo bem! Agora deite e tire a camiseta – pediu ele indo até a pia lavar as mãos.

- Que original Cass – disse tirando a camiseta e me deitando – pedindo para ficar semi nu.

Ele apenas mostrou sua aliança de outro na mão esquerda.

- Quem é o sortudo?

- Um "sortudo" ai, mas fique sabendo que nunca precisei usar minha profissão para arrancar suas roupas. Sem falar que carne velha...

- Carne velha seu cu! Tens a minha idade.

- Eu quis dizer que já comi tudo e não tenho interesse..

E fiquei em choque ao me ver no espelho. Era o mesmo Yuri, só que com "tanquinho" de dar inveja.

"O que tinha acontecido com minha barriguinha?"

Eu estava com o mesmo corpo de quando sai da clinica, apenas com o semblante de cansado. Ele pegou o estetoscópio e me examinou, examinou minhas pupilas, aferiu minha pressão. Era estranho ser paciente de um ex namorado. Aposto que eu ser seu melhor cliente, era sem duvidas, seu maior troféu por ter lhe abandonado quando estávamos as vésperas do nosso casamento.

- Pronto Yuri, gozei loucamente lhe examinando! – disse ele dando um tapinha na minha cara - Agora pode vestir.

- Tá vendo como ainda tens sentimento?

- deixe eu só lembrar de algo: viu como tudo é fruto da sua imaginação, já estás esquecendo até do Cael.

- Impossível! – respondi sentindo a garganta fechar – é impossível não existir o Cael.

- O que você sente?

- Um amor imensurável dentro de mim! Isso não é algo que possa inventar.

- Yuri, nós dois já nos "colocamos" mil vezes em festas e sabes o que uma droga é capaz de fazer você sentir. Aquela alegria, euforia, aquele amorzinho e vontade de ficarmos abraçando com todos.

- É exatamente isso motivo: nenhuma droga que eu experimentei na vida, foi capaz de produzir um efeito tão poderoso quando o Cael. É isso o que sinto. E é por isso que vou procura-lo.



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