CAPÍTULO 45 - YURI MARTEL
NARRADO POR Yuri Martel
- Yuri? - chacoalhou o Cael no meio da madruga me acordando.
- O que foi? - perguntei assustado.
- Você estava gritando. O que houve? Com que estava sonhando? - perguntou o Cael ascendendo o abajur.
- Com drogas! De quando eu tinha aquela vida horrível. Mas o que houve?
- Você começou a se debater e gritar. Ai te acordei.
Ele colocou um travesseiro nas suas costas e sentou-se nu na cama. Depois, pegou minha cabeça e colocou no seu colo. Ele acariciava a minha barba, meu rosto, me fitava tentando ler meus pensamentos. O relógio marcava 02:29 da manhã. Eu coração estava aceleradíssimo e respiração ofegante. Até parecia que tinha corrido uma maratona.
- Eu estou aqui contigo!
Beijei sua mão e sua barriga. Fiquei deitado no seu colo, curtindo cafuné na barba, sentindo seu cheiro. Olhava aqueles olhos negros e um leve sorriso nos lábios.
- O que está sentindo?
- Além de uma angústia sem motivos, daquelas que deixa seu peito dolorido. Sinto como se uma faca em brasas atravessasse meu coração.
- E o que você faz quando isso acontece?
- Você já está fazendo! Conversando comigo.
Ele me acariciava, passava a mão nos meus braços, no meu peito. Coçava minha cabeça.
- Não há nada melhor no mundo em saber que você está aqui! Me desculpe por esses incômodos que não lhe pertence, mas essa é minha vida! Esse é meu fardo! Eu sou um barco furado. Você quer esse comprar esse barco furado?
- Já comprei esse barcão furado há nove meses! Você se comportou muito bem na montanha, sem falar que lá você fica longe de tudo. Você ao meu lado nada vai acontecer, viu?
- Eu não quero fazer mal algum contigo!
- Por que fala isso?
- Eu não sei, apenas uma sensação ruim! - disse ganhando um beijo gostoso.
- Esse Yuri que está te assombrando, logo vai embora. Talvez ele tenha voltado após você reencontrar o passado. Voltar a Sampa, ir em baladas. Talvez tudo isso acordou um Yuri que estava dormindo na montanha. Mas eu estou aqui contigo.
- Por isso eu te amo! Porque me dás muita segurança no que fala.
- Rapaz, eu já montei mais touros nesse Brasil que muito peão por ai, você acha que "esse" eu ia deixar escapar? Jamais! - disse abrindo um sorriso largo e dando um beijo.
- Obrigado!
- Tens que ficar muito bem meu amor. Hoje é nossa estreia no rodeio. Alias, precisamos estar bem descansado porque são horas de viagem!
Eu sei que o Cael queria seu tempo para tudo acontecer conforme ele se sentisse bem. E isso eu prometi a mim mesmo que não ia cobrá-lo, mas aquele jeito carinhoso dele de ser, todo prestativo de um cavalo domado, me deixava num tesão insuportável. Meu saco chegava doer de tanta vontade. Eu ficava mordendo ele inteiro para ver se a tensão passava. Ele escorregou e deitou no meu peito para voltarmos a dormir.
- E esse pinto duro aqui? - perguntou ele pegando no meu pau.
- É teu! Sabe, eu sei que combinei em fazer tudo no "seu" tempo, mas está difícil segurar tudo o que está dentro de mim. E você andando com essa bunda linda, para cima e para baixo, toda branquinha, com essa penugem está me matando. E olha só o que temos aqui, um pintão animadão do meu amor!
- Yuri...?
- Calei já! Então me abraça forte e dorme aqui no meu peito.
Ficamos nos beijando por um longo tempo até meu peito parar de arder. Acordamos às 08 horas para tomarmos café e voltamos para o quarto. Arrumamos a mala e partimos rumo a São José do Rio Preto aonde iriamos participar do Rodeio. Seriam 05 horas de estrada, chutada, até lá! Saímos de São Paulo já era quase meio dia. Precisaríamos estar na cidade até o final da tarde para dar tempo de descansarmos antes do Cael montar. O Cael ia competir durante os 07 dias e eu só iria aparecer no último.
- Nossa, o que é aquilo? - perguntou ele apontando para a montanha russa feita de madeira.
- Esse aqui é o Hopi Hari. Pretendo te levar quando estivermos voltando.
- Me levar aqui? Nesse troço? Tá louco!
- Eu não entendo, juro, não entendo como você faz tantas coisas que arriscam sua vida e caga de medo dum brinquedo.
- É que eu nasci e cresci no meio das coisas que você diz ser mortais. Pra mim é tão normal!
- Enfim, já está falado! Você vai no Hopi Hari comigo e pronto.
Continuamos pela rodovia até chegarmos em Rio Preto.
"Hospedaremos nos na casa de um amigo nosso, no qual está internado no hospital da cidade para tentar descobrir uma reação alérgica que deu nele. Esse amigo nosso se chama Leonardo, ele um escritor ruivo, chato, que escreve minha biografia "Yuri Martel". No qual mora perto do recinto e que está doido de vontade de socar a nossa cara, porque eu e o Cael deixamos ele sem dormir, deixamos ele passar fome, deixamos ele louco ao ponto de ficar falando sozinho na rua. "Léo nos perdoe, mas nós não temos culpa de você ficar assim. Então não nos soque, porque somos bonzinhos. Se o Cael ganhar, nem que seja 10 reais hoje, eu juro que a gente te dá!". Brincadeiras a parte leitores, detesto quando os autores fazem isso, mas realmente os campeonatos do rodeio passam por minha cidade."
Hospedamos num hotel que ficava perto do recinto. Tomamos um banho e dormimos até chegar o horário do rodeio. O Cael trajou logo sua vestimenta negra da montanha, apenas não colocando mantos no qual o protegiam do frio. Rio Preto, por mais que seja muito arborizada, fazia 28 a 30 graus, facilmente à noite. Chegamos o recinto e fomos encaminhados para área de montaria. O Cael deu um abraço forte antes de entrar no recinto aonde eles iriam anunciar o nome dos peões e depois passariam a Imagem de Nossa Senhora. É costume os peões tirarem o chapéu e/ou ajoelhas. Uns erguem as mãos para o alto. E, no final da reza, todos tocam a Santa com sinal de fé e boa sorte. Logo após a a reza o locutor diz:
"tua vida são poucos segundos;
pode ser em outro mundo que o apito vai tocar;
mas para nós aqui dentro desta arena;
somos nós aqui e Jesus Cristo lá no céu;
e para nos proteger, eu trago a imagem da Nossa Senhora Aparecida dentro do meu chapéu".
A arena estava lotada. Dava, no mínimo, umas 05 vezes maior que a nossa que montamos de madeira lá na montanha. O Cael foi bem na competição dessa noite e das outras 06 que seguiam, ficando em terceiro lugar. No total, ganhando uma Pick-Up e mais um prêmio de 05 mil reais. Fomos chamados ao palco para anunciarmos a abertura da arena em Poti. Eu amo aparecer em público, mas aquele dia eu estava tremendo.
- Hoje estaremos dando início a um novo circuito de rodeio. Este aqui é Yuri Martel. Pra quem não o conhece, ele foi o único a domar o Zebu. Ele está aqui, além para desafiar o seu feito. O que me diz Yuri Martel? - perguntou o locutor.
- Olá, muito boa noite a todos... - disse quando fui interrompido por uma gritaria de boa noite de umas 20 mil pessoas - Estou muito feliz em estar em Rio Preto. Eu e meu parceiro o Cael, estamos convidando a todos a ir até Poti - RS, conhecida como cu-do-mundo, para o ultimo dia da competição.
- Zebu, Zebu, Zebu, Zebu, Zebu, Zebu Zebu, Zebu, Zebu Zebu, Zebu, Zebu Zebu, Zebu, Zebu Zebu, Zebu, Zebu Zebu, Zebu, Zebu Zebu, Zebu, Zebu - berrava a multidão pedindo que eu montasse o touro mortal.
- A nossa competição é bem diferente das que vocês estão acostumados aqui. Chamamos de estouro da boiada. É uma competição arriscada, às vezes pode ser tão mortal quanto um rodeio, mas é algo para poucos. São 200 touros dentro dessa arena e mais o Zebu. A regra é simples: os touros começam a correr. A única coisa que tens a fazer para garantir sua permanência dentro da competição é conseguir montar um desses touros, sem auxilio de nenhuma ferramenta. Apenas com sua habilidade, força e agilidade. Portanto, a competição termina em 30 minutos ou caso um de vocês montem o Zebu. Se o Zebu for montado, fim da competição. Quem subiu, subiu, quem não subiu cai fora. É uma competição de mata-mata. Os vencedores irão viajar até o próximo estouro da boiada nas outras cidades. Vence aquele que conseguir subir em mais touros em 15 competições. Aquele que montar o Zebu, vence a prova do dia e fica a próxima competição a salvo de competir, podendo assim descansar ou procurar observar seus adversários.! Quero deixar bem claro que nenhum animal é maltratado, sob supervisão dos direitos dos animais. Os únicos animais que podem se machucar somos nós mesmos.
Houve outra explosão de gritos e palmas ao final do meu discurso. Depois descemos para arena aonde o show começaria. Esse tipo de competição não existe no interior ou qualquer outra parte do Brasil que não seja Poti.
- São mais de 200 touros colocados na Arena de São José do Rio Preto minha gente. Mais de 50 peões querem participar dessa nossa modalidade - dizia o locutor para as pessoas que estavam eufóricas na arena.
Meu coração estava batendo com uma tal força que ficava até difícil de respirar. O Cael estava ao meu lado, junto com os outros 48 peões. Ele olhava para baixo, olhar de concentração.
" Ele foi o peão que mais montou em toda história, por que diabos ele estaria nervoso daquela forma?"
Aproveitei a escuridão do túnel que ligava-nos a arena e segurei sua mão. Ele assustou e depois me encarou com um sorriso que me deixou bem mais calmo, mas eu não estava convencido da confiança.
- Como você está? - perguntei quebrando o silêncio.
- Aterrorizado!
Ambos caíram na gargalhada de tão ansiosos que estavam.
- Então por que não deixa comigo apenas e você vai descansar?
- Jamais, sou o dono disso tudo aqui! Sou o exemplo do que deve ser feito!
- Você não vai tentar montar o Zebu, vai? - perguntei, pois conhecia o homem que eu tinha.
- Jamais! Ele foi e sempre será seu! Agora vá lá e não morra.
- Nessa corrida a gente sabe quem pode perder mais, não sabe!
- Não vou, eu prometo. Mas use a tática de deixar o Zebu por ultimo , para melhor mostrar o que você sabe fazer.
- Ok!
Tocou uma sirene muito alta e os portões se abriram
- Te amo! - foram as ultimas palavras antes do palhaço nos puxar.
Entramos na arena fechando os olhos por causa da claridade. O Cael, por ser o dono da prova, atravessou a manada de touros calmamente até se juntar a uns palhaços com uma cadelas encoleiradas. Ele deu seu típico grito e saiu correndo atrás dos touros que logo começaram correr espantados. Eu acompanhei o grupo de novatos e fiquei confiante numa fila. A cada segundo o ritmo ia aumentando até começarmos a correr de verdade. Tocou um sino que indicava que os competidores já podiam começar a montar. Nem 05 segundo e já outro sino indicava que havia um peão montado. Tentei olhar para cima para localizar o individuo, mas não dava. A poeira estava deixando o ambiente denso. A única coisa surreal que acontecera era o reencontro meu e do Zebu. Eu levei um baita de um susto ao ver aquele touro de uma tonelada correndo ao meu lado. Estiquei a minha mão para tentar tocá-lo, mas logo lembrei que, se eu subisse, o jogo terminaria. O Cael vendo aquela situação logo o assustou com as cadelas. E ele se perdeu em meio à manda. Outra sirene tocou indicando que já havia um competidor no lombo. Pra mim isso significava competidor fraco, que nem esperou a manada aquecer, mas o que vale é estar dentro do campeonato.
Dez minutos corridos e meus parceiros de estouro já davam sinais de cansaço. Muitos deles foram até a beirada para descansar. Outra sirene tocou e lá estava o Cael num touro nelore branco. Ai sim, meu coração estava batendo melhor. Eu sabia que meu homem estava salvo. Continuamos a competição com o locutor e plateia alvoraçada. Correndo daquela forma, nem conseguia ouvir o que ele estava dizendo. Sirene após sirene ia indicando que os peões já tinham entendido o intuído do estouro de boiada. A brincadeira acabaria quando o Cael sinalizasse o número 10 para mim. E aos 25 minutos, o homem de preto montado no nelore ergueu as duas mãos e acenou com a cabeça para eu prosseguir. Andei no meio da manada até encontrar o Zebu se debatendo. Encarei o touro e logo ele investiu em mim, fazendo a plateia toda gritar. Fiquei de joelhos, fechei os olhos, estendi a mão, assim como fizera d primeira vez, abri os olhos e encarei a fera.
Ele veio trotando até parar poucos metros, depois passo a passo, todo arisco, até encostar seu focinho gelado na minha mão. Um dos peões veio correndo e pulou em cima dele. No susto, seu chifre acertou minha cabeça violentamente. O Zebu não fez feio e logo derrubou o cara no chão. A dor latejante me fez enjoar e acabei vomitando ali nos no chão, mas eu tinha que continuar. Algo muito quente estava escorrendo pelo meu rosto, depois pescoço e logo chegando no peito. Senti o ar deixar o liquido que era quente, geladinho. Eu sabia que era sangue, mas não poderia tirar os olhos do Zebu que vinha em minha direção. Sua língua grossa lambia meus dedos e, como da primeira vez, não contive a emoção, meu olhos se encheram d'água. Segundo depois, ele se ajoelhou nas suas patas dianteiras. Me levante e cambaleei após tudo ficar negro. Fechei os olhos e percorri o lombo do animal com os dedos. Agarrei seu cupim, atravessei a minha perna e o Touro se levantou. São José do Rio Preto e região pode ouvir o estouro do grito de milhares de pessoas. Eu me via no telão em cima do Zebu com meu rosto ensanguentado, estupidamente dolorido ao ponto de me deixar zonzo.
- E está concretizado que Yuri Martel é o primeiro homem a domar o touro Zebu. Pra quem tinha dúvidas, agora não tem mais. Ele é o homem do touro de uma tonelada - disse o locutor. Parabéns aos 11 campeões da noite. Esses 11 bravos peões continuarão na competição até Presidente Prudente. Quero muita palma, mutio grito porque essa competição não é pra poucos.
Berros, gritos, muitos fogos rolavam na arena. O Cael vinha ao meu encontro sorrindo. Muitos peões em terra, fez sinal de "mentiroso" com os dedos pra mim. Mas eu não estava me importando. Queria curtir tudo que eu e o Cael estava construindo. Logo depois, tudo começou a formigar e a escurecer. Acordei com o Cael sentado ao meu lado.
- O que aconteceu?
- Você desmaiou!
- Como? - perguntei colocando a mão na minha cabeça e sentindo ela diferente. Estava enfaixada e anestesiada.
- Você caiu do Zebu. Ainda bem que eu estava do lado e logo o socorri.
- E... quanto tempo estou desacordado?
- Uma hora.
- E o Zebu? - perguntei espantado, já que cai do touro.
- Ele é seu! Deu os 8 segundos é seu! Mesmo que ele te derrube.
Recebemos alta da enfermaria e fomos saldados por uma multidão de gente que queria tirar fotos comigo. Era impressionante o quanto de gente estava a minha espera. Fiquei até sem jeito. Aproveitei meus 15 minutos de fama (que durou cerca de uma três horas). Tirei fotos, deu autógrafos, fiz vídeos, conheci o Prefeito. O Paulo Emilio que era dono do Zebu. Todos querendo saber uma coisa "Como eu fiz aquilo?".
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