CAPÍTULO 38 - YURI MARTEL
Narrado por Yuri Martel
- Tá vendo? É isso que eu digo quando você diz que está quase lá. Mas e eu? Como você me vê? – perguntei para ver se conseguia arrancar algo daquele peãozinho, metido e que anda aprontando pelas minhas costas.
- Você fala demais... – eu ri que quase engasguei – sério, você fala muito! Você faz um bom sanduíche do Yuri...
- Quero coisas sobre mim – disse abanando a mão para o alto e fazendo com que ele me encarasse.
- Você além de falante tem o coração enorme. Mesmo que seja seletivo. Você é gente boa com todos aqui, fala bem, interage bem. Você faz com que todos gostem de ti.
- E você, gosta de mim? – perguntei fitando aqueles olhos escuros.
Ele me olhou de volta, deu leve sorriso e apenas respondeu de forma "Cael":
- O mesmo que todos! O que o Yuri merece.
- Poderia ser mais criativo!
- É ai que entra o "fala de mais".
Ficamos em silêncio por um bom momento. Voltara a chover forte, o que significava que o serviço da pintura da arena iria atrasar.
- Essa pessoa com quem você sai todas as noites, ela conseguiria fazer você cumprir sua promessa?
- De... cortar o meu cabelo? Anda muito preocupado com quem ando saindo, não acha?
- E o que há de mal nisso?
- Na verdade, você queria me ver bem e eu estou ficando bem. Seja com qualquer pessoa que ande saindo. Você sai com aquele ruivo e não te encho o saco.
- Não mais! Mas no começo me torrava a paciência.
- Até eu entender que o mundo não é do jeito que eu quero que seja. Você insistiu um bilhão de vezes para que eu mudasse meu comportamento e cá estou.
Apenas tive que concordar que existia um novo Cael. Mas esse Cael é duro na queda, puta que pariu.
- Não há mais ruivo... – disse em meio ao silêncio.
- Como?
- Não há mais ruivo algum na minha vida. Ele pode me dar apenas aquilo que estou cansado de ter. Cansei de sexo apenas por sexo. Me entende?
Ele mostrou o dedo do meio e eu cai na gargalhada.
- sinto muito! – disse rindo ao ponto de perder o ar – De verdade, me desculpe. Esqueci que é virgem!
- Você sempre teve de tudo, em muita quantidade. Não acho isso ruim. Na verdade, é algo que escolhi para mim.
- Eu já disse que me desculpo...
- Mas, tente respeitar quem não vê um pingo de graça em ser você.
"Nossa foi bem no meio da boca do estômago!".
- Todos amariam ser eu! Ter o que tive. É que eu você
- De verdade Yuri e não é inveja minha, mas eu não almejo esse sua vida para mim. E essa será nossa briga eterna. Dois caras pobres, de família rica, tendo que respeitar o que cada um teve na vida!
- Por mais que tenha doído sua palavras, você disse bonito! Estranho como pensamos diferente. Você com essa aversão a minha vida e eu já invejando a sua.
- Você, inveja a minha vida?
- Sim! Mas eu sei que eu não seria ninguém sem você! Porque eu não tenho nenhum valor. Já você, você é bom com as pessoas, fora generoso a vida toda e, hoje, estamos reconstruindo uma arena para pessoas daqui. Não para nós. Para o povo que daqui um mês não terá mais emprego. Você abriu um lado do meu coração que eu não sabia que existia, o lado generoso. Você, pela primeira vez na vida, fez eu me sentir num lar de verdade.
- Sem luxo, conforto, festas, homens...?
- Sim Cael. Você está me fazendo perder toda vontade de voltar a viver em Sampa.
- Aposto que vai me culpar quando começar a gostar de cheiro de mijo de gado.
- Confesso que não é tão ruim quanto no começo.
- Então Yuri Martel quer morar na montanha?
- Com toda certeza do mundo! – respondi arrancando uma risada gostosa dele – o que foi?
- Apenas estranhando o Yuri.
- Isso, ria bastante de mim. Mas garanto a você que se eu tivesse a pessoa amada, nunca mais voltaria a pisar em Sampa. Você mudou minha vida para sempre.
Ele apenas arregalou os olhos espantado. Acho que estava na hora de encerrar aquela conversa. Ele se levantou, indicou com a mão para que eu ficasse sentado aonde eu estava, e foi até quarto. Revirou umas coisas e voltou com alguma coisa que lembrava um cartão. Peguei na não e reconheci uma foto muito antiga. Nela havia uma senhora de vestido e cabelos lisos e comprido. Um senhor com bigode grande e chapéu de palha. Um adolescente, magricela, usando uma calça que chegava ao umbigo, camiseta polo e um corte de cabelo lembrando o Luke Skywalker (definitivamente era o Luke Skywalker) e menino baixinho, também magricela, com shortinho pra baixo do joelho, camiseta para dentro, com cabelo tigelinha. Ao fundo uma porteira de madeira bem rústica e uma montanha com um pasto imenso, sem nenhuma casinha.
- Jura que esse orelhudo aqui é você? – perguntei o fazendo mijar de rir.
- Esse é o finado Cauê, meu pai e a finada, minha mãe!
- Que coisa mais linda essa foto.
- Foi tirada no dia que ganhamos a montanha. Mal sabia que eu iria morar aqui.
- Deveria enquadrá-la, sabia? Antes que a perca. Eu posso fazer isso para você se quiser. Amanhã mesmo – me ofereci, sentindo uma grande alegria em meu coração.
Ele concordou com a cabeça.
- Não reparou nada nessa foto?
- Além das suas orelhas de abano?
- Estou sem barba – respondeu ele.
Peguei a foto e olhei fixamente para aquele rapaz. Infelizmente, com aquela idade, não dava para reconhece-lo.
- Não precisou esperar até meu casamente para me ver sem cabelo e barba.
- Quando você decidir raspar tudo, eu poderia fazer a honra de passar a máquina em você?
- Para aguentar você rindo durante minha tosa?
- Exato!
- Jamais, e além do mais...
E 05 batidas fortes na porta acabaram com nossa conversa.
- Cael? – chamou o Tomé do lado de fora.
Cael mais que depressa abriu a porta para o capataz.
- Entre – ordenou meu primo.
- Cael, Yuri – cumprimentou Tomé completamente ensopado – Está acontecendo de novo.
- O quê?
- As vacas mais velhas estão parindo gêmeos.
Mais que depressa meu primo se vestiu. Mesmo não precisando, coloquei minhas vestes e logo pulei na garupa da camionete. O Cael abriu um mega sorriso a me ver lá em cima, em meio a chuva pesada, como um de seus homens. Eu sabia que era disso que ele gostava, daqueles que não tem frescurinhas como ele. Chegamos no curral, com Aldo e o Juan já nos esperando. O veterinário também já estava em prontidão.
- O que temos?
- Tiemos dois animais muchos grandes para passar no quadril. Una mãe perdiendo mucho sangue – disse o Aldo segurando as roupas do Cael enquanto ele se despia- lo doutor quer opera-la mas sabiemos que você .
- Estou insistindo para os dois que não é o mesmo caso de sempre – disse o Veterinário.
- E por que ainda não começou Aldo?
- Ela não deixa! És mucho arisca.
- Só que ela está morrendo!
- Puta merda Aldo, Juan e Tomé. Todo vez a mesma conversa. Toda vez eu tenho que vir aqui. Essa bosta de colete não está em vocês atoa? – perguntou o Cael arrancando o colete do Aldo e rasgando ao meio – Cadê o Juan?
- Para de briga e vai logo eu disse.
- Sai da minha frente – disse ele me empurrando.
- Cael, você tem coisas mais importantes agora que brigar com eles – disse pegando seu queixo e o fazendo focar em mim
ele concordou com a cabeça, apontando o dedo para o Juan.
- Doutor? – chamou o Cael entrando correndo para dentro do estábulo.
Todos o seguiam em passos rápidos.
- Alguém aqui ouviu eu chamar, além, do doutor? – perguntou ele sério.
O Cael quando não olhava nos olhos das pessoas, indica que ele está estupidamente nervoso. Aprendi isso na pele
- Rápido Doutor. Faz uma puta graça do caralho e agora fica com essa cara de sonso?
- Temos que operá-la.
- E vamos!
Ambos entraram dentro do estábulo e o Cael fechou o porteira com força, olhando fundo nos meus olhos e dizendo as palavras "Hoje não!" a. Era a primeira vez que ele me deixara de fora dos nascimentos. Não que eu fizesse questão, mas eu era sempre requisitado. Sempre achei que eu acalmava os bichos.
- EU DISSE "SAIAM DAQUI SEUS BOSTAS!" – berrou ele de dentro do estábulo.
E se passaram mais de 01 hora quando ele saiu, usando apenas a bombacha, com o peito nu, ensopado de sangue.
- VOCÊS SÃO UNS BOSTAS! TODOS VOCÊS! TODOS TEM QUE IR PRA RUA MESMO! CADE O JUAN? – Perguntou ele indo até o argentino e o socando.
Depois o pegou pelo seu rosto e o esfregou no seu peito e seu abdômen, ensopando a cara do argentino de sangue e placenta. Ele não resistiu, caiu de quatro e vomitou. Mais um chute no estômago ele levou. Depois ele foi até o Aldo, o socou na cara, assim como o Juan, puxou ele pra dentro do estábulo aonde estava a vaca e, minutos depois, voltou com o argentino ensopado de sangue.
- Até você Tomé? PUTA MERDA, ATÉ VOCÊ? – berrou o Cael.
Metade da montanha estava no curral. Todos debaixo da chuva e em silêncio. Ao fundo eu vi o Alan debaixo de uma grossa capa de chuva e chapéu enfiado na cabeça. Talvez com medo de sobrar pra ele também.
- É... que-que-que... se-se-mpre... fora... ma-ma-is... fácil... vo-vo-vo-cê... salvar – disse o Tomé gaguejando.
- Vo-vo-vo – imitou o Tomé gaguejando – Sorte sua ser o quem você é.
Ele ficou debaixo d'á chuva pesada, limpando seus braços e peito, mas era muito sangue. As pessoas que ali estavam não paravam de cochichar.
- O que... aconteceu meu filho? – perguntou a Nina com medo chegando perto do Cael.
- A vaca tava prenha de gêmeos. Ela tinha o quadril pequeno – respondia ele lançando longos e grossos pingos de sangue no chão.
A Nina encarava sem entende-lo e ele a encarava como se ela fosse obrigada a saber o que se passava. Ao fundo Juan e Aldo choravam , ensanguentados. Estavam com tanto medo do Cael que nem se levantaram.
- Puta merda Nina! Ela ia precisar de uma cirurgia. Ai esse BOSTA DESTE ARGENTINO, FICOU COM CU DOCE EM ME CHAMAR. E você, que bosta de veterinário não sabe fazer um parto? Ela perdeu tanto sangue que EU tive que mata-la, porque ela desmaiava a cada 01 minuto, por causa de tanta dor. ELA MORREU COM DOR. E ele foi ao encontro dos argentinos e voltou a chutá-los.
- Eu disse "NENHUM ANIMAL MEU MORRE!" – berrou ele em meios aos chutes – Olhe pra mim. EU DISSE OLHE PRA MIM!
Ambos choravam tanto que mal dava conta de encarar o Cael. Ele pegou os dois pelos braços e puxou rumo ao estábulo.
- TOMÉ E YURI, VEM CÁ? – chamou o Cael aos berros
Primeiro deixei ele entrar com os rapazes, depois o Tomé, por fim, respirei fundo e tomei coragem de entrar. Quando atravessei a porteira, meu estômago revirou e o ar entrou com uma tal velocidade nos pulmões que achei que vomitaria ali mesmo. Lá estava a vaca, deitada com um corte lateral, com as vísceras e placenta, ou sei lá o que para fora. Os olhos estavam saltados para fora das suas orbitas, havia uma poça de vômito com pedaços grandes de sangue coagulado e língua, estupidamente para fora da boca, num formato torto e agonizante. Saia sangue por todos os orifícios do animal. Entendi agora o significado da dor do Cael. Aquele pobre animal morrera de dor. Mas nada, absolutamente nada, me deixou mais mal que ver os dois bezerros castanhos, se equilibrando em suas frágeis patas, mamando a mãe morta. Fiz total força para não chorar enquanto os pequenos filhotes cabeceavam o ubre do cadáver.
- Tem um bezerro ali para cada um de vocês, argentinos de bosta. E, a partir de hoje, não trabalham mais com gado – disse o Cael saindo do recinto.
Todos saíram do estábulo correndo atrás do Cael, calados, em passos rápidos. Ao chegar na terreiro, ele abriu os braços para deixar a chuva cair nele.
- Yuri Martel? Cadê Yuri? – procurou ele entre várias pessoas, meu coração estava tão apertado que doía - Você já tem os dois primeiros nomes da lista de quem não trabalha mais aqui.
Ambos se ajoelharam perante aos pés do Cael pegaram em suas mãos, suplicando para.
- Pelo amor de su madre. Non tengo para onde ir – disse o Aldo que estava mais em choque que o próprio irmão.
- Desde que trouxestes pra ca, és la única família que tiemos. Non mande nos embora ahora. Apenas penso um pouco.
- Embora? Vocês não vão embora! Apenas não trabalham mais para mim. Podem trabalhar na outra montanha ou com o mestre cervejeiro. Qualquer lugar de Poti que quiser. Mas deixar a montanha? Apenas quando esses dois bezerros morrerem de morte natural. Ai sim, estão livres pra ir embora.
Ouvia-se apenas os choros dos dois e o barulho da chuva batendo no telhado.
- Tomé, se você ver um dos dois circulando pela montanha e não for pra tratar dos bezerros, atire neles.
- Cael? Por favor? – suplicou novamente o Juan que levou outro chute na boca ao chegar perto do Cael
- Eu... disse... atire.
As pessoas se entreolhavam, uma choravam , uma levavam suas mãos a boca.
- Se vocês fugirem, eu mesmo atiro!
Nem precisaria do tiro para matar os dois argentinos. Eles já estavam mortos. Acho que viver na montanha e não viver por ela, seria pior que qualquer morte. Todos ficaram em silêncio enquanto o Cael desaparecera na escuridão.
- Sabe o que você aprendeu hoje? – perguntou o Tomé em meio às lagrimas.
Respondi apenas com a cabeça.
- Que sendo novo ou velho, não há preferencias aqui. Todos temos uma promessa com Cael e, caso descumpra, ele faz justiça.
O capataz seguiu casa acima e também despereceu na escuridão. Peguei a camionete e fui para cara. O Cael se encontrava na porta, sem camiseta, completamente ensopado.
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