CAPÍTULO 37 - CAEL MARTEL
"Nota do Autor: O trabalho da montanha do Cael, é conquistado pela dedicação de cada um lá. Cada morador fora tirado das ruas, quando o Cael corria Brasil a fora competindo seus rodeios. Uns por falta de dinheiro que iam parar em baixo da ponte, outros por serem expulso de casa após descobrir doenças contagiosas, mas a maioria eram alcoólatras e drogados. Quem aqui conhece um alcoólatra ou um drogado, sabe a "desgraça" que essas pessoas trazem, além da autodestruição, a destruição de quem está a volta. O Cael aproveitou o que o Cu-do-Mundo tem de melhor: isolamento. Além de casa, comida e trabalho, ele conseguia a medicação necessária a quem dela precisava. Uma vez pisado dentro da montanha, não se saía mais de lá. O mais gozado, era a gratidão dessas pessoas pela nova oportunidade de via que elas recebiam. Acredito que essa gratidão se dava pela vida condenada que essas pessoas tinham antes dali chegarem. Ao chegar na montanha, cada uma ia para uma colônia. Das colônias, cada pessoa era selecionada para uma ala: celeiro, represa, horta, gado de leite, gado de corte. Cada uma dessas áreas em comandadas por um "mestre". O que para nós, chamaríamos de "gerente", ou seja, ser um mestre, significaria o mais alto cargo dentro da montanha. Para se tornar um mestre, a pessoa deveria fazer uma promessa, no qual somente o Cael o Tomé saberiam, e depois eram marcado no braço direito a inicial do seu nome, com um "marcador de gado". Essa tradição era feita, para que todos sentisse na pele a responsabilidade do "cargo"."
> Narrado por Cael Martel
Cheguei em casa mais de meia noite daquele dia. Yuri estava dormindo no sofá. Fui até seu quarto e peguei uma coberta grossa. Chovia pesado lá fora e fazia frio. Era bonito vê-lo dormindo tão pesado. O cobri antes de deitar na minha cama. Era forte o som da chuva que batia no telhado e gostoso de sentir aquele chuvisco que entrava, por não ter forro dentro de casa. Acordei horas depois com Yuri entrando no meu quarto e me chacoalhando. Levantei ainda sem saber o quem eu era. Fui tomar meu banho, depois o meu café. Ele estava cabisbaixo e não dissera uma palavra durante toda parte da manhã. Também decidi não aborrecê-lo.
- Eu me borro todo quando toca essa sirene! - disse ele abaixando a cabeça enquanto o carro de boia ia passando pela Poti - Me lembra dum filme de terror - Já assistiu Silent Hill?
- Não! Nunca assisti a nem um filme na minha vida. E não deveria se preocupar! É mais normal do que imagina.
Ele apenas concordou com a cabeça.
- Que está acontecendo contigo, que está todo calado?
- Cansado e com sono! - respondeu ele seco.
- Cansado e com sono? Quando cheguei já estava dormindo.
- E desde quando você se importa comigo? - perguntou ele sem olhar nos meus olhos.
- Ok Yuri Martel! - respondi e logo desci do carro - Sem conversa então!
Chegamos no recinto já marcando 10 horas da manhã. Várias pessoas nos aguardavam já na entrada para começarmos a trabalhar. As moças já tinham armado as barraquinhas com água, bolachinhas doces, pão de forno, queijo.
- Você vai engordar mais ainda Yuri - disse ao vê-lo passar ao meu lado.
Ele apenas sorriu e foi se juntar com o resto do pessoal. Não entendia ao certo porque ele estava se esquivando de mim, quer dizer, até tinha uma impressão, mas não poderia ser. Ele nunca passara um dia assim comigo. Estávamos desamarrando as tábuas que serviriam de cerca para conter os animais quando o Tomé e o resto do pessoa da montanha começaram a bater palmas e gritar o nome do rapaz que estava na porteira.
- Ganhamos a elétrica, ganhamos a elétrica, ganhamos a elétrica - berrava o Tomé batendo nas costas do rapaz.
Lógico que aquilo me enchera de alegria. Seria menos dinheiro que sairia da minha conta e da conta do Yuri. Fora a primeira vez no dia que o Yuri abrira um sorriso e me encarou com o olhar "Tá vendo? Não disse que conseguiria!". Foi assim que comecei a acreditar que tudo daria certo. Colocamos um baú fechado, bem em frente à igreja da matriz, aonde serviria de "cofrinho", caso alguém quisesse doar algo. Prometemos abrí-lo em frente toda Poti após todas as missas de domingo até a abertura do rodeio. O cabeamento que ganhamos era suficiente apenas para iluminar o recinto para trabalharmos. Tirando a chuva, aquela semana toda correu bem, conforme o Yuri planejava. Semana após semana, um pedacinho do recinto ia ganhando uma nova cara. Todos sempre faziam festas quando ganhávamos algo. Primeiro foi a elétrica, depois ganhamos as tintas e o equipamento da locução. Ao final da semana, fizemos a primeira reunião com os advogados do meu pai. Muita coisa da nossa festa fora citado, mas nada que o Yuri não os colocasse nos seus devidos lugares, afinal, a festa era nossa.
- R$ 1779 reais - anunciou o Yuri ao abrir o cofrinho que colocamos na praça da Matriz no domingo, após a missa.
Voltamos para sede aonde eu o encontrava empolgado. Esperei que ele saísse do banho para termos a nossa conversa.
- O valor arrecadado é como se cada habitantes de Poti tivesse doado 0,08 centavos cada - disse ele me encarando -Precisamos de mais. Se ao menos cada um dos moradores tivesse doado 01 real, já daria para fazer boa diferença. Mas tivemos grandes doações de estruturas.
- E não gastamos 01 real com mão de obra.
- Não! Por isso estamos andando num bom ritmo. Seu pai está meio irritado com essa conversa toda. Acha que estamos deixando de cumprir nossas obrigações dentro da montanha.
- Mas não estamos!
- Eu sei que não! Mas ele também não ficará contente se a montanha não continuar a crescer financeiramente.
- A montanha está indo bem! Está chovendo, logo começamos com o café e banana. Além do pasto para gado. O que mais ele quer?
- Ele quer que você mande embora seu pessoal, você sabe disso!
- Isso não vai acontecer, porque não vou permitir!
- Você tem que entender que não está em condições de negociar nada! Enfrentar seu pai, só irá piorar as coisas. Eu entendo sobre enfrentar meu pai, por favor me escute.
- Ninguém vai ser demitido aqui, entendeu?
- Você é muito teimoso. Aliás, estamos um jeito de ajuda-los, se você não entendeu!
- Entenda uma coisa Yuri Martel, se a montanha for a baixo, eu vou junto. Todos nós vamos, se é que me entende!
- Entendo bem!
Ele mexeu na papelada que estava em cima da mesa e retirou uma carta. Pela cara dele não deveria ser coisa boa.
- Em falar em pais... olha aqui um recadinho de amor do meu - disse ele rasgando o envelope e retirando uma carta escrita a mão de dentro.
- Bom, vou tomar o meu banho - disse esfregando seus cabelos ao passar por ele.
- Você não está saindo apenas para eu ler a minha carta, está?
- Achei que quisesse um pouco de privacidade!
- Você arrota, peida, caga, toma banho de porta aberta, anda pelado balançando essa linguiça de frango e ainda vem falar sobre privacidade? - perguntou ele num sorriso de canto-a-canto.
"Caro Yuri,
Confesso que fiquei feliz quando o pai o levou para Poti. Porqu aquele inferno de vida que você vivia estava acabando conosco. E peço desculpas que esteja escrevendo apenas agora, eu ainda estou muito chateada com você. Seu nome fora proibido de ser pronunciado dentro de casa ou onde nossa família esteja. Aquele-que-não-faz-parte-da-família o papai lhe chama. Até parece que você é o Voldemort. E saiba também que você fora responsável pelo
"quase" quinto infarto do papai, quando você apareceu no Fantástico há meses atrás. Ele fez uma força tarefa para esconder o seu paradeiro. E fez uma forma maior ainda, judicialmente, para a imprensa não ir atrás de você. Eu já não me contive em lágrimas. Além de rir ao vê-lo todo trajado de gaúcho. Já o Yago parece aquelas crianças que acabou de ganhar um presente de Natal quando mostra seu vídeo para os amigos dele. Mas o orgulho dele 'forte o bastante para não querer falar com você. Não sei como você está, mas pense pelo lado bom, voltará pra casa daqui há seis meses! Espero que tenha pensado muito na vida nesse tempo todo que ficou longe da sua família!
Com amor, Yara
ps: o Yago diz que não quer saber de você, mas não fica um dia sem ver seus vídeos."
Meu coração doeu enquanto ele lia as ultimas palavras em prantos. Yara e Yago eram dois nomes que eu não sabia de quem pertenciam, mas deveriam ser muito importantes, pelo estado que ele ficara.
- Posso fazer algo? - perguntei com coração apertado enquanto ele abraçava as almofadas e as mordia para abafar o choro.
Mas ele chorava tanto que nenhuma palavra saia da sua boca. Ele estava encolhido no sofá, quase sem ar. E, com meu instinto falando mais alto, apenas me levante e fui até aonde ele estava. Tirei a almoçada dos seus braços fortes e o abracei como nunca tinha o abraçado antes. Foi ai que ele chorou mais ainda.
- São... os... meus... amores... - disse ele em meio aos soluços.
Fiquei abraçado com ele por mais ou menos uns 05 minutos, até sua respiração normalizar, até os soluços pararem, até seus braços ficarem mais relaxados.
- Quem são eles?
- Meus irmãos. Yara é um ano mais nova que eu, já o Yago é 10 anos mais jovem. A vida dos meus pais eram frequentar festas de ricaços, saraus, aberturas de grandes empreendimentos, politicagem, dentre outros compromissos importantes. Eu e Yara sempre nos viramos bem com nossa baba. Yara era mais compromissada, tinha balé, inglês, pintura, canto, artes marciais, esgrima, hipismo. Já eu, apenas lutava. Quando Yago nasceu, a baba apenas o levava junto comigo, quando ele completou 10 anos já lutava jiu-jtsu, além de me acompanhar em todos os lugares. Como Yara era a "menina" da casa, ela tinha vergonha de ficar com os irmãos, então, quem cuidava do Yago era apenas eu.
- Pense que daqui uns meses você poderá vê-los de novo. Quem sabe eles não possam vir aqui no nosso rodeio.
- Talvez a Yara. Já o Yago fez uma promessa fodida que jamais olharia para mim de novo. Depois de toda tristeza que causei para ele e família.
- Mentira! Pelo comentário de sua irmã, ele tá louco para reencontrá-lo.
- Não tenho dúvidas disso! Mas se há alguma coisa que eu ensinei a ele, fora valorizar um castigo. Se você prometer algo, vá até o final, assim suas promessas sempre se cumprirão. Eu sai de casa com 25 anos e fui morar sozinho. Ele veio morar comigo, com apenas 15 anos. Ele é muito apegado a mim.
- Esse tipo de amor me faz lembrar o Cauê! - disse a ele enquanto ele ainda limpava os olhos.
- Nunca ninguém me falou dele.
- E não teria como! Apenas eu e o meu "pai" convivemos com o Cauê!
- Achei que o Tomé tinha convivido com ele...
- O Tomé apenas retirou o corpo do meu irmão do rio.
- Como ele era? - perguntou Yuri saindo dos meus braços e indo sentar-se no canto oposto do sofá.
Eu tinha acostumado com a ideia dele ficar agarrado nos meus braços, mas fora melhor assim.
- Ele era feliz. Feliz que eu digo, perante a situação que nós vivíamos. A casa aonde morávamos era do tamanho dessa sala. A casa toda. Era apenas um cômodo. Eu, Cauê, meu pai e minha mãe dormíamos todos numa mesma cama. Casa era feita de barro, chão de barro. Meu pai, na época, deveria ter umas 100 cabeças de gado. E acredite, ele era o rei do gado da nossa região.
- Com 100 cabeças?
- Com 100 cabeças!
- E aonde entra a felicidade do seu irmão? - perguntou o Yuri abraçando os joelhos e me encarando sem piscar.
- Trabalhávamos na roça. Enquanto o sol ardia no nosso lombo ou eu estava cansado, lá vinha o Cauê com um avião feito de madeira, barquinho ou mostrava desenhos feitos com as nuvens. Eu subia e descia o dia todo, com cabaças cheias d'água, para meus pais e ele beber. Como naquela época não tinha geladeira, lembro de cavar buracos no solo úmido, assim a água se mantinha fresquinha. Ele conseguia fazer o nosso trabalho escravo parecer mais divertido.
- É o que os grandes irmãos deveria fazer.
- É o Cauê fazia isso muito bem. A noite ficávamos do lado de fora da casa contando estrelas. Pode parecer idiota, mas era minha única diversão.
- Não é idiota! É você! - disse ele dando um sorriso torto.
- Após a morte do meu avô, acabamos herdando essa montanha que fica a 25 kilometros de distancia da montanha do meu pai. Como ela fica exatamente na extremidade oposta da cidade, meu pai precisaria de alguém para tomar conta de tudo isso.
- Ele colocou você e o Cauê?
- Exato! Eu, Cauê e mais 05 vacas, 02 bezerros, 01 touro, 01 dúzia de galinhas, 04 leitões que eram do tamanho de gatos.
- Você lembra tudo isso de cabeça?
- Às vezes, gostaria de não lembrar de certas coisas. Às vezes gostaria de não ser o Cael, o rei da montanha. Às vezes, eu gostaria apenas de ter tido a vida que era para eu ter tido, caso meu irmão não tivesse morrido.
- Mas hoje você é, assim como eu sou! Não tem volta meu primo e temos que nos reerguer e continuar. Você tem um coração muito grande, generoso, não é muito gentil e carinhoso, mas é um bom homem! - disse ele rindo.
- Ainda me vê assim? Ruim?
- Não! Hoje eu sei o que você é e não mecho contigo quando está com o saco doendo. Mas sei que és bom. E tá muito gente boa comigo. Poderia ser mais gente boa se contasse com quem anda saindo todos os dias a noite.
- Com a mãe dos meus filhos! - respondi arrancando uma careta dele.
- Tá vendo? É isso que eu digo quando você diz que está quase lá. Mas e eu? Como você me vê? - perguntou ele sentando mais perto.
"Como eu o vejo? Como eu o vejo? - perguntava a mim mesmo - Apenas sei o que sinto!"
- Você fala demais... - ele deu tanta risada que chegou a cuspir - sério, você fala muito! Você faz um bom sanduíche do Yuri...
- Quero coisas sobre mim.
- Você além de falante tem o coração enorme. Mesmo que seja seletivo. Você é gente boa com todos aqui, fala bem, interage bem. Você faz com que todos gostem de ti.
- E você, gosta de mim? - perguntou ele sério.
"Eu sou apaixonado por você!"
- O mesmo que todos! O que o Yuri merece - respondi deixando encabulado.
"Segunda nota do autor: Boa tarde a todos! Gostaria de agradecer o carinho que recebo tanto por aqui, quanto inbox, quanto amigos pessoais. Não costumo dar muitas satisfações da minha vida pessoal, mas diante do carinho recebido, venho dizer que as postagens estão mais "escassas", devido a uns problemas familiares. E fiquem frios que minha paixão é escrever. Quero normalizar minhas postagens o mais rápido possível. Grande beijo a todos!
Léo"
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