CAPÍTULO 36 - YURI MARTEL - PARTE 02
Yuri Martel
A música "torava" no meio de 06 mil pessoas, na balada, com todas abraçadas enquanto os leds que davam de frente a praia se abriam. Estava lá eu, abraçado com mais três caras musculosos, todos sem camiseta, óculos escuros, suados e se abraçando. Riamos um para outro, pulávamos, balançávamos a cabeça, no beijando muito, nos acariciando muito, sendo um casal formado por 04 caras. Naquela hora, com todo mundo já m outro planet, ninguém mais se importava se nós 04 estivéssemos se pegando ou não. O importante era se beijar muito e cantar enquanto o efeito do ecstasy estava no auge, junto à música. Os leds começavam a brilhar como sol nascendo e todos gritavam ao som de Titanium. Quando o refrão parou, os leds se abriram totalmente e lá estava ele, o verdadeiro Sol. O som parou e 06 mil pessoas berravam o verso da música. Foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida.
I'm bullet proof, nothing to lose
Fire away, fire away
Ricochets, you take your aim
Fire away, fire away
You shoot me down but I won't fall
I am titanium
You shoot me down but I won't fall
I am titanium
I am titanium
I am titanium
Saímos ainda com a festa de réveillon da The Week ainda rolava ao fundo. Entramos no quarto e os rapazes começaram a se drogar. Transamos com todo o nosso tesão do momento. Até que o rapaz que eu penetrava, enquanto chegava ao ápice do orgasmo, entrava em overdose. Minhas mãos ensopadas de sangue e os outros dois entraramos em pânico. Eu sabia que o pânico deles, além de ser provocado pelo rapaz morto, era a síndrome do pânico que a droga causava, caso "batesse errado". Não deu nem tempo de virar o corpo do jovem quando o pessoal do hotel entrara no quarto e, meia hora depois, a polícia.
Fazia uma tarde muito quente no CDP (Centro de Detenção Provisória), quando meu irmão chegou. Era domingo, dia de visitas. Para nos fazer uma visita no CDP, você precisa ir na quarta-feira antes da visita, por volta das 03 da manhã, ficar na fila, isso se quiser pegar uma senha para visita. Pela primeira vez em 445 dias (dos 548 dias para minha audiência) que ele viera me visitar. Chorei muito ao vê-lo, pois ele havia prometido "Se você parar na cadeia, eu nunca vou te visitar!". E ele cumprira boa parte da sua promessa. Além de não me visitar, também não me escrevera uma única carta. Carta era um artefato raro para melhorar nossa cabeça dentro do presídio. Passei há primeira hora apenas abraçando-o, acariciando se rosto, beijando muito meu caçula. Eu amava aquele garoto mais que qualquer coisa no mundo. Pois eu era o mais velho dos 03 irmãos, sendo ele, 10 anos mais novo que eu. Fomos criados sempre com muito contato físico. E só quem passa por isso, sabe como inguém sabe como é bom ver um rosto amado quando se já perdeu tudo.
- Por que está todo picado assim? – perguntou ele passando sua mão macia no meu braço todo cheio de feridas.
- Traças, percevejos, mosquitos.
- Eles estão, literalmente, o comendo vivo – disse meu irmão levando a mão na boca, pasmo com toda minha situação – em quantos vocês são aqui?
- 35 irmãos, dentro de um quarto com (05 x 05) metros, o que vale a...
- 25m² pra 35 pessoas? Como é que vocês dormem?
- Nos dias ímpares, eu durmo sentado encostado na parede. Nos dias pares, durmo deitado.
- E há apenas aquela janelinha para entrar ar? À noite então, vocês devem morrer de calor – dizia ele olhando para todos os lados, inconformado com nossa situação – eles não o...? – perguntou ele fazendo sinal de sexo.
- Não, meu irmão! Temos visitas íntimas.
- Fico bem melhor! Papai já diz que você deve estar se esbaldando aqui, no meio de tanto macho.
- Como ele é nojento! – disse cuspindo no chão.
- Se você já estivesse formado, estaria numa cela melhor...
- Yago, por favor, pare!!!
Era uma tarde de segunda-feira quando, pela primeira vez estava cara a cara com os outros dois rapazes da festa. Eles aparentavam ter perdido uns 10 kilos, estavam com o uniforme e algemados, assim como eu. No telão, a foto do corpo do rapaz da festa. Ao fundo, a família chorando.
- Yuri, preciso que você confirme tudo o que eu disser – cochichou o meu advogado no meu ouvido – Você é o único aqui sem vestígios de cocaína.
- E deixa-los se foder sozinho?
- Vai bancar o herói agora? Passamos mais de um ano para achar a saída do seu caso e você quer mudar minha história?
- Mas fomos ao quarto os 04 juntos!
- A acusação sobre você é apenas se você o induziu ou não o uso de cocaína, levando a morte.
- Como?
- Já está mais que provado que ele morrera de overdose. Agora a acusação quer leva-lo de volta para cadeia por ter induzido o rapaz a usar a droga, levando a óbito. Já que seu esperma fora encontrado no cadáver.
Meus irmãos aumentaram o som do carro no máximo quando me viram saindo pela porta da frente do Fórum.
- Você, de longe, já cagou em toda nosso nome Yuri Martel – disse a Yara me dando um beijo no rosto – você é o melhor irmão do mundo.
- Um ex-presidiário?^Há quantos anos não saímos nós três. Yuri, Yara e o cagão do Yago?
- A não ser que fizesse uma festa na cadeia, não acham? – disse a Yara.
- Respire esse ar Yuri – disse o Yago colocando minha cabeça para fora do carro.
- Quer matar seu irmão, 10 minutos após sair do fórum?
- Seria uma ótima, já que dividiríamos a herança em dois.
- Pra onde vamos? Para aonde você quer ir em primeiro lugar?
- McDonal's! – respondi fazendo os dois gargalharem.
Entramos na The Week já passava das 03 da manhã, estava lotada. Estava de mãos dadas com Yara e o Yago.
- Eles vão achar que sou gay que vem você Yuri – disse o Yago escondendo a cara nos meus braços.
- Lindo assim? Vão achar mesmo! E eu mato o veado que encostar no meu caçulinha – disse acabando com o seu penteado.
Como ele detestava que eu mexesse no seu cabelo.
- Yago, se liga, todos aqui o conhece! Até mais que você mesmo! – disse a Yara mostrando meu Instagram ao meu irmão.
- Yuri, quero que você aproveite sua primeira noite aqui. Beije quantos você quiser...
- Eu vou mesmo – disse interrompendo-a.
- Transe com quantos quiser...
- Com certeza! – concordei interrompendo o Yago – e eu logo acho uma mina pra você. Não achei que aqui há apenas homens – ele fez um sinal de jóia com um sorriso largo no rosto.
- Mas se colocar alguma droga nessa boca. Ecstasy, cocaína, Key, Gi, qualquer porcaria, ambos aqui vão te matar – disse a Yara – então prometa aqui e agora – continuou ela séria.
- Você lembra-se do que eu prometi da última vez? – perguntou o Yago me segurando pelos braços – Se você quebrar essa promessa, nunca mais vai me ver novamente. Você é o único homem no mundo que eu amo não me decepcione.
- Agora, prometa? – chamou os dois esticando as mãos.
- PROMETO! – berrei ao segurar suas mãos.
Estava escorrendo suor da minha testa, com aquela beca estupidamente quente. Era um salão imenso e minha turma era a última. Sem falar que meu nome também era o último da lista.
- Yuri Martel – chamou o nosso paraninfo.
Levantei-me, parei para tirar uma foto e fui caminhando até o meu diploma. Meus irmãos e amigos berravam, tocavam cornetas, levantavam uma faixa escrito "Vagabundo também se forma!". Levantei meu canudo e mostrei a todos enquanto os fotógrafos me enchia de flashs. Eu estava formado!
- Você sabe o que aconteceu? Tem ideia da merda que fez? Yago sumiu faz 03 dias seu filha da puta – disse a Yara ao pé da cama – Eles chegaram a cortar 05 centímetros da sua pele e, Graças a Deus, seu coração voltou a bater.
- O que aconteceu? – perguntei zonzo.
Passei a mão pelo meu peito e lá estava um pequeno curativo. Estava usando sonda para urinar. Tinha escalpe na minha veia, correndo soro.
- Eles estavam preparando para abrir seu peito, mas ai ele bateu e conseguiram reverter a bosta que você fez. Foi um milagre! – dizia ela em prantos.
- Eu ia morrer?
- Ia seu burro – disse ela me enchendo de murros, cuspindo sangue, acredito porque ela mordera a língua – você estragou tudo, como sempre!
- Yara...?
- Você vai sumir da nossa família. Você vai embora antes que destrua a todos aqui. Ninguém o quer. Você é um problema, não entende? Você é um estorvo que ninguém aguenta mais. Ninguém quer você por perto, não entendeu? Você nos humilha quando vem parar aqui. Há gente com problemas piores que um drogado de merda enchendo as salas.
- Yago?
- NINGUÉM SABE AONDE NOSSO MENINO ESTÁ! ELE SUMIU FAZ 03 DIAS SEU FILHA DA PUTA – berrou ela, acredito que todos do hospital deveriam estar ouvindo. Ela respirou fundo, limpou os olhos e voltou a falar - Ele morreria por você. Ele é o único que morreria por um drogado como você. OLHA PRA MIM QUANDO EU FALO – gritou ela chamando a minha atenção – Não cansou de foder com a gente? Não cansou de nos ver chorar? – perguntava ela em meio aos socos. Eu queria chorar, porque meu peito doía, mas não saia nenhuma lágrima – Que se foda o pai e a mãe, mas eu e o Yago? Ele é o nosso caçula! E você fodeu o aniversário dele. Sabe há quanto tempo ele estava planejando a festa dele? Óbvio que não! Estava preocupado em cheirar e foder o mundo todo. Ele está fazendo a festa dele desde que saiu daquela merda daquela cadeia. Ele tem apenas 23 anos e tem você como herói da vida dele.
- Eu vou ser o herói dele! Prometo!
- Ninguém acredita mais em você. Que herói na face da Terra usa drogas, se mata, mata a família? Ao menos vá sozinho pro buraco e nos deixe. Você sabe o que há semanas o Yago vem planejando?
- Não!
- Há semanas seu irmão vai a um estúdio de tatuagem, furar todo o peito esquerdo, com um desenho de coração escrito "Yuri Martel". Você entendeu? Aniversário dele e ele faz uma tatuagem pra você?! E você fez isso com ele! Você acabou com seu irmão!
Entrei acompanhado na clinica de reabilitação por dois trogloditas. O lugar não era dos melhores, mas tinha o meu quarto só para mim. Essa clinica de reabilitação era melhor que hotel cinco estrelas. Fiquei sozinho naquele quarto até um rapaz casado, chegar.
- Olá, meu nome é Luca – disse o rapaz estendendo sua mão e me cumprimentando – acho que somos companheiros de quarto.
- Acho que sim! – respondi deixando meu livro de lado.
- Por que está aqui? – perguntou o rapaz.
- Cocaína e você?
- Crack!
- Bom dia meninos, meu nome é Tati – disse uma moça loira, gordinha, estampado no jaleco "psicóloga" – temos nosso primeiro encontro aqui. Vamos lá?
Despedi de todos os funcionários da clínica. Nunca tinha sentindo aquela sensação de abandono na face da Terra.
"Ninguém veio dizer adeus para mim?!" – disse a mim mesmo, engolindo seco.
- Yuri Martel, a partir de hoje, você ficará sem nenhuma rede-social, seus cartões, seu apartamento, seu carro, seu tablet, seu celular, sem nenhuma conta bancária, sem nenhum tostão no bolso. Tudo será administrado por mim enquanto você estiver sobre a clinica domiciliar. E toda sua herança ficará para seus irmãos.
Já tínhamos rodado muito mais que o necessário para chegar a Sampa. Até ver uma placa escrito "Bem vindo ao Paraná"
- E então decide enviar para o lugar mais afastado da Terra?
- Há lugares piores que aquele Yuri. Você irá ajudar seu tio na administração da fazenda dele.
- Está me mandando lá para trabalhar? – perguntei atônico.
"Como já não bastasse a tortura de viver longe da vida social, teria que trabalhar?"
- Você acha que ficará na casa do seu primo de graça?
- Era o mínimo que poderia fazer, não acha? Meu primo, um cara rico e bem de vida, vai me receber de braços abertos para cuidar dos seus negócios? Só se ele for muito burro!
Acabei de mijar e voltei ao carro onde o meu tio estava parado na frente da camionete.
- Consegue ver ao fundo duas colinas? – perguntou meu tio apontando para dois pontos muito altos ao fundo.
- Sim! – respondi mesmo tendo que fazer força para distinguir aquele borrão verde marrom, com muita neblina.
- Essa mais perto de nós, a menor, é onde eu moro.
Apenas concordei com a cabeça.
- Então a minha será aquela "maiorzona" lá longe? – perguntei olhando para uma colina alta e bem mais espessa que a primeira que meu tio mostrara.
- Ela mesmo!
Uma sirene alta e continua começou a tocar. Acordei completamente sem ar, como se eu tivesse acabado de sair debaixo d'água após ficar muito tempo submerso. Demorei para recuperar meu fôlego e entender aonde estava. Meu coração batia rápido. Olhei para meu quarto e agradeci a Deus por estar lá. Desde que cheguei a Poti que essas lembranças tinham desaparecido. E, confesso, fiquei desesperado que esses pesadelos tenham voltado. A buzina das represas estava tocando bem alto ao fundo. Era assustador ouvir aquele barulho. Levantei-me para beber água e respirar um pouco, deixar adrenalina do meu sonho abaixar. Levei um susto ao ver que o Cael estava deitado no sofá, sem camisa, olhando para o nada.
- Acordado Yuri? – perguntou o Cael iluminado pela luz fraca de uma vela na mesa.
- Pesadelo. E dos fortes. Além do susto que sempre levo quando essa sirene toca – disse a ele que arregalou os olhos e deu uma risada fraca - E você, por que está acordado? O "encontro" foi bom? – perguntei sentindo um gosto amargo na garganta.
- Viu como minha vida mudou em 04 meses? Eu perdi tudo nesse tempo, sabia?
"Mudando de assunto seu filha da puta?!"
- Você ainda não está morto para recuperar tudo, sabia?
Mas ele começara a chorar. Eu já perdi tudo na minha vida, várias vezes, se eu botar na ponta do lápis. Eu era perito em perder coisas, perder pessoas. Para mim, aquela situação do Cael era mais um temporal que estava por vir, mas eu era o Yuri Martel, eu já havia passado por dezenas de temporais em toda a minha vida.
- Eu só peço que não chore – disse indo sentar-se ao seu lado no sofá – É só uma fase e todos passaremos juntos.
- Essa vez é diferente. Essa vez eu sinto que, no final de tudo isso, não haverá mais montanha para mim. Meu pai está fazendo todas as forças para me tirar daqui.
- Já parou para pensar que realmente deva ser isso que você tenha que fazer, sair daqui?
- Como? – perguntou ele se sentando e me encarando bravo – Que estupidez é essa que está dizendo?
- Sabe, você é um cara da roça, quem sabe não seja isso que tenha que fazer agora. Ser alguém da cidade grande?
- Eu... sou o Cael, criador de gados! É isso o que eu sei fazer – disse ele balançando a cabeça negativamente.
- Eu, eu, eu... Eu há quatro meses era o maior playboy e hoje mexo com essa montanha. Morri por isso? Não! A cada mês vem uma "surpresinha" diferente desse "lugar mágico"!
- Você é diferente de mim!
- Por quê?
- Porque é vivido. Conhece o mundo. Conhece coisas que jamais eu poderia ver na minha vida inteira!
- Vida inteira? – e dei uma gargalhada gostosa – Fala isso com 35 anos? Está falando como se já tivesse 90 anos, sentado numa cadeira de corda, reclamando da vida.
- Eu não sou você!
- Não mesmo! Você, agora com meu novo ponto de vista, vejo que não é nada daquilo que grita por ai. Sabe, eu assumo que tô na merda, patino um pouco nela, sento e me lambuzo. Só que há uma diferença, quando eu caio na bosta, eu corro atrás para sair dela. Agora você fica ai, chorando!
- Porque isso machuca...
- Lógico que machuca. Mas precisamos ir a frente.
- Eu não queria estar passando por isso. Eu queria que tudo fosse como antes – disse ele abraçando os joelhos.
- Assim como eu e todos que passarão esse problema juntos. Mas não cabe a nós decidir. Única coisa que podemos decidir é que fazer com esse curto tempo que nos foi dado. Eu estava destinado a perder tudo e a encontrar o Zebu. E você a me encontrar para acharmos o caminho, isso não é um pensamento encorajador? (TOTR)
Ele continuava a me fitar com o choro na garganta.
- Eu, mais que ninguém, perdi coisas e sei o quanto machuca as perde-las. Não me venha falar de perder coisas. Eu vou ajuda-lo a recuperar tudo isso. Eu prometo. Eu o ajudarei a recuperar cada fiapo de grama que você perder.
- E depois...?
- Depois, você como meu tutor, assina a "carta de alforria" e me deixe ir, tem como? – perguntei esticando meu minha mão.
- E o que você fará com sua liberdade? – perguntou enxugando o nariz que estava escorrendo.
Olhei para o teto de madeira que era sem forro. Fitei as pequeninas teias de aranha que se formavam lá em cima e balançavam o com o vento. Talvez eu sentisse falta daquelas coisas lindas e simples do sítio.
- Eu só queria uma coisa na minha vida. Algo que nenhuma liberdade pode me dar.
- E o que é?
- Minha própria liberdade! Gostaria de andar nas ruas e não ser reconhecido. Gostaria de frequentar todos os lugares sem temer que nada de mal aconteça. Voltar a andar pelas ruas sem medo das drogas. Sem medo das pessoas. Queria poder tirar toda essa tatuagem – disse rindo ao ver a cara de dor que ele fizera – abraçar meus irmãos. Ter um amor. E mais uma vez eu fiz tudo errado.
- Como assim?
- Eu amo estar aqui! Amei andar pela montanha e ninguém saber quem sou. Ninguém me ver como um drogado. Ninguém me chamar de mentiroso. Ninguém me chamar de assassino. Quando cheguei aqui, me senti um computador que tinha acabado de ser formatado, aonde todas as informações tivessem sido apagadas e eu reiniciado. Tudo novo. Memórias novas, lugares novos, pessoas, sotaques, vestimentas. Era, pela primeira vez na que senti o gosto da liberdade e não me toquei disso. Só que eu caguei de novo quando fui dar entrevistas. "Mesmo o cu-do-mundo não evitou que a fama o agarrasse!" disse você. Foi nessa hora que percebi que voltei a ser aquele Yuri que sempre fui.
- Você não gosta disso? Fama? – perguntou ele me encarando sério.
- Sabe, eu vivo a fama! Minha vida, fora daqui, é ficar dando explicações de coisas que fiz. Você acha que alguém no mundo me dá créditos pelo que fui? Será que alguém confia realmente em mim? Ou será que vivo apenas para responder a cobranças e mais cobranças? Você acha que tenho honra? Você acha que alguém me encara como homem? E não estou falando entre ser gay ou hétero, falo de hombridade! Se eu pedir a alguém R$ 100 reais emprestado, você acha que alguém me daria? Cheguei aqui como um desconhecido e caguei nesse anonimato. Caguei na minha honra. Todos me veem como um mentiroso, drogado e sujo. Até quando você acha que uma pessoa aguenta carregar essa dores?
- E por que não fica?
- Porque até mesmo você não acredita em mim! Por que deveria ficar?
- E para aonde iria?
- Já tenho um lugar! Agora, me prometa que vai me ajudar?
Ele me fitou sério, como se quisesse ler meus pensamentos e depois apertou a minha mão. Acordamos cedo e logo descemos no curral para alimentar os animais. Mais uma vez aquela sirene barulhenta tomou conta da montanha. Até os animais ficavam inquietos. Assim que terminado o serviço, encontramos um aglomerado de gente no pé da montanha. 20 carros de boi estavam enfileirados na estrada de terra. Os comerciantes que vinham buscar verdura, legumes, leite e gado, tinham que andar pelo pasto, já que os carros de boi era feitos de madeira puxados pelos animais. Era uma cena linda de se ver.
- Tenho certeza que isso vai chamar atenção da cidade toda! – disse o Tomé nos encontrando.
- É exatamente isso que eu preciso. Atenção!
Passamos a manhã toda colocando todas as madeiras e tábuas que havíamos retirado da antiga arena e rumamos pelos 20 kilômetros de estrada de terra até Poti. Fazia uma tarde agradável, pós-chuva. O clima estava nublado e friozinho quando adentramos na cidade. A pequena multidão de Poti saia às ruas para ver aquela cena dos carros de boi descendo os paralelepípedos, indo rumo ao recinto. "Encantador de touros" gritavam as crianças quando me viam passando montado no meu touro. O Cael sorria e balançava a cabeça a me ver babando.
- Aonde exatamente o senhor Cael está indo? - perguntou o delegado.
- Ao trabalho delegado – respondeu o meu primo fazendo seu touro acelera o passo.
As pessoas iam saindo dos seus estabelecimentos e lotando as ruas até que paramos na praça da matriz. Esperamos até que todos os carros parassem e a multidão se aglomerasse ao nosso redor.
- Você está indo embora tio Cael? – perguntou uma menininha de tranças que brincava com uma bonequinha feita de sabugo de milho.
Eu ri por dentro ao ouvir "tio Cael" e ele fechou sua cara.
- O tio não! – respondeu o touro do meu primo coçando a cabeça da garotinha.
- Que diabos está acontecendo nessa cidade? – perguntou o Prefeito – A cidade já é minúscula e ainda criam um congestionamento?
- É uma hora perfeita para vocês estarem aqui! Hoje, estaremos dando início a uma nova Poti – disse eu ao Prefeito.
- E podemos saber o que o senhor planeja com esse gado todo aqui no centro? – questionou o Delegado antes mesmo que o Cael pudesse continuar com o papo.
- Eu tenho dinheiro e quero começar hoje, um novo projeto, aqui na cidade. Pra esse projeto, precisarei reabrir o Recinto de exposições – disse o Cael fazendo o Delegado soltar uma risadinha fina.
- Simples assim?! Você chega e diz que vai reabrir o recinto? Somos uma cidade religiosa, não uma cidade de rodeio?
- Quem diz isso? – perguntou Cael ficando em pé em cima do seu touro, com um surfista em cima de uma prancha de surf – com que autoridade você negar a abertura do recinto?
- Eu sou o Prefeito!
- Eu sou um cidadão!
- E como um cidadão, deveria saber que Poti tem uma prefeitura e nela há projetos e aprovações.
- Você não vai usar um centavo da sua prefeitura! – eu disse fazendo todos me olharem.
- Como não?!
- Eu tenho dinheiro! – respondeu o Cael.
- Entenda senhor Cael, em 1955 essa cidade fora proibida de fazer missas porque o Santo Padre lotava essa cidade de romeiros. Eram tantas pessoas que logo a cidade estava destruída. O recinto que o senhor tanto pleiteia está lá, pode reforma-lo a vontade. Mas quem cuidará da pavimentação, esgoto, saneamento, água, luz, para suprir tudo isso?
- Você, como prefeito, deveria levantar essa bunda gorda e ir a Brasília pedir recurso! – respondeu o Cael fazendo todos da cidade rir.
- E dizer o que, que um peão de Barretos, seu primo ex presidiário, seu capataz negro e 02 argentinos quer recursos para melhorar a cidade, porque tem "dinheirinho" para reformar o recinto e querem melhorar a cidade, antes mesmo das prioridades dela?
- Exato! – respondi seco.
- Sem ao menos nos mostrar um projeto? Seria, no mínimo, mais uma boa piada nas redes sociais, para o hall da fama do Yuri.
- E você também não pode negar um cidadão de fazer o bem para cidade! – disse um senhor, que aparentaria ter um 40 anos no máximo. Era magro, de óculos fundo-de-garrafa.
- Vereador n.° 07? Quanto prazer em tê-lo em praça pública! – disse o Prefeito corando as bochechas.
- No mundo há regras, todos devemos respeitá-las. Vamos ouvir o que o Cael tem a propor, afinal, ele é um cidadão e tem voz aqui – disse o Vereador n.° 07.
- Com certeza! Vai lá peão! – pediu o Prefeito.
- Vamos reabrir o recinto. Imaginem só o que a cidade ganharia, o que vocês, comerciantes ganharia, com tudo isso?
As pessoas se entreolhavam. Lógico que a ideia no cu do mundo seria maravilhosa. Teríamos pessoas nos visitando.
- Cael Martel faz mais pela essa cidade que qualquer cidadão aqui faz. Ele nos alimenta – disse uma mulher que se declarou Vereadora n. 09 – A montanha é responsável pelo sustento da cidade.
- A montanha sustenta uma parte da cidade Vereadora n.° 02 – respondeu o Prefeito, deixando um pingo de baba na sua barba.
- Se você não olha os números senhor Prefeito. A montanha é responsável por 80% do movimento e isso ninguém nega. 10% da cidade vivem das romarias e os outros 10% somos nós – se pronunciou o Vereador n.° 01.
Ao fundo, em cima dos degraus da escada, estava outro advogado contratado pelo tio Caio. A cada dia ele mandava uma rapaz novo, talvez para tentar despistar-nos. Mas era impossível alguém nos despistar usando terno, quando, na verdade a cidade toda usa bombacha.
- O que você precisa Cael? – perguntou outra senhora que se declarou Vereadora n. 06.
- Queremos colocar Poti no circuito de rodeios. Pra isso, precisarei da ajuda da cidade toda.
- Você vai precisar mais que a cidade para pagar isso, você está entendendo? Moleque insano que não sabe nada de contas. Além daquela montanha e seus capangas.
- Eu não sei mesmo seu monte bosta! Agora eu falo diretamente com a população de Poti. Qualquer ajuda, sendo ela financeira, sendo mão de obra, sendo materiais, sempre será bem vinda. É única coisa que eu preciso. Ajuda.
- E você aprendeu a ser arrogante com esse playboyzinho todo tatuado que anda para cima e para baixo, como seu cachorrinho de estimação.
- Sim, exatamente como ele! – disse o Cael me encarando em meio à multidão.
Eu fiquei roxo e quente como uma pimenta.
"Estou criando monstros aqui na montanha!"
- Esse playboyzinho, arrogante é o que precisamos para mudar de vida. Vamos fazer uma votação, com os moradores daqui.
- Isso é política. Deixemos que os vereadores digam algo.
Os 11 vereadores se reuniram numa tenda – daquelas usadas pra negociar gado – e sentaram para discutir. O Prefeito e o Delegado ficaram balbuciando no lado oposto enquanto o Cael discursava em meio à multidão. Não demorou 10 minutos para o chefe da Câmara vir até nós com o papel na mão.
- Entenda bem que está fazendo história, mas também fará política. Jogaremos esse projeto para câmara aprovar, enquanto vocês vão adiando as obras do recito.
- SIM! – berrou o Cael e todos da cidade.
Os carros puderam continuar sua descida, movidos pelos barulhos metálicos das rodas e dos cascos pisando no paralelepípedo. Por fim, chegamos ao recinto, que ficava extremo oposto da cidade, num ponto um pouco mais alto da planície. Eu ficava imaginando ele, daqui uns dias, todo iluminado. Sendo um pontinho de referência para quem fosse chegar. Além dos moradores da montanha, as pessoas que moravam em Poti e que já estavam dispostos a ajudar, vieram colocar mãos a obra. As mulheres armaram tendas com garrafas de água direto da fonte. Os jovens carregavam aquilo que podia. Os mais fortes guiavam grandes toras equilibradas nos ombros.
Quanto entrei naquele recinto velho, senti uma nostalgia, pensando o que havia acontecido para ele ter sido desativado. Ao caminhar pelas ruínas, me deparei com uma ferradura, toda enferrujada. Passei a mão nela e aind havia a grafia do ferreiro, datando 1978. Guardei dentro do meu bolso, já que precisaria de toda ajuda, sendo ela divina ou não.
- Olá – chamou o Cael me fazendo assustar – o que está pensando?
- Pensando no dia que você montará o primeiro touro – disse fazendo-o rir.
- Eu? Lembra o que te fiz na arena Yuri. Farei igualzinho aqui – disse o Cael.
Não me contive, agarrei-o pela cintura e o derrubei no chão. Começamos a brincar de lutinha enquanto as pessoas vinham ao nosso encontro rir. Até que cansamos e caímos um para cada lado. Olhei para o Cael e seus olhos brilhavam de alegria e, sim, ele estava gargalhando.
- Estou vendo que o Yuri é uma má influência para você Cael. Olha como você está, imundo de terra, brincando como uma criança.
- Concordo Prefeito. Plenamente. Ele é uma péssima influência – disse o Cael jogando areia no Prefeito.
Caímos na gargalhado enquanto o velho saía do recinto, limpando da sujeira. Logo depois os mestres se juntaram a nós. O sol estava baixo, o que significava hora de ir.
- Bom Yuri, tenho compromisso agora. Vá com o Tomé e a comitiva – disse o Cael se limpando.
- Aonde você vai? – perguntei atônito. Todos alí de tocaram e saíram de perto – Virou festa todas as noites você sair?
- Que tem?
- É... que agora você é um homem de negócios!
- E o que eu deixei de fazer? Afinal, você e o Tomé podem ou não levar a comitiva embora?
- Lógico que sim! Mas, aonde vc tá indo?
- Pelo amor de Deus Yuri! Tudo há limites e você está entrando na minha intimidade. Volto antes do jantar – disse ele acenando a cabeça e indo embora.
- Filha da puta! – disse enquanto ele ia embora.
Fui com pessoal fechar o recinto, pois amanha recomeçaríamos bem cedo. A volta para casa fora bem mais demorada que a ia. Levamos mais d 02 horas para chegarmos em casa, pois já estava bem escuro. Cheguei no celeiro e lá estava o Alan e o Advogado. O engravatado se preciptou e veio me cumprimentar.
- Boa noite! – disse ele seco
- Boa!
- No final de cada semana faremos a contagem do estoque, saída e entrada de tudo na montanha!
- Semanalmente?
- Tomara que essa brincadeira de recinto não atrapalhe nos papéis – disse ele se despedindo.
O Alan esperou o advogado sumir de vista para vir falar comigo.
- E ai, hoje rola?
- Rola o que? – perguntei já sem paciência.
- Nosso sexo gostoso, ué? – disse ele dando um sorriso.
- Sexo gostoso? – disse balançando a cabeça negativamente.
- Sim, olha aqui como eu estou – disse ele mostrando seu pau por cima da bombacha.
- Cara, tudo o que eu preciso agora é de um banho.
- Pode tomar comigo! Depois a gente fica gostoso.
- Alan, hoje não!
- Ah, para de graça. Eu sei que você gosta - disse ele chegando mais perto.
Balancei a cabeça negativamente e o deixei falando sozinho. Meu coração explodia de ódio de Cael, por não saber aonde aquele desgraçado estava. Única coisa que eu queria agora, era matar o Cael. Cheguei na sede e nenhum carro estacionado. Meu coração apertou ainda mais. Fui até a dispensa e peguei sua pinga e virei num gole.
}J.u}(
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