CAPÍTULO 35 - YURI MARTEL
Narrado por Yuri Martel
O dia na montanha correu de uma forma muito alegre, mesmo debaixo de muita chuva. A cada parada que nós dávamos, pessoas com sorrisos estampados e muita risada mostrara que nosso plano poderia dar certo.
- Eu, querendo ou não, deveria tirar o meu chapéu para você – disse o Cael sorrindo – eles não pararam de sorrir, por 01 minuto.
O meu primo passou o dia me ensinando tudo o que eu precisaria saber sobre gado de corte, sob o comando do Aldo. E, para o meu espanto, todos ali estavam me respeitando de colete preto.
- São esses coitadinhos que viram bifes? – perguntei acariciando o bezerro.
- Isso! – respondeu o Cael seco – não me vai dizer que pensa nelas durante seu jantar?
- Não! Mas depois do Zebu, fiquei com coração mole.
- Tiemos que sobreviver, non acha? – perguntou o Aldo rindo.
- Eu sei Aldo! Mas vendo eles assim, tão bonzinhos... é de partir o coração.
- Peça ao seu irmão e ao Tomé que arrume todos os carros de boi que tiver nessa montanha. Vamos começar a descer todos os materiais que precisaremos para Poti no final da semana.
- Certo! – respondeu o Juan.
Continuamos com o gado durante o dia todo e até de tardezinha. Como estava chovendo, hoje não teve montaria nos touros. Subimos na sede e ficamos observando a chuva encher todo o vale. Não estava tão frio quanto eu imaginaria que fosse fazer, dava até para ficar sem camisa. Tomei meu banho e, quando saí, lá estava o Cael na cozinha. Segurando um aparelho em suas mãos.
- Ganhei um presente? – perguntei tentando desvendar o que ele tinha nas mãos.
- Vai depender do seu ponto de vista!
- Como? – perguntei olhando para sua cara de garoto arteiro;
- É um barbeador!
- E...?
- Hora da tosa Yuri! – disse ele sorrindo – Você vai precisar, agora que é o novo líder daqui!
- Seu cu! Há anos você é todo mal acabado assim e é o líder. Não sei se o povo aqui se preocupa muito com aparências. Lembrando, a começar por você!
- Eu moro aqui há 35 anos e você...?
- Há 04 meses.
- Não se compare a mim!
- Nem se eu quisesse eu iria me comparar a você. Mas vem cá, isso inclui você no trato?
Apenas me fitou sério, mas antes que ele pudesse responder, me adiantei sobre o sermão que ele só cortaria a crina quando encontrasse o amor da sua vida.
- Você sabe cortar cabelo? – perguntei arrancando minha camiseta e sentando num banquinho fora de casa
- Sou eu quem corto dos animais daqui! Mesmo que fique uma bosta, podemos raspar tudo!
- Eu juro que corto o seu, se fizer isso!
Ele apenas gargalhou. Depois tirou toda sua roupa, ficando com o peitoral nú e começou ajeitar tudo para virar cabeleireiro.
- Eu quero que você raspe a lateral no numero zero, por inteiro. Atrás eu quero que você faça um desenho de um "V".
- Por quê?
- Apenas corte! Se não gostar, você pode raspar na zero – disse arrancando outro sorriso.
E foi mega de boa. Ele raspou minha cabeça e adorou. Quis raspar a minha barba, mas garanti a ele que eu barbado era mais ameaçador do que sem. Eu sem barba ficava com cara de moleque, apesar das tatuagens. Estava na hora de sentarmos para conversar sobre o nosso plano.
- Foi um belo discurso que você fez hoje pela manhã! – disse o Cael enchendo o prato dele de comida!
Ele primeiro fez uma represa de feijão cozido, depois uma montanha de arroz branco, colocou costela de gado de um lado, uma banana de outro, tomate picado e farofa. Todas as misturas circulavam o monte de arroz, formando uma maquete da nossa montanha feito de comida.
- Cael Martel, que prato é esse? – perguntei atônito, já que ele jamais comia tanto assim.
- Ah, esse aqui é o seu prato – disse ele tendo dificuldades para colocar o prato bem a minha frente.
Aquilo me afundou de alegria, tanta alegria que mal percebi que agarrei-o pela cintura e dei um mega abraço apertado.
- Olha... como... meu... primo... é... fofo...e... peludinho – dizia em meio aos beijos no seu rosto.
- Sai, seu idiota! – disse ele fazendo força para sair dos meus braços - Eu disse para. Yuri PARA! – mandou ele me empurrando pra longe – viu porque você nunca ganha nada?
- É que você nunca fez nada "gentil" pra mim! Aliás, anote a data porque nenhum homem me serviu na mesa até hoje!
- Entende-se o porquê!
- Não entendi a piada?!
- Porque você é chato! Tudo faz festa e caretinhas! – disse ele imitando uma menininha fazendo caretinhas.
- É porque sou feliz e festejo por tudo! Cara, foi um gesto gentil seu e lindo. Isso sim é um cavalheiro.
Ele estava estupidamente roxo de vergonha.
- Da pra calar a boca e comer?!
- Ok! – respondi imitando um cavalo relinchando.
Resolvi mesmo parar de encher o saco, já que era a primeira vez que ele estava sendo gentil.
"Se eu adestrar ele por mais uns meses, consigo o primo pra mim!" – disse em pensamentos – "puts, eu estou começando a ficar interessado pela pessoa menos interessante desse mundo!"
Foi apenas o tempo dele botar o seu prato na mesa e comecei a comer. Estava faminto como sempre.
- A comida não vai fugir do seu prato, sabia? – disse o Cael num sorriso – e lembre-se, tem uma vaca morta aí! – continuou ele com as piadas.
- A comida é minha, eu que ganhei, então cuida da sua! Ah, eu acho que gostava mais quando você era chato e brigão!
- Podemos voltar ao velho estilo, o que acha?
- Eu acho que nem se você quisesse conseguiria. Eu sou a pessoa mais amável desse mundo. Impossível você voltar ao Cael de antes.
Continuamos a comer e brincar até ele ficar sério novamente.
- Então, como faremos com essa festa? Se eu falar com você que estou com o cu na mão, você acredita?
- Lógico! Isso é bom! – disse encarando muito sério.
- Por quê? Quer me matar do coração?
- Porque o medo fará se concentrar nessa festa! Agora você está lidando com a vida real. E a vida real é de dar medo!
Ele mexia sua comida de um lado para o outro do prato. Sim, ele estava com medo do novo. Já eu, estava com medo de praticar o algo novo num lugar tão rústico.
- Sabia que começaremos a carregar todo o material amanhã?
- Sim! Temos 02 meses para isso Cael e muita gente com vontade de trabalhar – disse abocanhando minha comida.
- Ok, reformaremos o recinto e o deixaremos novo. E depois?
- Depois correremos atrás de fazer um rodeio ou uma exposição. Precisamos atrás de patrocínio. Precisaremos ir a rodeios Cael! Estou pensando que você poderia voltar a montar em touros enquanto eu os faço ajoelhar. Faremos um rodeio aonde chamaremos todos os campeões e pessoas que queiram ver o Zebu e o desafiá-lo. Podemos falar com o dono do Zebu.
- Você quer dizer, viajar?
- Quero!
- Você não pode!
- Que eu saiba você é nomeado meu tutor! – disse arrancando uma gargalhada gostosa dele.
- Que bosta! Eu sou seu tutor?
- E eu sou seu gerente! Então fará o que eu mandar!
- Ok capitão, mas, quem garante que isso atrairá pessoas para cá?
- Seu título de campeão de Barretos vale, você sabe disso! Eles o chamam de Zebu dos pões. Assim como o touro que domei. Até hoje ninguém bateu seus prêmios. Ambos temos como conseguir fazer o povo chegar até aqui. Como já disseram trocentas vezes, Brasil todo está querendo vir "me" desafiar. Vamos deixa-los instigados a vir até aqui.
Ele coçava a cabeça, olhava para os lados. Era a única esperança nossa, aqui nessa cidade.
- Tô com medo!
- Não nego que também não esteja, mas precisamos fazer isso! O nosso dinheiro, juntos, dá e sobra pra fazer a festa.
- Porém, caso não apareça uma viva alma em Poti, acabou-se tudo!
- É aí que entra a determinação e força de vontade. Olhe para mim – o chamei puxando-o pelo seu queixo – vai dar certo! Sempre deu.
Ele concordou com a cabeça e depois foi-se banhar. Saiu do banheiro já vestido. Cena muito rara vindo do Cael, o senhor peladão.
- Aonde você pensa que vai uma hora dessas?
- Ainda são 20 horas! Voltou antes mesmo das 22 horas, ok?
- Aonde você vai?
- Achei que "eu" fosse seu tutor e não o contrário – respondeu ele sem me olhar, enquanto trançava seu cabelo ainda molhado de frente ao espelho – Você sai com aquele filha da puta do Alan quase todos os dias e você nunca me viu reclamar.
- Então temos um encontro aqui? – perguntei fazendo-o parar de mexer no cabeleo. Ele deu um sorriso malicioso e voltou-se para o espelho – Faz muitos dias que não saio, se você não percebeu?
- E qual o problema de eu sair? Sendo que estou saindo nos mesmos horários que você dá os seus "pulinhos"? – perguntou ele arqueando a sobrancelha.
- Saindo? Você... então... j'está saindo?!
- Sim!
"Aí, e não é que senti uma pontadinha aguada no peito. Uma raiva por saber que ele também saia!"
- Então está arrasando corações?! – perguntei chegando à porta do seu quarto
- Eu não sei! Já que não é o meu coração que estou arrasando! – disse desviando de mim enquanto passava pela porta.
- Para de ser cuzão! Não posso saber o nome dele ou dela?
- Não é porque você sai por ai dizendo a todos o que faz da vida que eu tenho que dizendo, não acha?
- Pros outros não! Estou dizendo para mim! Eu sou seu primo.
- Te vejo em menos de 02 horas, primo. Fica frio! – disse ele passando pela porta da sede, todo cheiroso.
- E isso será todos os dias? – perguntei agora ficando mais irritado por causa daquele cuzão.
- E se for todos os dias, que problema tem?
- Todos! Você mora comigo, você... trabalha comigo, você... agora mais que ninguém tens responsabilidades comigo.
- Tenho mesmo, mas vou relembrar. Seus compromissos comigo são de: domingo a domingo, das 05 da manhã às 20 horas. Ou agora que é meu "gerente" você mudou, sem me avisar? – perguntou ele tirando o chapéu da sua cabeça em sinal de protesto.
Pelo jeito era algo realmente especial, para ele ir de camionete. Ele, no mínimo, não queria visitar quem estaria visitando, fedendo a touro molhado.
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