CAPÍTULO 28 - YURI MARTEL

NARRADO POR Yuri Martel

Dormir com o Cael não fora aquele sonho que tanto imaginei, afinal, ele estava bêbado. Nunca vi alguém bêbado dar tanto trabalho quanto ele. Passar a noite com o Cael significa ficar virando ele de lado a cada cinco minutos para ele não afogar em vomito. Não é que ele ia vomitar, mas eu tinha aquela mania tosca de achar que todos que dormem bêbados e de barriga virada para cima, podem afogar em seu próprio vômito. Eu amarrei o seu rabo-de-cavalo em vários pontos para que eu não sentisse afogado por tanto cabelo. Da outra vez eu me senti dorrmindo com o Shitzu.

A briga da noite passada foi boa para saber o que se passava na cabeça desse animal. O problema da grosseria toda do Cael estava na falta de aceitar o amor das pessoas por ele. Ele se fechara em seu mundinho, aonde apenas ele e o irmão faziam parte. Quebrar esse mundinho e fazer entender que ele deve seguir a sua vida, ai sim seria difícil. Mas talvez eu não fosse sobreviver a ele. O Cael não precisaria saber que meu pai dissera para eu não voltar mais. Poderia muito bem catar um buzão e ir de volta a Sampa. O sono veio com todos aqueles pensamentos e suposições do Cael. Também havia outro agravante para meu sono, amo dormir abraçado. E abraçar esse homem das cavernas, estava sendo um pequeno sonho que eu estava realizando.

Acordei na manhã seguinte com o corpo todo dolorido. A cama estava vazia. Senti um forte aperto no peito por saber que o Cael possa ter levantado e nem me chamado. Levantei e me vesti, saindo do quarto e, pela porta da frente, entrava os primeiros raios d sol da manhã.

"Puts, se o sol está entrando na porta da frente não é o nascer, mas sim, o pôr-do-sol!"

Corri até o relógio que marcava 18:46. Fui até lá na frente da sede e encontrei o Zebu amarrado ao tronco cheio de pessoas a sua volta tirando fotos. Ele abriu suas orelhas e me encarou de forma ameaçadora. As pessoas começavam a cochichar ao me ver. A cena rara aqui não era o Zebu, mas sim pessoas da montanha na sede. Tirando a Nina, Tomé, Aldo e Juan eu nunca tinha visto ninguém ali. Cheguei perto de touro que mugiu alto. Dei uma risada amarela, na esperança que ele também se lembrasse de mim e não me atacasse, afinal, aqueles chifres eram de deixar qualquer um com frio na barriga. Repeti o gesto da nite anterior, estiquei meu braço, ele me cheirou, lambeu bem lambida a minha mão e abaixou a cabeça para eu acaricia-la.

- Já pois ele no carregador Leitão? – perguntou uma voz grossa atrás de mim.

- Tio Caio? – disse espantado ao ver o pai do Cael ali na sede.

Fui lá e dei um abraço forte, aproveitando para limpar minha mão nas suas vestes. Ele estava bem agasalhado para um morador da montanha.

- Mas não entendi o lance da bateria, não!

- Pelo que sei, o Zebu está o dia todo sem comida e água. Se ele não vive de energia, então...

- Puts! – tinha esquecido que agora eu tinha um animalzinho de estimação.

Fui correndo até o fundo da sede aonde peguei um rolo de feno e 03 baldes d'água. Enchi tudo e deixei-o se enfartar de tanto comer e beber. Fiquei na frente do cocho tampando os olhares curiosos, mas tenho certeza que estavam rindo da forma que eu o tratava. As crianças a minha volta pedia se podia dar uma voltinha nele.

- Vamos esperar ele ficar mais manso e ai eu deixo vocês montarem, pode ser?

- Você é o mais melhor de bom daqui! Quando crescer eu quero ser que nem você! – disse um gurizinho com óculos que pareciam binóculos.

- Quando você crescer, será melhor que eu! Acredite. Venha aqui – peguei o menino pelas mãos – passa a mão na barriga dele.

Ele chegou de forma acanhada, mas depois que passou a mão, começou a rodar o touro inteiro. Ele estava hipnotizado pelo imenso animal. Aos poucos as pessoas começaram a ir embora, sobrando apenas eu e o meu tio.

- Que belo animal! Que belo feito você fez naquela arena! – disse ele sorrindo – Nunca imaginei você se envolvendo com animais, tirando o Cael.

- Eu também não!

- Então o Yuri Martel não encanta também pessoas, mas como os animais. Encantador de touros te chama lá em Poti.

- É um nome esquisito, mas acho que o mais apropriado a mim. O tio foi na festa?

- Lógico, eu jamais perco um encontro de boiadeiro.

- Foi bem bacana!

- Bacana? Você é o herói da cidade. Queria muito saber o que você fez para esse animal ficar de joelhos para ti?

- Eu apenas estendi a mão e ele fez o resto!

Ele me encarou por uns instantes, d forma que queria me dizer algo ou me contrariar, mas contentou apenas com um sorriso amarelo.

- Você que me entrega esses números até quando? – perguntou ele agora sem mais sorriso ao rosto.

- Mais uma semana ou duas!

- Perfeito! Mande lembranças ao Cael – disse ele vindo me dar um abraço e depois montou na sua camionete.

Agora estávamos eu e o Zebu juntos. Tentei montar nele por mais de 10 vezes, mas foi em vão. E ele não agachara mais para eu subir no seu lombo.

- Amigão, disse que não sei como dirige você, então poderia colaborar – disse ao pé do ouvido do touro.

- Pegue um banquinho – disse a voz feminina atrás de mim.

Olhei assustado para uma baixinha, de cabelos compridos, óculos de grau.

- Era exatamente o que eu ia fazer! Você é...?

- Vera, muito prazer! Trabalho no jornal da cidade – disse a moça com aperto de mão forte – Você está bem diferente do Instagram

- Diferente...?

- Careca, sem aquela barbona de lenhador. Além de estar bem mais gordo!

"Gordo? É isso? Todos aqui me chamam de gordo, então?"

- É! Tive que me habituar com o estilo daqui.

- Está dizendo que nosso estilo é ultrapassado?

- Que... não... é...

- E você está certo Yuri Martel! Ontem a noite eu chorei como nunca chorei na vida. Lógico que chorei por outras coisas, mas falo de emocionar. Nunca tinha sido... tocada, entende?

- Por incrível que pareça, eu também!

- Aí vem a pergunta quem não quer calar: "Como um desconhecido, sem nenhuma habilidade com animais, conseguiu dormar um animal de 01 tonelada?!".

Ao fundo, a camionete do Cael estava estacionando. Ele desceu num pulo, com a cara fechada. Deu a volta pelo Zebu, pois ainda tinha medo do animal.

- Vera?

- Cael?

Os dois se cumprimentaram com aceno de cabeça.

- Vejo que veio falar com o herói da cidade!

- Precisava ver de perto esse tal de "encantador de touros!".

- Apenas ver mesmo? – perguntou ele sentando no degrau que dava para dentro da sede.

- Lógico que não! – respondeu ela com sorrisinho sarcástico.

- Yuri não vai fazer nenhuma entrevista, ok?

- Pelo que sei, ele tem 35 anos e sabe muito bem o que quer ou não!

- Eu quero participar da entrevista, por que não?

- Porque há certas "coisas" na cidade que devemos evitar. A Vera é uma delas – disse ele tirando sua garrafinha de pinga do bolso e dando um gole.

- Bom, Cael é uma pessoa muito difícil, jamais conseguirei convencê-lo de algo. Mas, caso você queira ser entrevistado e ser a capa do nosso jornal, me procure. Nosso jornal fica ao lado da igreja da Matriz – disse ela apontando para o ponto mais alto da cidade de Poti que era a igreja – Tchau!

Ela se despediu com um beijo e foi descendo a sede a pé. Cael como sempre estava com aquela cara fechada e logo já tirou sua camiseta. Amarrei o Zebu no tronco e fui sentar-se ao seu lado. Ele me ofereceu aquela pinga dele, dei um gole e devolvi a garrafinha.

- Você faltou ao trabalho hoje!

- Achei que fosse feriado para nós!

- Para eles. Agora para o pessoal que estava desmontando tudo, não era.

- Poderia ter me acordado! Você dormiu comigo...

E BANG! Mais um dos belos socos que sempre ganhava por fazer algo errado.

- Qual seu problema? – disse empurrando-o

- Não sei quem está nos ouvindo e nos observando.

- Quando eu acho que você está evoluindo mentalmente, você vem e me mostra o contrário!

- Não há o que evoluir aqui! Ontem eu explodi, além de estar bêbado.

- E quer dizer agora, com esse papinho furado, que você não se lembra de nada por causa da bebida?

- Me lembro bem Yuri, mas o que estou dizendo é que não vai se repetir, ok?

- Você tem um sério problema de cabeça, sabia?

- Não é e nem será o primeiro a me dizer isso! Só quero que saiba que não vai se repetir!

- Eu entendi ontem sobre sua dor e posso te ajudar!

- Eu não preciso de ajuda – disse ele se levantando e entrando dentro da sede.

- Cael, eu posso! Não preciso ser nada seu. Não preciso namorar, ficar, beijar, abraçar, mas posso ser seu amigo!

- Eu não preciso de amigos!

- Todos precisam de amigos. Eu posso te ajudar!

- Yuri, você não pode nem "te" ajudar. Te orienta guri! Você é um ex drogado, ex presidiário e veado. Então quem precisa mais de mim do que eu de você.

- Drogado, presidiário e veado? Quanta originalidade! Poderia melhorar o discurso.

- Quem está ai falando sem parar é você! Agora o que vou te falar é uma ordem: Yuri Martel, nunca, jamais em hipótese alguma, faça aquela entrevista!

- Por quê?

- Porque não!

- Yuri vai lá e divirta o povo, fiz. Yuri vai lá cante, cantei. Yuri corra dos touros, corri. Fiz tudo o que você me pediu e tudo o que você me pediu, você foi lá e me tirou. Agora, a única coisa boa, você quer me tirar também? Sem ao menos dizer o motivo?

- Ela pode o tornar muito popular, assim como ela pode te destruir. Entendo pouco de números, mas sei que as chances são 50% por 50%, então...

- Ao menos vou lhe propor algo para eu e você jamais sair na mão outra vez: fora dessa casa, eu o serei seu capacho. Agora aqui dentro, deixe eu ser eu mesmo. E pare com essa idiotice de ficar me batendo a cada piada que eu fizer.

- Elas são idiotas!

- Porque eu sou idiota. Sem falar que você também é e nem por isso eu bato em você!

- Tá, tá certo! – respondeu ele numa risada de deboche.

- Estamos combinados? – perguntei estendendo a mão e ficando a poucos centímetros dele.

- Eu já disse, sem me relar e nem me tocar!

- Não tenho culpa que você fica sem camisa pra cima e para baixo.

- Tô falando muito sério! Nosso acordo não vai incluir toques, ok? – disse ele pegando a toalha e colocando em volta do corpo.

- Pode desenrolar essa bosta e parar de frescura. Já vi muito homem pelado na minha vida. Então, você é apenas mais um.

Ele tirou a toalha de volta do corpo e fechou a cara.

- Sem toque!

- Viu, isso se chama "meio termo".

Ele balançou a cabeça, mostrou o dedo do meio e foi tomar banho.

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