CAPÍTULO 20 - YURI MARTEL

Narrado por Yuri Martel


Não conseguia suportar a voz daquele filha da puta me chamando a cada 05 minutos, como se eu fosse seu cachorro de estimação. As pessoas a minha volta riam da minha cara. Sempre que dava uma abertura eu ia para perto do Aldo, Juan e o ruivo. Esperei até que o mendigo subisse na porteira aonde íamos recomeçar a contagem. Subi logo em seguida e sentei bem atrás dele. Minha bunda doía. Doía porque não estava acostumada a ficar sentada numa tábua o dia todo. Ainda bem que após um dia inteiro no sol, o povo já parava de comentar o tabefe que levei na cara.

- Podemos? – perguntou ele sem olhar nos meus olhos..

- Sim!

E lá se foram lotes de 50 e mais 50 cabeças de gado, até chagarmos o número mil. Foram descartadas quase 20 cabeças de gado de corte onde foram arrematadas pelos fazendeiros locais. Já passava das 20 horas quando o gordão deu por encerrado o primeiro dia. Minha bunda estava doendo de ficar sentado naquela porteira o dia todo. O meio das minhas pernas estavam assadas. Tão assadas que eu mal sabia como ia andar.

- Yuri? – chamou meu primo – Não vá perder esses dados.

- O que vem agora?

- Você não ouviu sua mula? Teremos estouro da boiada. – disse ele pulando de cima da porteira.

Eu torcia com todas as forças para que ele quebrasse uma perna. Desci junto o acompanhei pelo acampamento. Senti o secretário de um deputado muito famoso. Todos o paravam para bater papo, cumprimenta-lo, entregar algum brinde. Eu não tinha esse saco com gente chata e bajuladora. Tava na cara que todos ali queriam apenas aproveitar do dinheiro dele. Continuamos a sua caminhada até chegar ao seu touro que estava amarrado numa árvore. Era um touro gigante, daqueles maçudos e sem chifres.

- O que foi? – perguntou ele quando se acomodou em cima do touro.

- Como eu vou subir? – perguntei sem olhar nos seus olhos.

Ele apenas deu uma risada fraca.

- Quem disse que você vai comigo? – disse ele virando e indo em direção a arena.

Parei por um momento e respirei fundo. Dali aonde eu estava até arena de touros, era uma boa caminhada. Ajeitei a minha calça para nas friccionar mais as assaduras e fui caminhando calmamente. Observava montanha iluminada pela lua. Inúmeras casinhas que circulavam ela estavam com as luzes acesas. Olhando daqui de baixo, era até acolhedor. Uma montanha imensa com mais e mais casinhas soltando fumaça pelo fogão de lenha. Toureiros e mais toureiros passavam por mim, batendo no meu chapéu em sinal de bom grado.

- Deveria participar do estouro da boiada – disse a voz mais gostosa daquele lugar.

- Alan? – suspirei num sorriso largo.

- Quer uma carona? – perguntou ele estendendo a mão.

Segurei sua mão com muita força e dei um forte impulso. Subi completamente torto pelo touro. Como se fosse alguém tentando escalar um muro. Todos a volta riam de nós. Quer dizer, riam de mim. Riam do idiota que essas coisas do sítio me fazia parecer. Eu era a piada total daquele lugar. O Alan, Tomé, Aldo, Juan, Nina e Cael, todos mandavam eu manter minha boca fechada. Era acostumado a zoar de pessoas e não ser zoado.

- Devo ser a piada da montanha – disse enquanto segurava nos ombros largos do rapaz.

- E é! Mas até agora todos gostaram de você – disse ele sorrindo..

- Eu espero!

Caminhamos no lombo do largo touro até chegar à arena. Desci do animal e esperei o Alan amarrá-lo num poste.

- Quer dizer que ter um desses é sinônimo de status aqui?

- Quer dizer tudo Yuri! Enquanto você não tiver um desses, você não é considerado um homem honrado.

- O quem tem honra a ver com saber subir em touros?

Ele balançou a cabeça negativamente.

- Quis dizer que saber montar num touro aqui é tudo. Principalmente quando se vai até a cidade. É como se fosse um título que você recebe. E esse título lhe dá prioridades. Principalmente quando se fala em prendas.

- Então as mulheres aqui não se apaixonam por caras que não tem um touro?

- Pode até se apaixonar. Mas jamais os seus pais permitiriam qualquer contato até ele conseguir seu primeiro touro.

- Primeiro touro? – perguntei atônito.

- Sim! Cada ano você tem oportunidade de subir num touro. Se conseguir, você usa o antigo para comprar coisas. Muitas das pessoas trocam por motos, outros por vacas leiteiras, bezerros.

- E se você perder? – perguntei fazendo-o arquear as sobrancelhas.

- Se você perder, você perde tudo!

- Então ele volta a ser um ser humano normal? Tipo, ele volta a ser um não toureiro?

- Uma vez toureiro sempre toureiro. Assim que você recebe o prêmio, sempre será considerado um. O que acontece, é que ele perda sua moeda de troca. É mais difícil alguém como ele manter a compra e venda de animais locais. Geralmente ele vai para um dos últimos da fila. Mas o título de toureiro isso não.

- É fácil conseguir subir num touro?

- Não está pensando em fazer isso? – perguntou ele as gargalhadas.

- Não né! Acho que nem em mil anos não faria isso. Preciso sobreviver mais onze meses aqui. O Cael já me despedaça o suficiente.

- Então está contando os dias para ir embora?

- Mais que tudo!

- Não pretende ser um fazendeiro famoso que nem seu primo?

- Isso é algo que não sonho para mim.

- Te daria muito dinheiro!

- não preciso de dinheiro! Quer dizer, um pouco. Mas nada que eu que precise morar aqui para sempre.

- Então sem touros?

- Não ficarei aqui tempo o suficiente para tornar um toureiro.

- Bom, novatos nunca conseguiram. O mais novo a conseguir fora seu primo, com 15 anos. Desde então, ele participou todos os anos e todos os anos ele ganha.

- Mas qual é a vantagem de ganhar um touro que ele já tem?

- Yuri, cada fazendeiro aqui traz uma dúzia de tourinhos. Se você for fazendeiro e quiser participar da competição, então você tem que por seus touros aqui.

- Entendi!

- Seu primo ganhou 15 vezes. Vai tentar esse ano de novo.

- Um cara como Cael não deveria participar. Ele já manja tudo. Sabe como subir em touros.

- Pensando nesse lado, sim! Mas há dois tipo de competição. Os novatos tentam montar touros novos. Já nós, montamos em touros adultos. Primeiro pula os virgens e depois pulam os campeões.

- Então você também tentar?

- Lógico! Sou a única pessoa aqui que pode alcançar o Cael um dia. Já tenho 10 competições ganhas. Metade do seu primo. Porém, sou 05 anos mais novos que ele. Então, quando ele parar, terei mais cinco anos para continuar.

- Você pretende viver disso pro resto da sua vida? Quer dizer, não quer voltar para sua família?

- Minha família nem sabe que eu estou vivo. Eu era drogado ao ponto de roubar meus pais, logo eles me expulsaram. Então o Cael me deu uma vida nova. Ele me trouxe de volta vida. Por que abandonaria tudo aqui?

- Desculpe-me – disse sem graça.

- Não há que se desculpar – disse ele passando a mão no meu ombro em sinal de conforto.

- Bom, sobre a tourada. Quando você conseguiu subir no seu primeiro touro?

- Depois de 04 anos consecutivos tentando. Depois do Cael apenas eu consegui com tanta facilidade. Temos estouro da boiada todos os dias aqui na montanha.

- Sério?

- Sim! O Cael disponibiliza os touros deles para os novatos praticarem. Mas não pense que isso facilita. Esses touros que nós treinamos, são acostumados já. Agora aqueles ali, nunca viram um ser humano antes. Eles estão com medo. Medo faz com que eles nos ataquem.

- E ninguém se fere?

Ele gargalhou mais uma vez.

- Metade dessa garotada vai sair daqui com algum machucado. É perigoso até morrer. Por isso praticar é o essencial. A primeira coisa que deve fazer quando se cai no chão, é proteger a cabeça. Pois eles o pisotearão. Abrace sua cabeça como se fosse a coisa mais preciosa e não. Eu mesmo cortei a testa e quebrei meu nariz – disse ele me mostrando seu rosto.

Fiquei encarando o ruivo, parrudo e risonho se afastando, indo direto para a arena. A arena nada mais era que um cercadão de madeira, do tamanho de um campo de futebol, com mais ou menos 04,00 metros de altura. Não havia arquibancada. As pessoas sentavam nas tábuas que formavam o esqueleto do cercado. Dentro dele havia centenas de touros.

- Yuri? – chamou o Alan lá em cima.

"Que bosta. Teria que ficar sentado numa tábua de madeira mais uma vez?!" – disse a mim mesmo.

Escalei tábua a tábua até chegar ao lado do Alan.

- Preparado para o show? – perguntou ele sorrindo e apontando a arena acesa.

Deveria ter umas quinhentas pessoas sentadas em volta da arena. Todas trajadas a caráter. Me senti um alienígena de calça moleton cinza, bota, e camiseta polo encardida. Deveria ter pegado meu casaco, um ar gelado descia da montanha e fazia meu corpo arrepiar. Uma hora fazia muito frio, outra hora muito calor, depois muito frio de novo. Não era o que eu estava acostumado.

Tá ali uma coisa que jamais imaginei frequentar, uma arena de touros. Mas até que me simpatizei com a energia.

- E agora? – perguntei ao Alan que bebei um gole da sua pinga.

- Primeiro tome um gole – disse ele enfiando a garrafa no meu peito.

Virei aquela garrafa e deixei aquela água ardente tomar conta do meu corpo. Agora sabia como eles se mantinham aquecido nesse lugar gelado.

- Agora que você já bebeu, vamos a ordem. Vamos primeiro colocar os novatos para o estouro da boiada. Serão cronometrados 01 hora para que todos consigam montar em um touro e sair dela. São tourinhos bravos. Não acostumados com aglomerado de gente e a gritaria. Em 01 hora ou você sai vitorioso ou sai vivo.

- O que acontece se alguém cair?

- Então que Deus o proteja – disse ele olhando para aquele monte de touros correndo de um lado para o outro – Olhe lá, vai começar.

Meu primo atravessou a porteira trajado de negro. Era fácil acha-lo de longe. Ao seus pés, cinco cães imensos o rodeava e latia para multidão.

- Esses cães vão machucar os animais? – perguntei ao ruivo que nem piscava.

- É extremamente proibido machucar um dos animais. Se você usar qualquer tipo de violência, o guri é penalizado com 05 anos sem poder participar. Os cães servem justamente para assustar os bois. Nunca viu uma corrida de touros na Espanha?

- Sim!

- É o que acontece aqui, mas em escala menor. Pensa num liquidificador?

- Já entendi!

O Tomé apareceu num palanque montado em cima da arena.

- Boa noite caros amigos. Como já sabem, nosso Cael fez a maior venda de gado da história desse estado...

- Por que não é o Cael que está lá em cima? – perguntei ao ruivo.

- Porque ele não gosta de aparecer.

- ... com muita festa. Muita diversão e alegria. Amanhã continuaremos com a contagem ao meio-dia. Aproveitem a parte da manhã pra fazer compra, venda e a troca de animais.

- É como se fosse as exposições que temos no nosso estado.

- Mas sem esse lance das competições.

- Mas sem esse lance das competições – repeti.

- Quero agradecer a todos presentes desse Brasil – disse o Tomé e centenas de pessoas gritavam – Quero agradecer o povo de Poti – algumas dezenas também gritavam e farreavam – E quero agradecer por último, o pessoal que está recebendo vocês de braços abertos, O POVO DA MONTANHA – gritou ele.

Não sei da aonde veio aquela energia, mas eu berrei mais que todo mundo. Tirei meu chapéu e comecei a girar.

- Saiba que a montanha está muito feliz em receber vocês nesses 07 dias de festas.

- Sete dias? – perguntei ao ruivo.

- Yuri, quanto de gado você contou hoje?

- 2 Mil cabeças!

- Se você contar 2 mil cabeças por dia, quantos dias serão necessários?

- Seis!

- Seis dias de contagem e um dia de festão. Foi a maior festa de boiadeiro já vista aqui. Nunca passou de 01 final de semana.

O Tomé disse algumas palavras sobre o Cael fazendo o povo vibrar. Não conseguia prestar atenção na multidão com aquele lenhador, com sua camisa aberta, mostrando aquele peitoral ruivo. Logo depois ele anunciara o nome de 10 rapazes que faziam o sinal da cruz ao passar pela porteira.

- Primeiro entra os caras que tentarão montar num touro. Depois os campeões do ano passado e depois a gente.

- A gente? – perguntei cuspindo um pouco da pinga.

- A gente que eu digo são todas as pessoas que queiram entrar. É divertido!

- Você está querendo me dizer que cem cabeças de gado, correndo com fúria atrás de você é diversão? Vocês daqui não tem noção das coisas.

- Não sei se é tão rum assim. Conheço você. Você é o rei das festas, baladas e drogas. Você é conhecido pelo Brasil todo! Eu já fui em várias e já vi muitas pessoas morrerem drogadas nelas. Pensando por esse lado, não sei se morrer com uma overdose é tão diferente quanto ser pisoteado – disse ele pegando a garrafa de pinga da minha mão.

- Agora eu acho que prefiro ser pisoteado – disse arrancando um sorriso largo dele.

Não sei porque, mas acho que essa "cutucada" sobre drogas foi para mim. Fiquei roxo ao saber que ele sabia da minha vida. Engraçados que há um mês eu ficaria feliz em alguém me reconhecer, hoje, eu já fico com medo..

- Cuidado com o que pensa aqui Yuri. As pessoas se ofenderiam demais com esse seu modo de pensar. Eles amam essa tradicional estouro da boiada. Esperam o ano todo por isso. Então mais cuidado ao falar sobre. 

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