CAPÍTULO 12 - ZEBU CAEL

Narrado por Zebu Cael

Chegamos a Poti, meia hora depois de largar o meio pai cheio de merda na colina. Teríamos muito trabalho com os comerciantes hoje e, já que meu pai está cheio de planos para tirar as minhas coisas daqui, seria um bom dia para ir ao banco e mexer com o dinheiro que conquistei em anos. Passei na Santa Casa onde deram outro ponto na minha língua.

- Vou ficar grogue de tanta anestesia – disse com a língua mole.

- Melhor assim! Fala menos – disse ele cutucando minha costela.

Continuamos a caminhar até a Praça da Matriz, onde a prefeitura armava várias barracas aonde compradores vinham para negociar com os donos das fazendas. Cada uma das barracas havia um comprador ou de gado, hortifrúti ou de cerveja. Já eu procurava um comprador de gados. Ele era meu maior cliente. Eu só precisava engordar o rebando da maneira que ele desejava e, depois, vende-los. Única parte chata disso era que ele sempre demonstrava querer ter poder sobre minhas coisas. E eu detestava quando alguém demonstrava isso.

- Olha Cael, diz aqui que ele já matou seis pessoas – disse o Tomé apontando um cartaz, com um touro de chifres imensos, pendurado numa das barracas – Ninguém conseguiu ficar mais que 04 segundos. O dono dele está oferecendo 100 mil reais, á mais, para quem conseguir essa proeza. Você deveria tentar?

- Bah! Eu montar um touro que mata alguém em 04 segundos? Fico feliz que minha morte seria uma morte rápida.

- Não seja exagerado! – disse o Tomé às gargalhadas.

- Não estou sendo! – disse retribuindo com um sorriso.

- Seria um sonho ver você montando um bichão desse tamanho.

- Sonho?! Você quer me ver morto, isso sim! Pegar minha herança.

- Não quero sua herança!

- Sei! Melhor vocês ficarem com minhas coisas do que o safado do meu pai – disse puxando o Tomé longe daquele cartaz – Que foi? O que eu disse de errado agora? – perguntei quando ele fechou a cara.

- Você não entende muito sobre o que você significa para aquelas pessoas?

- Eu? O que eu fiz para todos vocês fora apenas dar algo que ninguém aqui poderia dar.

- Você não entende que para muitas delas, você foi um salvador, uma esperança.

- Para com isso Tomé! Não fiz nada, além da obrigação – disse voltando a caminhar.

- Metade daquelas pessoas, hoje, poderia estar morta.

- Só porque eu as a colhi? Elas teriam achado outro canto!

- Não havia "outro canto" para aquelas pessoas. Elas eram moradores de rua, drogados, alcoólatras, pessoas que as famílias as expulsaram de casa.

- Sem falar nos cães – disse fazendo gargalhar.

- Deixe o pobre dos animais quietos!

- Mais de 50 pobres animais?

- Eles fazem o nosso serviço à noite – disse ele se referindo aos cães que andam pelo pasto, espantando predadores e ladrões de gado.

- Sei bem Tomé!

Gostava muito dele, mas acho que minha paciência com muita bajulação, não eram das melhores.

- Só quero que você tenha a certeza que, se seu pai o tirasse de lá hoje, todos iriam para qualquer lugar que você fosse! – disse ele segurando o meu.

Senti uma sensação estranha. Uma mistura de frio na barriga com responsabilidade. Passamos de barraca em barraca até chegarmos ao meu cliente. Era um gorducho, de cavanhaque amarelado da velhice, sempre aparentando não tomar banho. Seu cheiro que conseguia sentir de longe. Era um cheiro de gente suja. Não que eu fosse o bom exemplo de aparência, mas nunca deixava de tomar, pelo menos, uns 03 banhos por dia.

- Bom dia! – disse apertando a mão gorda e dedos rachados.

- Eu não tenho dinheiro, seu imundo! – disse o velho ficando vermelho e me mandando embora – Vai mendigar pra outro lugar!
- Mas achei que você queria falar comigo?! – disse sem entender.

- Puta merda! Você é o Cael? – disse o velho gordo – Olha quem chegou! – disse o velho vindo me dar um abraço.

- Senhor! – respondi dando um abraço bem apertado.

Não deveria ser pior que abraçar a minha vaca que pariu essa manhã.

- Você está péssimo – disse ele me olhando de cima para baixo – esse cabelo longo, essa barba comprida, essas roupas largas. Pensei que seria um mendigo.

Todos a minha volta gargalhavam.

"Seu velho, filha duma puta! Chamando-me de mendigo? Que você acha que sou, sua rolha de poço?" – disse gritando para todos os cantos do meu corpo que estavam tremendo e quente de tanto ódio.

O Tomé apenas apertou meu ombro, me fazendo sair do transe.

- Deveria saber que não há mendigos em Poti! – disse com um sorriso forçado.

- Sim! Ainda mais você tirando todos eles das ruas – disse ele ainda sorrindo.

"Será que ele está testando a minha paciência!"

- Só fiz o que acho certo – disse para o velho.

- Fez tão bem que está se vestindo como um – disse ele gargalhando e chamando atenção das pessoas ao redor.

Muitos deles começaram concordar com o velho. Isso me dava mais raiva e vontade de sair dali. Se eu saísse daquela praça, com certeza eu acabaria com aquele bando de gargalhadas. Afinal, eu ainda abasteço aquela cidade. Mas, como minha raiva ainda era por aquele outro babaca que estava na minha colina, decidi sentar e ver o que ele tinha para me oferecer.

- Sente-se rapaz! – disse o velho apontando uma cadeira a sua frente – estou esperando há um bom tempo.

- Achei que já tivesse trocado meu gado por outro – disse abrindo um sorriso – Já que não aparece aqui há um tempo.

- Por que está falando estranho? – perguntou o velho.

- Cortei a língua!

- Que você pondo na boca, moço? – perguntou ele gargalhando ainda mais alto.

Respirei fundo, olhei para o Tomé e voltei-me para o gordo a minha frente.

- Então, desistiu de mim? – perguntei novamente.

- Não! Não há nada que compare ao seu rebanho – disse ele com sorriso maior que o meu.

- Fico feliz que eu lhe agrade tanto. É o meu maior comprador há anos – disse.

- Me mostre o que tem.

Tirei um papel do bolso. Nada digitalizado. Era uma folha de caderno normal, com milhares de anotações a lápis. Entreguei ao senhor e ele ficou analisando aquilo como tentasse ler o que estava escrito até debaixo da minha letra.

- Quantos serão dessa vez? 500 cabeças? – perguntei quebrando o gelo – Se fechar 1000 eu faço um bom preço.

Ele fechou meu caderno de anotações e me entregou de volta.

- Você está disposto a fazer um bom preço? – perguntou ele com aquele mesmo sorriso.

De sorriso bom, comecei a interpretá-lo como sorriso malicioso, de alguém que estava prestes a ter um trunfo nas mãos.

- Se levar 2000 mil cabeças de gado, raspo até a minha cabeça – respondi o desafiando.

- Então o que eu ganho se levar tudo? – perguntou o senhor gordo, cruzando os braços e chegando a poucos centímetros de mim.

Eu gargalhei e logo ele embalou as gargalhadas comigo. O povo em volta começou a se juntar a nossa barraca. O Tomé também ria. Aprendi que sorriso abre muitas portas, mesmo que seja uma tortura pra eu fazê-lo um de graça.

- O quem tem a me dizer? – disse o velho com a cara vermelha.

- Preciso que o senhor me fale um número, aí faço o um bom preço – disse novamente.

- Eu quero tudo Cael! – disse ele me encarando.

-Tudo? – perguntei atônito olhando para o Tomé, para realmente saber se não era uma piada.

- Sim! Quero todas as cabeças de gado que tiver na colina – disse ele agora com um pouco mais de seriedade.

- Eu não estou entendendo a piada!

- Não há piada nenhuma aqui.

- Então, quer dizer, que o senhor quer todo o meu rebanho? – perguntei chegando mais perto.

- Cada cabeça de gado que tiver naquele pasto!

Senti que tivesse engolido um saco de gelo puro. Meu coração acelerou e senti uma dor de cabeça, forte, na região da nuca.

- Incluindo os bezerros? – perguntei com a voz presa na garganta.

- Eles não vivem sem suas mães Cael! – disse o velho rindo e dando um tapa forte no ombro. Um tapa daqueles para eu acordar – não sabia que você era sentimental, poxa?

- Eu sei! É que não caiu a minha ficha.

- Você deveria pensar na cidade – disse um dos caras que estava vendo a negociação.

- Verdade! A única carne que temos é a que você fornece! – disse outro.

- E tem nós que vivemos na montanha contigo. Ficaríamos sem nada!

- Bah! Como vocês são exagerados! Cael será um milionário aqui. Quantos milionários vocês conhecem nessa região? Vocês deveriam o apoiar. Com esse dinheiro ele refaz o rebanho dele em um minuto.

- Mas muita gente sofreria com essa perda!

- Você ficará milionário! Poderá ajudar quem quiser e comprar o que quiser.

- Quantas cabeças de gado têm Tomé?

- Têm 20 e poucas mil cabeças de gado senhor! – disse ele sério.

Ele sabe o que significaria para ele, para os moradores da colina e da cidade, caso eu tenha que vender o gado. Viver só da plantação não era algo que lhes gerariam muitas coisas.

- Vendo metade! – disse fazendo o velho fechar a cara.

- Vamos lá Cael, você não vai ficar dividido em ser um homem rico, daqueles que o ficará sem trabalhar o resto da vida, apenas pelo bel prazer da cidade?

- Metade!

- Eu pago pelo preço da arroba de hoje.

- Metade! – disse mais uma vez, agora sem olhá-lo nos olhos.

Perder uma parceria com aquele velho seria nunca mais ter um cliente que pudesse nos ajudar num momento de dificuldade. Com meu pai no meu pé, viver em momentos de dificuldade, seria constante daqui pra frente. Viver com a renda que a cidade me proporcionava, era uma coisa. Daria para manter apenas o Cael e alguns peões. A cidade não conseguiria viver apenas com o que eu produziria. Eles vivem da carne e do queijo que forneço. Tirar isso deles seria o mesmo que jogar na cara de todos que eu não me importava nada com a cidade. Eles precisariam "importar" carne, leite e derivados. Aí eles ficariam insatisfeitos comigo. Os cidadãos precisariam buscar outras fontes. Ou eles virariam pequenos produtores ou eles buscariam nas cidades próximas. Sem compras, sem dinheiro. Sem dinheiro, sem Cael e sua montanha. Meu pai tomaria tudo de volta e venderia num piscar de olhos. Ele compraria uma boa casa na cidade e, caso ele tivesse um pouco de compaixão, ele me daria uma mesada.

"Qual seria a pior escolha? Perder o maior comprador de gados que eu tinha nesse estado ou deixar que a cidade se volte contra minha pessoa?!"

- Qual a qualidade de todo o gado? – perguntei ao Tomé.

- Dos seus 20 e poucos mil, os que servem para corte e leite, chegam as 12 mil cabeças – respondeu ele me encarando. 

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