CAPÍTULO 08 - YURI MARTEL


Yuri Martel

- Você já sabe quem vai vir busca-lo?

- Achei que vocês deveria providenciado isso, não acha?

Ele me fitou séria. Acho que a paciência dela, assim como a da Lara, havia chegada ao final. Ela catou um papel que havia várias anotações e as leu por um tempo.

- Igor? – disse ela arqueando a sobrancelha.

- Meu pai? – perguntei atônito.

- Igor é seu pai! – disse ela anotando na prancheta.

- Meu pai jamais viria me buscar! – disse ainda sem acreditar.

- Não parece feliz com a notícia.

- Não falo com meu pai faz uns 06 anos Tati! Apenas comunicamos com um "Oi" e "Me da grana" – disse sentindo meu coração batendo forte.

- Talvez ele queira compensar os 06 anos que não estão se falando.

- Duvido!

- Dê uma chance a ele, coitado! Talvez ele não percebesse o quão grave era a sua situação – disse ela segurando meu ombro.

- O que eu posso ter me esquecido de dizer nas sessões, é que meu pai gastaria boa parte da sua fortuna para nunca mais me ver. Para ele, sou um animal com alguma doença contagiosa que precisa ser exterminada mais rápida possível.

- Talvez ele tenha mudado de ideia! – insistiu ela.

Suspirei fundo e apenas assenti. Não queria continuar aquela conversa. Ela não conhecia Igor Martel.

- Vá lá curtir sua despedida que logo estarei irei – disse ela.

O sino que sempre tocava para anunciar a festinha, havia acabado de soar. Sai da sala e rumei até o salão arrumado. Cumprimentei os doutores, as camareiras, as faxineiras, as mulheres da lavanderia. Todos vieram me dar tchau. A Tati chegou minutos depois, com uma caixinha e um lacinho. Todos lá ganhavam um presente dela. Nunca soube o que era, pois só podemos abrir quando saímos de lá.

- Nunca achei que ganharia o meu! – disse dando um abraço nela.

- Todos aqui vão ganhar o seu! – disse ela num abraço de urso – Vou sentir saudades do Yuri.

Não sei se era a luminosidade ou o que, mas havia resquícios de uma lágrima lá.

- Também vou sentir sua falta Tati!

- Mentira! – disse ela arrancando uma gargalhada gostosa.

- De fato, não sinto saudades daqui de dentro, mas um dia, quem sabe saímos para tomar um chopp?

- Só se você pagar!

- Achei que fosse me dar uma bronca por dizer "chopp" – disse.

- Yuri! Você sabe todas as consequências de seus atos. Melhor até que eu. Então, quem sou eu pra negar um chopp contigo?

- Falou bem doutora! E quando vão chamar o resto dos meninos e meninas? – perguntei ansioso, pois queria sair de lá logo.

Não gosto de despedidas. E, ficar ali, abraçando tanta gente, me deixava meio nostálgico. Ela desviou o olhar por várias vezes.

- Não está falando sério? Foi a Lara? – perguntei ao entender que ninguém viria.

- A Lara não tem "poder" de negar que seus colegas aqui venham se despedir! – disse ela séria.

- Então é só dar um toque a todos. Quero ir embora logo – disse impaciente.

Ela mais uma vez me fitou em silêncio.

- Eles estão fazendo uma sessão de terapia? – perguntei sem entender seu olhar.

- Não!

- Então...?

- Ninguém vem Yuri!

- Como ninguém, o Luca mesmo é meu único amigo aqui dentro?

Ela virou as costas e foi até a mesa dos refrigerantes encher seu copo. Olhei para minha volta e só vi apenas o pessoal que trabalhava na clinica. Eles não estavam lá para se despedir, faziam aquela ceninha do "adeus", mas, no fundo, só queria mesmo era comer de graça. Aquilo encheu meu peito de ódio.

- Fala sério! Foi aquela ridícula que não deixou o pessoal vir se despedir de mim – disse sentindo meu peito comprimir.

- Já disse a Lara não poderia fazer isso jamais. Vai contra ética da clínica.

- Ela tá se fodendo para ética! Ela quer me atacar – disse agora mais alto.

Todos a minha volta já começavam a me encarar.

- Aproveitando a festa Yuri? – perguntou a voz mais insuportável.

- Lógico! Você proibindo meus amigos de falar tchau. Tô muito bem!

- Toque o sinal mais uma vez Joel – pediu a Lara para o zelador.

Ele tocou o sinal e sem piscar, ela me encarou até o som parar de ecoar na clínica.

- Não adiantaria tocar o sinal mil vezes, se você disse algo a eles – disse sentindo que cada minuto que eu ficava cara-a-cara com ela, meu peito ia espremendo em fúria.

- Você está livre para ir até qualquer quarto perguntar a quem você quiser.

- Yuri? – chamou a Tati num canto. Virei logo e fui ao seu encontro – Ela tem razão. Não virá ninguém.

- Como não viria ninguém?!

- Como viria alguém?

- Como sempre! Todos vêm, enche o bucho e voltam para os quartos – disse sentindo meu rosto ferver.

- Você disse com todas as letras que não se importava com ninguém aqui!

- E não me importo! Quero que todos se fodam – disse impaciente.

Os funcionários que estavam ali, me olharam com caras assustadas. Um a um, começaram a ir embora.

- Viu? Você faz com que as pessoas o repudiem – disse ela dando um gole do refrigerante.

- E dai? Sou Yuri Martel. Pessoas pagam pela minha presença nas suas festas – disse apontando o dedo na cara dela.

"Será que é impossível para ela entender quem eu sou?".

- Yuri, aceite o fato que ninguém quer vê-lo – disse a vaca da Lara.

- Você já tomou no seu cu hoje? – perguntei chegando bem perto dela.

- Não! Mas ganhei o maior presente de todos.

- Qual seria? – perguntei chegando mais perto do seu rosto.

- Yuri, afaste-se um pouco dela – disse a Tati pegando no meu braço e me puxando.

- Pode deixar Tati! Quero ver se ele é homem mesmo – disse ela de nariz empinado.

- Se ele fizer alguma coisa contra você Lara, juro que testemunharei a favor dele. Você está provocando um dependente químico.

- Já estou indo embora. Só estou contemplando a cara de idiota do "Rei das Festas". Nada me deu mais prazer de ver o quão bosta você é e o quão sozinho você está – disse ela virando as costas e indo para sua sala.

- VAI EMBORA SUA ASSALARIADA DE MERDA! – gritei enquanto ela fechava a porta.

Os funcionários que já estavam em suas respectivas salas, encaravam-me com cara de nojo.

- YURI MARTEL! - gritou a Tati pondo a mão no meu peito - Chega dessa palhaçada! Vamos embora daqui.

Encarei por uns segundos e sai rumo à porta que levava a recepção. Até que enfim iria girar aquela maçaneta que dava para a "liberdade". Passei por ela, não com aquela emoção que eu esperava sentir todas às vezes que me imaginava saindo por ela, mas com ódio de todas as pessoas lá de dentro.

- Vamos Yuri, seu pai está nos aguardando – disse a doutora segurando minha mão e me puxando para o hall de entrada.

Lá estava o homem que mais me repudiava da face da terra. Usava um terno preto, riscado de giz, camisa preta e gravata verde bandeira. Cores da sua empresa.

- Yuri?! – chamou meu pai com a maior cara de espanto da face da terra.

- Pai! – disse num sorriso amarelo.

- Como você está mudado! – disse ele vindo me dar uma abraço.

Ele parecia um robô tentando me envolver num falso abraço. Nem sei se ele sabia como fazia aquilo.

- Estou mudado para melhor ou pior?

- Quando eu o vi pela última vez, você não pesava 80 kilos.

- Deixei de pesar 80 kilos há mil anos – disse.

Sempre usei anabolizantes. Deve ter sido a primeira droga que coloquei no meu corpo. Tinha 1,85 de altura e pesava 80 kilos há 07 anos e deveria ter um ou duas tatuagens. Hoje devo passar dos 100 kilos de músculos, fácil, com o corpo fechado de tatugensl. Talvez não tivesse mais aquele tanquinho que tinha quando entrei aqui. Corpo todo depilado. Tonificado e torneado como antes, mas ainda estava aqui. Apenas dormindo. Esperando meu personal acorda-las. Era moreno, quase dourado de praias.. Tão dourada que ao ficar pelado, minha bunda branca, dava para ser vista da lua. Mas os caras gostavam da famosa marquinha de sol.

- Você está melhor! – disse abrindo um sorriso – Não se lembrava do seu paletó fechar na barriga.

- Dois infartos e você aprenderá a seguir a linha – disse num sorriso.

Primeiro sorriso sincero desde que parei de falar com ele. Quem sabe a Tati não estava certa, meu pai poderia ter mudado. A Tati conversou uns minutos com ele e, até que enfim, pude sair dali. Era tão estranho saber que estava saindo dali. Fiquei 186 dias dentro de um centro de reabilitação. Entrei na sua BMW X5 preta.

- Pensei que fosse querer dirigir após todo esse tempo trancado?! – disse meu pai olhando com um sorriso torto.

- Tenho a vida toda ainda. Quero aproveitar a vista.

- Entendo! Ficar trancado não deve ser nada fácil – disse ele.

- Tem lá suas vantagens! – respondi olhando para os carros passando ao meu lado.

- Abra o porta-luvas – disse ele indicando com a cabeça.

Abri o porta-luvas e lá estava o melhor presente da minha vida. Meu celular e meu tablet. Liguei os dois, mas logo travou quando começou a chover de mensagens.

- O que houve? – perguntou meu pai quando eu atirei meu celular no banco de trás.

- Acumulou muitas mensagens durante esses 06 meses desligado. Agora vai ficar travado até carregar todas elas.

A viagem de volta duraria umas 04 horas. Então, já que não teria o meu celular, ficar só olhando para o nada, não ajudaria muito quando se fala em passar o tempo. Ele fez o papel de um bom pai perguntando tudo sobre todos esses anos de ausência, incluindo o fundo do poço, clinica e a saída.

- Podemos parar para mijar e tomar algo ou comer, o que acha? – perguntou ele após andar metade do caminho.

- Perfeito! – disse abrindo um sorriso.

Estacionamos o carro, fomos ao banheiro e depois pegamos um lanche para cada um e sentamos na praça de alimentação do posto.

- Você me disse muitas coisas de como veio parar naquele lugar, da força que fez para aguentar todo aquele tempo e de como seguir daqui para frente. Precisamos falar sobre isso.

- Eu sei pai! – disse dando uma bocada no sanduíche – Esse sanduíche, essa carne, esse gosto. Como senti falta.

Era quase um orgasmo comer um cheese tudo (X-tudo) após tanto tempo comendo aquela comida sempre balanceada. Nunca tinha "porcarias" para se comer lá dentro. Apenas quando algum dos raros pais que eram autorizados a ver os filhos e acabavam trazendo alguma guloseima. Meu pai trazia com ele uma mala preta, grande, que poderia caber muitos objetos dentro dela. Ele a abriu e retirou um monte de papeis.

- O que ser isso?

- "Isso" é o que vamos resolver sobre seu futuro.

- Precisa ser agora, enquanto viajamos e comemos? – perguntei ao ver que ele nem tocara no seu lanche.

"A coisa vai ser séria mesmo!"

- Pegue seu tablete e abra seu Facebook – ordenou ele – uma hora dessas já deve ter acabado de abaixar tudo que poderia abaixar.

Fiz o que ele pediu. Meus olhos encheram de lágrimas ao ver a quantidade de mensagens e solicitações novas. Era algo que jamais tinha visto na vida.

- O que você quer? – perguntei rindo.

- Vamos excluí-lo – disse ele olhando bem no fundo dos olhos.

- Pra que isso?

- Se quiser viver no mundo aqui fora, enquanto eu pagar suas contas, você vai fazer o que eu mando.

Para evitar uma briga maior, apenas assenti com a cabeça afirmando que excluiria.

- Já estou em configurações...

- Vai em alterar sua senha – mandou ele novamente.

"Garoto esperto!" – pensei comigo.

- Você não confia que jamais abriria essa conta sem falar com você? Você tem um milhão de dedos-duros por aí. Incluindo minha irmã.

- Vai em alterar senha – mandou ele novamente.

- Ok! – disse virando o tablete para ele.

"Eu crio uma conta nova seu babaca!"

Ele ficou mexendo com minha senha, depois apagou o Facebook. Foi assim, consecutivamente com Instagram, Twitter e, por ultimo, Whatsapp. Todos esses aplicativos que eu posso criar num piscar de olhos.

- Assina esse papel aqui – disse ele empurrando um papel grosso – Assinatura de cartório.

- Uma procuração? – perguntei atônito – Para que uma procuração se estarei em casa?

Ele fitou serio, sem dizer uma só palavra. Assinei aquela merda de papel e olhei para ele com a mesma cara desafiadora.

- Agora me devolva todos os seus pertences – mandou ele novamente.

Entreguei o tablete e o meu celular.

- Mais alguma coisa?

- Yuri Martel, a partir de hoje, você ficará sem nenhuma rede-social, seus cartões, seu apartamento, seu carro, seu tablet, seu celular, sem nenhuma conta bancária, sem nenhum tostão no bolso. Tudo será administrado por mim enquanto você estiver sobre a clinica domiciliar.

- Administrar meu carro e meu apê? Fica a vontade.

- Vou vende-los – disse ele com olhar frio.

- Vender? Não acredito que você esteja falando essa idiotice! Você acha que precisa de tudo isso? Não faria nada de errado.

- Você já fez tudo de errado. Vou vender suas coisas para pagar seu tratamento e devolver todo o dinheiro que você enfiou nesse nariz.

Não acredito que ele estava fazendo aquilo. Passou um terço da viagem dando uma de bom pai e agora está me apunhalando.

- Depois eu vou ter que comprar tudo o que já está comprado?

- Sim!

- Não seria burrice você vender algo e comprar tudo de novo?

- Não! Porque você comprará com o seu dinheiro – disse ele me fitando serio. Seus olhos azuis não eram tão belos agora.

- Como? – perguntei chegando mais perto.

Ele fez o mesmo movimento, ficando a poucos centímetros do meu rosto.

- Se quiser apartamento, carro, celular, tablet, dinheiro e outras coisas no qual você não vive, terá que comprar por conta própria. Disseram que Mc Donald's sempre é o melhor primeiro emprego.

- Só uma pergunta: O que "faremos" nessa clínica domiciliar?

- Conversaremos isso no final da nossa viagem.

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