CAPÍTULO 06 - YURI MARTEL
Narrado por Yuri Martel
Caminhei até o meu quarto para fazer as minhas malas. Estranhei ao chegar e ver a minha cama arrumada.
- Deveria ter arrumado a minha cama quando eu ainda morava aqui Luca. Você teve muitos dias para me conquistar – disse ao garoto loiro.
Ele riu sem olhar nos meus olhos.
- Qual a graça? – perguntei sentando ao seu lado.
- Não tenho pretensão alguma de conquistá-lo e, caso quisesse, seria com dinheiro – disse o Luca.
- Então...? – perguntei arqueando a sobrancelha.
- Então... que foi a Lara que mandou as camareiras arrumarem sua cama Yuri. Arrumaram suas malas também – disse ele com uma risada vitoriosa.
- Elas fizeram isso por algum motivo especial?
- Sim! – disse ele ainda sem me encarar.
- Você sabe que detesto segredinhos – disse empurrando seu pés para o lado e sentando na sua cama.
Ele fitou-me por uns segundos, suspirou antes de falar.
- Você está indo embora. Lógico que já estão arrumando suas coisas para chegada do outro rapaz – disse ele sério.
- Outro rapaz? – perguntei levantando-me e indo até o armário onde ficavam as minhas poucas coisas.
- Diz que não tem mais do que 20 anos – completou Luca desviando o olhar novamente – Um que vai substituir o grande Yuri Martel.
Não que isso fosse ruim, além do mais, era o dia que todos aqui dentro esperam. Mas o que me deixava mal, era que para eles lá dentro, não signifiquei mais que "outro" cliente. Fiquei seis meses nesse lugar. Seis meses afastado dos maiores problemas que poderia enfrentar. Tinha medo que, ao sair pela porta da frente, não fosse resistir ao mundo. Deu uma dor no coração ao saber que eu poderia ser tão facilmente substituído.
- Que foi Yuri? – perguntou o Luca se sentando – Não gostou de saber que outro garoto está lá na recepção esperando apenas você sair para ele deitar-se no seu lugar?
"Você agora lê os meus pensamentos?"
- Pensei que a Lara fosse falar comigo antes de qualquer coisa. Perguntar-me se eu estava pronto para ir para minha casa – disse.
- Mesmo sendo rico, ninguém quer alguém como você aqui dentro – disse ele abrindo um sorriso – Você vai me ligar quando eu sair?
- Como assim ninguém quer alguém com eu? – bravejei levantando da cama – Tenho mais dinheiro que esse drogado que vai deitar nessa cama.
- Calma Yuri! Falei na brincadeira. Achei que você detestasse esse lugar – disse o Luca se levantando e vindo me dar um abraço.
Ficamos abraçados por um tempo. Talvez ele esperasse que eu fosse me acalmar.
- Sou o único aqui dentro que leva o tratamento a sério – disse apontando o dedo na cara dele.
- Não é não! A maioria aqui leva o tratamento a sério. É que você faz questão de lembrarmos o tempo todo o quão fracos somos e que nunca mudaremos.
- E não é mentira!
- E também não é verdade!
- Não venha com lenga-lenga Luca – disse me afastando.
- Não é por ser a sua verdade que todos estamos fadados a vivê-la. Eu mesmo acredito que ficarei muito bem quando voltar para minha casa, meus filhos e minha noiva. Recuperei as forças que precisava para ajudar a minha noiva manter-me afastado da rua. Era só disso que precisava.
- Pago 20 mil reais por mês para que ajudem – disse.
- Assim como eu e outros 22 garotos. Mas você, aqui dentro, é um garoto mimado que não ajuda com o tratamento deles. Você os afasta daqui.
- Eu acho que tenho direito a falar o que bem pensar.
- Yuri, ninguém tirou o seu direito de expor-se aqui dentro. É que você causa uma má impressão. Como não conseguiram domá-lo, eles precisam eliminá-lo, antes que contamine o centro todo e eles precisem fechar.
- Minhas verdades causariam o fechamento desse lugar?
- Se os pais desses garotos vissem o quão frágil a "casa" pode ser, sim! - Eles só estavam esperando por esse momento. A casa está cheia meu amigo – disse ele chegando mais perto.
- E...?
- E... que acharam outros 20 mil reais que não seja tão contaminador quanto os seus.
Fiquei encarando-o aquele idiota, com uma imensa vontade de esmurrá-lo. Mas, no fundo, estava percebendo que a única pessoa que precisava de uma surra, era eu. Não me lembro de ter sentido algo tão doloroso quanto ao fato de ninguém gostar de mim. De todos quererem que eu saísse para não contaminar o ambiente. Sentia-me um animal com um verme que precisasse ser abatido antes que infectasse a todos ali. Uma moça de cabelos longos bateu na porta avisando que estava na hora de ir.
- Está na hora Luca! Disse indo até ele e dando um abraço apertado. Fica bem rapaz e vê se domina esse lugar por mim.
- Não! Quero encontrá-lo um dia para podermos dar boas risadas desse tempo.
- Eu não sei!
Ele fechou os olhos, respirou fundo e disse:
- Até mesmo você vai sair dessa! Acredito em você Yuri Martel. Ainda seremos muito bons amigos.
Apenas assenti com a cabeça e sai sem falar mais nada. Mesmo o Luca seria uma lembrança na qual eu não queria lembrar. Andei com minhas malas pelo corredor largo, passando por vários quartos até chegar, até chegar ao grande salão. Havia uma mesa redonda, chega de guloseimas, como salgadinhos, pães, tortinhas de frango, tortinhas de limão, brigadeiro, sucos variados. Minha boca se encheu de água ao passar em sua lateral e uma faixa com meu nome ao centro. Nunca achei que fosse ver a minha própria. Era costume fazer uma pequena festa quando alguém da internação ia embora. Tanto as alas das meninas quanto dos meninos se reuniam para um último "Adeus". Digo "Adeus" porque a maioria de nós, principalmente eu, nunca mais os verei. Não quero ser lembrado numa festa dentro de uma internação de drogados. Prefiro ser lembrado como sempre fui. Yuri Martel, Rei das Áreas VIPs das maiores baladas do Brasil, como símbolo sexual, Rei das Praias. Como aquele que nunca precisou ser escolhido.
- Yuri? – chamou uma moça linda de cabelos morenos e compridos – venha aqui na minha sala antes de começarmos a comer.
- Até porque estamos apenas eu e você na festa, não é? – disse.
Ela abaixou a cabeça e tentou dizer algo, mas não saiu.
- O que foi? – perguntei vendo aquele sorriso amarelo.
- Já falaremos sobre isso, mas antes, vamos a minha sala – disse se virando e indo ruma à salinha dela.
Passei pela porta de madeira, com os dizeres: Lara Purguese, Assistente Social. Mesmo sendo assistente social, ela era como se fosse à vice na liderança aqui dentro. Isso, se por trás daquele sorriso de quem quer agradar muitas pessoas, ela realmente não fosse uma sócio-oculta. A Tati já estava sentada a cadeira ao lado da Lara. Esperei ela me convidar a sentar. Quando sinalizou com a mão, pude cumprimentar a Tati com um beijo, joguei minhas malas num sofá atrás de nós e sentei-me quase deitando na cadeira. Gostava de ficar todo largadão.
- Que carinha é essa Yuri? – perguntou a Tati buscando meu olhar.
- Só um pouco chateado!
- Com o que disse no grupo agora pouco? Sobre o medo que tem em sair daqui?
Esperei a Lara se sentar para continuar.
- Não... quer dizer, também! Fiquei meio "sei lá" ao entrar no meu quarto e ver que minhas coisas haviam sido arrumadas!
- Ficou chateado? – repetiu a Tati.
- Sei lá!
- É tão difícil você realmente se abrir? Mostrar um lado mais amoroso de Yuri. Yuri pode chorar, rir, se emocionar, se chatear, entre outras mil emoções. Vai cair suas bolas se disser que está triste? – perguntou ela sendo a Tati que conhecia nas sessões particulares. Aquela que parecia mais do "povo".
A Lara que torceu a boca e olhou para os pés ao ouvir "bolas". Como se ela nunca tivesse visto nenhuma na vida.
- Fiquei Tati! Está bom assim?
- Melhor agora!
- Fiquei chateado que mal cheguei no meu quarto e tudo estava pronto!
- Queria ficar mais? Achei que você era a pessoa mais interessada em dizer "tchau" aqui dentro.
- Eu sempre quis, mas agora que estou prestes a fazer, não quero mais.
A Lara me encarava quieta. Isso me intrigava.
- Mas como tudo tem um começo, tem-se o final. O final dessa primeira etapa já foi. Agora só você pode concluir as demais.
- Ou seja, Yuri está por conta própria e na rua – disse desviando o olhar.
- Gostei mais daquele Yuri que conheci há meses atrás.
- Daquele drogadinho, chato, mimado, cheio de charme para todos? – perguntei arqueando as sobrancelhas.
- Yuri Martel, sou psiquiatra e psicóloga, não pediatra – disse ela rindo.
- Essa doeu Tati!
- Não banque o forte comigo. Aqui só há espaços para iguais – disse ela com um sorriso confortante.
- Então Tati...? – disse num tom para ela continuar.
- Então Yuri... você vai sair daqui e recomeçar de uma outra forma. Aqui está uma lista de medicamentos e um bom doutor que irá acompanhá-lo fora daqui. Suas sessões com a psicóloga e o psiquiatra continuarão. Terá eles para auxiliar. Aqui também tem um grupo de ajuda que encontrei numa igreja próxima a sua casa. Seria bom ter uma religião. Ajuda muito quando estiver sozinho.
- Mesmo assim não poderei andar sozinho pelas ruas?
- Nas primeiras semanas não! Como você mesmo disse, está sentindo um pouco de medo. Medo o deixará ansioso e isso não é bom. Melhor que vá acompanhado há todos os lugares quando sair. Aí quando pegar confiança, você poderá sair, com horários controlados. Sabe quando os filhos são adolescentes e a mãe diz a eles que ele precisar sair e voltar em tal horário? É isso! Se você sair e voltar no horário que combinou, aos poucos, eles vão liberando mais e mais, até você ser o Yuri.
- Baladas? – perguntei fechando os olhos, na falsa esperança de um sim.
- Até completar um ano, nada de baladas. Quando completar um ano, ainda sim terá que ir acompanhado. E mais uma coisa, nada de álcool.
- Balada sem álcool e drogas? Maravilha!
- Yuri, aceite o fato que drogas e nem o álcool fará parte da sua vida.
- Pelo resto da vida?
- Sim! Sabe uma coisa que ajuda muito?
- Ficar aqui pelo resto da vida, já que não posso fazer nada? – disse fazendo a Lara rir.
- Não seu bobo! Quem sabe você se você arrumasse um namorado careta?
- Quem sabe você ainda se lembre o quão detesto que digam sobre minha vida particular.
- Yuri, a Dona Lara é mais liberal que eu. Há vários outros homossexuais aqui como você.
- Para todos os casos Dra., eu não sou! Combinamos de dizer a palavra "parceiros".
- Ok Yuri! Ajudaria muito se você encontrasse um "parceiro careta". Que não bebe, não fuma, não curta sair somente em baladas.
- Qual é Tati, tá querendo que eu namore uma planta? – indaguei-a rindo.
- Quem sabe? Tudo que puder ajudá-lo está de bom tamanho! – disse ela tirando quase todo sorriso.
Sabia que a discussão estava chegando ao final.
- Mais algum conselho Dra.? – disse esfregando os olhos.
- Espero que tenha aprendido com esses seis meses. Você é um rapaz tão bonito, não combina com as drogas. Não combina com esse lugar – disse a Lara dando um sorriso confortante – não é tão difícil para você ficar longe dessa sua antiga vida. Para com essa vida de gandaia e viva mais você.
- Você não conhece o mundo real, não é? Pela idade, aliança no dedo e esse cargo tão alto, você deve ter sido aquela menina "nerd" da faculdade. "Adorada" por todos que namorou apenas o cara que lhe colocou essa aliança no dedo. A melhor festa que você deve ter ido, foi sua formatura, onde seu namorado deve ter aproveitado a oportunidade para colocar aliança do noivado. Depois se casou apenas no civil, onde pegou o pouco dinheiro para mobiliar sua casa e passar a lua-de-mel num hotel fazenda aqui perto.
- Como você sabe? – perguntou ela olhando para Tati atônita.
- Yuri tem o "dom" de adivinhar a vida das pessoas – disse a Tati rindo.
- Ninguém tem esse dom – disse a Lara ríspida.
- O que eu estou querendo dizer, é que você nunca soube o que é ser cobiçado, ser o centro das atenções, ser chamado para festas mais caras, em iates de pessoas que você nunca ouviu falar na vida. Ganhava passagem aérea e hotel, apenas para "O Rei das Festas" estar presente. Ganhar presentes, ser apresentado a políticos, jogadores de futebol, artistas famosos. Então, quando quiser alguém parar com a "gandaia" entenda o que significa isso antes. Fica-a-dica.
- Não sei o que é gandaia, mas sei o que é fundo do poço. Aquele que te tiramos e, no qual, sei lá como fará para não voltar – disse a Lara exageradamente vermelha de raiva – Lembra como você chorava dia e noite por estar arrependido, por ter perdido muitos amigos, por ter visto os médicos te levando para sala de cirurgia e preparando-a para abrir seu peito, caso você enfartasse. Dos delírios e noites de insônia. Do quão dependente você é da nerd aqui. E, mesmo não tendo se quer 01 seguidor, ainda sim sou mais feliz que essa pessoa que não pode comprar 01 pão sozinho. Eu posso caminhar a vontade, dirigir a noite sem medo. Medo? O que seria medo? Não sei! Quem sabe eu passe uns dias contigo para saber o quão cagão você é! Lógico que, para tudo isso acontecer, você precisará ficar sóbrio. Caso contrário, voltará pra "nerd" aqui. Quando sair por essa porta Yuri Martel, espero que haja milhares de seguidores, jogadores de futebol, artistas e ricos amigos esperando para apoiá-lo. E, se não tiver nenhuma, aí você saberá o quão vale sua vida, quando não lhe sobrou mais nada!
- LARA! – berrou a Tati.
- ESSE RAPAZ FALA O QUE BEM ENTENDE E EU NÃO POSSO ABRIR A BOCA? –berrou a Lara em levantando e saindo da sala.
- Você concorda com ela?
- Com ela e com você!
- Pelo menos uma vez na vida Tati!
- Sempre olhos pelos dois lados da rua antes de atravessar.
- Garota sábia! Escolhe por qual carro será atropelada.
- Exatamente!
Ficamos papeando um pouco sobre minha clinica domiciliar. Mesmo não acreditando que meus pais irão fazer tudo que a Tati queira, mas em fim!
- Fechando com "chave de ouro", né Yuri? – disse a Tati abrindo o sorriso.
- Se não fosse com "chave de ouro", não seria eu, fala aí?
Ela apenas concordou com a cabeça e ficamos na saleta conversando por quase uma hora. Sobre o que eu precisaria fazer assim que saísse da clínica. Passou uma lista de medicamentos e outra com nomes de psicólogos e psiquiatras, para continuar meu tratamento chamado "clinica domiciliar".
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